quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

SOBRE MÁSCARAS, VIOLÊNCIAS E O DIREITO DE SE MANIFESTAR

NIHIL HUMANI A ME ALIENUM PUTO! (NADA DO QUE É HUMANO ME É ESTRANHO)

Essa era a máxima preferida de Karl Marx.
Creio que ela serve para analisarmos o que se passa nas redes sociais. Sabe-se lá com que intenção, alguém (alguns) identificaram uma pessoa com o mesmo perfil do responsável pela morte do cinegrafista da Band e, em uma montagem, para dizer que as TVs estavam manipulando a informação sugerem ser aquele outro o culpado. Por estar conversando com os policiais, certamente imaginaram ser algum agente infiltrado. Ora, essa pessoa teria visto sua foto circulando na rede e já se identificou, certamente preocupado e indignado por tornar-se suspeito. Supõe-se. Essa postagem teve milhares de compartilhamento. O bizarro disso é que os indivíduos responsáveis por detonarem o explosivo, já estavam presos e são réus confessos. Os dois, identificados por vários ângulos, assumiram a responsabilidade, embora um acusasse o outro por acender o explosivo. Qual o objetivo de tentar acusar outras pessoas aleatoriamente? Claro, existem interesses escondidos. Mas talvez poucas pessoas saibam que boa parte dos perfis que existem na internet, é falsa. São os chamados "fakes". Então é melhor se informar antes de reproduzir algo que sirva a interesses escusos.
O fato é que esses comportamentos que levam alguns jovens a exacerbar em seus atos e a agirem com a mesma violência e estupidez com que agem as forças repressoras, causa um efeito colateral sério, e cria os pretextos dos quais necessitam as forças reacionárias e fascistas para limitar os direitos democráticos de manifestação, bem como criminalizar os movimentos sociais, e a exigirem governos mais duros e policialescos. Esses foram argumentos utilizados para a efetivação do golpe militar em 1964. Com essas atitudes prestam um desserviço aos que, criticamente, lutam por transformações mais radicais de forma organizada. Organização que eles repudiam, e agem de forma anárquica, sem objetivos políticos definidos.
A morte desse trabalhador, lamentável sob todos os aspectos, terminou por servir à mídia conservadora dar destaque e pressionar parlamentares para endurecer legislações contra as manifestações.
No combate que fazíamos ao regime militar, já na decadência desse poder, jamais nos faltou coragem e nunca nos sentimos intimidados ou amedrontados com todo o aparato repressor que nos oprimia e que enfrentávamos nas ruas. Sem máscaras, sem armas, num momento em que sabíamos enfrentarmos um regime fragilizado politicamente e que precisávamos do apoio da sociedade.
Repelir a sanha fascista com a mesma estupidez seria, naquele momento, contraproducente, e nos impediria de obter o apoio que necessitávamos para isolar a ditadura e trazer o apoio de toda a sociedade para a transição democrática.
Não foram poucos, e eu me incluo nessa lista, os que sofreram a brutalidade dos cassetetes, do gás lacrimogênio, dos fuzis apontados no peito, das prisões e espancamentos, e dos fichamentos nos antigos DOPS e na Polícia Federal. Sem contar as intermináveis "visitas" às delegacias. Mas agíamos de cara aberta, embora ainda fosse uma ditadura.
No movimento que realizamos em Goiânia, em 1982, contra os aumentos nos ônibus urbanos, denominado "pula catraca", quando resistimos por mais de três meses sem pagar passagens, vencemos pela resistência. Foram tantas as vezes que fomos detidos, e ônibus desviados para delegacia com dezenas de estudantes que haviam pulado a catraca, que os próprios delegados em determinado momento determinaram às empresas de ônibus que não nos levassem mais para que as ocorrências fossem registradas. E assim, muito embora tendo custado a depredação de centenas de ônibus em atos violentos, conquistamos nossos objetivos. Com organização, resistência, determinação e coragem. Sem reagirmos no mesmo nível que a repressão policial.
Essa foto que ilustra a postagem do artigo escrito para o Blog Gramática do Mundo, é do movimento que organizamos na década de 1980, quando depois de meses de "pula-catraca". Conquistamos o meio-passe. Ontem (19/02), também fruto da luta travada pela juventude estudantil, o governo do Estado de Goiás anunciou o fim da querela do passe-livre. Os estudantes podem comemorar mais uma conquista. O direito à manifestação deve ser sagrado, é a condição de pressionar dirigentes, mas, claro, dentro de um certo limite. O uso de máscara, jamais foi aceitável por nós, que travamos lutas homéricas, porque podia esconder eventualmente um provocador, elemento infiltrado disposto a jogar a opinião pública contra o nosso movimento. Mas considerar essas manifestações, mesmo as que excedem no limite do aceitável, como ato de terrorismo é um exagero abominável. O momento que vivemos é complexo, mas não há no curto prazo nenhuma ameaça à democracia. As liberdades políticas são muito mais consistentes do que nos anos de chumbo, ou mesmo nos seus estertores, nos três primeiros anos da década de 1980.
Mas, muito embora saibamos, como bons marxistas, que “a história não se repete”, a não ser como farsa, ou tragédia, podemos encontrar semelhança entre o ambiente político pré 1964 e o que estamos vivendo. A infiltração em manifestações e organizações sociais por agentes da repressão, obviamente prossegue. O grau de espionagem existente atualmente é muito maior, e cabalmente demonstrado nas denúncias feitas por Edward Snowden, analista de sistema que servia à ANS (Agência Nacional de Segurança), dos EUA. Tal qual há 50 anos, há interesse desse país, como de muitos elementos reacionários brasileiros em criar um ambiente de insegurança que leve à população, pelo medo, exigir governos mais duros e ditatoriais.
Aliás, já escrevi a respeito da inversão que se faz ao filme “V, de Vingança”. Ali, o personagem se revolta exatamente contra a manipulação feita por quem pretendia um poder forte. A violência se tornou constante, o regime refluiu no combate e o medo, ao tomar conta da população, a jogou para os braços de um ditador, que militarizou o poder estatal. Foi contra isso que “V” se insurgiu.
O que se vê pelos meios de comunicação, destacadamente nas grandes redes é uma ênfase às notícias sobre fatos violentos, e um clamor crescente da população por mais “segurança”, significando isso mais polícia nas ruas. Ou seja, enquanto nas ruas os manifestantes clamam por desmilitarização da polícia, nos bairros, principalmente os periféricos, a população exige mais polícia, para combater o que a mídia aponta como um descontrole do Estado para conter a violência. No que eu identifico como uma “geopolítica do medo” sendo maquiavelicamente implantada.
Embora a violência exista, e esteja vinculada principalmente ao tráfico de drogas, ela não é combatida em sua essência. Nem as críticas que se fazem a ela dão ênfase às contradições que fazem do capitalismo um sistema profundamente injusto e desigual.
Ao não desejarem participar de organizações de caráter político, e abominarem os partidos políticos, mesmo os que se intitulam revolucionários e socialistas ou comunistas, esses manifestantes deixam de analisar a conjuntura política com base em fatos concretos e na realidade objetiva. Novas "realidades" são perversamente construídas por outros setores da política, que se beneficiam com esses comportamentos, o que leva a fortalecer a indústria do medo, e a exigência de governos fortes, militarizados e com uma base de parlamentares mais conservadores.
Não há dúvidas de que há infiltração nessas manifestações. Tanto por organizações políticas, que temem se apresentar abertamente por medo das reações dos “Black blocs” e visam também “recrutar” novos militantes entre aquela juventude, como por setores fascistas, tipos provocadores que desde aquele momento por mim citado anteriormente, na década de 1980, já se infiltravam em nosso meio. Policiais ou não. Por motivos diferentes esses setores objetivam criar os confrontos para gerar desgaste nos governos, de tal forma que os possam debilitar. O uso da violência, no caso, como mecanismo de se contrapor à repressão policial assume um verniz diferente nos dois casos, mas o resultado é desastroso de qualquer jeito. Principalmente quando o personagem culpado desse tipo de ato não é um indivíduo vinculado às forças repressoras, porventura infiltrado. O que dá margem para a mídia conservadora enfatizar no seu discurso de um ambiente dominado pela insegurança e anarquia.
Não tenham dúvidas de que o principal discurso nas próximas campanhas eleitorais será esse. Dominados pelo medo, que cotidianamente entra em suas casas pelos canais de TV, ou pela própria realidade que as cercam, as pessoas tendem a sucumbir à repetição constante desse discurso, e corremos o risco de ver a eleição de um parlamento muito mais conservador do que o atual.
Esse poderá ser o resultado de atos inconsequentes e irresponsáveis, movidos por um voluntarismo tolo, e a demonstração de atos de estupidez como se fossem atitudes libertárias e revolucionárias. Em um novo tipo de ludismo pós-moderno que está mais para os atos de cegueira atestado por José Saramago.
As máscaras que assumem as frentes dessas manifestações escondem jovens desprovidos de capacidade política para entender os mecanismos que movem a sociedade. Ou meros provocadores desejosos de reeditar aqui no Brasil os mesmos gestos fascistas de 50 anos atrás, quando um golpe militar foi dado com o argumento de por fim à baderna, à desordem e a comunização do país.

Como diz um velho ditado popular: “juízo e caldo de galinha, não fazem mal a ninguém”.