sexta-feira, 29 de julho de 2011

NÓS NAS REDES SOCIAIS... E O MUNDO ENREDADO EM CRISE ECONÔMICA

Eu resisti por algum tempo a fazer parte de algumas das ferramentas virtuais que existem ao nosso dispor. Tentei o Twitter, mas desisti. Finalmente, há quase dois meses sucumbi à tentação e me tornei mais um a fazer parte do universo do Facebook. Coincidentemente logo depois que assisti ao filme sobre a criação dessa rede e a disputa em torno dos direitos autorais.
Depois disso posso dizer que não me arrependo. Muito pelo contrário, em que pese reclamar do tempo que me imponho a trocar mensagens sobre os mais variados assuntos. Um balanço dessa minha aventura me possibilita fazer algumas análises sobre o significado das redes sociais.
Elas se constituem em uma excelente forma de nos comunicarmos, até mesmo em tempo real, encontrar velhos amigos, saber dos acontecimentos culturais, festas, combinarmos encontros, até mesmo trocarmos textos poéticos em comunidades fechadas, ou tantas outras alternativas que significam bem mais do que isso. Representa, também, uma maneira de não nos sentirmos tão solitários em certos momentos e constituem uma espécie de catarse, onde podemos nos esquecer dos problemas, de nossa solidão, de nossas angústias, de nossos medos.
Mas, o contraponto disso, como eu vejo, é que elas passam também a se constituir em um mundo virtual, apartado de uma realidade cada vez mais complexa e distanciando-se das agruras do mundo real. Se por um lado podemos através delas combinar atos e manifestações sobre um determinado assunto que possa empolgar as pessoas, principalmente a juventude, por outro lado essas terminam sendo situações deslocadas de uma realidade maior. Representa também uma forma de fugir dos problemas mais graves, apegando-se às mobilizações por reivindicações específicas. Embora importantes elas não dão conta de conter as perversidades de uma lógica sistêmica que é extremamente preocupante.
Enquanto isso, no mundo real, acumulam-se problemas de origem estrutural da forma de funcionamento do sistema capitalista. Não sei se pelo fato de vivermos um momento economicamente positivo para o Brasil, a impressão que eu tenho é que as pessoas, em sua maioria, não dão a devida importância à crise econômica que há três anos ronda o mundo e pode suplantar a de 1929, dada às dimensões criadas por outra rede, a do sistema financeiro mundial, hoje muito mais globalizado que na década de 30 do século passado.
Mas há uma diferença gritante, escandalosa, das buscas por alternativas para sair daquela crise, conhecida por “a grande depressão”. Apesar de a quebradeira atingir o sistema financeiro, havia uma preocupação, presente nas medidas tomadas a partir das idéias keynesianas, de se procurar garantir às pessoas o emprego, e ao Estado cabia a responsabilidade em propor saídas que dessem às pessoas a certeza de que as soluções a serem tomadas seriam em seu favor. E assim foi feito. Salvou-se o sistema financeiro, mas garantindo-se principalmente o pleno emprego, com forte intervenção estatal e a superação de uma crise que espalhou fome, desemprego e criminalidade nos Estados Unidos, Europa e outras partes do mundo.
Foi nesse contexto, podemos dizer, que foi chocado o ovo da serpente, parafraseando o título de um ótimo filme de Ingmar Bergman que trata do nascimento do nazismo. Após um período de euforia, representado por uma década de ouro, como diz Eric Hobsbawm - a década de 1920 - de pujança do desenvolvimento capitalista e da produção das mais variadas inovações tecnológicas, principalmente de uso doméstico, a crise que sucedeu marcada pelo aumento descontrolado da produção, e pelo excesso de valorização das ações das empresas, levou os países ricos à bancarrota.

No meio dessa crise, que pegou a população de surpresa, iniciou-se um movimento de intolerância às diferenças, aos estrangeiros, aos negros, homossexuais e judeus, O outro passou a ser visto como um elemento indesejável a roubar o emprego da “boa gente”. O racismo e o preconceito assumiram uma proporção impressionante, gerando sistemas políticos como o nazismo (na Alemanha), o fascismo (na Itália) e o franquismo (na Espanha). Tudo isso no rastro da crise que impactou todo o sistema capitalista.
A população dos países mais duramente atingidos pela crise, passaram em pouco tempo, da euforia do consumismo fácil, à mais completa dureza econômica jamais vista desde o surgimento do capitalismo. Como sempre, seja em quaisquer circunstâncias, a felicidade plena nos deixa desarmados para enfrentar as surpresas que advêm da própria contradição da vida. Enquanto isso ficamos contentes somente em erguer bandeiras de temas que também são complexos, mas que representam apenas partes do problema maior, e que muitas vezes as soluções apresentadas vêm aumentar a própria contradição. Como a despertar um monstro que a envolve.
Então vejamos como o mundo real está enredado em uma enorme crise.
1. O onze de setembro de 2011, não explodiu somente duas torres gêmeas, resultando na morte de milhares de pessoas, em um dos maiores atentados terroristas na história da humanidade. Em nome do deus do radicalismo islâmico, mas também contra os abusos historicamente cometidos pelos Estados Unidos.
Repito a expressão que já usei em outro texto, abriu-se a caixa de Pandora. A ação intempestiva, e já anteriormente programada a fim de atender outros objetivos, levou os Estados Unidos e algusn países a uma guerra de conseqüências nefastas, tanto em termos de mortes de pessoas, destruição de nações, como de forte impacto econômico. Além disso, por mais que tentem esconder, o atentado de 11 de setembro abalou as estruturas econômicas do império. Bilhões de dólares se esfumaçaram com o atentado e os custos da guerra completaram o caminho da falência da maior potência econômica e militar do planeta.
Mas o que esse fato propiciou foi abalar as estruturas de um gigante com pés de barros. E me refiro aqui não somente aos Estados Unidos, mas a toda a estrutura capitalista consolidada em um sistema financeiro que se dissemina em uma rede especulativa e de exploração marqueteira numa rapidez estonteante a partir da década de 1980. Fundada, principalmente, na obtenção de lucros fáceis a partir de manipulações de moedas, de valorizações artificiais de empresas e ações, de ganância descontrolada e de uma crescente insensibilidade com os problemas sociais.
Não vou me prolongar nessa análise da crise, já abordei isso em dois artigos aqui no Blog:
2. Quebradeira generalizada, vários países europeus como Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, Itália e sabe-se lá quantos mais, ameaçando levar à falência o Euro, e o futuro da União Européia; e, principalmente e surpreendentemente, uma situação de falta de liquidez dos Estados Unidos, com uma dívida financeira monstruosa, impagável, mas possível de ser maquiada a partir de mais endividamentos e de produção de mais dinheiro, já que o dólar é a moeda de referência mundial.
Tenho dito, para levar um pouco na brincadeira, mas com um fundo de seriedade, que se alguém acordasse de coma nesse momento, após ficar duas décadas desacordado, pensaria que o mundo está de ponta-cabeça. Afinal, na década de 1980 os países do Sul, Brasil, por exemplo, eram os que discutiam moratórias, ou seja, calote em suas dívidas, por absoluta incapacidade de quitar seus débitos, e até mesmo questionando as origens dessas dívidas. Argentina e Equador chegaram a fazer isso. Na década de 1990 isso se estendeu para o Leste Europeu e a antiga União Soviética, com a crise do socialismo real. Não se podia, então, imaginar, ver os Estados Unidos à beira de dar um calote em suas dívidas.
Mas o resultado disso, neste momento e com o protagonista dessa crise sendo a maior potência, será de conseqüências imprevisíveis para todo o mundo. Dificilmente algum país deixará de ser afetado com gravidade se de fato se concretizar os piores dos temores. Quebradeira nos Estados Unidos e na União Européia. E o problema não irá se resolver, mesmo se o parlamento autorizar o aumento da capacidade de endividamento dos EUA.
3. O que se busca nesse momento, ao contrário do acontecido em 1929, é salvar o sistema financeiro. Traduzindo: salvar os grandes investidores, grandes bancos e poderosas corporações que sofrerão duramente o golpe da insolvência desses países, principalmente se ocorrer calote. Mas, de certa maneira, qualquer que seja a saída, o resultado será sentido principalmente entre os trabalhadores e as camadas mais pobres. Busca-se salvar os barões capitalistas retirando-se investimentos sociais, reduzindo-se o número de empregos e aumentando impostos.
Como relatado no documentário Inside Job, os trilhões de dólares produzidos (conseqüência natural do aumento do endividamento dos Estados Unidos), foram despejados nos imensos rombos que atingiram grandes bancos, seguradoras e empresas que atuam no mercado financeiro, sem que isso resultasse sequer em punição para criminosos de colarinho branco que especularam descaradamente e enriqueceram enquanto a população se arrebentava em dívidas. Os altos investidores e os chamados CEO (Chief Executive Officer), saíram incólumes de todo o escândalo da chamada crise dos subprimes, ou das hipotecas, nos Estados Unidos que levou à quebra de alguns bancos. Mas, o que se vê, atualmente é que não foi somente uma crise de pequeno porte, ela não só se estendeu, como uma metástase, como pode transformar o eixo de rotação do mundo. Metafóricamente, claro. Refiro-me às mudanças econômicas e de controle hegemônico do capital.
Enquanto isso, morre-se de fome na África. Mais uma vez uma crise atinge o Chifre da África, mais especificamente na Somália, e um terço desses valores seriam suficientes para resolver o problema da pobreza naquela região.
4. Xenofobia. Racismo, intolerância, preconceito, discriminação generalizada ao outro, à qualquer um que adote comportamento diferente dos chamados valores ocidentais. Uma repetição do que aconteceu em meados do século XX e que ocorre sistematicamente todas as vezes em que uma crise econômica se avizinha. Esses são os momentos em que os radicalismos, desde a extrema direita à extrema esquerda, se utilizam para reforçar seus discursos sectários.
Se no transcurso da crise econômica da década de 1930 um dos alvos eram os judeus, desta feita são os muçulmanos. Como reflexo de um crescimento acentuado do islamismo, bem como do histórico que envolve atentados terroristas comandados por grupos radicais, como a Al Qaeda. De outro lado, como no caso do assassinato em massa ocorrido recentemente na Noruega, tanto como no discurso nazi-fascista, os valores cristãos tornam-se justificativas para esse tipo de ação criminosa.
Na medida em que a crise econômica se generalizar, as manifestações de xenofobia e dos vários tipos de preconceitos se estenderão por toda a Europa. Como também já ocorre nos Estados Unidos, por ação dos setores mais conservadores. O Tea Party, setor mais radical do Partido Republicano, também escorado no fundamentalismo cristão, aumenta o tom do discurso racista contra negros, homossexuais e principalmente emigrantes latinos, e forçam os governos estaduais sob sua influência a adotarem leis claramente discriminatórias.
Ao mesmo tempo, no Brasil e em outras partes do mundo, o comportamento homofóbico cresce a cada ano, em proporção maior do que se consegue aprovar leis que impeçam tratamentos agressivos e discriminatórios contra as pessoas que façam suas livres escolhas sexuais. Segue também a linha dos preconceitos adotados por uma cultura religiosa que deseja impor a qualquer custo seus dogmas a quem quer que seja, mesmo a quem não professe sua ideologia.
São atitudes que se repetem crescentemente e devem nos fazer refletir e agir o quanto é tempo. Pois que na história iremos encontrar exemplos recentes de comportamentos sociais coletivos que se consolidaram a partir de atos semelhantes em momentos de graves crises econômicas no mundo. Aliado a isso, o aumento da violência causado principalmente pelo uso descontrolado de drogas, mas que impõe aos governos, até por exigência da sociedade, um crescimento da militarização do Estado. A junção desses problemas poderá se transformar numa mistura explosiva e poderemos ter a repetição de situações que imaginávamos estar restrita à história. Um Estado forte, militarizado, incapaz de conter as crescentes ondas de xenofobia, preconceitos e discriminação e afinado no discurso nacionalista de ter que evitar a falência econômica. A sociedade alienada aplaudirá.
O que fazer? Por isso, imagino que as redes sociais não devem somente nos servir para aliviar nossas tensões, nem somente para tratarmos de coisas amenas. É imperioso usá-la para combater todo e qualquer discurso preconceituoso, mas também para deixar claro que vivemos um momento em que o sistema capitalista está sendo colocado à prova, pelo menos na maneira da democracia tradicional que funcionou até agora.
Para onde vamos? Tenho repetido que o futuro é uma hipótese em construção. E sua consolidação se dá no presente. É como falamos no ditado popular, que a mesma oportunidade não aparece duas vezes, se deixamos passar um momento em que podemos escolher qual transformação social queremos talvez mais adiante não consigamos reverter a situação e as conseqüências poderão ser piores.
O que posso propor? Fazermos das redes sociais também instrumentos permanentes de denúncias contra as injustiças sociais, difundirmos informações que relatem a situação real da crise econômica na qual estamos metidos, e que elas sirvam para retirar uma porção significativa da juventude do comportamento passivo, letárgico, imaginando que o futuro que virá será de acordo com o seu sonho.
Como dizia Raul Seixas, em seu Prelúdio: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
Ou, só nos restará dizer que a outra frase a ser ouvida será aquela que representou um chamamento à população para romper com a opressão feudal e que se tornou parte da Marselhesa, ou o hino nacional da França: “às armas, cidadãos”.
Creio que não é isso que queremos. Então, à luta cibernéticos, transformemos o universo virtual em um ambiente real de luta por transformações sociais. Reproduzamos os grupos de discussão e nos aprofundemos naqueles temas que são responsáveis por transformar as estruturas sociais. Mas que façamos isso, seguindo outra famosa frase, agora de um velho conhecido revolucionário e ícone da juventude, Che Guevara: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”.
Então, que não alteremos a forma de nos comunicarmos nas redes sociais, só precisamos encontrar espaço para discutirmos formas alternativas de combatermos as injustiças sociais.

sábado, 23 de julho de 2011

AMY WINEHOUSE - DIÁLOGOS A RESPEITO DE UMA MORTE ANUNCIADA

Amy, como gostaríamos de vê-la
Em janeiro, quando Amy esteve no Brasil para se apresentar em Florianópolis e no Rio de Janeiro, o produtor cultural Rafael Blat escreveu um artigo sobre ela. Como temos uma afinidade entre um grupo de profissionais dessa área que freqüentaram o curso de Produção e Gestão de Projetos Culturais, no Instituto de Estudos Sócioambientais da Universidade Federal de Goiás (IESA/UFG) pudemos ler esse artigo e a partir disso trocamos uma série de emails falando da capacidade inata presente nessa belíssima cantora, de uma voz raríssima de se ouvir, que eu comparo a de Ella Fitzgerald, mas também de sua incapacidade em resistir ao domínio que a droga e o álcool exerciam sobre os seus gestos.
Como o Rafael afirma em seu artigo (cito apenas parte dele), a estranha coincidência de sua idade com a de tantos outros ícones da música mundial que sucumbiram à overdose e morreram prematuramente, foi o fato que mais comentamos. A partir disso o diálogo se dividiu entre as razões que motivam essas pessoas a enveredarem por um caminho que inevitavelmente encurtará a sua vida, e o inusitado que está presente nesses comportamentos, que são variados, diferentes e não obedecem á lógica que imaginamos haver diante da necessidade de se preservar a vida.
Um número cabalístico(?), 27, e uma morbidez aparentemente inerente ao ser humano em se deleitar com a decadência de um ídolo, como se vêem atraídos pelas desgraças e não perdem tempo em observá-las, representam interrogações que certamente motivam muitos psicanalistas a tentarem entender as atitudes do ser humano. Alguns dizem que em certos casos, de atração por esses comportamentos bizarros, presentes em muitos shows de rocks, representaria uma espécie de transferência psíquica por situações que determinada pessoa gostaria de fazer mas não teria coragem. Significaria uma transferência de imagens e gestos a sufocar situações peculiares, particulares, explosivas, decorrentes de condições de vida depressivas. Ou a necessidade de fuga de alguma realidade aflitiva, para a qual essas pessoas não encontram saídas.
No complemento disso, embora em casos extremos e bem reduzidos, a loucura por essa atração, quando não se vê a perspectiva da autoimolação, aquele fervoroso fã se julga no direito de completar sua obsessão, e parte para assassinar o ídolo no qual ele tanto se espelha e o fascina. John Lennon é um exemplo disso, mas não o único.
Por representar uma espécie de “crônica de uma morte anunciada”, para pegar emprestado o título de um livro do brilhante Gabriel Garcia Marquez, esse diálogo que travei com esses novos amigos que conquistei ao longo do curso ao qual me referi anteriormente, resolvi transformar nesse post para o Gramática do Mundo. Como não tive autorização de inserir os nomes dessas pessoas com quem dialoguei preferi não citá-los. Mas tomei a liberdade de usar suas frases porque elas nos ajudam a refletir sobre esse enigma chamado Amy Winehouse, bem como sobre os limites que a sensação de liberdade produz com o uso das drogas.
Certamente, tanto quanto Michael Jackson, que viveu seus últimos anos tendo que responder a diversas acusações e depois que morreu foi transformado em mercadoria por uma mídia sequiosa por lucrar com esses tipos de comportamentos, Amy também se transformará em uma mina de ouro. Em breve, quem sabe, o copo que ela usou para beber seu último gole, será leiloado por milhares de dólares. A morte, nesse mundo asqueroso e bizarro da construção de celebridades, se constitui, tanto quanto a capacidade dessas pessoas de nos impressionar com suas musicalidades, em um importante momento para se lucrar. Lucra-se, portanto, à custa da destruição de uma vida encurtada muito pela maneira como essa própria mídia trata esses ídolos. A mídia não os matam, naturalmente, mas suas mortes se constituem em ferrenhas disputas por seus espólios mercadológicos. E muitas vezes os conduzem em sua direção.
A seguir, o diálogo, sem praticamente nenhuma alteração, a não ser a retirada de alguma palavra ou frase fora do contexto. As minhas intervenções estão grifadas. Foi um diálogo entre amigos, que conquistei na coordenação do curso, e pelos quais tenho muito respeito. São questionamentos, não respostas. Dúvidas, não certezas. Indagações sobre o sentido da vida, da felicidade, da necessidade de ser livre num mundo que não nos permite mais ter liberdades. A data desse papo bem profundo foi janeiro deste ano.

Amy Winehouse
A cadência de uma estrela
Rafael Ribeiro Blat (janeiro, 2011)

“Amy Jade Winehouse nasceu a 14 de setembro de 1983 em Southgate,  no norte da grande Londres.Possui um história de vida bastante humilde,  comovente e trágica. Ora permeado em escândalos com álcool e drogas ou conquistas até o topo de popstar. Aos 27 anos de Amy ressaltamos um pequeno paralelo entre os geniais cantores : Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kurt Coubain e Janis Joplin. O que ambos teriam em comum com Winehouse? Eles possuíam a atual idade da cantora quando faleceram. O que nos preocupa é uma pergunta que não quer calar? Será que Amy está tentando se recuperar, ou seria ou estratégia de marketing para reegué-la? Isso não importa, o que vale é que Amy não se compara nem com Madona, nem Britney, nem shakira ou outras grandes popstars. Amy é original, continua poderosa, seu som é envolvente, sua banda é impecável e sua performance vale a pena ser conferida. Seu Soul, seu R&B é genial”.
(...)
“Belo texto, Rafael!
...viva o mundo e sua confusa e imprevisível maneira de fazer brotar talentos e, nas suas histórias nunca encontradas em receitas, fazer explodir arte em todos os sentidos! Charles Chaplin, Grande Otelo, Jim Morrison, John Lennon, Amy...
a arte é uma megaforça irrefreável, que surge muitas vezes irrompendo tudo: cabeças, cidades, corpos, estrelas”.
Jimi Hendrix
(...)
Bom texto, Rafael.
De fato a Amy tem uma voz espetacular e de uma soniridade belíssima. Mas, infelizmente segue o mesmo destino de tantos outros personagens parecidos. Mas, diferente daqueles outros, mas tanto quanto Michael Jackson, ela vive vegetativamente em uma época que não é a cadência dela enquanto estrela que vira notícia, mas a decadência enquanto gente, consumida pelas drogas. Suas imagens estonteante, no pior sentido que podemos dar a essa palavra é disputadíssima pelos tablóides ávidos por venderem as desgraças das "celebridades". Uma pena que siga o caminho de Janis Joplin (que morreu de overdose com 27 anos), embora com semelhante competência. Infelizmente a Amy não conseguirá livrar-se do crack e outras drogas que ela consome, incluindo o álcool, para deleite desses carcarás midiáticos.

O comentário do (...) é muito bom, mas eu finalizaria dizendo "...fazendo-se explodir em drogas, sem nenhum sentido."
(...)

 “Amado mestre, a arte, musa insensível e devoradora, não importa com os seus receptáculos...
para ela, o que importa, é o SEU sentido...”
(...)

Eu sempre lamento uma vida desperdiçada. Quando pensamos que tantos lutam para viver possuindo tão pouco para isso e observamos outros que tendo tanto dão tão pouco valor à vida, é lamentável. Claro, muito embora isso não seja necessariamente uma escolha, mas uma condição de sua vida.
Mesmo assim é uma pena, principalmente quando tal pessoa pode tanto nos animar, e nos fazer feliz com aquilo que alguns denominam de "dom" recebido. Afinal a música é essencial para nossos "espíritos", principalmente quando apresentada com tanta competência.
Para mim é SEM sentido.
(...)

“Amado mestre, há muito mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia (ditado novinho...)
Eu penso que não há como entendermos a força que determinadas almas têm embutidas nas suas passagens por aqui...
Olha só o jim morrison... será que se ele se 'comportasse' e 'tivesse dado sentido' (e o que é o que teria realmente sentido para ele e para cada um de nós?) ele teria feito o que fez? acho difícil...  e assim temos inúmeros outros exemplos como a própria Janis Joplin, o Kurt Kobain... e agora a Amy... de certa forma essa conduta deve ter sentido para eles, e para muitos não, acredito.
Será que se houvesse psicólogos e rivotril, prosac e outros, na antiguidade teríamos tantos gênios como Beethoven, Mozart, Vivaldi, Tchaikovsky?”
Janis Joplin
(...)
... esses viveram ainda uma época em que a loucura era bela. Morria-se de amor, aliás. Hoje, inversamente, mata-se por paixão. E morre-se inutilmente. As drogas, essas que você cita, inclusive, são a perversão da modernidade, da perda gradativa dos sentidos, da sensibilidade. Não há sensibilidade em Amy pelo que ela faz. A sensibilidade está naqueles que ainda tem essa capacidade de sentir prazer e gostar, como nós que discutimos aqui, embora com enfoque diferente, mas dentro de um mesmo objetivo que é exaltar a música e a voz dela. As drogas tiram de cada um essa capacidade.
Imagino sim, Janis Joplin com a idade de uma Elza Soares, que com toda sua excentricidade permanece aí encantando com sua voz sexagenária.
Não posso pensar por eles, mas pela minha maneira de ver o mundo, as coisas, as pessoas. Talvez eu seja "conservador", mas o país no qual muitos se miraram tanto hoje é o símbolo da decadência, em todos os sentidos, e por razões que não fazem sentido.
Prezo a vida, acima de tudo, e apesar de um velho militante comunista (o que sempre dava impressão de amargura aos que lutavam e combatiam com idéias revolucionárias), admiro aquela que é uma das maiores vozes da música mundial e tem uma das músicas mais belas que conheço:
 "Que mundo maravilhoso"... http://www.youtube.com/watch?v=8y3_kH9nYcA - Louis Armstrong
Devemos, então, viver a vida e esse mundo maravilhoso em sua plenitude, porque o mundo é maravilhoso (nós é que complicamos).
(...)

Quem pode dizer que a vida do outro é sem sentido? Se ela olhar pra nossa vida, quem disse que ela não dirá que a nossa vida é que é sem sentido? Agora, pode se ter a opinião própria de que é sem sentido, mas afirmar não podemos fazer isso.”
Kurt Cobain

(...)
Você já observou como a Amy vive, anda, olha, fala...? Ela nem tem mais condições de dizer o que é ter sentido. Eu vi um vídeo de um show dela no youtube em que  quando ela escorrega várias pessoas que assistiam (e são fãs) caem na gargalhada. Ela se tornou um espetáculo pelo ridiculo de algumas cenas em que está completamente fora de si. Vejo isso constrangido. Concordo, é o meu olhar. Mas não compreendo  como se pode encontrar algum sentido nisso. Nem consigo imaginar como ela pode encontrar algum sentido nesse comportamento bizarro.
Tá bom, Zé do Caixão tem um comportamento bizarro. É um ícone do cinema brasileiro, dito por quem entende, não por mim. Mas o que ele faz tem sentido naquilo que apresenta. A Amy, não. Ela simplesmente se destrói lentamente.
Olhe, estou gostando desse papo nosso, não sei se os demais estão. Tá sendo legal porque estou refletindo algumas coisas e me motivando a escrever no blog. Vamos ver o que vai sair.
(...)

“Respeito vossa explanação, amado mestre. Mas penso que tal assunto nos foge. O artista é movido por forças muito mais estranhas do que uma certa 'correção' na conduta e modo de viver...
Nunca vi e nunca usei nada além do cigarro (já parei tb) e álcool (última vez q tomei umas foi na morte do Jacko), portanto não faço apologia nenhuma às drogas. porém elas foram pontos destacados em inúmeras obras-primas... fazer o quê? é muito difícil tentar entender isso...”
(...)

É, talvez seja essa a questão. "o que leva artistas como Amy, Janis Joplin, Cássia Eller, Elis Regina... e tantos muitos outros, seguirem esse caminho?". E são brilhantes no que fazem. This is the question!
E aí, de fato você tem razão, nos foge à razão e está fora do nosso alcance. Mas podemos refletir e tentar encontrar algum sentido na vida.
Me lembrei de "Sociedade dos Poetas Mortos".
Carpe Diem!
(...)

Jim Morrison
“Complicado, Romualdo... Jim Morrison certa vez se meteu a cantar no show dos Jefferson Airplanes, que abririam o show pro Doors na Holanda, porém tava tão chapado que desmaiou no palco e não conseguiu cantar no próprio show! Sabe quem levou os vocais (e bem!)? O Manzarek! Jim teve que ir pro hospital... Esse era Jim Morrison, que morreu com 27 anos, mas os médicos disseram que 'por dentro' do corpo ele tinha uns 80...
Quanto aos fãs, esses são, na maioria uns sanguessugas.  Roger Waters do PinkFloyd criou um muro para separá-lo dos 'fãs'. Na embaixada americana em Washington os Beatles foram tratados como animais de estimação, inclusive com Ringo tendo o cabelo cortado por um filhinho-de-papai. Lennon mandou todos irem tnc e se mandou da 'festa'. E quem matou Lennon? Um 'fã'...
Mas, será que Amy, se não fizesse o que faz, seguiria na carreira?  Não sei... Até que ponto também não há um certo marketing nisso?
(...)

27?! será esse um número cabalístico? Janis, Jim Morrison... Amy também tem 27. Contudo isso, já que não sou cabalístico, longa vida a Amy e sua voz maravilhosa.
(...)

“Show de bola esse relato Rafael.... eu acho que ela morre esse ano, brincadeirinha....mas imaginem seria enigmático, até o Romualdo deixaria seu ceticismo de lado e passaria acreditar nas sicronicidades  da vida.”
(...)

Acho que nesse caso podemos falar em diacronias. Se aplica mais ao que estamos abordando. Mas não sou cético quanto ao destino da humanidade. Haveremos de encontrar uma saída...

domingo, 17 de julho de 2011

OS MISTÉRIOS DA AURORA BOREAL

"O tempo não pára!
Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."
MÁRIO QUINTANA

Em um domingo de muitas lembranças, e saudades de minha filha, me emocionei com uma reportagem no programa Fantástico, da rede Globo, sobre a Aurora Boreal(*). Um fenômeno espetacular que deslumbra por sua beleza e nos intriga, como tudo que a nós, leigos, tornam difícil a compreensão. Embora a ciência possa ter a resposta para tal espetáculo, sempre levamos isso para o lado da espiritualidade, do imponderável, tentando encontrar outras explicações para além da nossa racionalidade.
Foi num momento desses, um fim de tarde, que pude presenciar um por de sol colorido, quando ainda podia contar com a presença de minha querida filha. Nunca me esqueci. Quando me dediquei a escrever o livro de crônicas sobre ela, que publiquei em 2008 com o título “Depois que você partiu”, relembrei esse fato e sempre foi um dos textos que escrevi que mais me emociona quando releio o livro. Até porque ele representa um contraponto à minha maneira materialista de ver o mundo. Deixei-me levar por um sentimento comum a todos que perdem um ente querido, principalmente filho ou filha, a esperança de que ao morrermos possamos nos encontrar em outra dimensão.
Mesmo não sendo crente nessas espiritualidades, essa crônica representa um embate entre a razão e a emoção. Como sempre ocorre nessas situações, a emoção termina falando mais alto, e sucumbimos à sensação de podermos ultrapassar os limites que a vida impõe e nos deixamos levar pela idealização de encontrarmos aqueles que por aqui perdemos para além da morte.
Assisti a reportagem com a sensação de que algo espetacular está além das nossas compreensões, e por todo o tempo lembrei-me de minha filha. Algo que começou no início do domingo, quando acordei com a impressão de ter sonhado com ela, mas intrigado por não me lembrar do sonho.
Como sempre faço desde quando criei esse blog, resolvi postar essa crônica. Mais uma das que já inseri aqui desde que o criei, em parte também com esse objetivo. Para poder compartilhar com mais pessoas desses momentos carregados de angústias, e misto de tristeza (pela saudade) e alegria (pelas lembranças e sonhos).

O ocaso do acaso (*)

Os finais de semana têm sido os momentos mais difíceis de suportarmos depois que a Carol nos deixou. Embora a nossa rotina não fosse de um distanciamento total de nossos filhos, era natural, pelas atividades que desempenhávamos seja profissionalmente ou politicamente, que nos dias de semana ficássemos menos tempo com eles. Até mesmo por isso sempre fizemos questão de levá-los à escola, mesmo com toda a correria e o stress gerado pelo trânsito era um momento importante para ficarmos juntos.
Isso fazia com que nos finais de semana passássemos mais tempo com eles. Principalmente com a Carolina, pois ela não deixava que nenhum de nós dois saísse de casa sem antes insistir para que a levássemos conosco. A não ser no sábado à tarde, depois que ela passou a praticar Badminton. O Iago, não somente por ser homem, mas por estar em uma idade que prefere ficar sozinho ou ir apenas aos lugares em que possa encontrar os seus amigos, não insistia tanto para sair conosco.
Por isso a saudade bate mais forte nos finais de semana, pela lembrança de cada momento de sua presença, fosse desenhando, disputando com Iago o computador, ou até mesmo tentando ajudar na cozinha, por vezes ditando o “menu”. Mas sua “especialidade” mesmo era guloseimas doces. Às vezes dava certo, por outras era um desperdício de produtos. Mas poucas vezes nos irritávamos com esses seus dotes ainda fracassados, afinal Carol era ainda uma criança, e, como toda mulher já aparentava alguma afinidade pela culinária. Embora em casa ela tivesse o exemplo do pai, que de vez em quando se aventura a preparar alguns pratos, e os que ela mais gostava eram omelete e a sopa de feijão. Lembro-me da última que lhe preparei. Ela já estava doente, mas alegre e com seu jeito peculiar lembrou-me que eu havia lhe prometido fazer uma sopa. Já passava das oito horas da noite, do domingo, um dos últimos em que passamos juntos, eu estava lavando o carro – ainda era horário de verão, portanto ainda não tinha escurecido por completo. Insisti com ela, para saber se ela mantinha o desejo ou não, e ela foi inflexível, queria que eu cumprisse o prometido. Fui terminar já quase nove e meia da noite.
Por essas e outras os finais de semanas eram mais intensos, principalmente porque a Carol jamais deixava que eles fossem “normais”. Isso torna os sábados e domingos mais cinzentos após sua partida, profundamente tristes. Temos o Iago para nos confortar, e buscamos agora mais do que antes, entrarmos em sua rotina, que inclui treino de basquete aos sábados pela manhã na AABB. Mas por sua idade, começo da adolescência, tomamos também cuidado para não afetarmos demais seu espaço, sua independência e intimidade, tão caros aos jovens nessa fase. Acontece que Iago está conosco, sabemos onde encontrá-lo, podemos abraça-lo, beijá-lo, dizer: “oi, meu filho, tudo bem?”. Já não podemos mais fazer isso com a Carol, por isso nos restam as lembranças, e os dias e momentos que marcavam mais intensamente sua presença. E Iago sabe disso, e sente também essa ausência..
Por causa dessas lembranças procurei evitar ir ao clube nos sábados. A não ser para buscar Iago quando ele está nos treinos de basquete.
Em um desses sábados, pouco antes de internarmos a Carol, um fim de tarde bonito nos chamou a atenção. Da área de nossa casa pudemos observar um pôr-do-sol diferente. Em um ocaso avermelhado, ele escondia-se por trás do barracão ao fundo de casa, e os seus raios refletidos nas nuvens davam a aparência de uma Aurora Boreal. Um espetáculo bonito, diferente, que jamais tínhamos visto. Chamei todos para ver aquilo. Fomos para a frente da casa, e chamei também a Carol para ver aquele espetáculo. Ela já estava doente. Admiramos-nos juntos.
Hoje, aquilo soa para mim como uma mensagem. O céu se abrindo em cores, como ela gostava de desenhar, se preparando para recebê-la. Não que eu creia na existência de universos paralelos, de céu, inferno. Mas o amor que  eu sentia por minha filha era de tal dimensão que mesmo que não exista o céu eu o criarei sempre em minhas lembranças, e procurarei sempre enxergar um paraíso como sendo o lugar para onde ela foi.
E a vejo rodeada de flores, sentada na relva, com papéis espalhados por todos os lados, pincéis e lápis de cores. Um manequim ao seu lado, já vestido com as roupas escolhidas por ela, e os seus desenhos soprados por uma brisa suave, como se o vento brincasse com ela fazendo-a correr para segura-los. Ao seu lado, o Tico, o boneco almofada que sempre lhe acompanhou, em quem ela apoiava a cabeça ao dormir, e as pollys, várias delas, uma imensa coleção de pequenas bonecas com todos os seus apetrechos, que quase todo mês ela insistia para que comprássemos uma. E suponhamos que os anjos a acompanhem, não tenho dúvida que ela já deve ter desenhado outros modelos de roupas para eles, principalmente substituindo a cor branca. O negócio da Carolina era colorir tudo, acho que isso era um componente de sua personalidade que a fazia diferente, animada e alegrava todos à sua volta.
Que os céus a mantenham feliz, porque aqui na terra, em nosso universo real, faltam cores para alegrar os dias após sua partida. E por mais que tentem nos confortar com a esperança dela estar em um desses paraísos que sonhamos, era aqui que a queríamos, ao nosso lado, com suas qualidades e seus poucos defeitos. Sua partida abriu um vazio que irá perdurar para sempre.


(**) Escrito em 17 de maio de 2008. Publicado no livro, DEPOIS QUE VOCÊ PARTIU, em dezembro desse ano.

(*) Link para o vídeo sobre a Aurora Boreal apresentado no Fantástico, em 17.11.2011:

http://www.youtube.com/watch?v=CyO-T7VKZJg

(copie e cole ou destaque e clique com o lado direito do mouse para abrir em nova aba)


sábado, 16 de julho de 2011

EDUARDO GALEANO APONTA QUATRO MENTIRAS SOBRE O AMBIENTE


 

Quatro mentiras sobre o ambiente
“A civilização que confunde os relógios com o tempo,
 o crescimento com o desenvolvimento,
e o grandalhão com a grandeza,
também confunde a natureza com a paisagem.”

 Quatro frases que aumentam o nariz do Pinóquio

1- Somos todos culpados pela ruína do planeta.
A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.
Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.
Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades”. Uma experiência impossível.
Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.
2- É verde aquilo que se pinta de verde.
Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.
Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.”
O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.
O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.
A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.
3- Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.
Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco-92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.
No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.
A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil.
Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.
4- A natureza está fora de nós.
Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo.

Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão.
Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer. 


Eduardo Hughes Galeano, jornalista e escritor uruguaio. É autor de mais de quarenta livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História. Sua obra mais famosa é o livro “Veias Abertas da América Latina”.