quinta-feira, 27 de junho de 2013

PLEBISCITO OU REFERENDO, QUEM TEM MEDO DAS VOZES DAS RUAS?

Pronto, o foco da mídia agora passou a ser outro, a partir da iniciativa da presidenta Dilma Roussef em apressar a Reforma Política, uma das exigências do clamor popular, diante da insatisfação com o atual modelo representativo brasileiro.
Prestem atenção no que passou a acontecer logo após o anúncio feito pela presidenta. Primeiro a ideia de convocação de uma Constituinte exclusiva, a quem caberia a discussão em torno dessa reforma. Seus parlamentares seriam eleitos exclusivamente para discutir e elaborar o novo sistema político-partidário brasileiro. Imediatamente a grande mídia, principalmente a Rede Globo, procurou, seletivamente, apresentar opiniões de juristas contrários à ideia.
Na forma apresentada, a população passou a ser induzida a acreditar que era juridicamente equivocada a iniciativa da Constituinte. Absolutamente manipulada, na medida em que outros juristas, não ouvidos pela mídia, mas cujas opiniões eram expostas em outros canais de informações, embora menos vistos, confirmavam a validade da iniciativa, desde que por iniciativa do Congresso e aprovada por 3/5 dos parlamentares. A meu ver, o temor era que a Constituinte pudesse avança sobre temas mais espinhosos, como a questão do parlamentarismo, ou até mesmo regulamentar muitas leis ainda sem aplicação, como o de imposto sobre grandes fortunas.
A pressão surtiu efeito, a presidenta recuou. Aparentemente argumentando que o prazo para a sua convocação, eleição e vigência seria longo, o que poderia contrariar o desejo popular de celeridade nesse processo.
Passou-se então, a partir daí, às discussões sobre o plebiscito, pois sem a Constituinte, seria essa a forma de participação popular escolhida pelo governo para forçar a aceleração das discussões em torno da reforma política.
Imediatamente a mídia, e mais uma vez a “vênus platinidada” global passa a selecionar vozes discordantes, seguida, como sempre, de uma oposição que não se envergonha em seguir as orientações do “grande irmão”. Desta feita, temerosos do que o povo poderá decidir, desejam substituir o plebiscito por um referendo. Como sempre a tentativa de encobrir os temores políticos escora-se em (falsos) argumentos jurídicos. Como “em cada cabeça há uma sentença”, assessoram-se daqueles juristas que, utilizando-se de seus linguajares “juridiqueses”, adequados para confundir os leigos, disparam uma salada de frases legalistas, que se traduzem no seguinte sentido (segundo a minha interpretação): “não deem ao povo o direito de decidir primeiro”. Ou, como bem direto disse, certa feita, um governador mineiro, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada: “façamos a revolução, antes que o povo a faça”.
Repito, fiquem atentos.
Qual a diferença básica, entre mecanismos aparentemente semelhantes? Do ponto de vista da soberania popular a diferença é grande, embora juridicamente seja pequena, e o temor conservador pode ser explicado pelo antes e pelo depois.
Plebiscito é uma expressão de origem latina (plebiscitum). Era o mecanismo adotado pelos imperadores romanos, diante de alguma crise institucional, quando buscava-se amenizar as revoltas populares, da plebe, ou dos plebeus. A fim de conter a massa, o governante, através dos senadores, davam à essa população mais pobre, o direito de definir sobre um tema que a contrariava  e que, porventura, fosse objeto de impasse entre os patrícios e seus representantes. Pode ser entendido como “a plebe opina”. Por esse mecanismo, os temas são propostos para que o povo decida sobre aquilo que deseja tornar-se lei. O que for de seu desejo deverá ser implementado pelos legisladores.
Referendo, que também tem sua origem na terminologia latina (referendum), diferencia substancialmente do plebiscito porque neste caso é dado ao cidadão o direito de apenas “referendar”, ou aprovar (ou recusar) aquilo que já foi discutido e elaborado pelos legisladores ou governantes.
É evidente, que a diferença entre os dois mecanismos identifica claramente os objetivos daqueles que os propõem.
O que temos atualmente. Um congresso parlamentar completamente desmoralizado perante a opinião pública, por várias razões, e a mais relevante é a leniência em tratar de temas que são do desejo da população. Entre eles, a reforma política, empacada que nem jumento velho quando cisma em não arredar o pé do lugar. Obviamente porque há uma falta de sintonia entre o que deseja as ruas e os interesses da maioria daqueles que foram eleitos, em tese, para representá-las.
Temos um Congresso conservador, por essência, na sua composição de classe, que foge completamente daquilo que é a sociedade brasileira. Não importa, agora, que foram eleitos pelo próprio povo. Há uma sublevação em marcha, e diz respeito, em grande parte, à ineficiência política desses parlamentares, que se dispõem somente a agilizar questões relativas aos seus interesses particulares ou das corporações que financiaram suas campanhas. Repito, a maioria, e não a sua totalidade. Mas é essa maioria que define o andamento dos processos e que protela a decisão sobre os temas mais relevantes, de interesse público.
O que deve prevalecer nesse momento é a voz das ruas. São anos e anos com a aspiração de uma reforma política sendo tolhida, porque, naturalmente, os parlamentares que ali estão não desejam realizar mudanças que venham a ferir seus interesses mesquinhos. Seja de confrontar o poder reacionário do latifúndio, o moralismo inepto de fundamentalistas evangélicos e o estilo catatônico de velhas raposas preocupadas somente com o seu curral eleitoral.
Deve-se enviar para a escolha dos cidadãos várias proposições, para que a maioria escolhida seja, obrigatoriamente, seguida pelo parlamento. Que seja dado ao povo o direito até mesmo de errar, mas que não lhe seja usurpado a sua vontade de decidir sobre questões que o levou às ruas. E não somente que, mais uma vez, seja protelado, enrolado e manipulado, uma reforma política, aprovada ao bel prazer de uma maioria conservadora, e empurrada “goela abaixo” somente para ser “referendada”, ou “submetida à aprovação popular”. Isso é muito pouco para o que deseja as vozes das ruas. O povo deseja ser protagonista, como vem sendo, dessas mudanças. E se elas não acontecerem pela política, o processo histórico ensina como prosseguirá.
A multidão, que se revolta até de forma agressiva nas ruas, embora a mídia tente separar bons e maus (principalmente quando a revolta vai para a periferia), tem pressa. E a sua insatisfação é também com esse Congresso que aí está, de uma composição majoritariamente paquidérmica e senil. Ela não quer somente dizer um “sim senhor” ao que ali vai ser elaborado. Ela precisa mais do que isso, e pode fazê-lo sendo lhe dado o direito de decidir entre pelo menos três propostas diferentes para cada tema. É uma ótima oportunidade de fazer as pessoas discutir amplamente aquilo que ingenuamente vem negando: a política.
E é plenamente possível fazer isso através de um PLEBISCITO. Com o congresso discutindo e aprovando aquelas propostas que, entre eles, recebam a maioria dos votos. Para depois elas serem colocadas para que os cidadãos indiquem qual delas deve ser acatada pelo parlamento e legislada definitivamente.
A discussão entre Plebiscito e Referendo não é meramente jurídica. Ela é política. E define claramente, para quem não é um alienado, obviamente, quem tem medo das decisões das ruas. As pessoas que se mobilizaram, formaram a multidão em várias cidades desse país, e ostentaram de formas diferentes e com temas variados, suas indignações com a situação política atual, deve ficar atenta à essas manobras, feitas com as sutilezas do poder midiático, e que visam frear a profundidade das mudanças.
PLEBISCITO, JÁ!

POR UMA REFORMA POLÍTICA DECIDIDA PELO POVO!

quarta-feira, 26 de junho de 2013

TRAÇADO DA EXCLUSÃO NA CIDADE DO AUTOMÓVEL


Goiânia tem crescido de forma acelerada, o que aliás não a torna uma exceção quando analisamos o crescimento urbano nas últimas décadas, principalmente nas grandes cidades, capitais ou, se quiserem, metrópoles regionais. Claro que dependendo da região esse crescimento é diferenciado, e isso faz muita diferença quando tratamos de um Estado cujo desenvolvimento tem sido bastante acentuado nos últimos anos.
A centralização geográfica do Estado e um traçado moderno efetuado em nossa capital, Goiânia, munindo a cidade de infraestruturas capazes de atrair pessoas de outras regiões em busca de garantias de mais segurança justificam essas transformações. A consequência disso tem sido um aumento visível do número de veículos circulando pela cidade. É visível a lentidão em agir e planejar em comparação com o aumento da população e do número de veículos. Embora para todos seja perceptível que isso seria inevitável.
O caos que afeta o trânsito em Goiânia não é exceção no quadro das grandes metrópoles, seja no Brasil ou em qualquer outro país. A exceção é quando se encontram cidades cujos recortes espaciais beneficiem as pessoas, os cidadãos. Quase sempre a arquitetura nesses espaços urbanos segue a lógica de uma sociedade que valoriza mais os automóveis – velho sonho de consumo da classe média, e atualmente praticamente de todas as pessoas, ansiosas por fugir de um transporte coletivo ineficiente.
Falta eficácia na adoção de políticas que amenizem esse sofrimento e imponha limite ao poder monopolista das empresas, pondo fim ao monopólio exercido por algumas delas e garanta um efetivo oferecimento de serviços baseado na eficiência e na qualidade. Isso sim é o que pode possibilitar aos cidadãos trocar por alguns dias seus veículos pelo uso de um transporte que atenda às suas necessidades sem tratá-los como gado. Caso contrário, prosseguirá sempre, cada vez mais, elevando-se o número de novos veículos que entram em circulação em Goiânia, e isso se conta em milhares.
A prosseguir essa lógica, melhor será denominar essa de “sociedade do automóvel”, com as preocupações definidoras do traçado arquitetônico sendo ditadas pela necessidade de garantir a circulação de veículos em áreas comerciais para atender à pressão do comércio. Foi isso, aliás, que motivou uma irresponsável deformação da Avenida Anhanguera, dificultando enormemente o trânsito de pedestres. Uma intervenção do governo do Estado na época à revelia do governo municipal, criando uma situação de difícil reverso.
Em época de eleições, propostas apresentadas como meios para facilitar a vida do cidadão nos colocam em sobreaviso, na medida em que se propõe criar mais uma anomalia na cidade, enfiar um metrô de superfície na avenida Anhanguera. Imagine o caos que será criado com a proposta de um “veículo leve sobre trilhos”, circulando em alta velocidade em uma estreita avenida, preparada inicialmente para suportar um fluxo de veículos e pedestre tendo em vista uma cidade com cinqüenta mil habitantes. O veículo “leve” a que se refere os que propõem tal medida pesa toneladas e representa seis a sete vagões, cada um maior do que um ônibus. E o cidadão, como se deslocará de um lado para outro da avenida? Metrô, sim, e com urgência. De superfície, no entanto, será uma anomalia.
O outro lado da história se reflete na cultura gerada por toda a ineficiência, e o consequente estresse que gera violência em meio ao caos urbano; estupidez, mortes, e o confronto agressivo por pessoas que sequer se conhecem, bem ao estilo “nunca te vi e sempre te odiei”.
No meio de tudo isso o pedestre, sem dúvida o mais fragilizado e vítima contumaz do que considero uma arquitetura da exclusão. Todo um traçado urbanístico que nega ao cidadão direitos essenciais e o coloca numa situação de perigo semelhante àqueles que se situam na Faixa de Gaza, ou Afeganistão, áreas de perigosos conflitos armados e regiões de guerra quase permanente. Se alguém duvida tente atravessar a BR-153, no perímetro urbano de Goiânia a qualquer hora do dia, mas principalmente no começo da manhã e final da tarde. E esse é apenas um exemplo, temos muitos outros por toda a cidade.
Apesar de constantes campanhas educativas, as estatísticas não indicam nem uma redução no número de vítimas e muito menos uma diminuição da agressividade dos motoristas, demonstrados na irritabilidade crescente e na velocidade com que trafegam pelas ruas e avenidas. A lei seca diminuiu por certo tempo esses índices, mas retomaram seu ímpeto de crescimento na medida em que a fiscalização tornou-se ineficiente, como tem se demonstrado, principalmente em nossa capital, onde se concentra o maior volume de tráfego de automóveis. É sabido que o número de fiscal é extremamente reduzido em função das necessidades. Mais uma vez comprova-se a incompetência de um planejamento urbano, pois não se contrata pessoal na mesma proporção em que cresce o movimento e o número de automóveis.
Essa impossibilidade de reverter esse quadro dentro de um processo educativo fez com que se multiplicasse a quantidade de fotossensores, colocados em áreas de muitos acidentes e cruzamentos sinalizados por semáforos (o que não deveria ser necessário, pelo óbvio, os semáforos deveriam ser respeitados, bem como os limites de velocidades). Em reação a isso cresce uma gritaria, a meu ver desqualificada e oportunista em vários sentidos. Ora, se há um limite de velocidade a ser respeitado, o que torna esses sensores ilegais? Se há em algumas vias um excesso de acidentes causados por irresponsabilidades e imprudências, o que deve ser preservado, a vida ou o prazer criminoso da velocidade em áreas que em nada se assemelham a um autódromo? Tão hediondo quanto as mortes criminosas é o fato de proliferarem escritórios de advocacia que se especializaram em ganhar dinheiro em cima dessa bizarra situação – ao invés de defenderem a vida, dispõem-se a lucrar contra uma lógica que visa, acima de tudo, fazer com que a lei seja respeitada.
Manifestações em vários pontos da cidade exigem lombadas eletrônicas para impedir as constantes mortes cujos números alarmantes já foram divulgados em reportagens na mídia. Mas o que deveria escandalizar, não impede que a demagogia prevaleça em alguns discursos, principalmente em épocas eleitorais, quando certos candidatos referem-se à existência de uma “indústria de multas”, e propõe reduzi-las, mas inexplicavelmente calavam-se e não citam os crimes patrocinados por quem transforma seus veículos em armas letais.
Não se pode prescindir de campanhas educativas, principalmente para alertar as novas gerações, mas seria absurdo evitar a instalação de fotossensores quando a realidade aponta na direção de desrespeitos repetidos, à revelia da lei e completamente insensível ao valor que deve ser dado à vida.
O desafio é grande, mas acima de tudo, é preciso refletir sobre o futuro reservado aos cidadãos nas grandes metrópoles, e a quem deve servir o traçado nessas cidades: aos indivíduos ou aos automóveis.



Esse artigo foi publicado no Jornal O Popular, em 2004, durante a campanha eleitoral daquele ano. Já o publiquei aqui no blog e faço isso novamente motivado por toda a discussão em torno da mobilidade urbana. Creio que ele ainda mantém sua atualidade. Fiz, no entanto, pequenas alterações, para torná-lo mais adequado. Mantive a crítica à tentativa de criar um sistema de VLT na Avenida Anhanguera, embora essa discussão já exista há cerca de dez anos.

sábado, 22 de junho de 2013

A FÚRIA: O DESPERTAR DA MULTIDÃO, OU A REVOLTA DE UM INCONSCIENTE COLETIVO?

FRAGMENTOS DE UM OLHAR SOBRE A MULTIDÃO
Eu acompanho essas manifestações há mais de dez anos. Claro, ao longe, como estudioso de geopolítica. A maior delas, ou uma das mais importantes, foi em 1999, durante uma reunião da OMC e gerou um filme chamado "A batalha de Seattle". Já escrevi sobre isso no meu blog (http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2011/11/indignados-para-qual-direcao-seguem-as.html). Há diversas demandas, revoltas represadas, reivindicações justas. Mas nada disso será possível de ser mudado sem organização. As vozes das ruas, da multidão, criam motivações, e até mesmo uma empolgação exagerada, principalmente na juventude, cuja adrenalina explode e os empurra com força para o embate. É natural e importante que isso aconteça. Mas o que virá depois disso depende da política (ou da guerra, quando fracassa a política, mas aí sabemos as consequências). A multidão tem sido protagonista desde o final do século XX, com grandes protestos antiglobalização, e depois, com a intensificação da crise, na chamada “primavera Árabe”. Os resultados de tudo isso ainda está por vir, mas nos países onde ocorreram houve retrocesso na condução política. Governos mais conservadores e direitistas foram eleitos, Na Grécia, Itália e Espanha. Ou fundamentalistas religiosos, no caso do Oriente Médio, resultando em menos democracia e no fim do Estado laico e o controle de partes dos países por milícias armadas. Devemos refletir sobre esses momentos, mas nada seguirá bem se a política não funcionar, e já há algum tempo uma massificação da ideia de que tudo está ruim. A grande mídia e os setores conservadores têm insistido nisso, e agora os jornalões da Inglaterra e dos Estados Unidos (lembremos-nos de 1964). Existem coisas que precisam ser melhoradas, mas penso que a possibilidade de piorar não é remota. As raposas estão escondidas, prestes a atacar na surdina, como sempre fazem. O melhor que fazemos nesse momento, para saber de fato o que queremos, é, por um lado apoiar as reivindicações que são justas e não sejam pautadas pela mídia, por outro assistir o filme "A dia que virou 21 anos", documentário que está em cartaz sobre o golpe militar de 1964. Para não precisarmos comprovar o que diz Marx, que "a história se repete, da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa".
E CONTRA O CAPITALISMO, NADA? AFINAL, O QUE FAZ VOCÊ FELIZ?
Espero poder morrer tranquilo, mas não em breve, embora a tempo de ver no meio dessa multidão como uma das bandeiras principais "fim ao capitalismo" e "abaixo as grandes corporações que comandam a riqueza no mundo". Porque os problemas principais, em essência, decorrem da lógica que está por trás do funcionamento desse sistema, de um estilo de vida que tem transformado a nossa maneira de ser e de nos relacionarmos, já que tudo decorre das condições que nos permitem consumir. Deixamos de ser cidadãos e aceitamos ser consumidores. Se pudermos consumir, seremos respeitados, senão somos excluídos. Quando essa pauta, que questione o sistema que constrói o abismo que separa ricos e pobres, for colocada como prioritária, aí eu vou acreditar que as consciências acordaram. De qualquer forma é salutar ver a juventude sair da letargia, só espero que os oportunistas não ganhem mais espaço, porque enquanto a juventude tem aversão à política as igrejas mais conservadoras aumentam o número de parlamentares e adotam uma agenda ultra-conservadora.
EM QUAL DIREÇÃO SEGUIR?
As manifestações começaram com um foco específico, o péssimo atendimento nos serviços urbanos, principalmente o transporte coletivo. Muitos problemas que são locais, de responsabilidades dos governos estaduais e municipais. A mídia direcionou as manifestações para outra pauta, incluindo nisso a questão da corrupção e até mesmo o repúdio à PEC 37, mesmo sendo do total desconhecimento da população e isso se espalhou pelas redes sociais. É visível a forma como a mídia regional bloqueia a crítica aos governos locais e estaduais. Dependentes de verbas publicitárias, os órgãos de imprensa submetem-se à pressão, e filtram das imagens os cartazes com críticas a esses governos. Quem não foi nas manifestações não sabem que esses governos são focos das críticas por serem responsáveis pelos setores mais criticados pela multidão. Mas manteve-se superdimensionando, a crítica ao governo federal. Ampliou-se para o ataque à participação de políticos, contra o comportamento oportunista e corrupto de muitos deles, pauta que está já há muito tempo em evidência. Há muitos anos, diga-se de passagem, e por todo esse tempo a mesma população que protesta é a que elege esses mesmos políticos que ela tenta agora “fuzilar”. Mais uma pauta da mídia. Há uma tentativa aqui de criar um sentimento de aversão a política, já que se poderia partir para uma campanha, e a imprensa tem esse poder, de fazer com que a população evitasse repetir o voto naquele político que ela votou. Mas não é isso, o que há por trás é uma clara tentativa de tornar a política algo nefasto. Os reacionários, golpistas de sempre, e os comentaristas pulhas, tipo Jabor, se aproveitaram para tentar induzir o foco. Mas as ações da multidão não são como no período pré-1964. O primeiro a ser sitiado foi o governador de São Paulo, claro, depois a mídia o escondeu. Depois algumas prefeituras viraram alvos. A revolta se deu também contra o Congresso. No Rio de Janeiro e em outras cidades o ataque foi contra a Assembleia Legislativa ou o parlamento municipal. O que é ruim. Mesmo com todos os problemas que existem no parlamento e sua maioria conservadora, esses lugares são sinônimos de democracia. As ditaduras e os fascistas atacam primeiro os parlamentos. É preciso saber escolher os representantes e não destruir a representação. Senão é a anarquia. E aí a população vai clamar pela polícia. Como é contada essa história no filme "V de Vingança", que muitos invertem seu sentido e usam sua máscara com objetivos diferentes. No filme, “V” luta contra o totalitarismo, que foi imposto a partir da manipulação da massa.
NO EMBALO DA MÍDIA
A mídia tentou por todo o tempo, e conseguiu, pautar as reivindicações da multidão. E insistiam a todo o momento que uma das bandeiras é a luta contra a PEC-37.  Perguntei a três jovens que estavam com cartazes na manifestação se conheciam o seu conteúdo, um deles era universitário. Só sabiam dizer que o governo estava tentando impedir que se investigue a corrupção. Não insisti com mais perguntas, sei que 95% desconhecem de que se trata, de fato. Há muita alienação, não conhecem o histórico dessa emenda que está sendo pautada pela Rede Globo. Ela é uma disputa entre as polícias e o ministério público, seu autor é um deputado que é delegado da polícia civil, não tem nada a ver com o governo. É muito relativo dizer que afeta o combate à corrupção, porque é função do Ministério Público oferecer denúncia, esse é o seu papel constitucional. Ademais, o Ministério Público também tem se omitido em investigações importantes sobre a corrupção, como no caso das privatizações e do envolvimento do banqueiro Daniel Dantas, acobertado pelo judiciário, inclusive por um ministro do STF. E quem investigou esse grande corrupto e todo seu esquema, foi a Polícia Federal. Muito embora eu não seja contra o caráter investigativo do Ministério Público, creio que isso deve se dá em conjunto com as Polícias Civil e Federal, caso contrário se dará muito poder a um órgão que tem se pautado pelos refletores. Suas maiores ações são aquelas que garantem uma grande repercussão midiática, e quase sempre expõe suspeitos sem que depois as acusações sejam comprovadas. Mas há por trás disso tudo um nítido objetivo da mídia de direcionar o movimento e incluir na pauta as mesmas questões que estiveram por trás do golpe de 1964.
FUI, VI E VOLTEI... MAIS PREOCUPADO DO QUE ANTES.
Ao contrário da euforia que se espalhou pela multidão nessa semana, o que vi nas ruas me preocupa mais do que me deixa entusiasmado. É inegável que há muita leniência nas ações do governo federal e um engessamento causado pela excessiva burocracia e por ter abdicado de reivindicações históricas. Cito a reforma agrária. E acrescento às concessões feitas às corporações financeiras em isenções de impostos para inchar as cidades de automóveis; cedendo no aumento dos juros para atender à especulação etc. Mas me preocupa, e pude viver isso de perto, de dentro da manifestação, a completa despolitização do movimento. Apesar de concordar com 75%, no mínimo, dos cartazes ali expostos. Saí convencido de que o poder da mídia não pode ser relevado, nem menosprezado. Muitas das reivindicações foram pautadas por ela, logo depois da repressão violenta em São Paulo. Há, sim, em curso, uma tentativa golpista, agora instrumentalizando a multidão, de alterar o jogo político que não tem sido possível fazer com a política tradicional. É claro que essa política tradicional deve ser criticada. E aí entra o grande erro do pragmatismo político de Lula, de buscar repetir os conchavos políticos com setores conservadores, e ceder espaços políticos antes tradicionalmente disputados pelos setores de esquerda, como a área de direitos humanos. É evidente que isso vai se tornando visível, principalmente quando se tinha expectativas diferentes quanto à condução da política. Traduzindo em miúdos: o governo do PT, e aliados, considerou que simplesmente adotar uma política de concessão de benefícios para os setores mais pobres seriam suficientes para agradar politicamente a sociedade, e mais do que isso, para fazer com que fosse sentido que há uma vontade de fazer avançar as mudanças estruturais, pedidas há muitos anos. A camada que se sobrepõe no quesito influência política, é a classe média. E ela arrasta em suas reivindicações, muitas de cunho meramente moralistas (o que não quer dizer que não sejam pertinentes), as demais camadas. 
O que aconteceu este mês no Brasil, foi o estouro de um dique onde estavam represadas expectativas de décadas e insatisfações geradas por comportamentos da classe política, de absoluto desrespeito à sociedade e de repetição de práticas seculares, herdadas do período colonial. Por outro lado, a mídia tem construído um clima de pessimismo desde a posse do Lula, simplesmente negando todo o processo histórico desse país, os avanços obtidos nos últimos anos, e as dificuldades de recompor um estrago nesse país que deve ser compreendido em toda a sua dimensão histórica. Mas considero que erros graves, na postura adotada pelos sucessivos governos pós-FHC, ao não combater as práticas políticas tradicionais, e até mesmo se servirem delas, deram forças a essas insatisfações e revoltas. Não tenho dúvidas. Quem tem o poder nas mãos é que tem a possibilidade de consolidar as mudanças que a sociedade exige. Se não fez isso é porque está completamente fora de sintonia da realidade de seu próprio povo. Não basta maquiar, é preciso mostrar que é diferente, e não ceder às pressões da matilha conservadora. Que essas rebeliões possam servir de exemplo. Mas depois do que vi, e quando cheguei em casa e li as notícias sobre as demais manifestações, me lembrei do livro de José Saramago (e do filme) "Ensaio sobre a cegueira". Os que acharem estranho essa referência vejam o filme.
GARNIZÉS COM COMPLEXOS DE GAVIÕES
Os jornais britânicos se especializaram no Brasil. Naturalmente, o velho e carcomido império colonial, deseja influenciar nas políticas brasileiras, com o claro objetivo de defender suas corporações e gananciosos investidores, o alvo deles, por mais que disfarcem, são os altos juros que lhes garantem um rentismo especulativo, mas que nada favorece ao desenvolvimento brasileiro. Repetem as “vozes do além” estadunidenses, que durante o governo João Goulart atacaram as reformas de base propostas naquele momento, principalmente o controle dos lucros das multinacionais, que deveriam ficar retido no país por, pelo menos, seis meses. Uma pena que o governo Dilma baixou a cabeça e cedeu às pressões, aumentando os juros, para deleite do “The Economist”. Agora, é a vez do "The Guardian" numa abordagem extremamente tendenciosa das manifestações. Eles deveriam se preocupar com a crise econômica que tem transformado a Inglaterra num "garnizé". Não precisamos que aqueles que colonizaram a América e a África venham agora querer ensinar qual o rumo que o Brasil precisa tomar. O desemprego por lá é o dobro do que existe aqui. E a riqueza por eles conseguida decorre de todo esse processo de exploração colonial. A desgraça da África e do Oriente Médio é fruto das ações rapaces do imperialismo britânico.
CEM POR CENTO DOS RECURSOS DO PRÉ-SAL PARA A EDUCAÇÃO
Essa é uma bandeira do movimento estudantil (100% para o pré-sal). Mais investimentos em educação, e se tornou uma das principais reivindicações nas manifestações. Veremos agora quem vai ser contra. Mas é preciso prosseguir atentos, principalmente porque setores da classe média alta se opõem a tudo que venha para atender às necessidades das camadas mais baixas. Há uma batalha no congresso entre parlamentares que desejam que esses recursos vão para seus estados sem que esteja definido para onde.
SOBRE O USO DA VIOLÊNCIA NAS MANIFESTAÇÕES
A mídia está tentando separar as coisas. Não, tudo faz parte de um mesmo movimento. São consequências dele. Há no meio desses grupos gangs e marginais, isso é inegável, mas a maioria dos que foram detidos com esses comportamentos agressivos é composta de jovens sem passagens na polícia, e membros da classe média, como o que foi preso no dia seguinte à depredação da prefeitura de São Paulo, estudante de arquitetura e filho de empresário, e o que foi identificado liderando a quebradeira no Itamaraty, em Brasília. Procura-se transferir para as camadas mais pobres a responsabilidade por atos que visam gerar o caos, e muitos deles são seguramente articulados, mas uma parte vai no embalo da adrenalina. Como sempre criminaliza-se o pobre. A tentativa é mostrar um ambiente de insegurança e de incompetência, e as críticas se voltam contra o governo federal. O comportamento da polícia paulista foi muito estranho, agiu com força desproporcional num primeiro momento, e abdicou de defender os prédios púbicos depois e praticamente desapareceu das ruas no maior protesto. Todas as críticas da mídia passaram a se direcionar para o governo Dilma, quando a principal reivindicação, que diz respeito à mobilidade urbana é de responsabilidade dos demais governos, principalmente. Há uma farsa em curso, é uma tentativa de repetição da forma como foi preparado a estratégia que levou o país a conviver com uma ditadura militar. Se isso se dará como naquele tempo vai depender da maneira como os partidos que apoiam a presidenta, principalmente os de esquerda, que sempre tiveram em suas bandeiras essas reivindicações que estão na rua, irão agir a partir de agora. Não há dúvida que será preciso se reinventarem. E o governo federal precisa deixar de pintar a realidade brasileira com cores que ainda não correspondem aos seus desejos. A realidade é palpável, estamos longe de por fim à pobreza, embora o país tenha avançado bastante. E não adianta ficar olhando para trás, afinal, já se vão dez anos que os neoliberais tucanos foram derrotados. A Nação tem pressa.

A "CEGUEIRA" DA MÍDIA!
Acho melhor falar "parte da mídia", dos grandes grupos de comunicação (A imprensa regional assume outro comportamento, mais ameno, digamos. Contudo fica mais sujeita às pressões dos governos locais e estaduais, e por isso omitem as críticas aos mesmos). Esses meios de comunicação, de linha editorial direitista (Globo, Veja, Estadão, Folha de São Paulo, Band, principalmente), nos últimos anos tem procurado criar um clima crescente de insatisfação na população, parte do objetivo político de levar ao poder seus aliados conservadores. Agora falam como se eles também não fossem alvos dessas insatisfações. Mostram cenas da multidão vaiando as bandeiras de alguns partidos de esquerda (o que demonstra a cegueira, já que não há outro caminho para as mudanças, que não o institucional, e com a ajuda daqueles partidos que apoiam as reivindicações) mas não mostram quando eles próprios são vaiados e precisam disfarçar-se no meio da multidão.  E dão dimensão pequena às cenas de destruição de seus próprios veículos de comunicação (atitudes extremas, e desnecessárias, aliás, mas é fruto da mesma revolta dos que se sentem enganados). As pessoas também estão fartas da maneira como esses órgãos da imprensa procuram manipular as notícias. Por isso a reação da multidão, fazendo com que alguns repórteres omitam o símbolo de suas emissoras. Pode-se usar, também nesse caso, a velha frase de uma música de Geraldo Vandré: "é a volta do cipó de aroeira, no lombo de quem mandou dá".

AS DIMENSÕES DOS PROBLEMAS URBANOS

Pouco se diz, mas é evidente, que as cidades são verdadeiros vulcões, prestes a explodir. Ou melhor, um vulcão em processo de expelir suas mais incandescentes lavas. A questão é, como solucionar problemas crônicos, na rapidez com que está a exigir a pouca paciência do povo e com uma máquina estatal paquidérmica? Não são problemas de agora, mas que foram se acumulando como decorrência da leniência dos governantes, que priorizam as áreas mais sofisticadas, bairros de ricos e facilitando os acessos aos condomínios fechados. Portanto, são problemas que não dizem respeito diretamente ao governo federal, são de responsabilidades locais e estaduais. Nos últimos tempos, apesar da (pequena) redução da miséria, ampliou-se o fosso entre ricos e pobres. Temos várias “cidades” em um único aglomerado urbano. Bairros que são microcosmos, e funcionam como pequenas cidades interioranas, mas compõem um verdadeiro apartheid social. Agora será preciso pressa, e suplantar a burocracia não é fácil. E precisa de muito mais vigilância, porque quando se exige menos burocracia, abre-se mais brechas para corrupção. Estamos naquela situação de como vemos o cachorro correndo atrás de seu próprio rabo. 
NÃO HÁ MUDANÇA NOS NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA
Tenho uma forte suspeita de que há uma geração que desaprendeu da política, e outra que desconhece o que ela significa, a sua importância. E, principalmente, desconhece a história desse país. Embora nada disso esteja sendo dito no sentido de generalizar, mas essa é uma realidade na multidão que tem ido ás ruas. Tenho críticas, muitas críticas, a algumas atitudes do governo, principalmente quando cede às pressões conservadoras e da grande mídia. Mas conheço o passado desse país, e espero que ele não se repita. Nem como tragédia, nem como farsa, como diria Karl Marx.
O melhor que se faz é buscar se informar sobre as batalhas políticas em curso, senão todos vão no embalo da rede globo. E é preciso também saber como funciona o sistema político. Muita gente está indo para as ruas sem saber isso. A multidão vai às ruas no embalo, mas a cegueira ainda continua. É necessário pressionar por uma reforma política e conscientizar os cidadãos de que não se pode votar em candidatos por simples amizade, mas pelo seu histórico de lutas. O que se vê é a repetição de um voto conservador, em que se elegem empresários, latifundiários e profissionais liberais sem tradição de participação nas lutas sociais. É a própria sociedade que compõe esses parlamentos. Além disso, as novas gerações precisam saber melhor de como era esse país. Embora a maioria das pessoas esteja certa na necessidade de que é preciso melhorar, e muito. Mas não podemos permitir que as nossas liberdades democráticas sejam ameaçadas e que essa multidão torne-se massa de manobra dos setores reacionários. 
“V” DE VINGANÇA!
A máscara do filme “V” DE VINGANÇA tem sido muito usado nas manifestações, principalmente por anarquistas e pelo grupo Anonymous. Isso tem acontecido também nos movimentos de "indignados" no mundo inteiro. Alguns usam sem compreenderem a mensagem do filme, que é baseado em uma história de quadrinhos. A revolta do personagem se dá porque um mandatário, com planos para por fim a democracia, permite que a violência assuma uma situação de total descontrole na sociedade, reduz as forças de segurança, a ponto de os cidadãos passarem a exigir um aparato repressivo mais forte. Dessa forma, após um golpe em que impõe o rigor de uma ditadura, ele militariza a sociedade, transforma as pessoas em alienadas e controladas pelo regime fascista. "V", o personagem, então se revolta contra a tirania, e prepara uma vingança para destruir um governo totalitário e fascista. Sua causa, advinha de uma ideia, ou de um ideal, que se contrapunha ao totalitarismo. Completamente diferente do sentido que os "mascarados" atuais tentam dar nas manifestações.
POR UMA NOVA FORMA DE FAZER POLÍTICA
Agora é apostar que surja dessas manifestações, a parte boa, naturalmente, majoritária, novas lideranças dispostas a fazer um novo tipo de política. Isso é tão importante quanto as reivindicações que estão postas, porque as coisas só se resolvem no âmbito da política. Chega de filhos de velhas raposas políticas serem candidatos, de pastores conservadores homofóbicos e de "mauricinhos" lançados por partidos de direita. São dessas manifestações que despontam as melhores lideranças. É uma esperança, mesmo que digam que lideranças de outrora assumiram posturas conservadoras quando chegaram ao poder. Mas se perdermos essas esperanças, aí só o caos, e também não se pode pensar em revolução sem uma vanguarda revolucionária. Só nos resta lutar por mudanças dentro das estruturas que estão aí, revigorando-as com personagens que não estejam viciados pelo eterno compadrismo que caracteriza a política brasileira. Mas não dá para atacar os partidos, eles são os instrumentos pelos quais se farão as mudanças. O que se deve é diferenciá-los, e identificar aqueles que possam erguer essas bandeiras que estão sendo gritadas nas ruas.
Como não creio que os anarquistas tenham razão, de que o caos prevalecerá, me seguro nessas expectativas, pois, ditadura nunca mais. Então, à luta, juventude! Mas com organização. E repito sempre a conhecida frase de Che Guevara: "hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás".
MULTIDÃO!
É preciso também ter a percepção que essa nova forma de fazer política deve também questionar aquelas existentes, tradicionais e fracassadas. São rejeitadas pela multidão e devem ser substituídas. Não se pode mais fechar os olhos, no Brasil e em outras partes do mundo, ao efetivo protagonismo da multidão. Embora ela seja, contraditoriamente, una e extremamente diversa. Como dizem Toni Negri e Michael Hardt, “a multidão é composta de diferenças e singularidades radicais que nunca podem ser sintetizadas numa identidade”. No entanto, ela é facilmente manipulada, a multidão é cega, e o direcionamento para onde ela seguirá dependerá das consequências que serão tiradas desse processo, por quem tem a condução da política.
Depois dessa longa temporada de violência e contradições, de guerra civil global, corrupção do biopoder imperial e infinita labuta da multidão biopolítica, os extraordinários acúmulos de queixas e propostas devem em dado momento ser transformados por um evento de impacto, uma radical exigência insurrecional. Já podemos reconhecer que hoje o tempo se divide em um presente que já está morto e um futuro que já nasceu – e o abismo entre os dois vai se tornando enorme. Com o tempo algum evento haverá de nos impulsionar como uma flecha para esse futuro vivo. Será este o verdadeiro ato de amor político”. (Hardt, Michael e Negri, Antonio. Multidão. São Paulo, Record, 2005)


terça-feira, 11 de junho de 2013

REFLEXÕES SOBRE O AMOR

Resolvi sair das postagens irascíveis nesse intervalo de tempo, para uma reflexão bem mais amena, sobre nossa capacidade em compreender a dimensão do amor. O que ele significa. Até porque espero que esse comportamento, mais tolerante, contribua para delinear melhor nosso caminho, do aqui, agora, para sei lá quando. Quero evitar ao máximo os velhos maniqueísmos que a filosofia antiga criou, a religião potencializou e a política consolidou. Enfim, construo aqui neste espaço um diálogo com aqueles que de vez em quando, quero crer, lêem minhas crônicas.
Sempre fui uma pessoa motivada pelo amor. Um eterno apaixonado e por vezes incompreendido. Ou talvez a ilusão de achar que gostar de alguém represente automaticamente a retribuição daquele sentimento. Essa é uma velha ilusão de quem ama. Meu período de militância política nos anos 1980 diminuiu um pouco isso, mas manteve essa verve conservadora, continuei errante por caminhos de paixões tresloucadas.
Bom, nossa sorte é que de repente alguém gosta da gente. Inverte-se, então, o protagonismo. E ao nos sentir amados instintivamente reagimos de maneira contraditória de quando escolhemos nosso amor. Mas terminamos sucumbindo à paixão que passa a nos envolver.
Quase nunca sabemos, nesses casos, de amar, quem é o sujeito e quem é o objeto/adjetivo. De resto é certo que na maioria das vezes ele é transitório, infinito enquanto dura, ou abstrato. Mas no concreto: o que é o amor?
Vamos à história, pois esse é o principal objetivo que quero alcançar com esse texto. Entender, mesmo que de forma sintética, como se deu o percurso do amor ao longo do tempo, e como isso nos afeta.
Imaginamos que os belos contos de amor romanceados, e popularizados pelo cinema, representam a maneira como historicamente as relações entre as pessoas foram marcadas. Pura ilusão. Reflexo da construção de uma cultura inspirada no romantismo moderno, forjado pela burguesia para construir uma sociedade na qual se pudesse ter a crença que a ordem define o comportamento social, ao invés do respeito e a justiça. Os amores cinematográficos são exceções, e às vezes carregados de anacronismos.
Mas... “É debaixo dos panos que a gente esconde tudo, e não se fica mudo, e tudo quer fazer”, diz a música cantada por Ney Matogrosso. Pois essa sempre foi a filosofia da cultura burguesa, construída com valores religiosos judaico-cristãos. O casamento monogâmico consolidou-se como mecanismo de perpetuação da propriedade, do direito de herança, na expectativa que o amor se mantenha a partir da felicidade construída pelo estilo de vida a ser alcançado, inspirado no modelo que a burguesia inventou. Para ser feliz e segurar o seu amor, é fundamental o sucesso na construção de uma comodidade social. Antes disso, casamento era imposição, mas cercado de outros valore$.
Assim se fez. Construímos a noção de amor fundamentada nesses princípios. As histórias de amores repletas de superação que servem de exemplo devem ter como objetivo demonstrar essa capacidade, em se construir a perfeita harmonia, em viver bem com seu “bem”.
Mas, na verdade, exceções à parte, o que se constrói é uma verdadeira prisão, na medida em que se esgota com o tempo, pela sua implacabilidade, aquele amor perfeito, juvenil. Encerra-se na impossibilidade de renovar-se, de retomar o mesmo ímpeto e voluptuosidade que o tempo carregou.
Desta prisão, pelas grades imaginárias que cercam os limites do possível e aceitável, olhares enviesados, seduções, prazeres... e até mesmo novos amores, ou aventuras que podem reacender o velho amor.
Sabe-se que ao longo da existência humana, a liberdade sempre foi a sua essência. A prisão é sempre um lugar de onde se passa todo o tempo imaginando a maneira de libertar-se, de fugir da angústia e do desespero de sentir-se acuado, impelido eternamente a aceitar e conformar-se com um destino traçado no passado. Esse é o desafio a se compreender o verdadeiro sentido do amor. Ele não está determinado pelo tempo, mas pela intensidade de uma relação construída na somatória das diferenças, na infinitude do prazer, no atrativo da paixão. Não se impõe em livros de registros nem em orações ao pé do altar.
A sociedade moderna, burguesa, seguindo os valores religiosos, determinou que isso deveria ser feito pelo casamento, a fim de, repito, manter o sentido da propriedade privada agora mediante novos valores, e consumou o amor em uma redoma.
Aos poucos se rompe esse invólucro. Mas paira ainda uma sombra de desconfiança e de olhares fundamentalistas sobre as alternativas que as pessoas vão buscando na sociedade contemporânea. Agora conservadores, esses mesmos valores que romperam com a devassidão medieval, prende-se a uma única lógica: construir o futuro.
Esse foi o mecanismo ideal, posto em funcionamento pela burguesia, a fim de construir um modo de vida calcado na construção de valores materiais e de permanente consumo que possibilitasse atingir a fantasia da modernidade. Isso que no século XX consolidou-se como o “american way of life”.
Mas voltamos ao começo.
Afinal, o que é o amor? Como ele persiste ao tempo, se é que isso acontece? Não sei se é uma resposta, mas encontrei uma formulação interessante, com a qual tendo a concordar, em Luc Ferry, no livro “Aprender a Viver – filosofia para os novos tempos” (Ed. Objetiva, 2007, pp. 292-293).
Ele afirma que “só a singularidade, que ultrapassa ao mesmo tempo o particular e o universal, pode ser objeto de amor”. Segundo ele, “se nos prendemos apenas às qualidades particulares/gerais, nunca amamos verdadeiramente ninguém. (...) O que faz com que um ser seja amável, o que dá a impressão de que poderíamos continuar a amá-lo mesmo que a doença o tivesse desfigurado, não é redutível a uma qualidade, por mais importante que seja. O que amamos nele (e que ele ama em nós eventualmente) e que, consequentemente, devemos alimentar tanto em relação ao outro quanto em nós mesmos, não é nem a particularidade nem as qualidades abstratas (o universal), mas a singularidadeque o distingue e o torna sem igual”.
Assim, propõe reinvestir no que ele diz ser o “instante eterno”, herdado do ideal grego, que seria o “presente que, por sua singularidade, justamente porque o consideramos insubstituível e cuja espessura medimos, em vez de anulá-lo em nome da nostalgia do que o precede ou da esperança do que poderia suceder a ele, liberta-se das angústias da morte ligadas à finitude do tempo”.
Mas vamos à minha particularidade, já que estou emitindo uma opinião, mesmo que fundamentado na história e na filosofia. Poder-se-á dizer, depois desse percurso, que me encontro desvairado, arrependido dos amores vividos e vivente. Um tanto quanto envolvido num estoicismo disfarçado, com pitadas de um cristianismo arrependido, muito embora este já distanciado no tempo, mas ainda encorpado no costume. Não, ao contrário. Me vejo diante dessa singularidade dita por Ferry, e a construir esse sentido de amor, que me motiva até hoje. Embora crítico da hipocrisia que existe por trás da história do casamento monogâmico, me rendi a ele. Mas devo reconhecer que fui agraciado pela sorte, e sorteado pelo acaso. Isso só acontece no amor. Mas não é a regra, infelizmente.
Assim, mais uma vez dialeticamente - quando chego perto do fim, retorno ao começo - devo dizer que o tempo, outro tempo, aquele em que objetivamente amadurecemos, facilita esse olhar da singularidade, e no reencontrar dessa diferença que torna um ser sem igual reafirmo o meu amor, reaquecendo de desejos e paixões, por quem escolhi viver por toda a vida, sem ser imortal, "posto que é chama", mas na infinitude do seu tempo. Pois não só a singularidade, mas o permanente afeto, o desejo, a vontade de se realizar sexualmente e o ardor da paixão de amar e se sentir amado, é que pode garantir que o amor sobreviva ao tempo e que seja “eterno enquanto dure”. E assim, essa "prisão" por nós escolhida, passa a representar momentos sublimes de cumplicidade e de um permanente redescobrimento do outro. Amar pode ser um verbo transitivo, mas o amor, não é para ser transitório, deve ser definitivo e infinito. É melhor, e mais feliz, ser assim.
Mas, como diz Vinícius de Morais, “tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor”. As mulheres lerão a poesia com outro olhar, e procurarão um bem amado, para viver um grande amor. Tanto eu, quanto certamente faria Vinícius, não nos opomos a essa liberdade poética.