Tenho sentido uma ansiedade desmedida nos últimos meses. Ansiedade,
frustração, raiva, desesperança… São sentimentos que,
naturalmente, vão e vem dependendo da forma como reajo a cada
instante em que me deparo com uma ou outra notícia sobre a política
brasileira. Mas não só. Também sobre como a humanidade tem entrado
num processo de transição de um sistema falido, mas ainda em alta
em seu estado de perversão, para uma outra forma de sociedade
indefinida, sequer em início de construção.
Estamos vivendo, portanto, uma transição longa e dolorosa, como
aliás todas as transições também foram. Momento em que ocorrem
choques e conflitos entre as forças que apontam para o progresso,
para mudanças substanciais, e aquelas que tentam frear as
transformações sociais e a entrada em um novo modo de se viver e de
se aceitar as diferenças. Choque econômico, decorrência de uma
crise estrutural, e como consequência disso choques de valores, de
cultura, de comportamentos. Ampliação do ódio, da intolerância,
do fundamentalismo religioso, enfim, do estado de conflagração
social, ampliado pela violência e pelo medo, que se torna estratégia
política dos setores conservadores. Tudo isso tem uma causa: a
decomposição do sistema capitalista, cada vez mais excludente e
concentrador, elementos contraditórios que o empurra para o abismo.
Esse quadro, que, a meu ver, sintetiza a crise estrutural e suas
consequências conjunturais, nos leva por caminhos insólitos, às
vezes impressionantes por ser resultados inesperados. E assim foi na
mudança política que ocorreu após as eleições de 2018. Claro que
tais situações são explicáveis, e no caso específico do Brasil,
decorreu também de erros cometidos pela esquerda, sendo os
principais deles negligenciar a crise sistêmica e negar, ou,
menosprezar a ganância dos senhores do capital. Além de cometer
erros repetindo vícios por tanto tempo combatidos, na relação
republicana com o Estado e os privilégios que o Poder concede.
Mas, embora esses erros sejam capitais na política, o que pesa mesmo
nessa transformação é o ambiente corrompido pela crise estrutural,
em alguns aspectos não necessariamente ao alcance de medidas
próprias de um governo. Principalmente porque a globalização
trouxe essa consequência, a quase impossibilidade de um país se
livrar das relações geopolíticas que afetam todo o sistema. E se
nesse jogo nos situamos perifericamente, mais ficamos sujeitos as
mudanças abruptas, e entre o jogo pesado travado entre as grandes
potências, principais protagonistas nas relações internacionais.

Seguramente o Brasil não passaria ao largo, por essa crise mundial.
Mas seu impacto poderia ser bem menor, diante das condições que
tinham sido criadas na primeira década deste século. Restou à
burguesia, aos segmentos reacionários da política brasileira e aos
representantes dos interesses das corporações estrangeiras,
construir uma crise que impusesse uma derrota a uma linha política
que os assustavam, pelos seus resultados e pela perspectiva negativa
de ter seus representantes de volta ao poder em médio prazo. Assim
gestou-se, artificialmente, um golpe institucional. Propagandeou-se
incansavelmente informações manipuladas, se não ainda as
“fake-news”, mas algo parecido, notícias distorcidas repetidas
ad nausean, invertendo todo o sentimento da população e fazendo com
que as massas acreditassem que haviam sido traídas, e que o futuro
seria melhor sacrificando aquelas lideranças que as ensinaram a
sonhar com dias melhores.

O golpe institucional, do qual participou o parlamento, a mídia e o
STF, jogou o país no abismo. O parlamento, tresloucadamente pela
ação de um deputado obcecado e ganancioso, um perfeito expert em
solapar dinheiro público mediante pressões e chantagens,
tornando-se um dos maiores gangster da política brasileira, os seus
pares, em sua maioria, se identificava com o seu caráter; O STF por
recusar-se em seguir preceitos jurídicos reconhecíveis até mesmo
por um leigo, acovardando-se e negando-se a adotar uma postura que
brecasse a loucura que estava em curso; e a grande mídia. Esta, em
uníssono, se tornou a principal responsável por despertar a
perversão de uma massa alienada, estúpida, conservadora e idiota,
principalmente a classe média, reconhecida historicamente pelo
oportunismo em portar-se nas crises ao lado de quem esteja em
condições de assumir o Poder de acordo com os seus interesses
imediatos. Agregando-se aos de cima e desprezando os de baixo.

Quando uso o termo “idiota”1,
o faço em seu sentido etimológico, no significado original que
representa determinado indivíduo que se aliena das questões
essenciais que dizem respeito às formas como funcionam as estruturas
governamentais e do Estado. Depreciativamente essa expressão vai
tomando outras designações, que não deixam também de servir no
perfil de boa parte da população, desinformada da essência do
conhecimento, culturalmente tosca e conduzida pela propaganda
midiática, fiel e servil a ensinamentos milenares decorados de
livros sagrados e aplicados anacronicamente.
O bombardeio midiático, a crise instaurada, o aumento do desemprego
e a violência, criaram as condições perfeitas para que entrassem
em ação os personagens que carregassem esse perfil, e
gradativamente tendo suas posições radicalizadas a ponto de
tornarem-se agressivos, intolerantes e absolutamente refratário à
política, e, principalmente, aos políticos, generalizando o seu
olhar, mas não independente de distinções ideológicas. Foram
gradativamente abduzidos pelo discurso da extrema-direita.

Alimentados nesse ódio, e com um discurso intolerante, falsos
filósofos e teólogos tornaram-se referências, e encontraram um
ambiente para transformarem esse público em uma sólida base,
circunstancialmente, para consolidarem políticas regressivas,
medidas medievalescas e projetos que retrocedem a tempos nefastos, de
insensibilidade social e de negação das nossas diferenças,
atacando perversamente os que buscam se libertar das amarras
conservadoras e seguirem os caminhos que desejarem em suas escolhas
sexuais e culturais.
Claro que com um quadro desses a eleição não poderia trazer
surpresas. Embora muitos ficaram impactados com o resultado
eleitoral. Mas haviam mais de dois anos que o Brasil caminhava para a
escolha de um presidente que se encaixasse no perfil que esses
idiotas desejavam. Enfim, buscavam alguém que lhes representassem
nessas características que explicitaram nesse período. Alguém que
fugisse do perfil tradicional trazido pela velha política, essa que
foi largamente defenestrada, e que por consequência atingiu
duramente a democracia.
Posto isso, ao fim e ao cabo tivemos um presidente eleito e um
governo montado de acordo com o que essa turba revoltada, e tornada
assim preventivamente, desejava. Ao seu perfil e à forma como sua
consciência fundamentalista passava a determinar. O resultado não
poderia ser diferente. Um governo caótico, desorganizado, cujo maior
adversário é ele próprio e sua base insólita e gelatinosa.
Ideologicamente definida, mas estupidamente refratária da ideologia,
com um slogan do governo que prega um Deus vingativo, intolerante,
homofóbico, racista, machista… enfim, carregando em suas ações e
políticas tudo aquilo que por séculos tem sido combatido no afã de
se construir uma sociedade mais humana e tolerante. Esses tempos
ficaram décadas para trás. Contraditoriamente, os tempos que tinham
ficado mais para trás ainda deram um salto, de séculos, se
defrontaram desafiadoramente com a história e tentam reassumir a
condução de nossas vidas.
Nessa conjuntura atual, o que esses que hoje governam desejam, eles e
os que dominam multidões alienadas, é manter esse nível de
(in)compreensão. Portanto, quanto mais idiotas, melhor. Claro, não
podemos entrar nesse jogo baixo, devemos elevar as consciências,
trazer as discussões para a racionalidade.

É hora de retomar a Utopia, arregaçar as mangas e combater as
trevas medievais. Luz! Combater a alienação, a estupidez e a
idiotização. Isso deu certo uma vez, certamente nos ajudará mais
uma vez a reencontrar o caminho da justiça social e da paz.
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1 https://www.significados.com.br/idiota/