terça-feira, 15 de dezembro de 2015

APOIO À LUTA DA JUVENTUDE SECUNDARISTA

Não somente pelo meu histórico de participação política, muita intensa no movimento estudantil, à frente da nossa entidade de professores na UFG e como Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por duas vezes, mas também pelo conteúdo das disciplinas que leciono na Universidade, no âmbito da geopolítica, tenho sido instado por estudantes a me posicionar em relação às lutas que tem sido travadas em várias escolas pela juventude secundarista de Goiás.
Manifesto então publicamente, meu apoio á luta dos estudantes e professores, principalmente contra a militarização de escolas. Aliás, sou pela desmilitarização da polícia, que dirá ver essa instituição como responsável pela preparação educacional de jovens. Não é função da polícia cuidar da educação, isso pode trazer como efeito uma formação autoritária.
Quanto as OS, penso que os modelos de gestão das instituições educacionais particulares não devem servir como parâmetros para as melhorias que nosso sistema de ensino está precisando. Embora lentamente, a educação tem melhorado no país. Muita coisa precisa ser feita. Mas não será enrijecendo a disciplina e voltando atrás nos avanços pedagógicos que os problemas serão superados. Ao contrário, precisamos sair das imposições neoliberais que nosso sistema educacional se vê amarrado há duas décadas. Simplesmente porque elas não deram certo. E não me refiro especificamente só a Goiás. Embora as escolas não moldem o caráter dos indivíduos, e que portanto jamais substituirá a educação familiar, ela deve, sim, se constituir em espaços de respeito, tolerância e liberdade, sem abrir mão de preceitos educativos que exigem a valorização do trabalho dos professores: deve-se manter o princípio da autoridade, como diria Che, “Sin perder la ternura jamás”
Vivemos uma crise de valores, porque também nos encontramos em meio a uma transição de modelo de sociedade, mas que por enquanto não sabemos para onde isso nos levará. Mas não é desejável retornar ao tempo dos colégios internos, de disciplinas religiosas rígidas e autoritárias, para onde os pais enviavam seus filhos, a fim de se livrarem dos conflitos comuns a todos adolescentes. No entanto, compreendo que as mudanças desejadas só serão possíveis de ser solucionadas com o envolvimento da comunidade e a participação efetiva dos pais e alunos de cada escola, procurando envolvê-los em discussão de forma também a encontrar nessas participações alternativas que melhorem, inclusive, a relação entre alunos e professores.
A valorização do magistério, com melhores salários e uma política de requalificação dos professores, é o primeiro passo. Mas também será a saída para intensos embates que levam a greves prolongadas e prejudicam o aprendizado da juventude. Tais paralisações, e, principalmente, radicalizações de todos os lados que impedem acordos, terminam por se constituir em pretexto do Estado para medidas autoritárias, e também dos pais dos alunos, que desejam vê-los em instituições que possam cumprir com seus objetivos e optam, erroneamente, por buscar escolas geridas por militares.
O Estado precisa encontrar alternativas que façam avançar a relação institucional, democraticamente, pois qualquer outra saída levará, sempre, a confrontos desgastantes e prejudiciais à formação da juventude.
A Universidade também pode dar a sua contribuição, efetivamente, não por meio de notas curtas e vazias, mas buscando elaborar sugestões, de forma permanente, que contribuam para encontrar caminhos que possam qualificar melhor os jovens que em algum momento estarão buscando seu espaço em algum curso superior. Cuidar mais dos cursos de graduação, principalmente os de licenciatura, e ter preocupações que extrapolem as políticas de cotas. A mesma universidade que tem avançado nas pesquisas tem também sido negligente com a formação de professores. E me refiro aqui como política educacional geral, e não somente especifica das instituições federais de Goiás, para além de números e estatísticas que, em muitos casos criam uma cortina de fumaça.
Pensar na qualidade da formação secundária dos alunos das escolas públicas, é a condição para que no futuro não seja mais necessário à universidade a adoção de políticas de inclusão e de cotas. Até lá, só haverá a possibilidade de selecionar pelo mérito, quando o ensino público, fundamental e médio, superar crises que são recorrentes.
Portanto, é, sim, uma preocupação que nos diz respeito, a luta travada nesse momento em Goiás, e assim também o foi no Estado de São Paulo, e por outros cantos, em busca de alternativas que não retrocedam às conquistas. Mas que melhorem as condições das escolas, a qualificação e o salário dos professores, a gestão administrativa e que valorize os aspectos pedagógicos que focam na formação de jovens com espíritos de cidadania, respeito à democracia e uma disciplina que garanta os princípios da autoridade na relação professor-aluno, mas que não incorra no erro de imposições autoritárias a fim de moldar jovens cordatos e alienados, distanciados das condições reais e objetivas que lhes cercam.
·  QUE AS ESCOLAS SEJAM ESPAÇOS DE FORMAÇÕES SOLIDÁRIAS, HUMANAS, DE TOLERÂNCIA E RESPEITO.
·  QUE OS PROFESSORES SEJAM VALORIZADOS PELO QUE REPRESENTAM E NÃO SEJAM HOSTILIZADOS EM SEUS AMBIENTES DE TRABALHO.
·    QUE SE ESTABELEÇA UM AMBIENTE DEMOCRÁTICO, MAS QUE OS MESTRES NÃO PERCAM A AUTORIDADE EM SUA SALA DE AULA.
·    QUE OS PAIS NÃO VEJAM NA ESCOLA UM ESPAÇO A SUBSTITUIR O AMBIENTE FAMILIAR.
·    QUE O ESTADO NÃO ENCARE AS DIVERGÊNCIAS COMO UMA DECLARAÇÃO DE GUERRA
·   QUE OS PROFESSORES E DEMAIS SERVIDORES BUSQUEM ALTERNATIVAS DE LUTAS QUE NÃO CAUSEM PREJUÍZOS À FORMAÇÃO DA JUVENTUDE.
·   QUE A GESTÃO SEJA PARTICIPATIVA, EM CORRESPONSABILIDADE, ENVOLVENDO ESTADO-ESCOLA-COMUNIDADE.

· PELO FORTALECIMENTO E O RESPEITO ÀS ENTIDADES ESTUDANTIS SECUNDARISTAS.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

QUANDO CHEGA DEZEMBRO*

Há uma música, cantada por Geraldo Azevedo, feita em parceria com Fausto Nilo, que incluo entre as mais belas da MPB, e ela faz me lembrar de tempos agitados em meu período de militância política estudantil e das odisseias nas quais me envolvia, aos finais de semana, percorrendo bares onde amigos musicais cantavam. Essa era, seguramente, uma das músicas mais pedidas: Chorando e Cantando. “Quando Fevereiro chegar/ Saudade já não mata a gente/ A chama continua/ No ar/ O fogo vai deixar semente/ A gente ri a gente chora...”. Some-se a isso o fato de eu ter nascido no mês de fevereiro, e eu me deparava com a música que mexia comigo, sob vários aspectos. O tempo passou, e essa música permanece, mais ainda, a mexer com meus sentimentos, e acentua as minhas lembranças. Consequentemente a saudade de um tempo que, naturalmente, não volta mais. A não ser em nossa memória.
Desde há oito anos, quando perdi minha filha, num fatídico dia 13 de dezembro, muita coisa mudou. Por mais de três anos, a dor profunda gerou angústia, depressão, tristeza, um enorme vazio como se um pedaço de mim tivesse se separado – e foi –, me manteve anestesiado. A perda de uma filha gera uma dor que não tem cura. Carregamos para o resto da vida.
Foram dez anos que não se apagam, o tempo em que ela viveu, e se manifestam de formas diferentes em uma infinidade de lembranças. As músicas, os programas de TV, as fotografias, o quarto, a casa como um todo por onde a alegria, e a bagunça, sempre são marcas de crianças, tudo isso são situações, objetos e instantes que agem como flashes em nossa memória.
Nada, contudo se compara ao se aproximar do mês de dezembro. Daí a relação com a música de Fausto Nilo e Geraldo Azevedo. Parafraseio, inverto a letra, e aplico-a na realidade que vivemos todos os anos: “quando dezembro chegar, saudade já não mata a gente, a gente ri, a gente chora, a chama continua, no ar”.
Dezembro é um mês torturante para mim. Para nós, que perdemos Carol nessa data, mas, creio, para todos que passam por situação semelhante a nossa. Porque dezembro não é um mês comum, como fevereiro, embora tenha sido esse o mês que nasci, e que tem um simbolismo pessoal presente nele. Até porque nasci no dia em que meu pai fazia aniversário.
Mas o mês de dezembro carrega todo um simbolismo, reforçado por uma cultura consumista, mas cujos valores e tradição já vêm de outros séculos, ou milênios. O capitalismo potencializa isso, e mexe estressantemente com os desejos, criados pela necessidade do mercado em fazer explodir a explosão de consumo. Um frenesi toma conta das pessoas, liberando uma alegria naqueles que conseguem se enquadrar nessa lógica e fazer realizar seus desejos de gastança. Mas, por outro lado, gera um enorme desconforto, e causa depressão, quando esse sentimento é tolhido impossibilidade de gastar, ou, mesmo que movido por um sentimento honesto, compartilhar presentes entre as pessoas das quais se gostam.
Essa realidade presente nesse mês transformou-se em um imenso vazio. Dezembro não desaparece, seria impossível isso, mesmo se o desejássemos, mas ele tornou-se torturante em nossas vidas, e para mim ele não se faz, se desfaz. A cada dia que se aproxima da data em que minha filha morreu, sinto aumentar minha tristeza. O dia 13 deixou de existir por todos os anos que se seguem à sua morte. Ele sempre será aquele 13 de dezembro de 2007, quando de forma brutal pudemos observar pela última vez, materialmente, nossa pequena Carol. A sua última imagem, em vida, a qual não gostaria jamais de lembrar, e por muito tempo apaguei de minha memória, embora ela sempre volte à minha lembrança, foi em seus últimos momentos e suspiros, num leito da UTI do Hospital da Criança. A leucemia ceifara sua vida, sem que lhe fosse dado tempo para lutar e tentar reverter uma situação pela qual muitas crianças passam e conseguem superar. Mas, no caso dela, foi fulminante. E apagou para sempre o dia 13.
Eu já não me empolgava muito com as festividades deste mês, embora me envolvesse em comemorações com familiares e amigos. Depois da morte da Carol dezembro tornou-se um mês chato, insuportável, triste e depressivo. Nos três anos em que me vi tolhido por uma depressão, meu comportamento era sofrível, e me via acuado pelos cantos a chorar, revoltava-me com a vida e com a insuportável inversão de ter visto minha filha ser sepultada. Superei isso, me recuperei da depressão, mas não da tristeza que me invade o coração nessa época, mais do que nos demais meses do ano. Talvez mais próximo da tristeza que sinto no mês de março, quando ela nasceu.
O que mudou foi a forma de explicitar isso. Com o tempo, as lembranças vão ficando somente nossas, alguns parentes, amigos e amigas, que naturalmente vivem suas rotinas e realidades pessoais e familiares, já não compartilham como antes esses momentos tristes que sentimos. Isso torna mais silenciosa a nossa dor. Mas ela não é menor, apenas sabemos melhor controlá-la, por entender que nossa vida continua. Contudo, a tristeza, que não pode ser confundida com depressão, é um sentimento que carregamos sempre que perdemos alguém que amamos muito. Mas a dor de perder um filho ou uma filha é muito profunda, somente quem passa por um trauma desses tem a noção de tamanha dor. E isso é algo que não imaginamos para ninguém.
Por isso a contradição presente nesse mês torna-o muito amargo. Se não posso apagá-lo, não desejo sua proximidade, e desejaria que o tempo que o faz passar fosse mais acelerado do que para os demais. E se o dia 13 é tão somente uma repetição de um único, que não se apagará jamais de nossa memória, o dezembro e suas festas consumistas capitalistas, é torturante. Não há alegria para mim, por esses dias. Sinto-me mal quando circulo pelas ruas, repletas de correrias das pessoas ávidas por consumirem. Sou tomado por mais contradições, pois sinto ser um pouco egoísta na minha dor. É como se eu invejasse a alegria desses momentos que tomam conta delas.
Mas não é o que eu desejo. Cada um vive a sua vida, a sua maneira, com seus valores culturais, impulsionados pela religiosidade, ou pela lógica que o sistema capitalista impõe. E é preciso vivê-la, intensamente, malgrado as circunstâncias e a lógica que nos move. A minha dor não pode ser sentida por outros, não posso desejar isso, e não desejo. Apenas preciso desabafar. A proximidade com a data da morte de minha filha me angustia e me entristece. Conviver com isso, em meio a uma data que resplandece, por qualquer que seja a razão, alegria e outros sentimentos positivos, só faz aumentar esse dilema e tornar dezembro um mês insuportável.
Por isso digo sempre aos amigos, que o ano acaba para mim, sempre, quando começa dezembro. Desejo que ele se encerre o mais rápido possível, embora isso não resolva o problema das lembranças, das saudades, e da falta que sinto da Carol. Só é algo irrefreável em meus sentimentos. Por mais que em determinados momentos eu procure me cercar de amigos, e demonstrar alegrias, o recolhimento em minha casa, onde por todos os cantos suas lembranças estão presente, faz com que em me transporte para aquele mês de 2007, quando em seu começo os dias de minha filha foram se encurtando, até desaparecer definitivamente no dia 13.
Foi sozinho em minha casa em um domingo chuvoso e escuro, quando escrevi essas palavras,  e isso era o que me povoava a mente. Vejo em minha frente o retrato de minha filha, mas a reforma em minha casa impede que uma árvore de natal que ela ajudava a montar desde quando meu pai era vivo, até 2001, possa nos animar um pouco. Sempre seguimos a tradição de montar a velha árvore mesmo depois da morte dele, e jamais desejei substituí-la. E, em seguida, após a morte dela mantivemos o hábito. Procuro ainda algum canto para colocá-la. Porque, mais do que a mística que cerca esse objeto, e com todas as minhas objeções, para mim ela representa a alegria que minha filhinha sentia ao montá-la. Por isso ela esteve sempre enfeitando nossa casa, nesse mês que não mais acontece, mas existe, por quanto tempo for isso possível.
2ª Edição, lançada em 13/12/2014
Essa crônica, como tantas que escrevi ao longo desses anos, está incluída no livro que escrevi para minha filha e que reeditei e lancei no dia 13 de dezembro 2014, “Depois que você partiu”, durante o Bazar do Instituto Ana Carol. Neste ano de 2015, no dia 12, véspera de se falecimento, estaremos mais uma vez realizando esse evento, para o qual convidamos a todos(as). Como sempre, o Bazar do IAC será na Associação dos Moradores do Conjunto Caiçara, a partir das 9 horas da manhã, até às 17 horas.

Finalizo me lembrando de mais uma música:
“Oh, pedaço de mim/ Oh, metade adorada de mim/ Lava os olhos meus/ Que a saudade é o pior castigo/ E eu não quero levar comigo/ A mortalha do amor/ Adeus” (Chico Buarque, “Pedaço de mim”).



Ao final, acrescento um dos poucos vídeo que tenho gravado, de minha filha, em um momento descontraído ao lado de uma tia, também já falecida, na cidade de Salvador, no verão de 2006, em nossa última viagem antes de sua morte. É a primeira vez que compartilho esse vídeo. Por muito tempo, custava-me assisti-lo. E sempre lamentei não ter outros que pudesse me fazer aplacar a saudade que sentimos da pequena Carol.


* Esse artigo foi publicado no final de novembro de 2014. Reedito agora, em dezembro de 2015, com algumas pequenas atualizações.