sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A CRISE HÍDRICA, O OLHAR OBTUSO DA MÍDIA E A LENIÊNCIA DOS GESTORES PÚBLICOS

A crise hídrica, enfim, tornou-se notícia. Junto com ela a preocupante, e também negligenciada, situação energética, naturalmente por conta de a principal matriz brasileira de geração de energia, ser a hidrelétrica.
Mas, como sempre ocorre quando o assunto é água, prevalece além da tentativa de se apontar o caos para depois de amanhã, os incontáveis equívocos quanto às formas de se buscar soluções para esse grave problema.
Além desses dois aspectos, outro aparece como decorrência da estiagem que acontece em algumas regiões brasileiras, principalmente naquelas onde esse fenômeno não era tão comum, o chamado “aquecimento global”. Impossível tratar a tudo isso, com a complexidade que cerca cada um desses temas, em um espaço reduzido de texto.
Cabe-nos, contudo, estarmos alertas para questões que são essenciais, de forma, principalmente, a evitar que o pânico, gerado por informações distorcidas ou enviesadas, tome conta da população. E para que as medidas a serem adotadas pelos governos, não sigam no caminho das manchetes que focam somente naquilo que momento atual está indicando.
Vou tentar resumir como vejo essa questão, e onde estão os principais gargalos geradores dos problemas. Tendo claro que a ótica a ser abordada não é meramente técnica, mas também geopolítica, observando a importância da água como um recurso de enorme importância estratégica para o Estado-Nação, para a economia, e para o cotidiano da vida das pessoas em suas relações sociais e pessoais.
É ponto passivo que o país (e grande parte do mundo) vive uma crise hídrica, consequência das alterações dos regimes de chuvas, que por sua vez decorre de uma série de fatores de ordem natural, mas também causados pela intervenção humana, pelo estilo de vida gerado pelo sistema capitalista. Nada disso, contudo, é novidade. Já vem sendo alertado por pesquisadores há décadas, inclusive em publicações, pesquisas e livros, à disposição de estudiosos e técnicos dos governos. A batalha pela água ocorre há muito tempo, e tem despertado interesses de grandes corporações, na medida em que se torna cada vez mais escassa e passa a ser tratada como uma mercadoria, ao invés de um recurso vital para a vida e um bem comum a ser compartilhada pela humanidade.
Muito se tem comentado sobre as medidas a serem tomadas, absurdamente em caráter emergencial, para garantir abastecimento às populações urbanas e garantir a geração de energia. A maior parte daquilo que dizem os representantes dos governos estaduais, contudo, são diagnósticos tardios e intervenções reparadoras que não são suficientes para resolver os problemas.
Em primeiro lugar é preciso ter a clareza de que o maior consumo de água doce é na agricultura e pecuária, com cerca de 70%, variando de região para região, do total disponível. 20% é consumo industrial, ficando em torno de 10%, variável, para o abastecimento urbano.
Evidentemente que o fato de as cidades terem crescido de forma exponencial, e conviverem com um adensamento urbano além do que deveria ser aceitável, principalmente em sua verticalização, levou a um conflito sem precedentes, no limite da capacidade de se obter água para abastecer uma enorme camada humana, infinitamente inferior à demanda. Os rios e córregos que cercam as grandes cidades não são suficientes para atender às necessidades de um consumo que se eleva a cada dia, situação que se agrava com a poluição descontrolada que toma conta desses mananciais, em muitos casos tornados verdadeiros esgotos a céu aberto.
Cada vez mais a alternativa tem sido captar água em lugares distantes. Mas essa medida esbarra em outra realidade. O volume de águas, mesmo em rios que ainda encontram-se perenes, cai a cada ano, como decorrência de diversos fatores, desde o desequilíbrio do regime de chuvas, às destruições das margens por meio de assoreamentos, até, e o que é mais grave, como decorrência das destruições de veredas, que compromete e até mesmo faz desaparecer, muitas nascentes, reduzindo a quantidade de água. Tudo isso se torna mais complexo, quando inúmeros projetos de irrigação entram em funcionamento, com desperdício de águas decorrentes do uso de enormes pivôs centrais.
Ora, citei algumas causas da crescente escassez de água, que tem levado a um estresse hídrico já em estágio avançado. Mas os problemas se multiplicam, porque a preocupação com a água sempre foi negligenciada. Tomemos as discussões em torno do Código Florestal, e as pressões por representantes do agronegócio, com o objetivo de reduzir a área de proteção das margens dos rios. Ou a absoluta ausência de ação de governos municipais e estaduais, visando proteger reservatórios essenciais para o abastecimento de grandes centros urbanos. No entorno desses reservatórios, atividades econômicas, invasões de residências clandestinas e até mesmo descarga de esgotos residenciais e industriais, compõem um cenário absurdamente irresponsável na gestão da água e no cuidado dos rios que compõem a bacia de onde essas águas são represadas.
Ingenuamente, alguns setores da mídia insistem em desenvolver reportagens que visam “educar” a população para consumir água. Ora, isso é como podar os galhos de uma árvore. Eles continuarão a crescer, pois faz parte de sua natureza. O problema da água não consiste somente, ou tão principalmente, como alguns querem fazer crer, em estabelecer regras mais rígidas de controle, ou cobrança de multas, para quem gera desperdício no uso da água. Tudo bem que se eduquem as pessoas a não desperdiçarem água. Aliás, não somente água, mas, como também qualquer recurso da natureza. No entanto, isso não é suficiente, porque os problemas estão na origem, na maneira com a água é captada, e de como ela é usada para uso industrial, minerador e agropecuário.
Urgentemente faz-se necessário recuperar as nascentes de córregos e rios. A recuperação de veredas e a proteção daquelas que estejam ameaçadas deve ser uma medida emergencial, cujo tempo de começar já passou; Recompor as margens de rios importantes para as principais bacias, com fiscalização rigorosa a fim de conter a destruição da vegetação, bem como coibir a extração de areias que são feitas de forma descontroladas; Frear todo e qualquer desmatamento em áreas próximas a esses rios, e principalmente a suas nascentes; e retirar do entorno de todos os reservatórios que servem para abastecer as cidades as construções erguidas de maneira irregular, ou até mesmo aquelas que porventura tenham sido autorizadas, mas que se identifiquem também como possíveis de afetá-los.
Algumas dessas medidas dizem respeito também à necessidade de se prevenir contra prováveis situações de diminuição do volume de água em represas responsáveis pela geração de energia hidrelétrica. As causas são as mesmas, as origens são próximas, e as formas de combater os problemas também são parecidos. Afinal, estamos tratando do mesmo recurso, utilizado para fins diferentes: água.
Mas há especificidades, naturalmente, nas medidas a serem adotadas em um caso e em outro. As discussões e torno das iniciativas de investimentos em projetos visando atender à necessidade da crescente demanda por energia são, da mesma forma, complexas, mas requerem um outro tipo de tratamento e outra abordagem.

A água é o recurso mais importante para a vida, não se pode mais negligenciar a sua importância estratégica, nem olhá-la com a ilusão de que aqui no Brasil ela corre em abundância. Isso não é verdade. Embora detenhamos o maior percentual de água doce dentre todo os países, ela está localizada de maneira desequilibrada nas regiões. Com excesso de água naquela região onde existem um contingente menor de pessoas, o Norte, e uma crescente escassez nas regiões de maior população e desenvolvimento industrial e agrícola. Não se trata mais de elaborar planejamentos, urge, de imediato, realizar obras que já tenham sido pensadas décadas atrás. Estamos correndo contra o tempo, e a água escorre por nossas mãos.

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