domingo, 5 de julho de 2015

O BRASIL DIANTE DO ENIGMA DA ESFINGE : DECIFRA-ME, OU TE DEVORO!

Estamos vivendo um momento político carregado de enormes contradições, o que, aliás, não é novidade na vida, muito menos na política. Para introduzir o assunto, apontemos algumas raízes da confusão. O PSDB que surgiu das entranhas do PMDB, aglutinando o que havia de progressista à época naquele partido (década de 1980), optando pela social democracia de estilo europeu, se vê hoje como coadjuvante das ações de setores fascistas e da direita mais raivosa e preconceituosa, tanto no DEM, como no PMDB. Mas também abriu as portas para elementos desse tipo em suas fileiras. O que era social democracia virou uma agremiação insonsa, sem passado e sem futuro. 
O PT, também de origem social democrata, com posturas sempre progressistas, rendeu-se ao pragmatismo político típico de quem chega ao poder e tudo faz para não perdê-lo. Abdicou de embates ideológicos mais profundos, passou a negar a luta de classes e imaginou poder seduzir a burguesia jogando o jogo sujo que sempre caracterizou a classe dominante capitalista.  Ou as classes dominantes.  Cedeu aos setores empresariais, compactuou com as falcatruas das grandes empresas e corporações, alimentou o veneno dos grandes latifundiários do agronegócio e inchou as burras dos banqueiros. Da mesma maneira, abriu as portas ao fisiologismo e perdeu quadros importantes que mantinham posturas coerentes com sua história.
O resultado desse "samba do crioulo doido", para usar uma expressão usada pelo famoso humorista e político Sérgio (Stanislaw) Ponte Preta,[1] popularizada na música cantada pelo Quarteto em Cy, e Demônios da Garoa, é que tornou-se impossível prever para onde aponta as mudanças políticas no Brasil, uma vez que esses dois mais importantes partidos perderam completamente suas identidades, muito embora ainda possuam em suas fileiras e em seus programas elementos que os identificam.
O trágico disso tudo, para aqueles que lutaram por um país progressista e apto a disputar o protagonismo da geopolítica regional e mundial, é verificar que estamos à beira de um precipício, e em vias de marcharmos para a eleição de governantes comprometidos com o fundamentalismo religioso, com ameaças reais e já em curso, de fragilizar o estado de direito e com adoção de uma legislação fascista, marcada pela intolerância e ataque às liberdades individuais.
O retrocesso já está acontecendo, além da ameaça permanente de impeachment que paira sobre a cabeça da presidenta Dilma Roussef.  E pelo grau que atingimos, uma das formas de conter essa degringolada seria apostando numa volta à razão desses dois principais partidos. Algo absolutamente difícil, devido ao abismo que se criou entre eles, fruto dos embates travados nos últimos anos e pela deformação de suas fileiras, principalmente no PSDB, onde setores de direita passam a ter atuação destacada, principalmente no Congresso Nacional. Ao contrário, o que se vê é setores do PMDB flertando com o PSDB com o intuito de aplicar um golpe mortal, destituindo a presidenta e apostando num governo do insosso Michel Temer. Para delírio da direita.
Se a análise que aqui faço for correta, e diante da impossibilidade de se concretizar um reencontro desses dois partidos com os seus passados, só restará aos setores progressistas prepararem se para um embate duro, semelhante ao que o país viveu durante o período da Constituinte, em meados da década de1980. 
Nas últimas semanas tem sido articulada uma frente que visa aglutinar os partidos progressistas, ou, além disso, até mesmo parlamentares ou militantes que se sintam desconfortável com os rumos políticos de seus partidos. Isso por si só, representa um fracasso, embora a medida seja necessária e importante.  Pois demonstra que os rumos que seguíamos foi bloqueado, e os desvios que se apresentam à nossa frente nos encaminham para uma região pantanosa ou abissal. Mas, evidente, não se pode ficar parado diante do que se avizinha e dos retrocessos em curso, por isso a iniciativa é louvável, e quiçá possa seguir adiante e se fortalecer.
Por isso do que trato aqui é de reconstrução.  Numa realidade absolutamente adversa, pois a "opinião pública", se tornou adepta e defensora das pautas reacionárias, abrindo espaço para retirar dos sarcófagos sicofantas que até então encontravam-se no limbo, recuados, preparando suas oferendas para que demônios os ajudassem a levar o país para o caos.  Não foi preciso demônios para isso. A crise era eminente, e sistêmica, e o governo ignorava que seria impossível passarmos ao largo dela imune.
O tsunami que atingiu o capitalismo em 2008 deixou aos escombros a maioria dos Estados Nação, notadamente aqueles que rasparam fundo seus tesouros para livrar suas corporações financeiras de uma possível hecatombe, o que poderia varrer todo o sistema financeiro de maneira global. Com raras exceções, mas que mesmo assim tiveram seus crescimentos reduzidos. 
O Brasil surfou bem na onda da crise, por causa de uma forte demanda interna, aquecida por programas sociais e incentivos do Estado. Mas a redução das exportações, como consequência da crise internacional, afetou o desempenho econômico brasileiro, agravado pelo pessimismo criado por uma mídia que ao mesmo tempo omitia a dimensão da crise, criando na opinião pública a sensação de incompetência do governo federal independente dos problemas mundiais. Tudo isso se complicou com as denúncias de corrupção envolvendo a maior empresa brasileira e uma das maiores do mundo no campo da pesquisa e prospecção de petróleo. Devidamente explorado pela mídia e setores oposicionistas, como deveria ser esperado.
A junção da crise econômica mundial com a crise política brasileira teve acrescido outro ingrediente, o descontrole das contas públicas, levando à necessidade de um ajuste que afetou praticamente todos os avanços obtidos nos últimos anos.
A partir daí a caixa de Pandora[2] foi aberta e deixou-se retida a esperança, acabrunhada e reprimida, sem perspectiva de se manifestar diante do pessimismo produzido pelos arautos do caos e perversores da humanidade. 
É preciso agora resgatá-la, libertar a esperança antes que seja limitada e aprisionada, senão como uma ditadura, mas com uma enorme probabilidade da ascensão de um regime totalitário baseado em fundamentalismos religiosos fundado em um fascismo moderno. 
Mais do que um enfrentamento político o que é preciso fazer é se bater de frente, em um confronto ideológico, corajoso e imprescindível, demarcando campos e esclarecendo a população sobre os riscos que se escondem por trás das ações demagógicas de raposas que se disfarçam de pastores, com perdão do trocadilho.
Naturalmente o rumo em que eu iniciei esse artigo se desfaz, simplesmente porque os que seriam os protagonistas principais, pela força que detinham, perderam-se em meio às suas crises identitárias. Ainda podem colaborar, mas no momento não se apresentam como alternativas para nos conduzir a um outro patamar, com novos posicionamentos políticos, diante da complexidade da atual crise. No caso do Partido dos Trabalhadores, a existência de uma liderança inegavelmente ainda com forte influência em meio às camadas populares, talvez não seja suficiente para refazer seu caminho.
Não basta, nas atuais circunstâncias eleger um ungido para impedir a vitória da direita raivosa. É preciso mais do que isso, até porque é preciso garantir que não haja golpe a té lá. Torna-se fundamental resgatar a credibilidade da esquerda, reconstruir a esperança e apresentar elementos seguros, para a população, que o caminho percorrido até aqui não pode ser bloqueado por comportamentos retrógrados e elitistas. Retornar ao meio do povo, no entanto, implica em convencê-lo que as medidas tomadas pelo governo não lhes afetará. Uma tarefa bastante difícil, devido ao que se propõe o ajuste fiscal, além das taxas estratosféricas dos juros, com a adoção de um remédio que fatalmente levará à UTI o enfermo.
Estamos tal qual um indivíduo posto em um enorme labirinto. Falta-nos o fio de Ariadne[3] que nos garanta encontrar a saída com segurança. Até porque o governo brasileiro está longe de ter a coragem que tem apresentado o governo grego, batendo-se de frente contra a poderosa troika, que vem a ser o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, e evitando persistir em políticas econômicas mais danosas aos cidadãos gregos.
Ademais, o partido que dá sustentação à presidenta, encontra-se acuado, encostado na parede por conta da incompetência em saber lidar com as enormes adversidades existentes na sociedade brasileira, potencializadas pelas manifestações populares desde 2013, alimentadas pela direita e por setores estrangeiros vinculados às grandes corporações internacionais, principalmente aos Estados Unidos. Mas, inegavelmente, por ter-se enredado nas mesmas contradições, como dito anteriormente, o que significaria ter que cortar na própria carne e refazer-se. Convenhamos, para um partido que está no poder isso significa uma tarefa extremamente difícil, praticamente impossível.
Daí porque a frente de esquerda que está sendo articulada pode vir a representar uma válvula de escape para uma situação sem muitas alternativas. Com isso pode-se pensar numa estratégia voltada para recuperar a credibilidade junto às camadas populares e à juventude, mas não sem adotar uma postura aguerrida, ofensiva e disposta a elevar o tom dos embates ideológicos, única condição de retomar o caminho de esquerda que na primeira década deste século transformou a América Latina.
Se vai ser possível seguir esse caminho é difícil saber. Mas, retomar as ações que sempre caracterizaram a esquerda brasileira e ter coragem de adotar atitudes firmes frente à ofensiva reacionária, já podem significar passos importantes para reverter a situação atual, e, acima de tudo, reconquistar apoio popular. Caso contrário, o golpe que está sendo gestado desde o começo do ano será concretizado, jogando o país em um enorme retrocesso e certamente em um maior acirramento da política no Brasil. Tempos sombrios estão a nos ameaçar.



NOTAS
[1] Para entender melhor o significado da expressão, e a composição de Stanislaw Ponte Preta, recomendo o texto no link a seguir: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0275.pdf
O Samba do Crioulo Doido: a carnavalização do samba-enredo e da História oficial do Brasil. Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes – USP.
[3] “Conforme a mitologia Teseu, um jovem herói ateniense, sabendo que a sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual, sete rapazes e sete moças, para serem entregues ao insaciável Minotauro que se alimentava de carne humana, solicitou ser incluído entre eles. Em Creta, encontrando-se com Ariadne, a filha do rei Minos, recebeu dela um novelo que deveria desenrolar ao entrar no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a saída. Teseu adentrou o labirinto, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio que desenrolara, encontrou o caminho de volta. Retornando a Atenas levou consigo a princesa”. (Desenrolando o fio de Ariadne: http://www.unicamp.br/~hans/mh/fio.html)