quinta-feira, 11 de abril de 2024

O DILEMA DA ESFINGE: A UNIVERSIDADE, A LUTA SALARIAL E “O QUE FAZER”.

Em outras oportunidades, isso está registrado em alguns artigos neste blog, usei dessa parte da mitologia grega para indicar o quanto se torna difícil buscar soluções em meio a situações que nos são, ou de difíceis compreensão, ou por ignorarmos um aspecto importante, a necessidade de compreensão da conjuntura na qual estamos metidos. A resposta ao dilema da esfinge, nas circunstâncias em que vivemos, seguramente não deixaria nenhuma pessoa surpresa com o resultado da charada decifrada por Édipo.

“— Qual é o animal que de manhã anda com quatro pés, à tarde com dois e à noite com três?” Algo aparentemente simples ao ser indagado, mas não encontrava quem respondesse corretamente. Assim é o dilema que penso estarmos vivendo. Não há surpresa, mas relutamos em que fazer, embora o próprio governo nos empurre para a radicalização. 

Mas, existe um ditado popular que, creio, a maioria conhece: “prudência e caldo de galinha, não fazem mal a ninguém”. Em menos de um ano e meio estávamos às voltas com uma apreensão terrível, será que conviveríamos por mais quatro anos com uma pessoa abjeta a nos presidir, que sempre teve como um dos alvos prioritários a universidade? E não creio que seja difícil responder se perguntarmos: estamos livres desse estrupício? Talvez o estrupício, sim, por enquanto, mas não das perversidades de sua turma cujo objetivo foi espalhar escolas militares por todo o país, bem ao estilo produzido durante o 3º Reich, sob o comando de Adolf Hitler, a partir de 1934. Sugiro que leiam sobre como estavam estruturadas as escolas durante o regime nazista, em que se espelhou o governo Bolsonaro.

Não. Não estamos livres da sombra que nos turvou o nosso caminho nas universidades por mais de quatro anos. Um período sombrio para as ciências, as pesquisas, as universidades públicas, e um ataque bem direto e objetivo às áreas de humanidades, por seu caráter mais crítico e contundente nas análises históricas e sociais.

Alguns poderão dizer que é uma postura defensiva, e que não podemos abdicar de lutar pelos nossos direitos. Tudo bem, nos cabe debater a situação, dialeticamente. Mas sem estigmas, e muito menos subir o tom no discurso, como forma de radicalizar nas ações. No entanto, que estejam abertos a receber o contragolpe quando dissermos que nessa conjuntura posta, radicalizar agora contra o governo facilita o retorno da extrema-direita ao Poder, a começar pelas eleições deste ano.

O que não quer dizer que o governo não possa ser criticado. Isso é necessário em uma democracia, até para que essa queda de braço não termine por fortalecer o lado conservador de um governo que é de coalizão e está nas mãos de uma maioria também conservadora no Congresso Nacional. Nem muito menos que devemos ficar de braços cruzados e aceitar uma negativa do governo em nos negar reposição salarial, diante de perdas que já chegam a 40% acumuladas ao longo de pelo menos dez anos.

Mas se trata de saber como lidar com uma situação complexa, tendo a convicção que não desejamos, sob hipótese alguma, voltar aos tempos sombrios dos governos Temer e Bolsonaro. E isso não está descartado. As eleições deste ano serão um momento importante para sabermos isso.

Posto isso como devemos lidar com essa complexidade, que nos coloca num fio de uma navalha? Primeiro buscar incansavelmente negociação com o governo, mesmo com falas que visam nos esmorecer, mas que termina tomando um efeito contrário. Facilitar as coisas para quem tem uma atração inexplicável por greve. É Impressionante como determinados setores do serviço público, e na universidade também, entram em êxtase na defesa da greve. Compreendo que o movimento grevista deve ser a última alternativa, quando se esgotam todas as tentativas nas mesas de negociação, principalmente na setorial.

É incompreensível buscar de imediato mobilização para greve, com mesas de negociação em andamento, quando o martelo ainda não foi batido. Por outro lado, nos deixa abismado em saber que por quatro anos de governo Bolsonaro, e mais os dois anos de Michel Temer, nenhuma mesa de negociação foi aberta, e nem por isso se chamou um movimento grevista. Me lembro que o último desses movimentos foi em 2015, durante o governo Dilma Rousseff, que, embora eu tenha defendido a greve naquele momento, não desconheço que isso também foi fundamental para aumentar o desgaste da presidenta, o que levou ao seu impeachment golpista. Ou seja, é um paradoxo, crescer o movimento e buscar confrontar o governo quando são de esquerda e estão abertos à negociação. Ao passo que essa mesma gritaria e enfrentamento não se deu quando a universidade estava sendo atacada de todas as maneiras, e ficamos por mais de quatro anos sem nenhum reajuste.

O que me revolta também, é o fato de muitos de nossos colegas, inclusive quem defende a greve, não aparecer nas frentes de lutas, necessárias para dar visibilidade ao movimento. Uma boa parte se limita a parar suas aulas na graduação, mas prosseguem em suas atividades cotidianas ligadas à pós-graduação e pesquisa. Além de aproveitarem para acelerar a produção de alguns textos, necessários e tudo isso com datas definidas.

Enfim, todo esse processo de luta, que inclua a greve é complexo. E entendo que não obteremos resultados só com paralisação, mas com muito debate com o governo, articulação política e participação de forma efetiva e convincente, com propostas coerentes, na mesa de negociação.

Não entro na questão dos servidores técnicos-administrativos, mesmo considerando a greve intempestiva. Porque esse segmento talvez seja o mais prejudicado em sua carreira dentre todos os servidores públicos federais. Então considero sua luta justa e apoio a decisão de deflagração de greve, pois penso que neste caso já se passou de um limite aceitável. O que parece haver uma sinalização do governo para atender a proposta de plano de carreira dos técnicos-administrativos.

Entendo diante de tudo isso, e mesmo querendo ser prudente na questão da defesa de greve, que houve uma falta de habilidade do governo ao dizer desde o começo das negociações que teríamos 0% de reajuste, e que os aumentos nos benefícios não atenderiam aos aposentados e aposentadas. Ao fazer isso, os interlocutores do governo mexeram num vespeiro, pelo fato de termos um grande percentual de perdas salariais nesses dez últimos anos, que está em torno de 40%.

Por fim, enfatizo minha opinião pela negociação, mas penso, como a maioria, que ficarmos sem reajuste este ano é inaceitável. Já apresentamos a proposta, e esperamos que o governo tenha juízo, a fim de evitar a extensão das greves, e garanta um percentual este ano que possa fazer diminuir as perdas salariais desse período. E mais do que isso, que possa corrigir algumas distorções em nossa carreira, a começar por cumprir o piso salarial do magistério, que ele próprio cobra que os estados e municípios cumpram.

Resta o nosso dilema. Uma paralisação nossa, diferentemente de uma fábrica, ou de um setor de fiscalização, não afeta o processo de produção. Em alguns casos com parada completa da cadeia produtiva. Uma greve no serviço público, tão atacado pelo neoliberalismo e com um fantasma de uma reforma administrativa pairando sobre nossos pescoços, só afeta na relação com o governo, e contribui para o desgaste do mesmo. Mas não tem impacto político na sociedade. Seguramente ampliará aquilo que nos consome e já é motivo de muitas preocupações: o aumento da evasão de estudantes, principalmente em áreas de licenciaturas. Ademais, complica muito nosso calendário, que, a muito custo, deveremos normalizar neste ano. Sendo este mais um fator de desgaste e enfraquecimento das instituições de ensino superior. Porque ao fim, e ao cabo, seremos obrigados a repor todos os dias paralisados.

Não adianta fechar os olhos para essas questões, porque afetam nossas rotinas, a depender do quanto uma greve demora a chegar ao fim. Porque sabemos como ela começa, mas não como ela pode terminar. Tudo isso deve ser balizado no momento em que formos tomar uma decisão radical. Que poderá acontecer, caso o governo insista em negar reajuste este ano. Torço para que o Governo Lula – porque votei nele e o apoio - não repita os equívocos de outros governos, de direita, que por muito tempo deixaram a comunidade universitária sob cerco permanente, tensões e negativa de reconhecer nosso direito a reajuste anual.