quinta-feira, 30 de agosto de 2018

ABRIRAM-SE AS PORTAS DO INFERNO! CRÔNICA SOBRE UM BRASIL ASSOMBRADO PELOS DEMÔNIOS


“A cegueira também é isto,
viver num mundo onde se tenha acabado a esperança”[1]

Uso essa expressão do título (em parte inspirado na obra de Carl Sagan, "O mundo assombrado pelos demônios") como uma metáfora, naturalmente. Inferno é um ambiente criado, tal como os demônios, para justificar a existência dos deuses, que, em tese, viriam para salvar os viventes das desgraças a que estivessem submetidos.
Mas o inferno sintetiza o caos, a perversão, a absoluta ausência de qualquer respeito pelo outro. Seja homem, mulher ou criança. Importa somente o poder de quem se impõe pela força, pela brutalidade, que desrespeita regras e que não dá o mínimo valor pela vida. Isso seja de quem tem o grande Poder, e que possa estar na condução de um Estado falido moralmente, ou dos micros-poderes, que se espalham perversamente na ausência de autoridade e numa situação gestada pela mediocridade de figuras ásperas, ávidas de poder impossibilitados de serem conquistados democraticamente.
Nada disso surgiu por acaso, esse “inferno” não se fez por geração espontânea, como num passe de mágica. Houve intenção, arquitetura, comando, decisão e ação, por meio de diversos atos que destruíram, e desconstruíram outras possibilidades de se viver com dignidade, mesmo numa sociedade desigual. A ganância, obsessão pelo poder, hipocrisia, desprezo pelos pobres e, acima de tudo, uma luta de classes que se mantinha submersa e emergiu perversamente diante da impossibilidade desse poder ser alcançado pelas urnas.
A chamada guerra híbrida, termo já por muito tempo usado por especialistas em geopolítica para identificar as sabotagens feitas por agentes estrangeiros infiltrados em ONGs, empresas, ou até mesmo por quintas-colunas cafajestes que não tem o menor sentimento pela nação, pois que espalham suas riquezas por paraísos fiscais mundo afora, foi aplicada aqui no Brasil, como já acontecera em diversos outros países. E continua a acontecer numa conjuntura mundial marcada por essa característica de disputa do grande poder. A bola da vez, neste momento, é a Nicarágua. Tudo indica que  a próxima será a Turquia.
Não está em jogo o caráter de um governo. Se ele é progressista, ou não. Simplesmente importa o fato de não rezar na cartilha do império, ousar bater de frente com forças que se julgam donas do mundo e/ou se atrever a construir alternativas que tirem a hegemonia geopolítica das mãos daquelas potências que desde a segunda-guerra mundial fortalecem podres-poderes e corporações que comandam a riqueza mundial.
As condições nas quais o nosso país se meteu a partir de 2015 não tem nada a ver com problemas fiscais. Essa farsa de “pedaladas” criadas para justificar ações golpistas e destruidoras de um modelo de democracia que já era limitado, e tornou-se absolutamente falso, farsesco, hipócrita, desmoralizado, foi somente pretexto para assaltar o Poder e dominar o Estado à revelia dos desejos do povo. As medidas para resolver problemas fiscais estavam postas, até mesmo com a inclusão do imposto sobre movimentação financeira. Mas este pegaria os sonegadores, pequenos e grandes marginais, os “laranjas”, doleiros, muita gente que tem lojas/empresas de fachadas utilizadas para lavar dinheiro, os ricos desse país que se enriqueceram com mérito. Mérito de terem a habilidade de explorar a força de trabalho de uma maioria de pobres, que historicamente foram colocados na condição de estúpidos, de adoradores dos “diabos”, de puxa-sacos dos ricos como se esses fossem iluminados pelos deuses para ajudá-los em suas via-crucis em busca de empregos. Desgraçadamente muitos acreditam assim, e oram em suas igrejas pela fidelidade de um deus que está encarnado em cada um desses grandes milionários. Pois que sim, foram iluminados. Por mérito. E cabe aos pobres miseráveis espelharem-se neles, e, quem sabe algum dia venham a ocupar seus lugares, nem que sejam depois da morte.
E, quando a máquina destrambelha, e no caso, o país entra no caos, em crise, os iluminados enviam seus dinheiros para os paraísos fiscais. Quanto aos pobres, uma parte adquire consciência de classe, sabem reconhecer que o inferno em que vivem é uma construção de mentes perversas, e desejam o embate com as trevas. Outros, alienados, desprovidos de qualquer capacidade de compreensão da realidade, senão pelo que lhes são ditos dos púlpitos e das máquinas que lhes alienam do mundo real, sucumbem às manipulações e escolhem entre seus representantes, mesmo que orando a seu deus, a figura estampada, farsesca, do belzebu. Ou de outros diabos menos qualificados para torná-los uma manada de estúpidos que seguem como gado em direção a um enorme lamaçal de areia movediça.
As tecnologias atuais os guiam. Cegamente repetem cantilenas fascistas que a história já condenara, e buscam se guiar por profetas do caos, justiceiros de uma imoralidade que lhes pariu. “Coisas ruins” que se alimentam das desgraças e as transformam numa hecatombe social. Esses “demônios” pregam cinicamente o faroeste moderno, a opacidade do ambiente em que vivemos, a desconstrução das gentes, e a cegueira para impedir que o mundo real seja desnudado, e descoberto as vilanias que lhes caracterizam. E, pior, se apresentam como enviados de deus, evangelizam-se, e saem a pregar o extermínio dos pecadores, independente dos crimes, sem julgamentos e sem condenação, num oposto radical do que serviu para fazer surgir algumas religiões. Mas numa equiparação ao pior dos marginais, esses cujas vidas já não valem quase nada e “só tem suas cadeias a perder”. Já esses “poderosos podres pecadores”, demoníacos e hipócritas, tem um mundo a proteger. Seu mundo, corrompido e degenerado.
O que esperar de um mundo dominado por esses demônios? Onde a cegueira os fazem serem confundidos com enviados de deus? Onde pobres se imaginam ascender ao paraíso burguês e desejam serem conduzidos por milionários que assim se tornaram à custa das suas desgraças, das suas misérias, de suas pobrezas?
Não! O inferno não é, assim, uma metáfora. É o mundo que se deseja construir, entregando as chaves para os mais pérfidos canalhas. E haverão de se arrepender, e não encontrarão paz, se essa estupidez se consumar. Repetirão cananeus e filisteus que por milênios disputam paz numa vida de guerra pela cegueira da visão. Ou da “ilusão de que um super-homem possa vir nos restituir a glória”.[2] Se derem asas ao demo ele reinará sobre o caos.
É certo que esse caos foi gerado por um golpe que saiu pela culatra! Os demônios infiéis foram rifados do jogo, e o grande belzebu foi escolhido pelo discurso mais perverso, encaixado no ambiente fétido criado por essas criaturas demoníacas.
Há saídas, não tenhamos dúvidas, nem percamos a esperança. Pode-se enfiar uma “estaca” no peito dessa perversão. Essa “estaca” tem nome e endereço fixo. Sabe-se que foi transformado no “bode expiatório” a ser ofertado no altar para saciar os desejos estúpidos de uma classe média boçal. Está trancafiado numa condenação moderna, caso contrário seguiria o exemplo que nos traz a antiguidade, e seria crucificado, quem sabe de cabeça para baixo, diante de uma massa acrítica e pusilânime. A mesma que foi beneficiada por suas ações políticas anos atrás.
Ou, na ausência dessa “estaca”, sempre usada nas lutas contra os demônios e vampiros perversos, poder-se-ia pela esquerda se tentar o exemplo de que a união faz a força, e tornaria mais firme a resistência, recompondo a força enfraquecida pela desconstrução feita pela mídia nos últimos anos. Mas, tudo indica que essas possibilidades estejam enfraquecidas. A força da perversidade demoníaca contaminou algumas mentes boas, e as iludiu com a possibilidade de que sós, separados e com discursos bondosos, pudessem converter os incautos e que cada uma dessas possibilidades se tornassem alternativas aos belzebus, pequenos demônios e diabinhos com chifres escondidos. É triste ver que os nomes desses demônios são repetidos diuturnamente pelos seguidores dessas alternativas, dando-lhes mais visibilidades do que já possuem.
Se essas alternativas derrapam, não conseguem iluminar as mentes convertidas dos pobres e miseráveis (e aqui não há referência explícita a condição financeira, mas a pobreza de inteligência e sagacidade) alienados, então teremos que nos preparar para vivermos muito mais do que numa metáfora: esse país se tornará um inferno!
É claro que essa crônica quase irônica de uma realidade cruel, é uma construção de quem tem uma visão sobre essa conjuntura de um dos lados da história, e por quem não acredita em demônios. Só que ela é, infelizmente, inspirada em fatos reais. Mas que eles, esses demônios existem, parece não haver muitas dúvidas. Já Deus, ou deuses... Se existirem, para onde estarão olhando?
Resta-nos lutar e torcer para que nessas eleições o número de exorcistas seja maior do que daqueles que estão possuídos pelo vírus demoníaco da perversão, da intolerância, da xenofobia, da homofobia e do feminicídio. Contra esses, nosso brado forte, retumbante! O Brasil, a Nação, é o povo brasileiro! “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”![3]



[1] José Saramago: “Ensaio sobre a cegueira”.
[2] Trecho da música de Gilberto Gil, “Super-Homem”
[3] Trecho do “Hino da República” do Brasil.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O QUE FIZERAM DE TI, ESPERANÇA? Uma crônica de nossos desejos, desafios e decepções políticas


“Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhecia toda a extensão de sua miserável condição: é nela que pensa em sua descida. A clarividência que deveria fazer o seu tormento consuma no mesmo instante a sua vitória. Não há destino que não se supere pelo desprezo”. (Albert Camus)*

Conta-se pela mitologia grega que a ingenuidade de Epimeteu e a curiosidade de Pandora, foram responsáveis pela libertação de todos os males que viriam a povoar a terra: a doença, a guerra, a velhice, a mentira, os roubos, o ódio, o ciúme… Ao abrir a caixa onde continham esses males e libertá-los, assustada, Pandora fechou-a rapidamente, mas o suficiente apenas para mantê-la por lá a esperança. Daí se espalhou pelo mundo a lógica de que a esperança sempre está guardada, e que ela poderá em algum momento nos fazer acreditar que é possível superar as adversidades.
Mas até quando a pobre esperança nos manterá na expectativa de que poderemos contornar situações difíceis e aparentemente definidoras dos limites que são impostos a uma determinada época?
Vivemos aqui no Brasil uma situação de absoluta falta de rumo na política e do que poderá acontecer ao país nos próximos anos. Não seria tão grave se não estivéssemos em meio a uma grave crise crônica e estrutural do sistema capitalista. Mas a situação instável que vive o mundo, economicamente e em termos de grandes disputas geopolíticas, nos deixa numa condição de estarmos próximos a frequentar uma unidade de terapia intensiva. É sempre importante não olharmos para o Brasil como se aqui fosse uma ilha, alheio a tudo que acontece à sua volta. E, se em meio a uma crise estrutural séria, nos deparamos com uma crise política sem perspectivas de solução, isso nos coloca mais próximo ao abismo.
Desde 2013 que venho analisando aqui neste Blog todo esse processo, que a meu ver aqui em nosso país começa com as chamadas “jornadas de junho”, atinge seu auge com o golpe que depôs a presidenta Dilma Roussef e se mantém numa espiral crescente até sabe-se lá quando. Mas já por esse tempo era previsível as dificuldades que a esquerda teria de se recompor, diante de um vendaval de notícias ruins, fake news, e um ataque sistemático da mídia, da direita e de uma justiça absolutamente parcial e corrompida por seus interesses mesquinhos e corporativos, que tem agido com forma de vingança e com ódio de classe.
Mas ao longo desse tempo, como reagiu a esquerda, e como ela se preparou para enfrentar um processo eleitoral? Em primeiro lugar não houve nenhuma preocupação equilibrada com a reestruturação das forças, da organização, de buscar o caminho de fortalecer nossas lutas procurando reforçar pontos comuns em nossos objetivos, de forma a chegar ao processo de composição para as eleições unidos, aptos a construir uma forte aliança para enfrentar uma direita que cresceu nos últimos anos, mas que também se dividiu.
Vivemos em meio a um dilema, semelhante ao mito de Sísifo. Para citar outro personagem da mitologia, esse teria sido punido por desobedecer aos deuses, com o castigo de viver eternamente rolando uma rocha montanha acima, sendo que ao chegar no topo a rocha rolaria abaixo, necessitando que esse trabalho fosse refeito eternamente.
Parece que a esquerda está condenada aqui no Brasil ao mesmo castigo de Sísifo. Mas, nesse caso, muito em função de seus próprios erros, que, aliás, são recorrentes. Dentre eles, o hegemonismo, o exclusivismo, o sectarismo, representado principalmente pela força majoritária, o Partido do Trabalhadores, que governou o país por três mandatos e um incompleto, até o golpe que desandou as coisas e possibilitou uma perseguição inusitada até levar para a  cadeia um presidente, e um dos mais populares de toda a nossa história.
Neste texto não tenho como analisar todas essas circunstâncias e equívocos cometidos. De certa maneira já abordei em textos anteriores, que, como disse, podem ser lidos aqui no Blog. Mas dedicarei a maior parte deste artigo a analisar o comportamento da esquerda na pré-campanha eleitoral de 2018, as táticas, os nomes postos e os comportamentos aleatórios de quem deveria saber se guiar por ensinamentos seculares de como a política deve ser utilizada no objetivo de atender as necessidades do povo e não somente dos interesses menores seja dos partidos ou dos grupos que os compõem.
Começo dizendo que, para além da injustiça que se comete contra o ex-presidente Lula, a estratégia pensada não deveria ser da insistência de uma candidatura sabidamente inelegível. Por lei aprovada durante seu governo e sancionada por ele próprio. Entendo o desespero perante tamanhas manobras da justiça brasileira a condenar alguém que chegou a essa condição por sua origem de classe, por superar desafios que a elite e as oligarquias brasileiras jamais esperariam de um nordestino que se tornou operário na maior metrópole desse país e uma liderança incontestável em sua força e carisma.
Contudo, o que estava em jogo não é somente a liberdade de Lula, a meu ver somente a ser garantida com a eleição de um governo de esquerda. Mas o que está em jogo é o futuro do país e as condições de vida de nosso povo, igualmente injustiçado com a destruição de políticas sociais criadas em seu governo e da presidenta Dilma. Exatamente por isso dever-se-ia pensar para além de seu próprio destino, e vê-lo ligado ao destino de nosso povo. Era preciso, então, na construção das alianças para o processo eleitoral, pensar em primeiro lugar na libertação de nosso povo, na vitória da esquerda e a partir daí, a garantia de que a justiça pudesse ser feita com vitória nas urnas e Lula livre!
Mas por todo esse tempo prevaleceu muito mais do que a razão, a emoção. A estratégia do golpe tinha como alvo, nitidamente, o presidente Lula. Claro, antes era preciso derrubar uma presidenta e desconstruir por meio de uma intensa campanha de mídia e de financiamento de grupos que se fortaleceram ao longo desse processo, fazendo despertar uma direita intolerante, cruel e perversa, alterando o percurso do golpe e transferindo para uma figura torpe a condição de se alçar a líder nas pesquisas eleitorais e a se colocar como alternativa ao poder, podendo levar o país ao aprofundamento de uma crise política que pode nos jogar mais ainda ao fundo do poço.
Ora, se a esquerda foi atingida duramente nesse processo, não somente a força que detinha, como sua credibilidade, era natural que as táticas a serem implementadas tivesse em vista um objetivo claro, retomar o poder. Nas condições existentes isso jamais poderia ser pensado sem que fosse pelo caminho da unidade da esquerda. Caso não fosse assim, poderia ser dito, com tranquilidade, que os objetivos dos golpistas, mesmo com situações que saíram pela culatra, foram alcançados. Dentre esses objetivos, naturalmente, isolar os partidos de esquerdas e mantê-los desunidos para serem mais facilmente derrotados.
No entanto como se comportou o partido majoritário da esquerda? Justamente aquele que se tornou o principal alvo dos ataques desfechados com o golpe? O Partido dos Trabalhadores confundiu a bandeira de luta pela liberdade de Lula, com a sua estratégia eleitoral, e levou para a prisão juntamente com ele, toda uma esperança de conseguir,  a partir dessa situação, unificar os partidos de esquerda, ou de centro-esquerda, para retomar o poder e contra-atacar os golpistas que em dado momento pareciam também completamente desnorteados com o crescimento da extrema-direita.
Adotou um comportamento contrário, se isolou em uma tática suicida, que pode dar certo, tanto quanto isso acontece numa disputa do alucinado jogo “roleta russa”. Insistiu na candidatura de Lula, e, pior, passou a desconstruir outra candidatura do campo da centro-esquerda, jogou com fiéis aliados, como o PCdoB, e nos Estados insistiu no hegemonismo sectário de não abrir mão para lideranças que possam lhes ameaçar futuramente. Quase no final da hora final, assestou um golpe fatal que terminou por isolar a candidatura de Ciro Gomes, do PDT, mesmo que à custa de demolir a candidatura de uma jovem liderança em ascensão em Pernambuco, com um efeito colateral que atingiu no Amazonas a candidatura de uma senadora que foi um dos baluartes na defesa do mandato da presidenta Dilma Roussef: Vanessa Graziotini. Ao final, sob o beneplácito do PCdoB, a essa altura sem muitas alternativas e ainda acreditando que isso significava uma unidade da esquerda, finalizou com uma aliança que mantém dois candidatos à presidência (Lula e Haddad) e duas candidaturas à vice (Haddad e Manuela), numa situação inusitada em toda a história política brasileira.
Em Goiás, onde a disputa está firmemente concentrada no campo dos conservadores, com um direitista contumaz, criador da UDR e financiador de milícias durante a Constituinte de 1985 para assassinar trabalhadores rurais, Ronaldo Caiado, disputando a liderança nas pesquisas, o Partido dos Trabalhadores manteve-se altivo, no alto de seu salto, então colado com super-bond. Aceitou coligar-se com o PCdoB, cedendo, no entanto, somente a vaga de vice numa chapa majoritária onde há ainda a disputa por duas vagas ao Senado, uma das quais me apresentei na condição de pré-candidato. Numa postura inarredável manteve, como sempre se acostumou a fazer, o PCdoB encostado numa parede, sem outra alternativa senão aceitar o comportamento impositivo e hegemonista que se tornou marca característica do PT. Compreenda-se também pelo fato deste ser um partido de tendências, em cuja disputa interna leva também à necessidade de acomodar indicados por cada um desses grupos, o que não e diferencia muito do tradicional fisiologismo dos partidos conservadores.
Coloquei-me na condição de contribuir com a luta, com o debate e entrar no ambiente desgastado da política atual, e acreditei poder ser um nome que viesse a encarar o desafio de tentar desmontar a farsa que se criou nesses últimos anos com discursos hipócritas que alienaram mais ainda as pessoas, acentuando o ódio, a intolerância e a estupidez. Mesmo sabendo das dificuldades me dispus a encarar essas dificuldades. Mas, não que eu não estivesse ciente que isso poderia acontecer, já que sou militante de longas datas, percebi que a esquerda não precisa da direita para se destruir, se isolar e se apequenar diante do poder dos conservadores. Ela é autofágica, guia-se pelos mesmos sentimentos daqueles que fazem políticas tradicionais, muito embora seja diferente no discurso, e ao final para alguns que a compõe não é a preocupação com o povo que os movem, mas sim, são seus interesses particularistas e de grupos, com foco no poder e nos privilégios que são concedidos a partir daí. Mantêm-se sempre os mesmos na condução desses processos, na apresentação dos nomes, na defesa de seus mandatos e na capacidade ceifadora de cortar cabeças de prováveis lideranças que venham a ameaçar também seus hegemonismos internos. Contribuem, no entanto, com esse comportamento, com o descrédito como as pessoas veem os políticos e os igualam, e destroem a política que possa ser vista como uma condição necessária para a libertação desse povo, mas a transformam em instrumentos de seus próprios interesses.
Assim, mantém a esperança aprisionada (aqui não há necessariamente relação com o Lula, mas pode ser visto como uma metáfora) e assume a condição que levou a punição de Sísifo, condenados a carregarem rochas para cima da montanha. Mas ao contrário do que se segue na mitologia, há um abismo ao final do percurso. Não sei se escaparemos dele, ou se a rocha rolará montanha abaixo e seguirá sendo levada ao cume, antes de despencar de uma vez no precipício. O que sei, e sinto, é que a esperança se esvai, nossa paciência também, e com tudo isso, desacreditamos na possibilidade de construir algo diferente, um tipo de política diferente, com pessoas que de fato coloquem o interesse coletivo para muito além das mesquinharias e vaidades que destroem nossas utopias.
Não sei como me comportar daqui para adiante, o certo é que não tenho nenhum interesse em ficar condenado a rolar rochas montanha acima. Vou procurar em algum canto, se ainda resta por lá uma esperança. Mas decerto que não sou eu quem está enclausurado em uma caverna.


(*) http://www.teatrodomundo.com.br/o-mito-de-sisifo/