domingo, 17 de julho de 2011

OS MISTÉRIOS DA AURORA BOREAL

"O tempo não pára!
Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."
MÁRIO QUINTANA

Em um domingo de muitas lembranças, e saudades de minha filha, me emocionei com uma reportagem no programa Fantástico, da rede Globo, sobre a Aurora Boreal(*). Um fenômeno espetacular que deslumbra por sua beleza e nos intriga, como tudo que a nós, leigos, tornam difícil a compreensão. Embora a ciência possa ter a resposta para tal espetáculo, sempre levamos isso para o lado da espiritualidade, do imponderável, tentando encontrar outras explicações para além da nossa racionalidade.
Foi num momento desses, um fim de tarde, que pude presenciar um por de sol colorido, quando ainda podia contar com a presença de minha querida filha. Nunca me esqueci. Quando me dediquei a escrever o livro de crônicas sobre ela, que publiquei em 2008 com o título “Depois que você partiu”, relembrei esse fato e sempre foi um dos textos que escrevi que mais me emociona quando releio o livro. Até porque ele representa um contraponto à minha maneira materialista de ver o mundo. Deixei-me levar por um sentimento comum a todos que perdem um ente querido, principalmente filho ou filha, a esperança de que ao morrermos possamos nos encontrar em outra dimensão.
Mesmo não sendo crente nessas espiritualidades, essa crônica representa um embate entre a razão e a emoção. Como sempre ocorre nessas situações, a emoção termina falando mais alto, e sucumbimos à sensação de podermos ultrapassar os limites que a vida impõe e nos deixamos levar pela idealização de encontrarmos aqueles que por aqui perdemos para além da morte.
Assisti a reportagem com a sensação de que algo espetacular está além das nossas compreensões, e por todo o tempo lembrei-me de minha filha. Algo que começou no início do domingo, quando acordei com a impressão de ter sonhado com ela, mas intrigado por não me lembrar do sonho.
Como sempre faço desde quando criei esse blog, resolvi postar essa crônica. Mais uma das que já inseri aqui desde que o criei, em parte também com esse objetivo. Para poder compartilhar com mais pessoas desses momentos carregados de angústias, e misto de tristeza (pela saudade) e alegria (pelas lembranças e sonhos).

O ocaso do acaso (*)

Os finais de semana têm sido os momentos mais difíceis de suportarmos depois que a Carol nos deixou. Embora a nossa rotina não fosse de um distanciamento total de nossos filhos, era natural, pelas atividades que desempenhávamos seja profissionalmente ou politicamente, que nos dias de semana ficássemos menos tempo com eles. Até mesmo por isso sempre fizemos questão de levá-los à escola, mesmo com toda a correria e o stress gerado pelo trânsito era um momento importante para ficarmos juntos.
Isso fazia com que nos finais de semana passássemos mais tempo com eles. Principalmente com a Carolina, pois ela não deixava que nenhum de nós dois saísse de casa sem antes insistir para que a levássemos conosco. A não ser no sábado à tarde, depois que ela passou a praticar Badminton. O Iago, não somente por ser homem, mas por estar em uma idade que prefere ficar sozinho ou ir apenas aos lugares em que possa encontrar os seus amigos, não insistia tanto para sair conosco.
Por isso a saudade bate mais forte nos finais de semana, pela lembrança de cada momento de sua presença, fosse desenhando, disputando com Iago o computador, ou até mesmo tentando ajudar na cozinha, por vezes ditando o “menu”. Mas sua “especialidade” mesmo era guloseimas doces. Às vezes dava certo, por outras era um desperdício de produtos. Mas poucas vezes nos irritávamos com esses seus dotes ainda fracassados, afinal Carol era ainda uma criança, e, como toda mulher já aparentava alguma afinidade pela culinária. Embora em casa ela tivesse o exemplo do pai, que de vez em quando se aventura a preparar alguns pratos, e os que ela mais gostava eram omelete e a sopa de feijão. Lembro-me da última que lhe preparei. Ela já estava doente, mas alegre e com seu jeito peculiar lembrou-me que eu havia lhe prometido fazer uma sopa. Já passava das oito horas da noite, do domingo, um dos últimos em que passamos juntos, eu estava lavando o carro – ainda era horário de verão, portanto ainda não tinha escurecido por completo. Insisti com ela, para saber se ela mantinha o desejo ou não, e ela foi inflexível, queria que eu cumprisse o prometido. Fui terminar já quase nove e meia da noite.
Por essas e outras os finais de semanas eram mais intensos, principalmente porque a Carol jamais deixava que eles fossem “normais”. Isso torna os sábados e domingos mais cinzentos após sua partida, profundamente tristes. Temos o Iago para nos confortar, e buscamos agora mais do que antes, entrarmos em sua rotina, que inclui treino de basquete aos sábados pela manhã na AABB. Mas por sua idade, começo da adolescência, tomamos também cuidado para não afetarmos demais seu espaço, sua independência e intimidade, tão caros aos jovens nessa fase. Acontece que Iago está conosco, sabemos onde encontrá-lo, podemos abraça-lo, beijá-lo, dizer: “oi, meu filho, tudo bem?”. Já não podemos mais fazer isso com a Carol, por isso nos restam as lembranças, e os dias e momentos que marcavam mais intensamente sua presença. E Iago sabe disso, e sente também essa ausência..
Por causa dessas lembranças procurei evitar ir ao clube nos sábados. A não ser para buscar Iago quando ele está nos treinos de basquete.
Em um desses sábados, pouco antes de internarmos a Carol, um fim de tarde bonito nos chamou a atenção. Da área de nossa casa pudemos observar um pôr-do-sol diferente. Em um ocaso avermelhado, ele escondia-se por trás do barracão ao fundo de casa, e os seus raios refletidos nas nuvens davam a aparência de uma Aurora Boreal. Um espetáculo bonito, diferente, que jamais tínhamos visto. Chamei todos para ver aquilo. Fomos para a frente da casa, e chamei também a Carol para ver aquele espetáculo. Ela já estava doente. Admiramos-nos juntos.
Hoje, aquilo soa para mim como uma mensagem. O céu se abrindo em cores, como ela gostava de desenhar, se preparando para recebê-la. Não que eu creia na existência de universos paralelos, de céu, inferno. Mas o amor que  eu sentia por minha filha era de tal dimensão que mesmo que não exista o céu eu o criarei sempre em minhas lembranças, e procurarei sempre enxergar um paraíso como sendo o lugar para onde ela foi.
E a vejo rodeada de flores, sentada na relva, com papéis espalhados por todos os lados, pincéis e lápis de cores. Um manequim ao seu lado, já vestido com as roupas escolhidas por ela, e os seus desenhos soprados por uma brisa suave, como se o vento brincasse com ela fazendo-a correr para segura-los. Ao seu lado, o Tico, o boneco almofada que sempre lhe acompanhou, em quem ela apoiava a cabeça ao dormir, e as pollys, várias delas, uma imensa coleção de pequenas bonecas com todos os seus apetrechos, que quase todo mês ela insistia para que comprássemos uma. E suponhamos que os anjos a acompanhem, não tenho dúvida que ela já deve ter desenhado outros modelos de roupas para eles, principalmente substituindo a cor branca. O negócio da Carolina era colorir tudo, acho que isso era um componente de sua personalidade que a fazia diferente, animada e alegrava todos à sua volta.
Que os céus a mantenham feliz, porque aqui na terra, em nosso universo real, faltam cores para alegrar os dias após sua partida. E por mais que tentem nos confortar com a esperança dela estar em um desses paraísos que sonhamos, era aqui que a queríamos, ao nosso lado, com suas qualidades e seus poucos defeitos. Sua partida abriu um vazio que irá perdurar para sempre.


(**) Escrito em 17 de maio de 2008. Publicado no livro, DEPOIS QUE VOCÊ PARTIU, em dezembro desse ano.

(*) Link para o vídeo sobre a Aurora Boreal apresentado no Fantástico, em 17.11.2011:

http://www.youtube.com/watch?v=CyO-T7VKZJg

(copie e cole ou destaque e clique com o lado direito do mouse para abrir em nova aba)


5 comentários:

  1. Romualdo,
    fui criada em família católica, e me orgulho muito desta formação. Hoje, mesmo com os saberes científicos que coloca estes ensinamentos à prova, insisto em separa meus sentimentos. Tenho certeza que Carol está no céu e muito feliz em assisti-lo lá de cima a escrever tão belas palavras e expor de forma tão bonita seus sentimentos.
    Saúde e Paz!
    Adriana

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  2. Esse texto me emocionou muito mais do que todos os outros. Sinto em suas palavras menos amargura e uma pontinha de esperança. Não acredito em céu e inferno, mas creio na vida após a morte. Não espero que você aceite as minhas crenças, mas ficaria muito feliz se elas trouxessem paz ao seu coração.
    Um beijo.

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  3. É lindo o texto fiquei arrepiada de tanta emoção.Vale à pena ler.Beijos!

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  4. Prezado Romualdo: Pesquisando sobre a aurora boreal, tive o prazer de acessar seu blog e essa história de sua querida filhinha me emocionou muito.Entendo o quanto você se sente por perder na morte um ente querido tão especial como sua Carol.Sou Testemunha de Jeová e é com lágrimas querendo descer nos olhos é que estou te escrevendo para te dar algumas palavras de consolo e esperança de que em breve você poderá ver, abraçar, beijar sua Carol.Porque te digo isso com tanta convicção?- É porque acredito em Deus e na sua palavra a Bíblia. A Bíblia esclarece que Deus originalmente não tencionava que as pessoas morressem. Nós fomos criados para viver eternamente, indefinidamente... e é por esse motivo é que não aceitamos a morte como natural. O propósito de Deus quando criou o Homem era que eles vivessem eternamente na terra com saúde perfeita, sem stress. A terra seria um Paraíso , belas paisagens, flores, animais, tudo em perfeita harmonia para nós usufruirmos.A condição para viver no Paraíso era que eles deveriam obedecer as instruções de Deus como Criador, pois caso contrário eles morreriam.Mas, infelizmente nossos primeiros pais, Adão e Eva, optaram por seguir um proceder independente de Deus e isso resultou na imperfeição do ser humano. Com isso entrou o pecado no mundo e como consequência a morte.Devido a esse detalhe, como se fosse uma doença genética, toda geração que surgiu após Adão e eva nasceram imperfeitos, sujeitos a doenças e a morte.Mas no seu infinito amor , bondade e misericórdia, Deus tomou providências para corrigir essa situação, pois ele não achou justo que pessoas inocentes que nasceriam após esse episódio não tivesse nenhuma oportunidade de mostrar obediência.Aí entra o papel de Jesus Cristo. Resumindo: Adão e Eva nos venderam como escravos ao pecado e a morte. Jesus pagou o preço para nos resgatar da escravidão ao pecado e morte!Mediante o sacrifício resgatador de Jesus cristo, todos nós seres humanos temos a esperança de vida eterna. Como fica então a situação de sua filha carol, à luz da Bíblia?- Jesus comparou a morte a um sono profundo. Sua filhina hoje pode se dizer que está dormindo um sono profundo, tranquilinha, em paz, sem dor.Mas esse sono não é eterno! Jesus deu a garantia de que em determinado momento nesta vida ,os mortos voltarão a viver. Ele deu a garantia de que todos aqueles que estiverem na memória de Deus irão ser ressuscitados, ou seja, os merecedores herdarão as bençãos de poderem usufruir de uma vida perfeita, sem doenças, sem dor , sem a morte. Pode ter certeza de que sua Carol vai voltar a viver! Quando morre uma criança, é especialmente doloroso para um pai e uma mãe. A Bíblia reconhece o amargo pesar que um pai pode sentir. Quando o Rei Davi perdeu seu filho Absalão ele exclamou que preferia ter morrido em seu lugar. O pesar é algo natural, caro Romualdo.Mas pode confiar: a esperança da ressurreição nos conforta, nos anima, nos faz ver de que haverá uma "Nova terra" aqui mesmo, onde poderemos usufruir da companhia de nossos entes queridos que faleceram e voltarão a viver. Lembre-se, fomos criados para viver e não morrer...morte não é coisa natural! Deus não marca hora para alguém morrer e nem é desamoroso para levar criancinhas para o céu e deixar os pais tristes na terra.Pode ter certeza de que sua Carol está na memória de Deus e ela será uma das privilegiadas com a resurreiçao de vida no Novo mundo que se aproxima. Se você desejar saber mais detalhes a respeito dessa maravilhos esperança que JEOVÁ nos dá e QUANDO ELA VAI SE TORNAR REALIDADE, poderá contatar uma Testemunha de Jeová na sua localidade ou acessar nosso site: www.watchtower.org. Abraços e felicidades e que Jeová te abençoe e o fortaleça!Marcos- Juiz de Fora-MG

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