sábado, 24 de novembro de 2012

A CONDIÇÃO HUMANA – UMA REFLEXÃO SOBRE ALGUNS DE NOSSOS MAIORES MEDOS.


Há certos momentos em nossas vidas que são reservados para fortes emoções quando tentamos compreender a razão da nossa existência. Quando perdemos um ente querido, sentimos isso, e se for uma filha, ou um filho, atingimos o ápice de pessimismo e depressão. Em outros momentos refletimos a respeito de como individualmente vivemos e carregamos nossa individualidade para a convivência em grupo. A família é sempre a nossa preocupação. Passamos por um processo de autorreflexão.
Quando anos atrás assisti ao filme “Carandiru” (produzido em 2003, inspirado no livro de Drauziu Varela, “Estação Carandiru”) eu senti um pouco isso, e ainda não havia perdido a minha filha, que veio a falecer em 2007. Agora, com a dor de uma perda que não cicatriza, e envolto em uma série de artigos para o blog cujo tema é as drogas e a escalada da violência, resolvi reassisti-lo, já que também há pouco mais de um mês, mais precisamente no dia dois de outubro completaram-se vinte anos do massacre que culminou na execução de 111 presos. Um número emblemático, até pela posição de fileira que ele nos faz imaginar ver, como pedras de dominó.
Ao assistir “Carandiru”, nós que vivemos num mundo diferente daquele vivido pelos personagens do filme, nos sentimos como se tivéssemos sido marcados. Como se uma lâmina ferisse a carne, e nos imaginamos naquele inferno chamado Carandiru. Uma sensação estranha nos invade, pelos menos os que não perderam a sensibilidade de se entristecer pela desgraça humana, e somos tocados pela emoção, que certamente nos faz lembrar de algum momento de  infortúnio, senão conosco mesmo, pelo menos bem perto de nós. Mas cada um carrega um desses momentos que é preferível nunca se lembrar, mas do qual as lembranças são permanências. Isso fica mais forte quando ao final a trilha sonora invade nossas angústias ao som de... “Brasil... meu Brasil brasileiro”: Aquarela do Brasil.
As cadeias são depósitos de
criminosos, não ressocializa.
Há duas semanas, uma declaração polêmica do ministro da Justiça reacendeu uma discussão sobre o problema carcerário em nosso país. Sua afirmação, de que preferia morrer a cumprir uma longa pena nos presídios brasileiros, caiu como uma bomba. E nos fez mais uma vez lembrar de Carandiru. Mas o que ele disse é fato, embora estranho, por vir da autoridade sobre cujas costas recai a responsabilidade de cuidar do sistema prisional brasileiro. O que representa dizer que pouca coisa mudou desde o massacre do Carandiru.
A realidade concreta, o real para quem quiser ver e acreditar, até nas telas de cinema, é Carandiru. Os palacetes luxuosos dos “jardins” ou dos caros condomínios fechados é a fantasia, que apenas a alguns poucos é permitido viver.
Cada um dos milhares de personagens presente em “Carandiru” carrega consigo uma história de dor, miséria, sofrimento e desgraça, que não se encerra em si próprio. Seja pela condição que a vida lhe reservou no cotidiano miserável dos guetos e favelas, ou na imposição do vício das drogas pelo qual o impulso inicial é a tentativa de atingir a liberdade, mas cujo caminho é do eterno aprisionamento à química até a prisão física, da escravidão a um tempo que jamais flui.
Algumas passagens no filme nos fazem rir, e nos forçam a uma autopunição: “como rir de tamanha desgraça?” Mas é um riso trágico, daqueles que tem marcado uma silenciosa cumplicidade com o infortúnio alheio. Riso como aqueles que nos fazem chorar nas piadas ideologicamente reproduzidas para tornar natural a miséria e a nos conformarmos com a condição humana.
E naturalmente seguimos a vida, como nenhum outro animal, nos tornando cada vez mais predadores de nós mesmos. E embora olhemos para o passado construindo uma imagem de selvageria, é no presente que isso se realiza, e no futuro ela se apresenta como um pesadelo.
Para amenizar culpas, e esconder-se nos subterfúgios de nossas inertes (in)consciências, a válvula de escape é a religião, pela qual apela-se a um ente superior, onipresente e invisível, que se apiede de nossas “almas”, insensíveis por demais para fazer valer uma materialidade que seja diferente em um mundo marcado de contradições e egoísmos. Busca-se com orações encontrar soluções para um mundo que se imagina consertar-se no além, quando ele se destrói e encerra-se aqui mesmo. Se “ele” existe, não está a ouvir o clamor da maioria.
Carandiru foi implodido, mas o
sistema prisional não mudou
Para se evitar infernos como o que existia em Carandiru, resta o recurso da morte. Mais fácil seria, contudo, cuidar da vida em meio a uma sociedade que tende a reproduzir novas e maiores desgraças, amplificada pela tortura midiática que as reproduz repetidas vezes nos tornando prisioneiros do medo. Mas viver como em Carandiru, no que atesta as próprias palavras do ministro, já é em si uma sentença de morte, ou pelo menos do fim da vida.
O que fazer, portanto? Não encontraremos resposta a essa indagação facilmente, julgando que basta “humanizar” as cadeias. A questão não se resume à defesa dos direitos humanos, melhor seria dizer “direito dos humanos”, pois estamos perdendo essa condição. Humanizar já há muito deixou de significar algum tipo de preocupação com o outro. Já se confunde com bestializar. Até porque a maior parte da população, consumida pelo medo potencializado na espetacularização da violência, e pela própria realidade que a trás para bem próximo, se aproxima do desejo de reivindicar a lei do talião: “olho por olho, dente por dente”.
A “parte boa” da sociedade criou um marketing espetacular para explicar a nossa existência. Vivemos um mundo de fantasia e empurramos nossos problemas para debaixo do tapete, tornando a depressão uma doença da moda. Porque sintetiza a culpa, a ansiedade, o medo, a insegurança, mas ao mesmo tempo internaliza tudo isso. E, quanto mais seguimos investigando a vida, descobrindo segredos de nossa existência, mais tornamos o mundo impiedoso, egoísta, individualista.
Manifestação nos 20 anos do massacre
em Carandiru (Foto: Estadão)
Cada vez mais tememos o outro. E os entes criados para resolver nossos problemas existenciais, mais fazem entorpecer as mentes e os desviam da humanização, do compartilhamento, da solidariedade. Não a solidariedade que “funciona” como mecanismo de escape, de descarrego de consciência, ou da prática cotidiana e oportunista da política eleitoral. Mas daquela que traz na raiz o verdadeiro significado humano, da vida em grupo, do altruísmo, que nos fazia unidos nos tempos em que não criávamos fantasias espetaculares sobre realidades impossíveis de serem atingidas por todos, ou inexistentes.
O problema crucial de Carandiru, que usamos aqui como símbolo do problema carcerário brasileiro, e da ânsia por matar o incorrigível, não é identificar depois de tal carnificina quem é o pior, se carcereiros desapiedados, criminosos irregeneráveis ou policiais insensíveis. Mas encontrar respostas para tentar entender, e corrigir, os erros de uma sociedade que é fruto de um sistema contraditório e tirano, pois quanto mais avança com novos conhecimentos, mas cria novas injustiças e desigualdades sociais.
Criar corredores da morte em prisões cinco estrelas evidentemente que só mascara a realidade. Não conduz, esses corredores, ao fim de um túnel que aponte uma saída para uma roda viva que só aumenta a marginalidade. Buscar justiça pelas próprias mãos parece ser uma alternativa que tende a embrutecer mais ainda as pessoas, mas que parece não ser outro o horizonte da humanidade, quando se volta a considerar bárbaro todo aquele que é diferente do usual, do que está fora da moda, daquele que não segue os padrões estabelecidos pelos valores dominantes. Tenta-se retirar pela força o direito do outro de ser diferente. Muito embora sejam esses mesmos valores os responsáveis, em maior parte, pelas injustiças crescentes em um mundo desconcertado.
“Carandiru”, o filme e a história, representa tudo isso. É a pura reflexão de uma realidade que nos faz ver que o inferno está sendo construído cada vez mais perto de nós, porque ele  também é uma criação humana. Mesmo diante de um mundo maravilhoso, conforme a belíssima música de Louis Armostrong: “What a wonderful world”. Mas para usufruí-lo e preservá-lo devemos resgatar o sentido que nos fez ser humanos, a nossa condição humana. Devemos inverter a lógica insana que nos move diante de um sistema injusto e desigual, transformando o inferno em uma fantasia, irrealizável, e realizando concretamente o paraíso como algo que existirá realmente para as nossas vidas, coletivamente.
A criminalidade e a violência, tem origem social
Creio ser esse um desafio para as novas gerações, mas como no próprio sentido de futuro, para se realizar ele precisa ser construído agora. Isso, contudo não acontecerá enquanto formos conduzidos pelos medos, pela imposição da lógica competitiva e pela manipulação de nossas consciências. Nossa batalha, portanto, enquanto sociedade em conjunto, é tão difícil quanto aquele indivíduo que deseja a todo custo livrar-se do vício das drogas. Não é impossível, mas só será concretizado se conseguir vencer os medos, romper com os vícios, com o olhar de preconceito sobre o outro e suas diferenças, e, principalmente, eliminar o egoísmo.
Enfim, só conseguiremos com muita força de vontade e determinação para buscar uma mudança em nosso jeito de ser, no estilo de vida que nos é imposto pelo sistema. Quantos estarão determinados a isso? Dessa resposta encontraremos a definição do que será o futuro, e de como nele estará a nossa condição humana.
Uma coisa é certa, nada disso será feito pelas redes sociais ou com uma grande mídia conservadora e corporativa, travestida de partido político. O mundo em que vivemos não é uma Matrix, ele é real, e não será transformado através de embates virtuais.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

ISRAEL MASSACRA PALESTINOS E AMEAÇA INVADIR FAIXA DE GAZA


Mais uma vez o mundo assiste a uma escalada de violência entre israelenses e palestinos. O Estado israelense contra o que deveria ser o Estado palestino. Mas o povo palestino ainda não tem um estado reconhecido pela ONU, e esta guerra se constitui em mais uma agressão sobre esta região ocupada há décadas.
É interessante ouvir o porta-voz israelense dizer que está respondendo a um ataque. Mas na verdade a Faixa de Gaza está completamente isolada, por terra e por mar, e até mesmo alguns navios que tentaram levar ajuda humanitária aos palestinos foram interceptados por Israel. Um deles, inclusive foi atacado violentamente no ano de 2010, causando o assassinato de dez pessoas, todas de origem turca, o que causou um rompimento nas relações entre os dois países. Mais de trinta militantes de organizações humanitárias ficaram feridos no ataque, em mais um ato de terrorismo de estado praticado por Israel que permaneceu impune.
A Faixa de Gaza, que é uma das maiores concentrações de pobreza do mundo, é na verdade  um território ocupado por Israel e uma parte do que deveria ser o Estado Palestino. O outro pedaço é a Cisjordânia, apartada de Gaza por território israelense. E é da natureza do ser humano reagir a todo processo de agressão e ocupação. O que o palestino faz é natural, em qualquer território ocupado e dominado no mundo, e um direito reconhecido até mesmo pela própria ONU. Mas sempre que se aproximam as eleições em Israel, o governo daquele país começa a matar palestinos.
Argumenta-se que pontos israelenses próximos à fronteira foram atacados primeiramente. Na verdade o começo de tudo desta vez se deu em função da morte de um jovem, que seria deficiente mental, e da não aceitação por parte dos soldados israelenses para que o seu corpo fosse retirado do local, deixando-o exposto por mais de seis horas, motivando uma reação de militantes palestinos. O jovem havia sido morto por soldados israelenses, por ter se aproximado sem ordem da cerca fronteiriça. Dois dias depois outro jovem, de 13 anos, também foi morto em ação semelhante, em incidentes que tem se tornado rotina, mas que seguem impunes e sem que a comunidade internacional consiga tomar providências.
São fatos que acontecem aparentemente por motivos fúteis, banais, e quase sempre elas tomam uma dimensão multiescalar, principalmente quando se aproxima do processo eleitoral israelense.
É uma estratégia baseada na política do medo, em relação à população israelense, quanto também devido à necessidade de agregar ao governo aqueles discursos mais conservadores e mais fundamentalistas. Além de procurar, com essas medidas, alterar o sentimento de aceitação do próprio governo, em baixa como decorrência da extensão da crise mundial que tem afetado fortemente a economia daquele país. Segundo analistas, que se basearam em pesquisas realizadas houve um aumento de 20% no apoio ao governo após o início dos ataques. Mas a razão do adiamento do ataque por terra deveu-se à mesma pesquisa indicar que 84% da população posiciona-se contrariamente à invasão.
É uma política macabra, à custa de mortes de centenas de civis palestinos, bem como também israelenses, embora em quantidade ínfima, em torno de 5% em relação àqueles.
Mas, nas condições de uma crise que o mundo vive hoje, a eminência e a possibilidade que esse conflito tome uma proporção muito mais abrangente, é plenamente possível, infelizmente. Em primeiro lugar porque Israel não vai ficar sozinho nesse conflito, e depois porque o mundo árabe não é mais o mesmo. O próprio Egito, que é o vizinho mais incômodo, em termos de poderio militar tem um governo atualmente bem diferente e muito mais consistente em termos de adoção da própria linha muçulmana. E também em função da instabilidade que há na região, como consequência das revoltas árabes e das mudanças dos perfis dos governos e pelo conflito ainda em curso na Síria.
Crianças palestinas atingidas no
bombardeio à Gaza
Ou seja, as condições que existem hoje são de uma possibilidade que esse conflito se estenda por outros países, mais do que nos anos anteriores, já que todo ano ele se repete, em função exatamente dessas transformações geopolíticas.
Mas é possível que Israel esteja utilizando uma estratégia não somente focada no problema eleitoral, mas também há uma tentativa de provocar o Irã. O governo israelense não nega que deseja há muito tempo atacar instalações nucleares iranianas, esse é um projeto que ele está a todo custo tentando convencer o governo de Barack Obama a dar o apoio logístico para que isso possa ser feito.
É preciso dizer, no entanto, que Israel não precisa do apoio dos Estados Unidos para atacar o Irã e destruir o que ele quiser naquele país. Ele tem o maior arsenal bélico daquela região. Se juntar Irã, os escombros do Iraque, as condições em que está a Síria, e todos aqueles países que passaram pelas revoltas árabes, o Líbano, mesmo se todos eles se unificarem numa guerra contra Israel, não conseguem superar o poder de fogo do estado judeu. Este tem armas muito sofisticadas, talvez Israel tenha hoje a indústria bélica mais sofisticada do mundo, rivalizando com o próprio Estados Unidos, de quem é parceiro nesses proejtos, e tem o serviço secreto mais eficiente, que é o Mossad. Mais eficiente, cruel e implacável. Então, independente disso, o que Israel não deseja é ficar isolado na geopolítica mundial, por isso ele precisa do suporte dos Estados Unidos.
Blog Democracia & Política
Com essa agressão, é possível que o objetivo seja provocar o Irã, porque se esse país reagir ele pode passar a condição de vítima, e essa tem sido sistematicamente a política israelense. Por isso que desde sempre Israel utiliza o holocausto como um instrumento mesmo de agregar em torno de si esse sentimento. Independente da análise que nós façamos sobre as atrocidades perpetradas durante o holocausto, mas isso se tornou um instrumento da política agressiva israelense. Uma espécie de resposta a esse histórico de agressão sofrida pelos judeus, que é secular.
Na idade média sequer era permitido aos judeus terem a posse da terra. Essa situação de condenação dos judeus a condição de párias, vem desde a antiguidade, quando a eles foram imputadas as responsabilidades pela morte do mito cristão. E isso perpassou por todo o mundo antigo e idade média, uma situação de pária do povo judeu. Até, claro, o pós-segunda guerra mundial, quando, embora dominando o capital mundial – que até hoje se encontra majoritariamente em mãos de judeus – eles não tinham um Estado que os pudesse proteger, daí a origem da criação do Estado de Israel que é um Estado judeu. Muito embora sendo uma república secular, laica. Não existem somente judeus em Israel, mas também cristão, muçulmanos, apesar de serem minorias. Há também, do ponto de vista da ótica burguesa, um sistema democrático parlamentarista, com processo de escolhas democráticas, com todas as artimanhas possíveis de serem aplicadas por quem detém o poder, em qualquer outro país. Quando a democracia permite que sejam utilizados todos os artifícios possíveis para poder manter o poder, ou seja, dentro dos limites que a própria democracia impõe. Mas Israel  é, sim,  um Estado criado para dar guarida aos judeus, exatamente em função dessa situação de ser um povo por muito tempo perseguido em várias partes do mundo. Isso representou o fim da diáspora dos judeus, incentivados a se mudarem para o novo Estado, possibilitando deslocamento em massa de populações da antiga União Soviética e da Europa, principalmente da Alemanha.
O poderio bélico-militar de Israel
é incomparável
Mas com o tempo isso tomou outra direção. O Estado israelense, pelo apoio que passou a ter em várias partes do mundo, se constituiu em um ponto estratégico importantíssimo para os Estados Unidos. Por sua localização, no continente americano, mas detendo o controle do comercio de petróleo do Oriente Médio, os EUA necessitava de exercer sua influência na região de forma mais presente, mais próximo. Muito embora existam bases militares em vários países árabes aliados, esses sempre viveram em constantes instabilidades políticas. Diferente de Israel, que se consolida politicamente pela força e se torna o aliado perfeito dos Estados Unidos, mais confiável. Até porque muito provavelmente a maior parte dos judeus não esteja em Israel, e sim nos Estados Unidos. Principalmente aqueles que detêm um montante bastante elevado de riquezas. E é dali que eles dominam boa parte do capital mundial, no controle de grandes corporações, principalmente financeiras.
Israel é como se fosse uma espécie de novo estado da maior potência americana. Mesmo correndo o risco de uma afirmação exagerada, é possível considerar dessa maneira metaforicamente, já que é inegável a soberania do Estado de Israel. Mas pela sua importância política e relação política umbilical com os EUA, são laços muito fortes que os aproximam, a ponto de nas eleições estadunidenses Israel tornar-se um dos mais importantes temas. A própria declaração de Barack Obama, em relação a esses novos ataques de Israel confirma isso. Muito embora o seu adversário conservador tenha sido o que mais enfaticamente defendeu o estado judeu, a primeira declaração de Obama reafirma a importância dessa aliança e destaca que Israel tem todo o direito de se “defender” de ataques palestinos, numa clara parcialidade diante de uma questão tão complexa.
Como sempre, portanto. E os EUA jamais irão querer que os estados árabes se unam para combater Israel, e dessa maneira ele manda um recado aos governos desses países, que precisam de sua ajuda. “Nós continuamos fortes aliados de Israel”.
Esse conflito, logicamente, deve ser visto mais pelo aspecto geopolítico do que por questões religiosas. E provavelmente outra hipótese levantada por alguns analistas para esses ataques desproporcionais de Israel se deve ao fato de a Autoridade Palestina estar preparando um novo pedido a ONU para que seja oficialmente aceito a inclusão do Estado Palestino naquela Organização, na próxima Assembleia Geral. Algo inaceitável por Israel, não propriamente em função da criação do Estado Palestino, mas porque para o governo israelense algumas questões relacionadas à sua segurança e às fronteiras deveriam ser acertadas em um pacto de paz. Mas que nunca se realiza, até porque não somente a radicalidade se dá por parte dos israelenses, como também pelas ações do Hamaz e do Hesbolah, grupos fundamentalistas que controlam a Faixa de Gaza e o sul do Líbano.
São avaliações que consideram a escalada de força de Israel como uma forma de gerar um impasse político que impeça essa decisão na ONU. E, de antemão, estaria tomando uma iniciativa de destruir toda uma infraestrutura do que poderia ser parte do Estado Palestino, no caso a Faixa de Gaza, já completamente arrasada pelo bloqueio que dificulta qualquer tipo de desenvolvimento na região.
Há possibilidade desse conflito se expandir é real. E a Rússia já tentou aprovar uma resolução condenando Israel no Conselho de Segurança da ONU, no que foi bloqueado pelos Estados Unidos, que alegaram não haver referência às origens do conflito, numa tentativa de responsabilizar os palestinos pelo começo dos ataques. Mas a Rússia promete insistir, e caso não haja uma trégua a resolução será novamente apresentada. Consolida-se mais uma vez a disputa geopolítica no Conselho de Segurança, conforme já explicitei aqui em outro artigo, desta feita com uma resposta russa à tentativa dos Estados Unidos de aprovar uma resolução que permitiria a invasão da Síria.
É impossível prever até onde irá essa disputa. Mas o que é preciso estar atento é como esse conflito se situa em um ambiente de crise econômica mundial. Historicamente sabemos que nenhuma grande crise, de proporção mundial, conseguiu ser debelada sem que antes acontecesse uma grande guerra. Essa possibilidade se acentua mais na medida em que essas crises aproximam-se das grandes potências hegemônicas. Mas é de difícil previsibilidade. O que se sabe, contudo, é que prosseguirá o aumento do número de vítimas civis, a desproporcionalidade das respostas israelenses e, principalmente, a manipulação da mídia sobre esse conflito.
Quase nunca a mídia e a ONU
responsabilizam Israel pelos crimes
É visível, e vergonhoso, o tratamento diferenciado da mídia quando se trata de noticiar as agressões e assassinatos em massa cometidos pelo estado israelense. Procura-se nas reportagens apresentar ume equilíbrio nos ataques, quando isso é absurdamente falso. Pode-se fazer uma comparação entre as informações relatadas pelos repórteres das grandes mídias na cobertura da guerra na Síria, para falar da mais recente e à referência à “brutalidade” do ditador sírio com sua condenação pelas mortes de dezenas de vítimas também apresentadas como civis. Mas o enfoque é muito parcimonioso quando a guerra envolve Israel, em situação semelhante, de ataques violentos em bairros civis de Gaza. De cidades israelenses, os repórteres tentam dramatizar o momento em que sirenes tocam nessas localidades e seus moradores correm a proteger-se em bunkers. Mas esses mesmos repórteres não buscam situar-se do lado palestino, onde a proporção de foguetes destrutivos é dez vezes maior e muito mais fatal e eficaz, pela capacidade nítida de poder de fogo e poderio bélico de Israel. Os que discordarem dessa análise quanto à manipulação midiática podem fazer uma pesquisa na internet e analisar as informações passadas sobre os dois conflitos. O que coloca em xeque, e precisa ser sempre averiguado, as informações que são repassadas pelos grandes veículos de comunicação.

Enquanto esse artigo era finalizado articulava-se uma trégua, coordenada pela ONU, os Estados Unidos e o Egito. Não se sabe até que ponto ela será respeitada, mas seguramente a condição de aceitação por parte de Israel deve-se às pesquisas indicarem rejeição da população quanto a uma invasão de Gaza por terra, e seguramente pelo fato de ter ocorrido um atentado em Telaviv, quase seis anos depois do último que ocorreu alil, trazendo de volta pânico e insegurança para a população. Até porque desta feita os mísseis do Hamaz estavam atingindo a capital israelense, e, se não têm a mesma eficácia dos que são disparados contra o território palestino, são o suficiente para gerar intranquilidade e afetar os planos do governo, que é justamente com esses ataques obterem maiores índices de aceitação que facilitem uma vitória nas próximas eleições. Mas dificilmente essa trégua irá durar muito tempo. E em que pese esse acerto, nada será dito sobre as responsabilidades dos assassinatos de civis, entre os quais muitas crianças. Os crimes de guerra somente são punidos quando são cometidos pelos inimigos do império.

sábado, 17 de novembro de 2012

TRÁFICO DE SERES HUMANOS: UM CRIME IGNORADO


Dentre os comportamentos mais aberrantes e aterradores que afetam a natureza humana está a capacidade de alguns indivíduos dedicarem-se à macabra tarefa de transformar o seu semelhante em mercadoria. O tráfico de gente, ou tráfico humano, para objetivos como prostituição, trabalho escravo e contrabando de órgãos tem se acentuado, em meio a um silêncio inexplicável das pessoas, principalmente dos setores formadores de opinião.
Em meio a temas banais, e a enfoques de enredos envolvendo intrigas e disputas românticas, surge uma novidade na teledramaturgia brasileira. A atual telenovela da rede Globo, “Salve Jorge”, em meio à mesmice citada acima, insere a discussão sobre o terrível tráfico humano. Embora não seja novidade no cinema, é um assunto inédito nessa área.
Não pretendo aqui fazer nenhuma análise crítica do “folhetim” global, principalmente porque não o assisto com frequência. Mas tive desde o começo a minha atenção alertada para o programa, porque de há muito discuto essa temática com meus alunos de geopolítica. Não significa, no entanto nenhum preconceito. Não estou querendo me aliviar das críticas por assistir novela. Até porque acho esse mais um preconceito bobo. Aliás, é uma crítica feita por muitos jovens, alguns dos quais se dedicam a assistir seriados (ou enlatados, como na crítica tradicional) estadunidenses, que são na verdade em formato de novelas. O provincianismo termina por condicioná-los que aqueles são permitidos assistir, os daqui nem tanto, principalmente pelo fato de haver uma aversão à emissora que mais produz esses programas. Mas é possível ser crítico ao comportamento ideológico de uma emissora, sem necessariamente recusar-se a assisti-la. Assim como é possível também estabelecer elogios àqueles produtos que são mais do que entretenimento, mas contribuem para a discussão de temas complexos que afetam a sociedade como um todo, direta ou indiretamente.
Mas o meu objetivo é reforçar a atenção para um drama que atinge milhões de jovens em todo o mundo, e se coloca em terceiro lugar entre o comércio ilícito internacional, perdendo apenas para o trafico de drogas e de armas. Mas que, na maioria dos casos, são crimes que estão interconectados e compõem um submundo de gangsterismo violento e de burla no sistema financeiro, muitas vezes em conjunto, como condição necessária para “lavagem” de milhões de dólares usufruídos desse comércio altamente lucrativo.
O que a telenovela assinada pela dramaturga Glória Pérez aborda não é ficção. Pode-se dizer que é uma ficção baseada em fatos realmente existentes. Até porque uma das personagens inspira-se em um caso ocorrido e noticiado, porque na vida real a pessoa que a inspirou faleceu como consequência das condições em que vivia. A personagem de Carolina Dickman reflete o drama de uma jovem goiana morta por overdose de drogas na Espanha, em situação criada por quadrilhas de traficantes de pessoas.
O comércio de seres humanos não se resume ao tráfico de mulheres para prostituição. Embora esse seja o mais evidente e o de maior lucratividade. Mas entra também nessa contabilidade criminosa crianças, também para exploração sexual, mas principalmente para tráfico de órgãos, bem como seres humanos em geral que são traficados para trabalhos escravos, ou análogo à escravidão, em atividades como comércio, indústria e agropecuária.
Esse tema já foi também explorado em filmes, como “Tráfico Humano”, originalmente uma mini-série produzida em 2005 e com ótimo elenco. Embora longo, com 176 minutos, é extremamente forte, com cenas impactantes que nos deixa refletindo sobre o submundo criminoso que só existe porque a sociedade na qual vivemos cria demandas para isso. Afinal, trata-se de um comércio, macabro, ilegal, mas cujo produto é consumido por quem vive principalmente nas camadas mais altas da sociedade, grandes empresários, políticos, pessoas que hipocritamente situam-se em condições sociais determinadas por elevado padrão de consumo e de instrução superior. Acredito que tenha sido também inspirador para a autora Glória Perez, pois alguns personagens se assemelham. Muito embora nessa realidade descrita o comportamento de jovens que são iludidas e convencidas a seguirem caminhos que lhes indicariam fama e dinheiro, são muito parecidas. Embora bastante convincente, e com dados ao final sobre o tráfico crescente de pessoas, não há indicação de ser baseado em fatos reais.
Outro filme bastante impactante, no entanto, baseia-se em fatos reais para narrar uma história que incrimina tropas de “paz” da ONU durante a reestruturação dos países que se envolveram em uma guerra sectária nos Bálcãs: Bósnia, Croácia e Sérvia. A “Informante”, que tem no elenco a bela e ótima atriz (protagonista do filme “O Jardineiro Fiel”) Rachel Weiz e a veterana Vanessa Redgrave, é uma co-produção da Alemanha e Canadá. E por isso não tem os finais moralistas de boa parte dos filmes estadunidenses, que procuram vender a ilusão de que o seu sistema judiciário funciona.
Envolvidos na recuperação desses países a ONU terceirizou serviços de segurança para cuidar, principalmente, dos serviços de fronteiras e conter migrações que pudessem acirrar mais ainda a intolerância, causa da guerra. Mas os membros dessa corporação, aliados à polícia local e envolvendo funcionários da própria ONU, e até mesmo com a conivência de diplomatas, fazem parte de uma rede de trafico de jovens garotas, que se estendem por países da antiga União Soviética. Os próprios soldados são responsáveis pelos maiores abusos contra essas jovens, praticando violências sexuais expostas com toda crueza nesse filme.
O nome dado à corporação no filme, ao que tudo indica não deve ser o mesmo. Não pude encontrar na pesquisa que fiz nenhuma que tivesse a denominação que lhe é dada: “Democra”. Mas nos créditos finais há a informação de que, embora se comprovando todos os envolvimentos dessas pessoas ligadas às atividades desenvolvidas pela ONU na região, e aos crimes que lhes foram imputados, não houve nenhuma punição. E o responsável por demitir a agente que revela toda a rede de tráfico e as responsabilidades de cada um, continuava a tratar de contratos com os Estados Unidos, envolvendo bilhões de dólares, para atividades no Iraque e no Afeganistão. A exemplo do que aconteceu com a empresa Black Water, tida como o maior exército particular do mundo, e também responsável por uma série de atrocidades nos países onde atuou como segurança de autoridades estadunidenses. Embora denunciada, tendo sua história relatada em um livro (Black Water – a ascensão do exército mais poderoso do mundo), alterou seu nome para Xe, e continua mantendo contratos com a ONU e os EUA.
Um terceiro filme, que deve ser visto e que trata desse tema não tem a mesma qualidade dos dois anteriores, mas é situado em uma área de intenso conflito fronteiriço e de guerra pelo tráfico de drogas. “Desaparecidos” (que não deve ser confundido com um filme brasileiro que possui o mesmo título), também é uma co-produção da EUA e Alemanha. O cenário desta vez é o México, também citado no primeiro filme, cuja fronteira com os EUA se constitui em uma rota também para o tráfico humano.
Os alvos sempre são os jovens, mas nesse caso uma garota de apenas 13 anos. Considero particularmente interessante observar no crime que se comete contra crianças o intuito de não somente utilizá-las como escravas sexuais, como também se constituem em verdadeiras mercadorias vivas contrabandeadas com o objetivo de utilizar os seus órgãos para serem vendidas a pessoas ricas que não estão dispostas a entrarem em enormes listas de doações de órgãos. Tanto quanto o tráfico humano, o de órgãos tem crescido talvez em uma proporção maior, e muitas vezes os dois crimes se conectam, e como sempre estão ligados também ao tráfico de drogas e de armas. Cito então outro filme que trata disso: “Tráfico de órgãos”.
Muitas jovens são vítimas em decorrência da própria condição criada na sociedade, que impõe a busca pelo sucesso a qualquer preço. No caso de garotas com perfils que agradam ao crime organizado, as artimanhas para atraí-las acontecem em agências de modelos que as iludem com promessas de transformações de suas vidas, incentivando-as a espelharem-se em outras modelos de sucessos. Também tem sido muito comum o envolvimento de algumas jovens através da internet, seja com promessas de empregos no exterior ou mesmo em páginas de relacionamentos, onde funcionam espécies de coiotes, que se aproveitam da ingenuidade da maioria delas e aplicam o golpe que, quando descoberto já será tarde para que a vítima possa sair dele. A brutalidade, às vezes o estupro, para controlá-las pelo terror, através do medo que lhes impõem criam uma espécie de paralisia, que as mantém escravizadas aos seus perversores.
São crimes hediondos, de uma perversidade sem tamanho, mas que, no entanto não despertam na sociedade nenhum tipo de mobilização, como tem sido de hábito da juventude na defesa de animais ou de árvores. A hipocrisia que se dissemina na sociedade esconde o fato de que a natureza humana perde-se em meio à podridão intestina de um sistema onde tudo se torna mercadoria, e que lucrar e enriquecer se sobrepõe a qualquer decência e moral. E, por se constituir em um elemento cultural de sua lógica de funcionamento, mantém a sociedade cega diante de tais  monstruosidades e aberrações.
Não é da natureza humana, como se procura disseminar, para amenizar uma culpa coletiva pela indiferença, e aliviar-se individualmente das responsabilidades. É da natureza do sistema no qual estamos vivendo, em que tudo passa a ter valor de mercado, inclusive o lucrativo comércio do sexo, das drogas, das armas. Transforma-se em valores culturais, e para aliviar, casos que envolvem tráfico humano são noticiados como prostituição, e o preconceito encarrega-se de torná-lo indiferente. Pois que seriam gentes com falhas de moral e de caráter, que perderam-se na vulgaridade, e que portanto merecem o castigo do sacrifício. Os hipócritas, que se escondem por trás dos discursos religiosos conservadores, também contribuem mais ainda para reduzir aos desvios humanos a perversidade de crimes que são reflexos da própria sociedade. Muito embora também sejam algumas organizações religiosas as que se dedicam a denunciar esses crimes.
Por isso, embora haja uma campanha em nível internacional, paradoxalmente puxada pela própria ONU, envolvida no acobertamento de casos de tráfico, conforme denunciado no filme “A Informante”, não há mobilização na sociedade diante de uma realidade cruel. Muito embora todos os dias centenas de jovens e crianças “desaparecem”, são sequestradas em todo o mundo, perfazendo um montante de cerca de dois bilhões de pessoas por ano que são vítimas desse macabro comércio.
Como afirmei no texto anterior, quando trato do problema das drogas, o discurso da elite, da classe média e de jovens letrados, constitui-se nos últimos anos, repetindo uma cantilena da grande mídia que serve aos interesses das grandes corporações, a defender o futuro. Algo inefável, porque inexistente, e criar novos modismos no interesse delas próprias. Baseando-se no medo que se torna um poderoso instrumento de controle, apontam o fim do mundo como consequência da destruição da natureza. Mas pouco, ou quase nada, se diz da natureza artificialmente criada e moldada no ser humano, que o transforma em uma máquina, em um ser insensível capaz de atos de perversidades inimagináveis, e de uma violência latente ou explosiva, que destrói o presente de centenas de milhões de vidas por todo o mundo, afetadas direta ou indiretamente por crimes estúpidos e hediondos.
O tráfico de gente, para prostituição ou comércio de órgãos, deveria mobilizar a sociedade em uma onda de indignação permanente. E jamais deve ser visto, tanto quanto a violência, como algo inerente ao ser humano, mas reflexo do que se construiu seguindo-se a uma lógica determinada onde a vida perde importância diante da necessidade de se buscar o prazer sexual a qualquer preço, e acumular dinheiro e riqueza, mesmo que sobre as desgraças que atormentam as populações das grandes cidades. Para essas pessoas, destruídas e violentadas em suas condições de seres humanos, ou aquelas que morrem decorrentes dessa estupidez, não haverá futuro algum. E que também não se espere um futuro esverdejante, em meio a ondas de violências que mancham as paisagens com o sangue de milhões de inocentes. Ainda há tempo para se indignar também com isso.


Imagens extraídas dos sites:
Ficha técnica dos filmes citados:
TRÁFICO HUMANO
Título original: Human Trafficking
Ano: 2005
Tempo: 176min
Censura: 14 anos
País: Canadá, EUA
Produtora: Muse Entertainment







DESAPARECIDOS
Título Original: Trade
País: EUA/Alemanha
Ano: 2007
Tempo: 119
Drama / Policial
Direção: Marco Kreuzpaintner
Roteiro: Jose Rivera, Peter Landesman (artigo)
Elenco: Cesar Ramos, Marco Pérez, Paulina Gaitan, Kevin Kline, Alicja Bachleda-Curus, Pavel Lychnikoff, Zack Ward


A INFORMANTE
Título Original:  The Whistleblower
País de Origem:  Alemanha / Canadá
Gênero Drama
Tempo de Duração: 111 minutos
Ano de Lançamento:  2010
Direção:  Larysa Kondracki 



TRÁFICO DE ÓRGÃOS
Título Original:  Inhale
País de Origem:  EUA
Gênero:  Suspense
Tempo de Duração: 100 minutos
Ano de Lançamento:  2010
Direção:  Baltasar Kormákur 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

COCAÍNA, CRACK, OXI, DESIRRÉ (CRACONHA): A QUÍMICA QUE EXPLODE VIDAS


Na postagem anterior do blog Gramática do Mundo analisei outro lado da polêmica que envolve as discussões sobre o combate às drogas, no Brasil e no Mundo. Questionei o consumo de drogas, o mercado, quem são os consumidores. Afinal, a droga, qualquer que seja, é uma mercadoria, valiosa pelo fato de haver um mercado consumidor em potencial. Paradoxalmente, o fato de ser proibida torna seu comércio mais rentável. Muito embora extremamente perigoso e realizado ilegalmente, atrai um sem-número de jovens que se tornam “soldados” de um tráfico macabro, pois negociam produtos altamente químicos e potencialmente mortais. Suas próprias funções são semelhantes à de homens bombas, sabem que logo encontrarão a morte.
Intitulei o artigo “Correndo atrás da própria sombra (II)”, é uma releitura de algo que eu já havia escrito no final de 2010, que pode ser lido no link (http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2012/11/correndo-atras-da-propria-sombra-ii_15.html) deste blog.  Também este texto é uma reflexão iniciada em 2011, quando tomei conhecimento de uma nova droga no mercado.
O meu objetivo é levantar uma discussão de crítica à sociedade capitalista. Uma mercadoria só se valoriza se houver demanda. E quanto maior a procura mais o seu valor será aumentado. Assim acontece também com as drogas, o que coloca o desafio de, tanto quanto combater os traficantes, impedir o aumento do número de consumidores. Uma tarefa tão difícil quanto a outra, na medida em que o capitalismo empurra os jovens a um estilo de vida de agitos, glamoures, competições, e outros hábitos que se tornam portas de entrada para o consumo das drogas. A religião termina sendo a porta de saída, mesmo assim, em um universo muito restrito e dependendo do tipo de drogas que o jovem está a consumir. Porque praticamente não há políticas públicas para conter essa epidemia. Até porque é difícil convencer o drogado a se tratar, e há polêmicas quanto a forma de induzi-lo a isso. Me abstenho de opinar a esse respeito.
Mas, lamentavelmente, as drogas que me dedico a analisar neste post, dificilmente permitirão aos seus usuários encontrarem uma porta de saída. Resolvi escrever sobre isso depois de assistir duas reportagens sobre o assunto, uma no SBT, Conexão Repórter e outra no Jornal da Band ainda no começo de 2011. Trata-se da mais nova e explosiva droga que começava a se espalhar pelo país: o “oxi”. Mais potente e destrutiva do que o crack, e o que é pior, a um custo bem mais baixo.
Uma frase do apresentador do Jornal da Band foi dita com uma enorme coincidência com o que eu pensava naquele momento em que assistia. Enquanto a reportagem era mostrada eu via naquelas informações muito mais do que a descrição de uma droga. É uma “droga”, naturalmente, mais é muito mais do que tudo que nós já vimos a respeito, e nos espanta saber que algo seja produzido para ser comercializado, mesmo que ilegalmente. O OXI é uma verdadeira arma química, com um potencial destrutivo impressionante. Basta ver os ingredientes químicos utilizados em sua composição: cal, querosene, acetona, solução de bateria elétrica etc. acrescentado ao cloridrato de cocaína.
O crack, em sua composição química é uma mistura do cloridato de cocaína acrescido de amoníaco e bicabornato, e é considerado uma espécie de refugo da cocaína. Já o oxi pode ser considerado um subproduto do crack. Portanto, potencialmente mais destrutivo do que aquele. Na busca por mais informações, encontrei um artigo interessante e bem didático sobre essa droga, que pode acessado no  link: http://www.webartigos.com/articles/60245/1/Artigo-OXI---Uma-nova-droga-pior-que-o-Crack-ja-esta-no-Brasil-/pagina1.html#ixzz1LxPXVVg7. Foi a ele que me reportei na busca para mais informações sobre essa arma que me escandalizou quando assisti às reportagens citadas.
O enfrentamento ao tráfico desse produto é extremamente difícil.  Essa é uma guerra sem fronteiras. Por isso torna-se extremamente complicado o seu combate, acrescido ao fato de a corrupção policial ser um forte ingrediente a protegê-lo, conforme abordei no artigo anterior. O seu preço, bem mais barato do que o crack, e os seus efeitos destrutivos e de alto grau de dependência, multiplica as consequências já danosas das vítimas que infestam as grandes cidades com filiais da “cracolândia” com números crescentes e assustadores.
Enquanto a polêmica ambiental ocupa as atenções dos meios de comunicação, e gera preocupações de ONGs com o futuro pouco verdejante que encontraremos mais adiante, vidas se perdem como trapos pelas ruas das grandes metrópoles e se espalham em direção às pequenas e médias cidades. Tornam o presente, principalmente dos pobres, grande maioria daqueles que consomem esse tipo de droga, um verdadeiro inferno.
O oxi é uma bomba química com potencial destrutivo de eliminar um sem-número de pobres e miseráveis. Seu consumo não é exclusividade dos pobres, mas aqueles de outras origens sociais, misturam-se com a pobreza na medida em que a convivência familiar torna-se impraticável, em função das conseqüências da dependência química e dos desequilíbrios mentais que transtornam seus usuários. Passam então para outra nomenclatura: “sem-tetos” ou “moradores de rua”.
Mas neste ano de 2012 outra nova droga passou a ser produzida e comercializada. Desta feita de uma mistura do crack com a maconha. O produto leva ainda, segundo pudemos apurar, solvente, ácido, talco e mármore. Essa ainda está restrita aos grandes centros, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, mas se dissemina com a mesma rapidez das outras drogas. Ela já foi apelidada de vários nomes: “desirrée”, “craconha”, “kriptonita”, e vai gradativamente sendo o seu nome reduzido a “zirrê”. Ela é uma espécie de ante-sala ao crack, e uma maneira de atrair o usuário de maconha para um ambiente de uso de drogas mais pesadas. Por isso está afetando jovens em idades cada vez mais precoces.
Os estudos feitos pelo Nepad, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), indicam que além de ser porta de entrada para o uso do crack, ela tem se constituído também em uma barreira para quem tenta deixar o vício. Esse usuário em tratamento, ao não conseguir suportar a carência da droga, volta a recorrer ao “zirrê”, criando um círculo vicioso que torna mais difícil a cura.
Quando essa situação chega a um estado de calamidade pública, esses indivíduos transformam-se em outro problema, de segurança pública. Passam a amedrontar o “cidadão comum”, em seu cotidiano, na medida em que ocupam lugares públicos e áreas de lazer das cidades. Alteram a paisagem e “enfeiam” a cidade, merecendo tratamentos carregados de intolerância e preconceitos. Tornam-se alvos dos grupos de extermínios. Conforme inclusive denúncias que indicam ser a morte de seis moradores de ruas em Goiânia atos de execução de elementos ligados à polícia. Nesse caso espécie de acertos de contas, pois esses indivíduos constituem-se em intermediários na venda desses produtos. Quando recusam-se a fazer o serviço, ou ficam em dívida com os traficantes, são executados. (http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/11/camera-de-seguranca-registra-execucao-de-morador-de-rua.html).
Enquanto isso, a sociedade é induzida a se preocupar com o futuro. Bandeiras ecológicas, escoradas em um discurso do medo do que virá adiante, viram degraus para ascender indivíduos a outros objetivos políticos, e garantem para alguns a captação de recursos financeiros para financiar seus projetos de preservação da natureza.
Insisto na crítica à lógica que movimenta a política e os oportunismos que escondem interesses particularistas por trás de discursos da moda. Não haverá futuro para milhões de pessoas que vivem na miséria, na pobreza e para uma juventude que se transforma em instrumento de um sistema cruel, mercantiliza seus sonhos e os empurra para um abismo de onde não haverá retorno.
Enquanto a classe média, pequena burguesia, se mantém ativa em seus discursos matizados com ares progressistas, aos pobres é dado apenas a expectativa de um alívio em suas almas, em suas orações que purguem seus pecados e lhes garantam paz em um eventual paraíso. Enquanto uns lutam por um futuro que não existe, outros se apegam à construção idílica de uma paz celestial. Entre eles um presente contraditório, porque marcado de diferenças nas vidas terrenas reais.
Vivemos em um mundo maravilhoso, não há dúvidas. Mas misterioso e transformado em possível hecatombe pelo discurso do medo de um futuro idealizado, e em um inferno real, pela busca da sensação de prazer e liberdade garantidos por drogas que transformam pessoas em trapos. 
Estado, Ministério Público, Justiça, políticas sociais, assumem a forma de tímidas ações. O combate ao tráfico esbarra na corrupção endêmica que afeta as estruturas policiais. E boa parte dos movimentos sociais transformaram seus discursos em defesa das mudanças e de crítica ao capitalismo, em bandeiras ambientais e na apologia das catástrofes. Os grupos ligados a direitos humanos resistem em aceitar internações compulsórias, pois consideram afronta aos direitos dessas pessoas. Que direitos? Sequer são cidadãos, foram expulsos de casa ou dali fugiram, pois se tornam problemas familiares. Não se admite o uso da eutanásia, para doentes em fases terminais, mas se permite que a droga elimine pessoas lentamente.
Para os pobres, e para a juventude das periferias das grandes cidades, talvez chegue um tempo em que um estatuto em defesa dos animais, ou um código que os vejam como plantas, possam ser usados para protegê-los do inferno das drogas. O desafio é sobreviver, manter coesa uma família em processo de corrosão, diante do impacto gerado pela destruição que o Crack, o Oxi, a desirrée, a heroína, a cocaína, etc, causam. Infelizmente a religião entra em campo para salvar a alma, ou mesmo o indivíduo, mas é incapaz de levar uma luta maior para transformar a sociedade, porque também o aliena na direção de salvar-se a si só, em um mundo corroído pelas contradições que podem empurrá-lo de volta ao inferno, ou deixá-lo trancado amedrontado pelo inferno que o cerca. Pois é assim, afinal, que se encontra uma parte da população das grandes cidades. O que fazer?


IMAGENS:
1. Dignow
2. adcl1997.zip.net
3. Veja. Ed. Abril
4. Portal Cadaminuto
5. Gazeta Maringá
6. politicaetc.com

(*) Este texto foi originalmente escrito em maio de 2011, com o título "Oxi, uma bomba química". Atualizei-o com o intuito de reforçar a discussão sobre esse tema, infelizmente sempre atual, e como decorrência do surgimento de uma nova droga. Além dos problemas gerados pelo consumo e tráfico desses produtos que se materializam na explosão de violência que aterroriza as grandes cidades. Tema que tratarei a seguir.