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terça-feira, 9 de outubro de 2018

O OVO DA SERPENTE – DÉJÀ VU!* - Crônica sobre um Brasil à beira do abismo

Para um historiador nada do que está acontecendo pode surpreender. E não me refiro somente a situação política e social que vive o nosso país. O que acontece no mundo também parece ser incompreensível. Mas para o estudioso da história, da geopolítica ou das ciências sociais, uma análise pelas transformações que ocorreram no passado, em diversas partes, nos dá a indicação de que tudo é possível. Os avanços, as transformações sociais, a intolerância, os retrocessos, as ditaduras, o fascismo, o nazismo. Tudo muda, permanentemente, e em muitos casos, essas mudanças carregam traços do passado, ainda latente e de muitas feridas não cicatrizadas.
Mas quero me ater ao Brasil, nesse momento tenso em que estamos passando. Sempre tivemos como característica uma sociedade muito conservadora. Nos costumes, nos valores, na maneira de encarar as mudanças de comportamentos e na dificuldade de aceitar as transformações que se contrapõem a dogmas seculares, e até mesmo milenares. Por certo tempo avançamos em direção a ideias progressistas, e certamente isso se deveu porque as pessoas sentiram que o rumo que o país estava tomando, no final do século passado, era terrivelmente prejudicial para si e também para a imensa maioria da população desse país. Assim, apostaram em um novo projeto político, bem na contramão desses valores.
De lá pra cá muita coisa mudou. E não foi somente devido aos erros que teriam sido cometidos pelos governos de esquerda. Isso, como a insistência tanto reverberada pela mídia, tem alimentado o discurso fascista. Mas o que mudou é consequência de uma crise que é muito maior. Estamos num processo de transição de um sistema falido, que joga milhões de pessoas no desespero e na miséria, enquanto concentra uma riqueza absurda com 1% da população. A crise econômica de 2008 deixou os Estados em grande parte falidos, porque precisaram salvar os bancos e o sistema financeiro. Mas com poucos recursos no tesouro os Estados não podem adotar políticas sociais e isso acentua as crises, porque se perde um forte agente indutor de investimentos e, por extensão, gerador de empregos. Já os bancos... vão muito bem, e nem sequer se preocupam em salvar os estados. Estes só servem para atender aos seus objetivos. Só não se admite, pela elite, que as políticas do Estado ajudem a população pobre a sair das condições de crise. É claro que isso vai transformar a sociedade num inferno. O problema é que as pessoas olham para o lado errado, e se submetem as informações falsas e deturpadas sobre como deve ser a saída para esses dilemas.
O golpe dado aqui no Brasil, em meio à ambição tresloucada dos derrotados nas eleições de 2014, afundou o país no caos. Três anos de uma perversa recessão, e a ilusão transmitida pela grande mídia que estávamos saindo do buraco, quando na verdade nos afundávamos cada vez mais, deixou os brasileiros baratinados. O que se via, ouvia e se acompanhava pela mídia e redes sociais, era a repetição de acusações e indicações de culpas contra as políticas de governos que ousaram fazer do Estado um estimulador de políticas sociais em benefício dos mais pobres. Bem como inseri-los na fila de ingresso nas universidades públicas.
Paradoxalmente essas camadas beneficiadas por tais ações e políticas passam a combater esses projetos e a defender, de forma inusual, um indivíduo que se contrapõe por essência, e por questões ideológicas, aos mecanismos que foram criados para beneficiá-los. Isso parece loucura, mas não é. As circunstâncias surgidas no contexto da crise, a maneira como a mídia criou um ambiente nefasto, de pessimismo, como condição para desconstruir tudo que havia sido construído de positivo no Brasil desde 2002, a insistente desmoralização dos dirigentes políticos, em especial da presidenta, e a forma como se iniciou um processo de investigação das corrupções dentro da estrutura do Estado como elemento construtor das campanhas eleitorais foi gradativamente criando uma aversão pela política, inicialmente, e pelas principais lideranças de esquerda, algumas envolvidas nas denúncias do uso da máquina pública para manter um projeto de poder. Não importava se esse projeto de Poder visava combater as desigualdades sociais, muito embora não se combatesse a concentração da riqueza. Outro paradoxo.
Mas talvez o elemento mais histriônico, pelo qual se construiu uma chocadeira eletrônica, de onde proliferou uma infinidade de filhotes de fascismo, foram as pautas hipócritas de defesa da família, dos valores tradicionais, se contrapondo às lutas de minorias contra o machismo, a opressão e a intolerância a que sempre foram submetidos. Daí despontou as vozes perversas do fascismo, irritantemente estúpidas e mentirosas, que desvalorizam as pessoas pelas suas opções e escolhas de vida, apregoando para justificar essas posturas bizarras versículos bíblicos e exaltando o nome de Jesus como condutor dessas mais abjetas perversidades humanas. Há uma terrível inversão de valores nesse comportamento, que destrói os melhores valores apregoados pelo cristianismo primitivo.
Mas, nada de novo nisso, é um dejá vu, aconteceu também em 1964, com a famigerada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Não visava liberdade coisa nenhuma. Simplesmente as submissas senhorinhas da classe média alta e da burguesia foram para as ruas com as mesmas pautas intolerantes de hoje, em um contexto diferente, naturalmente. Ali por um golpe militar, agora se vê militares tentando assumir o poder com o mesmo discurso mediante um processo eleitoral, cujo objetivo, se se sagrar vitorioso é a destruição da democracia e das liberdades a muito custo e sacrifício conquistadas, e assim mesmo de forma limitada. Pois é justamente contra a ampliação dessas liberdades que o fascismo se remexeu no  cio.
Qual a diferença nos fatos e estratégias adotadas nesses dois momentos? Primeiro, em 1964, a base da religião que possibilitou esses movimentos foi a igreja católica, naquele momento de forte envolvimento conservador. O que estamos vivendo neste momento, 54 anos depois, é uma estratégia adotada para que se tivesse um movimento favorável, e que não seria um partido político – tanto que para isso usou-se um bastante inexpressivo – foi a conversão de um candidato de extrema-direita, com discurso ditatorial, intolerante, preconceituoso, machista e racista, ao evangelismo neopentecostal, de feição nitidamente ultraconservadora, e isso bem recentemente, em 2016. Em um caso e outro o discurso de intolerância dá também um tom anticristão, e o mesmo caráter reacionário. Mas, naturalmente, há cristãos que resistem a esse engodo. Os que não são alienados e não se submetem à lavagens cerebrais.
Não há cérebros sãos por trás de tudo isso, e se transmite pelo ar um clima insuportável, que se espalha perigosamente e deixa o ambiente cinzento. Há uma frase do poeta Bertold Brecht, forte, mas que sintetiza bem o que significa esse movimento: “A cadela do fascismo está sempre no cio”. É o que parece nesse momento. Haveremos de combatê-lo, mas conhecemos pela história que isso se dissemina perigosamente, em meio à ignorância, alienação e desespero de uma população que porventura tenha perdido as esperanças. O discurso do ódio, da violência para combater a violência gerada por problemas sociais, a absoluta ausência de preocupação com a harmonia da sociedade, pois desejam eliminar os diferentes, a hipocrisia e as mentiras, encontram nesses ambientes um solo fértil para germinar e crescer. Miremo-nos na história, aprendamos com o passado, ainda é tempo de impedir que entremos na loucura em que se transformaram outras sociedades, em alguns casos gerando genocídios de multidões inocentes. Acreditem que isso possa a vir novamente acontecer, mas tenha uma crença maior, de que é preciso impedir essa possibilidade. A humanidade já extirpou em outros momentos essas serpentes. Elas foram chocadas, estão se reproduzindo, mas serão mais uma vez derrotadas. Esperamos que somente pela via eleitoral.
Por fim, não se trata de querer aplicar esse rótulo de fascista a todos que porventura sejam conservadores. Não pode ser isso. Até porque nem mesmo esses liberais mais moderados escapam desse ódio visceral fascista, e vimos também isso quando se instalou uma ditadura militar aqui no Brasil, e de como funcionou o nazi fascismo na Alemanha e na Itália. Os arrependidos foram perseguidos e também se tornaram vítimas dessas ditaduras. Para isso é fundamental diferenciar quem propaga o discurso do ódio, da intolerância, da violência, daqueles que na ânsia de propor uma mudança terminam seduzidos por esses comportamentos abjetos. Trata-se de utilizarmos estratégias de convencimento, a fim de impedirmos que aqueles que são bem intencionados sejam atraídos pelo canto da serpente. Devemos trazê-los para o lado da democracia, da tolerância, do respeito às diferenças, e da liberdade.


(*) Déjà Vu – “A expressão francesa, que significa “já visto”, é usada para indicar um fenômeno que acontece no cérebro da maior parte da população mundial. O termo foi aplicado pela primeira vez por Emile Boirac (1851-1917), um estudioso interessado em fenômenos psicológicos. Déjà vu é quando nós vemos ou sentimos algo pela primeira vez e temos a sensação de já ter visto ou experimentado aquela sensação anteriormente”. Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/deja-vu.htm


(**) Em 2012 publiquei outro artigo com o mesmo título: O Ovo da Serpente. E ali eu já abordava as fake news e os comportamentos intolerantes. Acesse o link e leia: https://gramaticadomundo.blogspot.com/search?q=O+ovo+da+serpente


domingo, 1 de julho de 2012

O OVO DA SERPENTE

A pós-política e o perigo dos três efes: fakes, farsantes e fascistas(*)

Há algum tempo alimento a vontade de escrever um texto que pudesse problematizar uma situação que vivemos no mundo real, mas que se manifesta mais fortemente na virtualidade de um cotidiano que segue perigosamente em direção ao acirramento de comportamentos fortemente marcados pela intolerância.
Os golpes silenciosos aplicado em alguns países que viveram dias e meses de revoltas populares, e o rito sumário da impostura democrática, com os setores da elite conservadora paraguaia destituindo o presidente daquele país, me levaram a, enfim, concluir por tentar registrar minhas preocupações que já me acompanhavam desde que terminei de escrever as “crônicas de um mundo em transe”, no começo do ano. E me convenceram após por várias vezes ter sido estupidamente afrontado com ofensas, por divergir de determinadas opiniões expostas na internet.
Como os amigos leitores desse blog podem perceber, ao longo da leitura de mais de uma centena de artigos, embora tenha me desligado umbilicalmente da militância política, não o fiz das minhas concepções nem da minha filiação partidária. E mantenho sempre a ideologia marxista, e o método dialético, a guiar os meus olhares e definirem as minhas observações sobre as transformações que afetam o cotidiano da humanidade. E o nosso entorno, em particular.
Os dissabores da vida, registrados no acaso que dilacerou uma parte de mim, e que me levou inclusive a criar esse blog, gerou certo ceticismo quanto a construção do futuro. No meu caso particular o futuro desvaneceu-se no momento em que uma tragédia tirou de mim parte dele, e me fez prestar mais atenção no presente, valorizando mais o passado, e tentando entender como as mudanças casuais nos afetam em nossos sentimentos mais profundos, de esperança, fé e crenças nas transformações materiais.
Tornei-me mais criterioso nas análises, mais ponderado na avaliação política, e equilibrado na identificação dos sentimentos de solidariedade. Mas me assusta ver como o caráter dos indivíduos vem sendo determinado por fortes traços de intolerância. E o que vejo é preocupante, após três décadas de militância política, e tendo podido acompanhar essas transformações por minhas leituras focadas na dialética materialista e pela experiência principalmente desses últimos cinco anos, em que pude observar melhor com outros olhares esses comportamentos, principalmente da juventude.
O meu ingresso na virtualidade das redes sociais, motivado principalmente pela necessidade de melhor difundir o meu blog, me levou da euforia com o deslumbramento pela potencialidade que essas ferramentas nos possibilitam, à decepção com que comecei a perceber nesse meio um canal de expressão de comportamentos desrespeitosos, intolerantes e catártico das frustrações digressivas de personalidades certamente marcadas por históricos de convivências sociais complexas. Muito embora sendo comportamento de uma minoria, incomodam e preocupam.
Imaginei, num primeiro momento, poder transferir a minha militância para o mundo virtual, até mesmo me intitulando um “guerrilheiro cibernético”, como uma forma de prosseguir na difusão de ideias que marcaram a minha formação política. Como aprendi a ser mais tolerante com as diferentes opiniões, e a não me consumir por questões menores que venham a nos dividir, os que possuem concepções que se baseiam na solidariedade e na busca pelo caminho que nos leve a uma sociedade mais justa e menos desigual, acreditei poder levar o bom combate para as redes sociais.
Eu sabia que encontraria discussões ácidas, no enfrentamento de opiniões advindas de setores conservadores. O que não seria nenhuma novidade, e até mesmo natural. Mas o que me viria a me surpreender, por todo esse tempo de virtualidade digital seria a virulência dos embates, oriundos principalmente de pessoas identificadas com grupos aparentemente de esquerda. Além dos inconformados conservadores, contrariados com as recentes mudanças políticas no Brasil.
Passei a observar tais comportamentos, e até mesmo em algumas situações o grau de agressividade e de ofensas destiladas atingiu níveis preocupantes, me alertando para buscar explicações em uma nova realidade que teve início em conflitos que marcaram um novo estilo de luta da juventude por vários países, denominado “indignai-vos”. Na esteira da crise capitalista que se estende desde quando as torres gêmeas foram postas ao chão, em 2001, cujo epicentro se deu em 2008 com a quebra de inúmeras instituições financeiras na sequência de uma grave crise no mercado imobiliário estadunidense, até o momento atual, com uma crise imprevisível na Europa e do capitalismo de uma maneira geral.
A partir de uma situação concreta, particular, e as observações que as minhas aulas de geopolítica me impunham, fui construindo algumas ideias a respeito dos tempos atuais. Na junção das lembranças das elaborações de Milton Santos, das leituras dos últimos textos de Eric Hobsbawm, e, obviamente, da dialética marxista, fui me convencendo que vivemos uma época de transição, de um possível esgotamento do sistema capitalista. Mas, como já alertava Gramsci, o perigo está quando o novo demora em chegar e o velho resiste em desaparecer. Se não há a perspectiva de saídas revolucionárias, que possam dar um novo rumo à sociedade mediante a existência de uma vanguarda devidamente organizada, outros mecanismos certamente despontarão, a exemplo de como se deu o surgimento do nazi-fascismo, nas décadas de 1930-40, e prolongarão a agonia sistêmica.
Lembrei-me de ter lido há alguns anos um livro do filósofo Slavoj Zizek, quando ao final ele conclui com algumas formulações interessantes, que podem perfeitamente serem pontuadas com os acontecimentos patrocinados pelos “indignados” – que surgiram nas revoltas árabes e nas lutas contra o sistema financeiro capitalista, nos Estados Unidos e Europa – e nos ajudam a entender o comportamento de uma juventude sectária e intolerante. As justas revoltas são desprovidas de senso crítico aprofundado, porque não lhes acompanham nem questões teóricas, que lhes ajudem a compreender as contradições, nem ideologia, que lhes indiquem como superar tais complexidades e encontrar caminhos alternativos àqueles pelos quais se estão protestando. Voltei a ele, e cito aqui um trecho interessante.
Assim dizia Zizek:
“Por tudo isso, a lição ‘leninista’ fundamental de nosso tempo é a seguinte: política sem a forma organizacional do partido é a mesma coisa que política sem política; por isso, a resposta àqueles que querem apenas ‘Novos Movimentos Sociais’ (nome muito adequado, aliás) deve ser a mesma que os jacobinos deram aos girondinos que queriam negociar uma solução de compromisso: ‘Vocês querem revolução sem revolução!’. O dilema atual é que há dois caminhos abertos ao engajamento sociopolítico: ou joga-se o jogo do sistema, engajando-se na ‘longa marcha através das instituições’, ou toma-se parte em novos movimentos sociais, do feminismo à ecologia e ao anti-racismo. E, reiterando, a limitação desses movimentos é que eles não são políticos no sentido do Singular Universal: eles são ‘movimentos de uma só causa’, que não têm a dimensão da universalidade – quer dizer, eles não se relacionam com a totalidade social” (ZIZEK, Slavoj. Às portas da revolução – escritos de Lenin de 1917. São Paulo: Boitempo editorial, 2005. Pág. 325).
A máscara do protagonista de "V"
de Vingança inspirou alguns a
esconderem-se no anonimato
Prosseguindo, em um capítulo denominado “Contra a pós-política”, Zizek critica o comportamento gerado do desencantamento seja com a desilusão do socialismo, como pela crescente crise do capitalismo. O caminho escolhido quase sempre tem sido do apoliticismo e da busca por escolhas de temas pontuais, que se tornam bandeiras de grupos e camadas sociais, desconectadas de uma realidade bem mais ampla, que poderia levar ao entendimento que tais circunstâncias são geradas pela forma como funciona o sistema capitalista.
Os exemplos que surgem dessa confusão têm levado ao poder setores conservadores oportunistas, que se aproveitam desses dilemas e da desideologização, que tem caracterizado os tempos atuais. Na medida em que não carregam em si ideologias, e limitam-se às particularidades, esses movimentos contribuem para a alienação das massas em geral, quase sempre afastadas dos embates políticos. A consequência disso é a incapacidade em se identificar possíveis diferenças, mesmo quando há um completo antagonismo no confronto de concepções ideológicas bem distintas levando ao poder candidatos conservadores, reforçando o controle dos meios de produção pela classe dominante e impedindo possíveis mudanças estruturais.
Creio ser a situação atual do Paraguai um ótimo exemplo, que já me referi no texto anterior. E o processo eleitoral mexicano, que deve levar a retornar ao poder o PRI (Partido Revolucionário Institucional), conservador, que dominou a política naquele país por 70 anos. Mesmo tendo nas duas últimas décadas um movimento social que adquiriu uma grande influência internacional, os zapatistas, e estando o México em uma verdadeira guerra civil contra o poder do tráfico de drogas.
Mas essas situações não são o cerne das questões que quero aqui abordar. São apenas exemplos, dentre dezenas de muitos outros que apontam as contradições flagrantes de um tempo que deveria apontar para a busca por alternativas progressistas ao capitalismo, sistema que vive uma de suas maiores crises desde a grande depressão da década de 30 do século passado.
As causas de tudo isso, como pontuadas por Zizek, podem ser encontradas na absoluta falta de compreensão política de uma juventude, distanciada de conteúdos teóricos que possam explicar, ou pelo menos facilitar, o entendimento sobre como as contradições afetam nossas vidas e a sociedade de maneira geral, e não são possíveis de serem explicadas mirando-se apenas nas particularidades. As palavras de ordens, quase sempre distantes de atingir o substrato do problema, miram preferencialmente setores emergentes da própria esquerda, notadamente partidos comunistas em ascensão. Há uma disputa sectária entre grupos de esquerda que confunde o alvo, e alivia a classe dominante, que se unifica quando sente o chão abrir-se a seus pés.
Miguel de Unamuno, iludiu-se com
o movimento que ascendeu o fascismo,
e depois o combateu quando descobriu
o seu sentido perverso.
Além disso, por não possuírem elementos ideológicos que lhes garanta organicidade, alguns desses movimentos não somente atacam os partidos políticos, mas escolhem aqueles que são forjados ideologicamente, e destilam injustos ódios que com o tempo transformam-se em comportamentos intolerantes. Parece haver uma necessidade de se destruir as ideologias dos que as têm. Mas como não há espaços para discussões, pela ausência delas diante de um pragmatismo imediatista, a agressividade passa a se constituir na arma aparentemente eficaz para fazer valer seus objetivos.
Ocorre que na sequência de comportamentos que vão se tornando cada vez mais intolerantes, amplia-se a virulência das agressões, e o que se vê é a repetição de atos que nos fazem lembrar a maneira como o nazismo e o fascismo despontaram logo na sequência da crise econômica da terceira década do século passado.
A alienação de uma juventude forjada em tempos de uma globalização neoliberal, a destruição dos laços familiares, a individualidade crescente, a busca egoística pelo sucesso a qualquer custo, e a ampliação de valores teológicos que substanciam tudo isso, denominada teoria da prosperidade, compõem um conjunto de circunstâncias que explicam os tempos de negação da ideologia. Mas não somente isso. Agregue-se, contraditoriamente, a falta de informação em um tempo em que as ferramentas tecnológicas facilitam a aproximação com o que acontece em todas as partes do mundo. Mas são essas mesmas ferramentas, que explicam, para o bem e para o mal, o distanciamento de leituras mais complexas, filosóficas, optando-se por um cartesianismo vulgar, porque fruto de toda a confusão gerada pela sociedade midiática neoliberal, e pela informação deformada, apolítica e baseada na espetacularização do medo. O que os empurram para leituras alienantes, bizarras e de auto-ajuda.
A radicalidade de alguns desses comportamentos foram potencializados pelas redes sociais, criando uma coragem peculiar a alguns jovens, situação que não aconteceria em plano real, pela absoluta falta de backgrounds, consequência do distanciamento teórico e da ausência de fundamentos a lhes garantir segurança para um embate ideológico.
A intolerância, característica fascista,
não tem limites. E se inspira em crimes
hediondos no combate político
O que se vê, então, é o destilar de ódios a todos aqueles que porventura pensem diferentes, discordem e confrontem seus pensamentos e práticas. Semelhante ao que aconteceu na ascensão do fascismo tradicional, aquele que no período de crise sistêmica parecida com a que vivemos nos dias atuais, despontou a partir de comportamentos críticos, de suportes garantidos pelas insatisfações e indignação de populações que viviam momentos de dificuldades econômicas graves. Também naquele momento, os jovens tornaram-se alvos potenciais de lideranças emergentes, pela insatisfação com uma época que não lhes ofereciam perspectivas. E alimentados pela intolerância, visaram também os comunistas, que ameaçavam ideologicamente a elite dominante, fracassada desde o final da primeira guerra mundial. A negação da política instrumentalizou uma reação conservadora.
Alguns daqueles que usam das redes sociais para agirem de maneira desrespeitosa não o fazem de maneira explícita, mas escondem-se em perfis falsos, prática criminosa que tem se tornado comum, principalmente no Facebook. Ou senão, omitem de seus perfis informações que possam identificá-los e apresentam desenhos, ou charges, em lugares de fotos que os reconheçam.
Não é essa uma prática somente desses grupos, mas pude identificá-las também sendo utilizada por jornalistas de blogs conservadores, de jornais, tabloides e revistas, que postam suas matérias para serem repercutidas, e que, ao serem criticados acionam seus fakes, que agem agressivamente, ofendem o interlocutor e tentam desqualificá-lo. Assim como fazem alguns desses farsantes, anonimamente, em comentários agressivos nos blogs que tem defendidos os últimos governos no Brasil e teçam criticas aos partidos conservadores.
Ao fim de tudo, esses comportamentos tornaram-se bem visíveis no desencadear da greve na universidade. Comportamentos sectários, violentos e intolerantes, traduzem um sentimento comum à época do fascismo, de não aceitação das diferenças, de negação do pensamento oposto e da reação intempestiva e agressiva na imposição de um pensamento ou de uma determinada prática. Não sei se surpreende, mas é lamentável, o fato de juntarem-se a esse coro intolerante alguns professores, que obviamente se desqualificam enquanto educadores. Mas suas posturas indicam que eles pouco se importam com isso, a inconsequência é uma marca que lhes acompanham e a intolerância um traço de caráter.
O filme "A Onda" mostra
como o fascismo pode
iludir a juventude
E, não surpreendente, grupelhos de extrema-esquerda, setores anárquicos despolitizados e contumazes direitistas, se irmanaram no mesmo comportamento. Mas tudo isso deve servir de alerta aos que defendem uma sociedade baseada na tolerância, no respeito às diversidades e na aceitação de ideias que se contraponham. Considerando-se o momento de crise econômica mundial, do xenofobismo e da intolerância religiosa, vivemos circunstâncias bastante parecidas com o que ocorreu no século XX. O fascismo e o nazismo ascenderam mediante a insatisfação popular, e se consolidaram com um discurso baseado no moralismo hipócrita, no anticomunismo e na descrença com as organizações políticas.
Diferente do que se pensa, a ideologia que moveu o fascismo não foi construída pela direita, mas originou-se de um viés esquerdista, notadamente naqueles setores mais sectários, cujo discurso radical empolgava as massas e as tornavam-nas facilmente manipuláveis e aptas a uma lavagem cerebral coletiva. Tanto Hitler (que criou o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), quanto Mussolini (expulso do partido socialista por suas ideias extremistas, e antigo editor do jornal mais lido da esquerda, o Avanti), excelentes oradores, críticos dos desmandos sistêmicos e com carismas suficientes para se apresentarem como salvadores, o fizeram apropriando-se de forma oportunista da expectativa que a população tinha em relação ao socialismo e a conduziram a um tempo de intolerância que vitimou milhões de pessoas em uma época que não pode ser esquecida, para que não se repita jamais.
Ao se colocarem como alternativas ao movimento socialista e comunista em ascensão, adotando comportamentos intolerantes e anticomunistas, tornaram-se confiáveis a uma burguesia que já não tinha mais opções para conter a débâcle do capitalismo naquele momento. Registre-se, porque é história, que alguns setores esquerdistas alemães, naquele momento, se negaram a combater esse movimento, porque poderia beneficiar os comunistas, melhores organizados e preparados para tomarem o poder naquele país.
O "Ovo da Serpente", filme de Ingmar
Bergman, mostra a gestação do nazismo
Mas, tudo indica que, tal qual nos mostrou Ingmar Bergman, os sintomas do fascismo podem a qualquer momento serem gestados, como o ovo de uma serpente, aproveitando-se de insatisfações momentâneas e usando como tática a desqualificação do outro, a mentira persistente e a estupidez alienante. São tempos que exigem além de reflexões muita determinação e combate a essas novas práticas fascistas encobertas com discursos de liberdade e democracia, em mais um período de crise estrutural do sistema capitalista.
Como no período do Estado Novo, na ditadura varguista, quando o integralismo de Plínio Salgado desfilava suas bandeiras fascistas em marchas pelas ruas das cidades brasileiras, novos “galinhas verdes”, como ficaram conhecidos esses personagens, retornam à cena em tempos cibernéticos, reforçando a conhecida frase irônica de Karl Marx, para quem a história, ao se repetir, se configuraria da primeira vez como farsa, em seguida como uma tragédia.



segunda-feira, 12 de junho de 2023

AS JORNADAS DE JUNHO ERAM PREVISÍVEIS E AS CONSEQUENCIAS PODERIAM TER SIDO OUTRAS

ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS

A mudança radical na política brasileira, que nos jogou em uma crise profunda, com a ascensão de personagens políticos que imaginávamos sepultados com o fim da ditadura militar e pela “Nova República”, não se deu repentinamente. Ela se seguiu a uma série de mudanças que já vinham acontecendo por diversas partes do mundo. Os movimentos dos “Indignados”, “Occupy”, e aqui no Brasil com as “Não é por 20 Cents” e “Não vai ter copa” refletiam os rumos de uma crise que já acontecia desde a virada do século XX para o XXI, atingindo o seu ápice com a chamada crise econômica em 2008, que se prolonga até os dias atuais, entre altos e baixos da economia mundial.

A mudança de estratégia dos EUA, para combater seus desafetos, com a eliminação seletiva via uso de drones para assassinar suspeitos de serem terroristas; e o advento das “guerras híbridas”, como táticas desconcertantes de desequilíbrios geopolíticos e intervenção indireta nas políticas de determinados países, a fim de derrubar governos que fossem considerados ameaças aos interesses do império, mantiveram o mundo sob tensão, até explodir em guerras como na Síria e na Ucrânia.

Resgato aqui, com links para acesso a artigos publicados no Blog Gramática do Mundo, os vários momentos em que, acompanhando pela geopolítica todas essas transformações, procurei indicar as crises que nos cercavam, e até mesmo arriscar em projeções sobre os rumos que estavam tomando o mundo, e, em especial, no nosso país. Posso dizer, com tranquilidade, que acertei no vaticínio sobre algumas das consequências que estavam por vir.

É dessa maneira que me manifesto nesse 13 de junho de 2023, quando se completam dez anos das JORNADAS DE JUNHO. Acrescento que a ascensão da extrema-direita se deu muito mais por negligência e extremo sectarismo e esquerdismo da esquerda e da chamada esquerda radical, do que pela competência de personagens e grupos até aquele momento invisibilizados.

A onda que se seguiu às manifestações de junho de 2023, foi também impulsionada pela cobertura midiática não meramente contemplativa, mas bastante ativa e a partir de 2014 praticamente protagonista na frente de propaganda, a fim de ampliar o poder da multidão com o intuito de derrubar o governo de Dilma Rousseff, alçando a condição de lideranças personagens saídos dos subterrâneos da política, outsiders, ou políticos inexpressivos, mas porta-vozes dos indignados, ressentidos, frustrados e alienados, cuja cultura política se expressa pelo seguidismo expresso nos votos de currais e na influência de púlpitos de igrejas que os transformam em rebanhos servis e ignorantes da realidade e do mundo objetivo.

Mas o resultado não foi como o planejado. A tentativa de impor um derrotado na condução do país, a partir de 2015, que culminou no impeachment de uma presidenta legitimamente eleita e sem culpa grave que a condenasse, no que se constituiu em um golpe institucional, falhou. E, após um governo desastrado de um vice golpista, a ascensão da extrema-direita fugiu de todos os roteiros planejados pela centro-direita com forte apoio midiático: o tiro saiu pela culatra. Mas os derrotados fomos todos nós, brasileiros e brasileiras, que amargamos dez anos de uma crise fabricada a fim de retirar o Brasil de uma rota que era diferente daquela que tradicionalmente o país vinha seguindo desde os seus primórdios. Embora tendo retornado Lula á presidência, depois de situações inusitadas e de idas e vindas, perdemos um tempo considerável em meio a destruição de toda uma estrutura de estado que favorecia às camadas mais fragilizadas da sociedade. Reconstruir tudo isso não será fácil, porque se criou uma polarização política nefasta, e os embates se dão com base em mentiras e ataques mesquinhos e perversos, dividindo de forma sectária a sociedade brasileira.

Mas a história está aí, para não deixar esquecer por quais caminhos trilhamos e por quais erros nos guiamos até chegarmos aos dias atuais. Precisamos lembrar, sempre, do nosso passado, para evitar repetir erros que são cruciais para nossas vidas.

 

INDIGNADOS! PARA QUAL DIREÇÃO SEGUEM AS MUDANÇAS?

Novembro de 2011

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/11/indignados-para-qual-direcao-seguem-as.html

Infelizmente, a revolta das pessoas decorrente de situações reais, de dificuldades que lhes afetam diretamente, ao não se traduzir em transformações imediatas (o que é praticamente impossível), criam desesperanças e jogam nas ruas milhares de pessoas sem a verdadeira percepção de como as estruturas do Estado funcionam. (...)

Mas há um reverso nessa história, e talvez seja o pior resultado. A possibilidade de esse descontentamento ser absorvido por grupos e partidos conservadores, à espreita do crescimento da desesperança que se seguirá à frustração inevitável daqueles que se entregam aos protestos, ao não verem resultados concretos nas suas revoltas.

 

INFORMAÇÕES ABSTRATAS CONSTROEM REALIDADES VIRTUAIS

Novembro de 2011

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/11/informacoes-abstratas-constroem.html

Tenho repetido sempre, seguindo o mestre Milton Santos, que a informação é carregada de ideologia e nos tempos atuais cumprem mais o objetivo de desinformar, do que propriamente criar uma consciência a respeito de sua complexidade, de forma a levar o indivíduo a refletir e a pensar, construindo hipóteses, dúvidas, que o levem a um questionamento capaz de construir novas ideias que possam mudar o mundo positivamente.

Infelizmente, a Universidade nos últimos anos somente replicou a lógica demandada pela dita globalização, ou mundialização como querem os franceses. Seguindo-se aos interesses do mercado, numa pressa espetacular para garantir mão de obra nas novas conformações do trabalho criadas mundo adentro, fragmentou-se em uma infinidade de especializações, reduzindo a capacidade da juventude (já representada nos dias de hoje nos profissionais que assumiram seus postos, em muitos casos inexistentes há pouco mais de uma década) de pensar, criar, que não fosse dentro da lógica capitalista da ampliação de seus ganhos.

Empobrecido nessa capacidade inventiva, não de construir novos caminhos da lógica capitalista, mas de novas ideias que possam tornar o mundo mais racional e humano, cede-se o espaço para uma perigosa situação. Num mundo de acesso fácil à informação, pouco assimilada, mas imediatamente incorporada à sua visão de mundo, cada indivíduo julga-se, ou melhor julga pelo que recebe de informações, capaz de opinar sobre tudo e a estabelecer juízos de valores sobre fatos que se apresentam de maneira abstrata, ou que são construídos para tornarem-se instrumentais ideológicos capazes de tornar-se uma verdade absoluta. Nada de mais, pelo contrário, se esse conhecimento não fosse construído de maneira superficial.

As redes sociais potencializam isso e transformam-se, elas também, em instrumentos que aceleram o processo, devido à rapidez com que essas informações circulam para milhares de pessoas em um curto espaço de tempo. Mal recebe a informação e ela é imediatamente repassada, sem processá-la e analisá-la, mas por envolver muitas vezes temas que são facilmente aceitos, ou pela polêmica que carregam, ou por situar-se no âmbito dos agrados ou desagrados que marcam o cotidiano daquela pessoa.

E assim, num mundo de verdades virtuais e de informações abstratas, muitas vezes falsas, ou construídas em uma versão ideológica, do interesse de quem as produz e as difunde nos submetemos a uma espécie de tribunal tridimensional, onde fato, verdade e versão, se confundem e transformam nossas vidas em uma mera ficção hollywoodiana.

Abre-se dessa forma, no vazio de ideias consistentes e inovadoras, um largo caminho para a fascistização da sociedade, com a ampliação de situações que demonstram acentuado grau de intolerância com o outro, com as diferenças, com os limites que existem nas relações em sociedade, de respeito mútuo e de aceitação das contradições como elementos que são somatórios na diversidade que constituem nossa humanidade.

 

AS ORIGENS DA INTOLERÂNCIA E O FASCISMO MODERNO

Março de 2012

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/03/as-origens-da-intolerancia-e-o-fascismo.html

O fascismo moderno, enfim, não aparece espontaneamente na cabeça de jovens. É fruto de teorias preconceituosas e de instrumentos sociais que criam e reforçam valores que se baseiam na intolerância, na não aceitação das diferenças, e na liberdade de as pessoas definirem suas opções sexuais. Como na atitude bizonha e estúpida de um deputado pastor que pretende criar medidas que desfaçam a opção sexual de gays.

Tudo isso faz parte de dogmas que permanecem sendo instigados de forma instrumental em templos, tabernáculos, igrejas e mesquitas de todo o mundo, muito embora não se constitua em regra geral nem tenha relação com a fé individual, de cada pessoa, com sua legítima crença e liberdade de acreditar no que lhe convier.

São teorias também que fundamentam programas partidários que representam setores econômicos dominantes e a classe média alta, mas que pelo reforço ideológico religioso dissemina-se indistintamente por todas as demais classes sociais, apontam para perigosos caminhos, e se refletem de forma mais agressivas em alguns países, mas tendem a se expandir na medida do crescimento da crise econômica.

 

AS CRISES E A DESCONSTRUÇÃO DA POLÍTICA

Maio de 2012

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/05/as-crises-e-desconstrucao-da-politica.html

Vivemos, assim, um momento de profundas contradições. Crise econômica nos Estados Unidos e Europa que potencializa situações em que a intolerância desperta as frustrações e o desespero pela falta de emprego e de perspectivas futuras, e aqui no Brasil, onde economicamente passamos por um período de expansão e crescimento, mas cujas delinquências políticas, tradicionalmente ainda vigorando, nos mantém tensos e incertos quanto ao nosso futuro. Ou a dúvida sobre quem será beneficiado com todo esse crescimento.

E, no meio de tudo isso, a necessidade de estarmos vigilante, principalmente aqueles que conhecem o processo histórico e os exemplos de situações parecidas que levaram a humanidade para rumos indigestos, e buscarmos o convencimento das pessoas de que não é banindo a política que esses problemas serão corrigidos.

Só haverá saída no âmbito da própria política. E é sempre assim, mesmo que no advento de um processo revolucionário. Sair dele será também um exercício de apaziguamento das diferenças e de acordos selados pela política. O que as pessoas não podem abdicar é da capacidade de discernir o joio do trigo na escolha de quem irá lhe representar nos parlamentos ou na condução das administrações públicas.

Recusar-se a essas escolhas, motivado pela desesperança e incentivados por quem queira se aproveitar desse momento em aventuras abstratas, só irá beneficiar quem tem a riqueza, afasta mais ainda os trabalhadores da vida política e nos mantém reféns de nossos próprios vícios.

Ao mesmo tempo, é essencial compreender que a solução definitiva para esses males passa necessariamente pelo combate a um sistema que tem na ganância e na usura a base de suas transformações. Enquanto a cultura que prevalecer na sociedade for aquela onde o consumismo é o motor a motivar as pessoas, a individualmente buscarem formas de serem felizes tentando alcançar um estilo de vida individualista, egoísta e que sempre exige o esforço em busca de cada vez mais dinheiro, dificilmente poderemos acreditar que as gerações futuras terão um ambiente mais saudável e honesto para viverem.

 

O OVO DA SERPENTE – A pós-política e o perigo dos três efes: fakes, farsantes e fascistas

Julho de 2012

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/07/o-ovo-da-serpente.html

Mas o que me viria a me surpreender, por todo esse tempo de virtualidade digital seria a virulência dos embates, oriundos principalmente de pessoas identificadas com grupos aparentemente de esquerda. Além dos inconformados conservadores, contrariados com as recentes mudanças políticas no Brasil.

Passei a observar tais comportamentos, e até mesmo em algumas situações o grau de agressividade e de ofensas destiladas atingiu níveis preocupantes, me alertando para buscar explicações em uma nova realidade que teve início em conflitos que marcaram um novo estilo de luta da juventude por vários países, denominado “indignai-vos”. Na esteira da crise capitalista que se estende desde quando as torres gêmeas foram postas ao chão, em 2001, cujo epicentro se deu em 2008 com a quebra de inúmeras instituições financeiras na sequência de uma grave crise no mercado imobiliário estadunidense, até o momento atual, com uma crise imprevisível na Europa e do capitalismo de uma maneira geral.

A partir de uma situação concreta, particular, e as observações que as minhas aulas de geopolítica me impunham, fui construindo algumas ideias a respeito dos tempos atuais. Na junção das lembranças das elaborações de Milton Santos, das leituras dos últimos textos de Eric Hobsbawm, e, obviamente, da dialética marxista, fui me convencendo que vivemos uma época de transição, de um possível esgotamento do sistema capitalista. Mas, como já alertava Gramsci, o perigo está quando o novo demora em chegar e o velho resiste em desaparecer. Se não há a perspectiva de saídas revolucionárias, que possam dar um novo rumo à sociedade mediante a existência de uma vanguarda devidamente organizada, outros mecanismos certamente despontarão, a exemplo de como se deu o surgimento do nazi-fascismo, nas décadas de 1930-40, e prolongarão a agonia sistêmica.

***

Além disso, por não possuírem elementos ideológicos que lhes garanta organicidade, alguns desses movimentos não somente atacam os partidos políticos, mas escolhem aqueles que são forjados ideologicamente, e destilam injustos ódios que com o tempo transformam-se em comportamentos intolerantes. Parece haver uma necessidade de se destruir as ideologias dos que as têm. Mas como não há espaços para discussões, pela ausência delas diante de um pragmatismo imediatista, a agressividade passa a se constituir na arma aparentemente eficaz para fazer valer seus objetivos.

Ocorre que na sequência de comportamentos que vão se tornando cada vez mais intolerantes, amplia-se a virulência das agressões, e o que se vê é a repetição de atos que nos fazem lembrar a maneira como o nazismo e o fascismo despontaram logo na sequência da crise econômica da terceira década do século passado.

A alienação de uma juventude forjada em tempos de uma globalização neoliberal, a destruição dos laços familiares, a individualidade crescente, a busca egoística pelo sucesso a qualquer custo, e a ampliação de valores teológicos que substanciam tudo isso, denominada teoria da prosperidade, compõem um conjunto de circunstâncias que explicam os tempos de negação da ideologia. Mas não somente isso. Agregue-se, contraditoriamente, a falta de informação em um tempo em que as ferramentas tecnológicas facilitam a aproximação com o que acontece em todas as partes do mundo. Mas são essas mesmas ferramentas, que explicam, para o bem e para o mal, o distanciamento de leituras mais complexas, filosóficas, optando-se por um cartesianismo vulgar, porque fruto de toda a confusão gerada pela sociedade midiática neoliberal, e pela informação deformada, apolítica e baseada na espetacularização do medo. O que os empurram para leituras alienantes, bizarras e de auto-ajuda.

A radicalidade de alguns desses comportamentos foram potencializados pelas redes sociais, criando uma coragem peculiar a alguns jovens, situação que não aconteceria em plano real, pela absoluta falta de backgrounds, consequência do distanciamento teórico e da ausência de fundamentos a lhes garantir segurança para um embate ideológico.

O que se vê, então, é o destilar de ódios a todos aqueles que porventura pensem diferentes, discordem e confrontem seus pensamentos e práticas. Semelhante ao que aconteceu na ascensão do fascismo tradicional, aquele que no período de crise sistêmica parecida com a que vivemos nos dias atuais, despontou a partir de comportamentos críticos, de suportes garantidos pelas insatisfações e indignação de populações que viviam momentos de dificuldades econômicas graves. Também naquele momento, os jovens tornaram-se alvos potenciais de lideranças emergentes, pela insatisfação com uma época que não lhes ofereciam perspectivas. E alimentados pela intolerância, visaram também os comunistas, que ameaçavam ideologicamente a elite dominante, fracassada desde o final da primeira guerra mundial. A negação da política instrumentalizou uma reação conservadora.

Alguns daqueles que usam das redes sociais para agirem de maneira desrespeitosa não o fazem de maneira explícita, mas escondem-se em perfis falsos, prática criminosa que tem se tornado comum, principalmente no Facebook. Ou senão, omitem de seus perfis informações que possam identificá-los e apresentam desenhos, ou charges, em lugares de fotos que os reconheçam.

Não é essa uma prática somente desses grupos, mas pude identificá-las também sendo utilizada por jornalistas de blogs conservadores, de jornais, tabloides e revistas, que postam suas matérias para serem repercutidas, e que, ao serem criticados acionam seus fakes, que agem agressivamente, ofendem o interlocutor e tentam desqualificá-lo. Assim como fazem alguns desses farsantes, anonimamente, em comentários agressivos nos blogs que tem defendidos os últimos governos no Brasil e teçam criticas aos partidos conservadores.

Ao fim de tudo, esses comportamentos tornaram-se bem visíveis no desencadear da greve na universidade. Comportamentos sectários, violentos e intolerantes, traduzem um sentimento comum à época do fascismo, de não aceitação das diferenças, de negação do pensamento oposto e da reação intempestiva e agressiva na imposição de um pensamento ou de uma determinada prática. Não sei se surpreende, mas é lamentável, o fato de juntarem-se a esse coro intolerante alguns professores, que obviamente se desqualificam enquanto educadores. Mas suas posturas indicam que eles pouco se importam com isso, a inconsequência é uma marca que lhes acompanham e a intolerância um traço de caráter.

E, não surpreendente, grupelhos de extrema-esquerda, setores anárquicos despolitizados e contumazes direitistas, se irmanaram no mesmo comportamento. Mas tudo isso deve servir de alerta aos que defendem uma sociedade baseada na tolerância, no respeito às diversidades e na aceitação de ideias que se contraponham. Considerando-se o momento de crise econômica mundial, do xenofobismo e da intolerância religiosa, vivemos circunstâncias bastante parecidas com o que ocorreu no século XX. O fascismo e o nazismo ascenderam mediante a insatisfação popular, e se consolidaram com um discurso baseado no moralismo hipócrita, no anticomunismo e na descrença com as organizações políticas.

 

A FÚRIA: O DESPERTAR DA MULTIDÃO, OU A REVOLTA DE UM INCONSCIENTE COLETIVO?

FRAGMENTOS DE UM OLHAR SOBRE A MULTIDÃO

Junho de 2013

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2013/06/fragmentosde-um-olhar-sobre-multidao-eu_22.html

Eu acompanho essas manifestações há mais de dez anos. Claro, ao longe, como estudioso de geopolítica. A maior delas, ou uma das mais importantes, foi em 1999, durante uma reunião da OMC e gerou um filme chamado "A batalha de Seattle". Já escrevi sobre isso no meu blog (http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2011/11/indignados-para-qual-direcao-seguem-as.html). Há diversas demandas, revoltas represadas, reivindicações justas. Mas nada disso será possível de ser mudado sem organização. As vozes das ruas, da multidão, criam motivações, e até mesmo uma empolgação exagerada, principalmente na juventude, cuja adrenalina explode e os empurra com força para o embate. É natural e importante que isso aconteça. Mas o que virá depois disso depende da política (ou da guerra, quando fracassa a política, mas aí sabemos as consequências). A multidão tem sido protagonista desde o final do século XX, com grandes protestos antiglobalização, e depois, com a intensificação da crise, na chamada “primavera Árabe”. Os resultados de tudo isso ainda está por vir, mas nos países onde ocorreram houve retrocesso na condução política.

 

 

SOBRE MÁSCARAS, VIOLÊNCIAS E O DIREITO DE SE MANIFESTAR

Fevereiro de 2014

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2014/02/nihil-humani-me-alienum-puto.html

Ao não desejarem participar de organizações de caráter político, e abominarem os partidos políticos, mesmo os que se intitulam revolucionários e socialistas ou comunistas, esses manifestantes deixam de analisar a conjuntura política com base em fatos concretos e na realidade objetiva. Novas "realidades" são perversamente construídas por outros setores da política, que se beneficiam com esses comportamentos, o que leva a fortalecer a indústria do medo, e a exigência de governos fortes, militarizados e com uma base de parlamentares mais conservadores.

Não há dúvidas de que há infiltração nessas manifestações. Tanto por organizações políticas, que temem se apresentar abertamente por medo das reações dos “Black blocs” e visam também “recrutar” novos militantes entre aquela juventude, como por setores fascistas, tipos provocadores que desde aquele momento por mim citado anteriormente, na década de 1980, já se infiltravam em nosso meio. Policiais ou não. Por motivos diferentes esses setores objetivam criar os confrontos para gerar desgaste nos governos, de tal forma que os possam debilitar. O uso da violência, no caso, como mecanismo de se contrapor à repressão policial assume um verniz diferente nos dois casos, mas o resultado é desastroso de qualquer jeito. Principalmente quando o personagem culpado desse tipo de ato não é um indivíduo vinculado às forças repressoras, porventura infiltrado. O que dá margem para a mídia conservadora enfatizar no seu discurso de um ambiente dominado pela insegurança e anarquia.

Não tenham dúvidas de que o principal discurso nas próximas campanhas eleitorais será esse. Dominados pelo medo, que cotidianamente entra em suas casas pelos canais de TV, ou pela própria realidade que as cercam, as pessoas tendem a sucumbir à repetição constante desse discurso, e corremos o risco de ver a eleição de um parlamento muito mais conservador do que o atual.

Esse poderá ser o resultado de atos inconsequentes e irresponsáveis, movidos por um voluntarismo tolo, e a demonstração de atos de estupidez como se fossem atitudes libertárias e revolucionárias. Em um novo tipo de ludismo pós-moderno que está mais para os atos de cegueira atestado por José Saramago.

As máscaras que assumem as frentes dessas manifestações escondem jovens desprovidos de capacidade política para entender os mecanismos que movem a sociedade. Ou meros provocadores desejosos de reeditar aqui no Brasil os mesmos gestos fascistas de 50 anos atrás, quando um golpe militar foi dado com o argumento de pôr fim à baderna, à desordem e a comunização do país

 

FAKES, FALSÁRIOS E FASCISTAS: COMO DESPERTAR O LADO SOMBRIO DAS PESSOAS

Maio de 2014

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2014/05/fakes-falsarios-e-fascistas-como.html

A desinformação, a preguiça de ir atrás da veracidade daquilo que está sendo divulgado, aliado à alienação peculiar, facilita a adoção desses mecanismos manipuladores, que repetidos à exaustão assume ares de verdades insofismáveis. Quando, em verdade, e realmente, são situações determinadas e localizadas, sem representar, como se apregoa, o declínio da civilização contemporânea, ou algo que o valha. Prato cheio para oportunistas, fascistas e para aqueles que desejam convencer as pessoas a ingressarem no mundo da ficção religiosa, de seitas que se deleitam com a desesperança e com o medo das pessoas.

Repercuti em minha página pessoal no Facebook essa percepção, e aqui a reproduzo.

Estou impressionado com a quantidade de pessoas que estão compartilhando postagens produzidas por páginas organizadas por "fakes". Matérias falsas, ou propagandas subliminares, são repercutidas sem que haja um mínimo de averiguação sobre a origem das notícias, em sua maioria, falsas. Algumas são boatos, e boa parte deturpações de notícias antigas. E o que é pior, muitos que repercutem isso estão na universidade ou tem curso superior. Por causa desse comportamento uma dona de casa foi linchada e assassinada em Guarujá, SP. Fico em dúvida se é desinformação, alienação, oportunismo ou má fé mesmo.

Vivemos, um tempo, de potencialidades de práticas antigas, mescladas com ares de modernidade tecnológica. O boato se dissemina virtualmente, e organiza em júbilo antros de acusadores odiosos, mas seu prólogo acontece nas formas tradicionais, da violência estúpida em grupo, nos justiceiros que assumem o papel de juízes, júri e carrascos. Sob os argumentos de ausências de autoridades, mas diante de situações que são reais, como o descontrole do aparato repressivo e a agressividade de um setor cada vez mais sob pressão: as polícias militares. Sob o medo, seduzido por ele e manipulado por outros, a multidão torna-se instrumento daqueles interesses que não se apresentam perceptivelmente.

Nas sombras, escondem-se os reais interesses, de grupos que disputam avidamente o poder político e desejam concentrar cada vez mais o poder econômico. Instigam e aproveitam-se dessas situações, para afinal dar o bote sobre as carcaças de uma sociedade onde as pessoas não se veem nela, mas apenas os outros. Nesse momento surgem os reformadores do caos, os mesmos, aqueles que por décadas e séculos controlam as riquezas, concentram rendas e constroem mundos partidos, sectarizados, mas que vivem protegidos em muralhas repetindo-se, sob novas conformações, mundos antigos e medievais. E as massas, como sempre, cumprem bem o papel de massa de manobra. Com o perdão da redundância.

 

DEPOIS DE UMA TRAGÉDIA COMO CONTER A DESTEMPERANÇA E O MESSIANISMO?

Agosto de 2014

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2014/08/depois-de-uma-tragedia-como-conter.html

O que faltou, portanto, ao governo brasileiro foi apresentar para a população, e à juventude, durante todos esses anos, principalmente depois das jornadas populares de junho de 2013, as distinções entre os projetos políticos que estão em disputa. E encarar com mais determinação as contradições que lhes cercam. Temo que isso sendo feito agora possa dar a impressão de que é devido à disputa eleitoral.

Ademais, como já tenho inserido em alguns artigos, mesmo com um ímpeto oposicionista, tentando algo mais à esquerda do que o governo atual, essa juventude se encaminha para uma armadilha, na escolha de uma, ou duas, candidaturas que escondem seus objetivos, definidos seja pelas opções liberais, ou pelo fundamentalismo religioso conservador. A ilusão do discurso eleitoral, a ânsia de transformação por não conseguir enxergar a continuidade das mudanças, ou porque ficaram refratários a elas pela massificação ideológica midiática, fará com que essa juventude, e aqueles que se encontravam na posição de indefinição, seja levado pela comoção de um trágico acidente, pela ineficiência da propaganda governamental e pelo discurso messiânico. Situação que seja aqui no Brasil, seja em qualquer parte do mundo, sempre trás futuros dissabores quando da descoberta da fraude eleitoral (como foi no caso Collor; ou no Egito recente), causando crises de proporções desconhecidas, levando o país ao caos e ao retrocesso econômico. Nessas condições, as camadas mais pobres, percentual maior da população, e principal beneficiada pelas conquistas dos últimos 12 anos, será a mais afetada, retroagindo aos tempos em que a política brasileira privilegiava somente medidas do agrado das elites econômicas das camadas sociais abastadas.

terça-feira, 3 de maio de 2016

O DESPERTAR DA BESTA... E O RESGATE DA UTOPIA!

Este é um artigo que primeiro recebeu um título, diferente de como eu comumente faço. A minha inspiração para o título foi a tétrica apresentação de como é, e se comporta, a maioria dos parlamentares, na transmissão ao vivo da sessão que aprovou o relatório-farsa, denominado impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Hipocrisia, cinismo, traição, perfídia, oportunismo, mau-caratismo e tantos outros adjetivos que poderiam caracterizar aquele espetáculo grotesco. O auge da tenebrosa sessão se deu quando um indivíduo desqualificado moralmente dedicou seu voto à memória de um dos maiores torturadores e assassino da história recente da política brasileira[1]. O circo, no qual se transformou o Congresso Nacional, somente refletiu uma tendência reacionária que se iniciou aqui no Brasil no começo dessa década, mas teve seu ápice no ano de 2013, após as manifestações no meio daquele ano, conhecidas como “jornadas de junho”.
O que estamos a assistir, na conjuntura política brasileira, e que nos envolve direta ou indiretamente, começou a ser preparado há anos, mas não mereceu a atenção necessária por parte dos partidos de esquerda, nem pelo governo. Na verdade, o que ocorre aqui no Brasil tem se repetido por outros países há mais de uma década. Uma virada direitista diretamente relacionada à necessidade sistêmica de encontrar outros rumos para um mundo em crise. Essa é uma característica do capitalismo. Há uma necessidade, de nesse momento em que a crise atinge o Brasil, em parte forçada pelos que detêm o controle dos meios de produção, a burguesia industrial através da FIESP; a burguesia rural, latifundiários do grande agronegócio; e os rentistas e banqueiros do sistema financeiro, em encontrar uma saída mediante a retomada do controle político do Estado brasileiro. É a garantia de se manter o sistema em sua lógica, sempre expansiva, e a manter os lucros que sustentam a ganância de uma minoria, às custas do Estado e por sobre a pobreza.
O golpe midiático-jurídico-parlamentar que está sendo aplicado representa uma condição sine-qua-non para que a elite brasileira assuma o comando do Estado e aplique políticas neoliberais estruturantes, retire investimentos importantes em áreas sociais, reduza o tamanho do Estado eliminando ministérios cujo foco seja a defesa dos direitos humanos, das mulheres, da igualdade racial e de apoio aos trabalhadores rurais e agricultura familiar, e aplique a dose fatal de diminuição do Estado, com a privatização do que restou de empresas estatais, além daquelas privatizadas nos governo Collor e FHC. A Petrobrás, naturalmente será o principal alvo, e a enorme produção de petróleo no Pré-Sal.
Mas, além disso, houve por esse tempo, desde 2012, uma preparação sintomática para aplicação desse golpe. Isso envolveu o financiamento de organizações voltadas para cooptar parte da juventude que saiu às ruas naquele ano e no ano seguinte. Entidades estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, bancadas financeiramente por grandes corporações, algumas ligadas à exploração do petróleo, como a Exxon-Mobil, investiram recursos que possibilitaram a esses grupos se organizarem e disseminarem o veneno, com o apoio da grande mídia, que sacudiu as bases do governo Dilma e garantiu a eleição da bancada mais reacionária do Congresso Nacional desde o golpe militar de 1964. Por certo tempo, até pouco antes do final da apuração das eleições de 2014, esses setores imaginavam ter ganhado a eleição, a frustração com o resultado transformou-se em uma determinação de não permitir que a presidenta governasse. O golpe se iniciou nos primeiros dias após o resultado das eleições.
Por todos esses anos, pelo olhar da geopolítica, que me obriga a analisar todas as revoltas que se espalham pelo mundo, a maneia como elas vão significando a degradação da ordem, às vezes guerras e, principalmente a desestabilização de governos, analisei e escrevi a respeito dessa situação.[2] Debati em meu grupo de estudos, a partir da obra do professor Moniz Bandeira, “ A Segunda Guerra Fria”,[3] a estratégia adotada pelos EUA e países ocidentais ligados à OTAN, a ação dos serviços de espionagem desses países, e os mecanismos usados para “incendiar” alguns deles. Dentre esses mecanismos, um pequeno livro, transformado pela CIA num manual que orientou ONGs e movimentos surgidos em diversas partes ligados a grupos conservadores e reacionários. “Da ditadura à democracia”, de Gene Sharp, se tornou um instrumento eficaz na mobilização principalmente de jovens, a princípio em países onde alguns governos se sucediam por anos no comando do Estado, no leste da Europa e anos depois no Norte da África e Oriente Médio. Em seguida nos países onde a democracia ocidental prevalece, mas cujos governos não estivessem sintonizados com os interesses hegemônicos estadunidenses, como no continente americano.
Conforme o professor Gene Sharp explicou, a luta não violenta é mais complexa e travada por vários meios, tais como a guerra psicológica, social, econômica e política, aplicados pela população e pelas instituições da sociedade. Tais meios são, e.g., protestos, greves, não cooperação, deslealdade, boicotes, marchas, desfiles de automóveis, procissões etc., porque os governos somente podem subsistir se contrem com a cooperação, submissão e obediência da população e das instituições da sociedade.[4]
Enquanto as esquerdas acomodavam-se no poder na América Latina, e cumpriam a árdua tarefa de lidar com uma crise estrutural do capitalismo, para isso adotando remédios amargos para a população quando a situação se agravou, e isso não foi uma postura isolada do governo brasileiro, os grupos de direita, alimentados externamente ideológica e financeiramente, se organizavam e capturavam uma juventude a princípio perdida em meio a uma série de manifestações saídas aparentemente do nada.
“Entre os grupos que mais se destacaram nos últimos dois anos estão o Movimento Brasil Livre, Vem pra Rua e Revoltados On Line. (...) Estudantes pela Liberdade (EPL), braço brasileiro da Students for Liberty, uma organização não governamental (OPNG) formada em 2008 por jovens liberais dos Estados Unidos – no Brasil, surge em 2012”.[5]
Segundo informações da Conservative Transparency, a Atlas Economic Research Foundation está entre os três principais financiadores da Students for Liberty americana, que também recebe recursos da Foundation Koch, dos famosos bilionários da área de petróleo, os irmãos Koch – Davi, Charles, Bill e Frederick. Já a Atlas recebeu doações de várias organizações e empresas, entre elas fundos de investimentos filantrópicos controlados pelos irmãos Koch. Outra grande doadora da Atlas é a Exxon-mobil, uma das “sete irmãs”, como são chamadas as grandes companhias de petróleo acusadas de formação de cartel para controlar a produção mundial. Com as fusões, hoje são apenas quatro “irmãs’, Exxon-Mobil, Chevron Texaco, Shell e BP. (Idem)
Essa onda conservadora, portanto, não surgiu espontaneamente. Por um lado ela é decorrência da disputa geopolítica, ampliada com o surgimento dos BRICS e a mudança do protagonismo político, como consequência, afetando a hegemonia dos Estados Unidos e ameaçando até mesmo a situação do dólar como moeda única nas transações internacionais. Procurou-se, por ações dissimuladas, atingir a China (região de Xinjiang), a Rússia (revolta na Ucrânia), e o Brasil (impeatchment). Em todos os casos houve como precedente a descoberta de vigilância a todos esses governos, por órgãos de espionagem dos EUA, denunciados por Edward Snowden, técnico de uma empresa que prestava serviços para a Agência de Segurança Nacional (NSA), atualmente vivendo exilado na Rússia.
Era a estratégia da “freedom agenda”, do presidente George W. Bush, cujo objetivo consistia exatamente no que o Directorate of Army Doctrine (DAD), do Depatamento de Defesa do Canadá, definia como subversão, i.e., a tentativa de solapar a estabilidade e a força econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da força por meio da insurreição, mas provocando violentas medidas , a serem denunciadas como “overreaction by the authorities and thus discrediting the government”.[6] A propaganda – acrescentou o documento do DAD – era a “key elemento of subversion”[7] e incluía a publicação de informações nocivas às forças de segurança, bem com a divulgação de rumores falsos ou verdadeiros destinados a solapar a credibilidade e a confiança do governo.[8]
Por outro lado, essa onda foi alimentada pela crise econômica, gerando uma sequencia de impactos geopolíticos, políticos e econômicos, tudo como consequência da crise econômica que explodiu em 2008: 1) Afetou a maneira como os EUA lidavam com seus aliados títeres da Ásia e África, devido aos cortes de investimentos e subsídios para esses países, acirrando uma luta interna em duas direções, econômica e política. À medida em que alguns governos aliados caíam, iniciavam-se as revoltas, seguindo-se a estratégia apontada acima. Entregavam-se os anéis para salvar os dedos. 
A instabilidade política levou ao caos e em seguida a guerras, alimentadas em situações onde os grupos que se se destacavam em processos eleitorais fossem opositores aos interesses do ocidente, como exemplo o Egito; 2) Onde governavam antigos dirigentes políticos, mesmo que com comportamentos diferentes, casos da Líbia e da Síria, tradicionalmente opositores dos interesses hegemônicos dos EUA, foram estimuladas revoltas populares, seguindo-se a mesma estratégia de aparentar insatisfação com os governos. Com a reação desses iniciava-se uma guerra civil sangrenta, até que se tornasse possível suas derrubadas, ou suas eliminações; 3) a crise econômica atingiu governos já fragilizados, em países tradicionalmente empobrecidos, fragmentando a sociedade, fazendo surgir grupos milicianos e desestruturando governos já fracos, abrindo caminho para uma sequencia de violência que ampliou a fuga de população em direção à Europa, gerando nesse continente o fortalecimento da xenofobia e de grupos neo-nazistas, cujos partidos passaram a se destacar nas eleições por diversos países, inclusive a Alemanha.
Para entendermos toda essa situação, não podemos ficar somente presos à política. O que está acontecendo atualmente no mundo é consequência de situações limites do sistema capitalista. Bancos em condições falimentares, quebrando, deflação em alguns países, desemprego crescente principalmente entre os jovens, problemas ambientais, paralisia de setores industriais, crise das commodities, escassez de água... etc... Toda essa situação leva multidões insatisfeitas às ruas, e, embora em defesa de causas justas, em muitas situações as pessoas são manipuladas e conduzidas a direcionarem seus ódios aos governos, mas não conseguem compreender que a maioria de seus problemas são gerados por razões estruturais, sistêmicas, de uma economia global que está em crise e sem perspectivas de saída.
Mas, aqueles que compreendem os mecanismos utilizados pelo sistema capitalista, a partir de sua lógica expansiva, sabem que as crises se constituem em oportunidades para os setores enriquecidos, os rentistas, os proprietários dos meios de produção. Contudo, mesmo esses segmentos tem a compreensão de que algo precisa mudar no capitalismo. E o Estado se constitui no instrumento a se fazer essas mudanças, a seu favor, naturalmente. Para isso, ter o controle do Estado, o domínio da política e da maioria parlamentar, é a condição principal para se garantir a adoção de políticas que venham a estabelecer novas regras, novos ajustes à economia, para amenizar aos seus interesses, o impacto da crise econômica sobre seus lucros.
Faltou à esquerda que estava no poder a percepção sobre os caminhos que o mundo tomava e a onda conservadora que se espalhava pelo mundo. Consideremos, contudo, que o controle do Estado demanda um esforço enorme. Isso, naturalmente, desviou o foco das atuações de boa parte desses partidos, que se envolveram na burocracia estatal e levou junto boa parte das lideranças sindicais e quadros partidários. Um erro, pois por meio de suas organizações deveriam estar atento à escalada da direita, as evidências eram claras e se escancararam depois das jornadas de junho de 2013. Principalmente ao deixar a juventude ser seduzida por organizações nitidamente financiadas por agentes estrangeiros e pela burguesia local. As duas frentes deveriam ser cobertas com atenção, mas descuidou-se das duas, pois permitiu que a corrupção persistisse e negligenciou a luta ideológica. E, mais grave, delegou poder a setores oportunistas de partidos conservadores, como garantia de governabilidade, mas fragilizou-se ao permitir que práticas condenáveis de controle da máquina do Estado se mantivessem, tal qual funcionava nos governos anteriores, de centro-direita, mediante a dilapidação de dinheiro público. Isso contaminou também a própria esquerda, ao adotar práticas semelhantes, para gerar recurso de campanha, via caixa 2. A semelhança das práticas, com o que se fazia antes, facilitou a investigação, dirigida para desestabilizar o próprio governo.
Livro de Denis de Moraes
Ao mesmo tempo, segmentos mais à esquerda, partidos de fora do governo e que lhes faziam oposição, miraram no alvo errado, por uma estratégia sectária de disputar dentro da esquerda uma hegemonia sem resultados reais pela incapacidade de envolverem as massas, pelo dogmatismo exacerbado e incapacidade de saber fazer política. Esqueceram-se do inimigo principal, mesmo quando durante as jornadas de junho, alguns desses agrupamentos tenham sido expulsos das manifestações e impedidos de ostentarem suas bandeiras. Chocava-se o ovo de uma serpente e as esquerdas não compreendiam a situação real e se limitavam a combater no espaço da política tradicional, esquecendo-se de enfrentar a luta ideológica contra a direita, que se disseminava também nas igrejas evangélicas. Algo muito parecido com o que aconteceu em 1964, guardando-se as devidas circunstâncias, para não incorrermos no erro do anacronismo.
Aos poucos, e cada vez mais às escancaras, despontavam organizações de direita e até mesmo, indivíduos que por muito tempo eram vozes isoladas que pregavam no deserto, passaram a se constituir em baluartes da moralidade e defesa da “democracia”. Muito embora em suas fichas corridas ostentassem falcatruas e defesas de assassinos e torturadores, algo que se explicita na medida em que encontram na multidão intolerante ecos para suas psicopatias. Embalados pela onda que crescia, ampliava-se a desfaçatez com que esses setores desfilavam em meio à multidão que, cega, era induzida a acreditar em discursos fascistas, que procuram retornar aos tempos da ditadura e fomentando situações assemelhadas ao odiento macarthismo que assolou os Estados Unidos na década de 1950, com reflexo nos anos seguintes, no começo da guerra fria.
A política foi violentada e a esquerda perdeu a luta ideológica. Evidente que é uma derrota momentânea, mas que deixará marcas cujo tempo a apagar não será curto. Mas dependerá da capacidade de fazer autocrítica e da retomada de sua força organizacional, para enfrentar uma direita que mostrou os dentes e perdeu o medo de se expor. Com isso, explicita-se a luta de classes, para desespero de cientistas sociais que capitularam nas duas últimas décadas, e - salvo as honrosas exceções dos que se mantiveram fiéis ao marxismo -, aderiram ao neoliberalismo e à nova direita dita intelectualizada, e reproduziram o discurso de fim história.
O que se espera, a partir de agora, é a retomada do movimento popular, por muito tempo dividido e disperso em meio à uma crise existencial, entre lutar pela ampliação das conquistas e manter, com apoio ao governo, o que já se tinha conquistado. Sem o compromisso de ter que evitar bater no governo para não o enfraquecer mais (o dilema existencial, mas real), inevitavelmente os partidos, sindicatos, entidades e organizações de esquerda terão agora a possibilidade de se reinventar, analisar erros cometidos diante da necessidade de garantir a governabilidade e de manter o poder mediante a utilização de esquemas corrompidos, com desvios de recursos públicos para campanhas eleitorais, prática por muito tempo condenada antes que tivessem o controle da máquina estatal. É que se espera. É o que é necessário para retomar a credibilidade.
Algo que não será muito difícil, uma vez que os remédios que serão adotados pela direita que assume o poder, ávida por tomar atitudes que reponha o Estado na linha que lhe interessa: o neoliberalismo, sem matiz. Sabe-se bem que as políticas defendidas por esse setor são aplicadas tendo em vista, em primeiro lugar, o atendimento de interesses do mercado. Essa divindade serve bem a seus fiéis adoradores, a burguesia, a classe média alta, rentista ou desejosas de tornar-se burguesia e viver tal qual. Para o resto da população, a imensa maioria dos que dependem de salários, prevalecem a indiferença. A esses restam os templos religiosos comandados por oportunistas reacionários, que abusam e exploram a fé das pessoas a fim de enriquecerem-se sem limites. O Estado não será o instrumento para reduzir desigualdades, ou amenizar as situações de pobreza da população. As políticas sociais voltarão a tornar-se instrumentos de manipulação e de fortalecimento de feudos, do velho apadrinhamento a consolidar e perpetuar o poder dos velhos caciques, a reproduzir-se por herança para jovens de “sangue nobre”, seguindo-se preceitos seculares da meritocracia, e o retorno à aversão aos que buscam teimosamente romper com as barreiras e gargalos que limitam o acesso aos mecanismos que os possibilitam serem incluídos na sociedade.
Mas, que tipo de sociedade? Essa que está aí deve ser mantida? Ou será que mais do que garantir a inclusão social talvez não seja necessário destruir não somente os muros e barreiras, mas também a própria maneira com essa sociedade está estruturada? Um novo tipo de sociedade.  O retorno à utopia que nos faz projetar outros mundos possíveis, ao invés de insistirmos em reformar um modelo de sociedade falido e um Estado paquidérmico, com estruturas viciadas, corrompidas a se debruçar permanentemente sobre alternativas para uma crise sistêmica insolúvel.
Retomar a discussão em um patamar que possa dar indicações claras às pessoas do que significa a luta de classes. Renovar o discurso e revigorar a luta ideológica, sem condescendência com setores reacionários e oportunistas, mas procurando ampliar verdadeiramente com quem faça política não por profissão, mas pelo desejo de construir um outro mundo, uma nova sociedade. Uma alternativa ao capitalismo: o socialismo renovado.
Utopia? Mas para que serve a utopia? “Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. (Eduardo Galeano)[9]
Avante! Sem esmorecer. Temos um mundo inteiro a ganhar.



NOTAS:

[1] http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2015/11/bolsonazi-ficha-corrida-de-um-dos.html
[2] http://www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2013/06/fragmentosde-um-olhar-sobre-multidao-eu_22.html
[3] BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A Segunda Guerra Fria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. Pp. 107-118
[4] Idem. P. 108.
[5] Rodrigues, Fania. A nova direita. Revista Caros Amigos. Nº 229. Abril/2016. Pp. 18-21
[6] “reação exagerada por parte das autoridades e, portanto, desacreditar o governo” (tradução)
[7] “elemento-chave de subversão” (tradução)
[8] BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Idem. P. 107-108
[9] https://www.youtube.com/watch?v=9iqi1oaKvzs