terça-feira, 3 de janeiro de 2017

ELEIÇÃO DE REITOR NA UFG - ENTREVISTA COM O PROFESSOR ROMUALDO PESSOA

Íntegra da entrevista que concedi ao jornal Diário da Manhã, publicada no dia 02 de janeiro 2017 (https://impresso.dm.com.br/edicao/20170102). Por questão de espaço alguns trechos que insiro aqui foram suprimidos na edição jornalística. Agradeço ao Jornalista Renato Dias pela possibilidade de expor algumas ideias iniciais a respeito da eleição de reitor da UFG e da minha decisão de concorrer a esse cargo maior na Universidade, cuja eleição se dará neste ano.

Diário da Manhã - A UFG fará eleições diretas para reitor? Quando será?
Romualdo Pessoa Campos Filho – A data da eleição ainda não está definida. Isso deverá ser feito pelo Conselho Universitário. A última eleição aconteceu no mês de junho, mas não é algo fixo, fica, portanto a critério da decisão do Conselho. Espero que seja mantido o mesmo mês. Mas certamente o processo se iniciará em fevereiro com as movimentações dos possíveis candidatos ou candidatas.
DM - O senhor é candidato a reitor?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Sim. Já me apresentei como candidato em um artigo que publiquei em meu blog Gramática do Mundo. (http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2016/10/minha-vida-se-completa-na-ufg-sigo-por_13.html).
DM - Qual o seu programa?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Isso ainda não está feito. Estamos, por enquanto estabelecendo alguns diálogos sobre a necessidade de alternarmos a condução da reitoria, e entendemos que o momento exige não somente capacidade de gestão, mas também habilidade política para lidar com uma situação adversa, que não experimentamos desde a primeira eleição do presidente Lula. O que significa dizer que conta muito, nessas circunstâncias o conhecimento da Universidade, a experiência nas lutas que travamos por décadas e a necessidade de buscarmos construir um movimento amplo que defenda a UFG a fim de garantir que ela continue sendo uma instituição que contribua fortemente para o desenvolvimento da Ciência, na formação de profissionais competentes e com grande inserção na sociedade. Para isso é fundamental que os recursos financeiros sejam garantidos a fim de atender toda a nossa capacidade, mas que também possa ser ampliada, pois a UFG tem uma possibilidade de crescimento muito forte. E é nessa direção que iremos trabalhar.
DM - Qual a sua análise da PEC 55 para as universidades públicas?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Essa PEC é absolutamente nociva para todo o serviço público, e em especial a Universidade. Mas ela afeta também, sobremaneira, os investimentos em todas as atividades de caráter social. No que tange à Universidade, ou à educação em geral, é evidente que limitar os gastos ao índice da inflação do ano anterior impedirá qualquer política de crescimento, que já estava em curso desde o governo Lula. Novas universidades, e a ampliação do número de vagas e novos cursos, que se adequem às necessidades das transformações que acontecem no Brasil e no mundo, estarão comprometidas por vinte anos. E um dos reais objetivos por trás dessa PEC é exatamente desvincular a obrigatoriedade de aplicação de determinado percentual em algumas áreas, principalmente a Saúde e a Educação. Isso dificultará manter o padrão de investimentos em custeios nas universidades, comprometendo a manutenção do que já existe e todo processo de modernização em áreas que requer que a todo ano se invista, para poder acompanhar todo o desenvolvimento tecnológico e de valorização da pesquisa, essencial para fortalecer a soberania de nosso país e o conhecimento de nosso potencial de riqueza e crescimento. Além de impactar fortemente nas nossas condições de trabalho que possibilite atender bem as nossas necessidades enquanto profissionais. É terrível o que se propôs e seus efeitos serão danosos e farão recuar em anos tudo que se pretendeu para o país em termos de fazer cumprir uma dívida enorme em nossa área, qual seja, ampliar o percentual de jovens com acesso ao ensino superior. Certamente, se isso acontecer nos próximos anos, será com a expansão do ensino privado, o que demonstra o caráter perverso dessa iniciativa do atual governo.
DM - O que pode mudar no quadro da UFG com a Reforma da Previdência?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Todas as vezes que se discutem mudanças na previdência há uma tendência de aumentar o número de professores e técnicos que aceleram seus processos de aposentadoria. Mas esse temor não decorre somente da PEC 287, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Nos últimos anos algumas dessas mudanças já geraram alterações que mudaram o regime de previdência para professores que entrarem recentemente na universidade. Essa PEC só piora a situação, pois amplia o tempo de serviço necessário para se aposentar com salário integral, e iguala nossa situação ao do setor privado, apesar dos mecanismos de contribuição serem diferenciados.
DM - O que esperar da Reforma Trabalhista?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Essa reforma deverá entrar brevemente na pauta de votação do Congresso Nacional. O que se sabe é que está sendo feito uma costura política, entre o núcleo do governo Temer e algumas centrais sindicais, aquelas ligadas a parlamentares que já estão na base de apoio do governo. Não deverá vir coisa boa para os trabalhadores, basta ver os últimos projetos aprovados e já citados anteriormente, mas o governo não irá querer perder apoio de parlamentares ligados à essas centrais, então deve ser mesmo uma proposta negociada.  Esse momento é absolutamente perverso para a população trabalhadora, principalmente aqueles situados na faixa de cinco salários mínimos para baixo. Todas essas medidas representam outros acordos, costurados entre empresários que financiaram todo o processo de mobilizações para destituir a presidenta Dilma, e aquele bloco de parlamentares que lhes são fiéis, porque ali foram colocados com financiamentos desses empresários. Há uma celeridade na aprovação dessas medidas, porque a tendência é aumentar cada vez mais o número de pessoas revoltadas com essas mudanças. Na medida em que ficar claro para os trabalhadores a profundidade dessas mexidas em seus direitos haverá uma reação muito forte. Só não sei se até lá esse governo ainda estará de pé.
DM - Especialista em Geopolítica e doutor em Geografia, qual a sua análise da abertura do Pré-Sal e da proposta que previa destinação de recursos para a Educação?
Romualdo Pessoa Campos Filho – A disputa pelo pré-sal, ou seja, pela enorme reserva petrolífera que nosso país possui em águas profundas, é fruto de uma grande cobiça das corporações que atuam nesse setor. São as mesmas que fomentam golpes em outras partes do mundo e financiam grupos armados para dificultar que governos que desejam exercer um controle dessa riqueza por meio de empresas estatais, possam impor limites a essas atuações em suas fronteiras. A mudança recente, aprovada no Congresso, que reduz a participação da Petrobrás, reflete pressões dessas corporações e dos países de onde  estão suas matrizes. As destinações dos royalties do petróleo para a Educação e a Saúde representou uma das mais acertadas decisões do governo Dilma, e seguramente esse foi um dos motivos para que ela caísse em desgraça e fosse deposta. Houve um revés absurdo nesse sentido, e seguramente a Nação sai prejudicada com esse retrocesso.
DM - Qual a sua opinião sobre as ocupações dos estudantes?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Eu considero que a juventude, e o movimento estudantil organizado, representa a força propulsora das mudanças em nosso país e no mundo. Isso tem acontecido historicamente aqui no Brasil, e em países como a França e o Chile, por exemplo. Mas o temor maior dos governos reside no receio dessa juventude conseguir ampliar o número daqueles que protestam contra medidas impopulares, promovendo manifestações massivas, e que consigam ganhar a opinião pública nesses protestos. Não creio que a estratégia de ocupações dentro da Universidade surta grandes efeitos enquanto forma de pressão contra as ações do governo contra a qual se deseja lutar. Não há visibilidade na sociedade para essas ações, salvo nos momentos em que a polícia seja acionada para cumprir ordens de reintegração de posse. O resultado dessas ocupações tem sido um processo de radicalidade interna e de tensionamento sobre o funcionamento da Universidade, por meio de métodos muitas vezes violentos e desrespeitosos contra até mesmo quem diverge dos  atos do governo e se manifestam claramente assim. Há certa irracionalidade e um radicalismo estéril, que não foca no alvo principal das revoltas e atira a esmo e cegamente contra todos que porventura esteja em sua frente ou que pensem diferentes. Creio que seja necessário repensar essas formas de protestos, e acredito que ela seja muito mais resultado do esvaziamento do próprio movimento e de uma aversão às próprias entidades. Seguramente não é o melhor caminho para fortalecer a luta, tendo como principal estratégia somar forças para derrotar medidas contra a educação, a universidade e os trabalhadores.
DM - Ex-presidente da Adufg, qual a sua opinião sobre a proposta de greve geral?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Enquanto uma forma de luta dos trabalhadores sou plenamente favorável. Mas é preciso que uma proposta de greve geral seja apresentada considerando as circunstâncias e a conjuntura, e que seja por um tempo determinado. Na universidade o instrumento de greve tem se desgastado muito, porque há uma banalização desse mecanismo, essencial na luta entre capital e trabalho, mas que não surte o mesmo efeito em nosso meio, pelas próprias características de nossa relação trabalhista. Em certos momentos, de fragilidade de um governo esse instrumento pode ser importante, desde que haja um interlocutor definido, a fim de haver uma saída para o impasse, visto que uma greve é o momento de radicalidade nessas relações quando as reivindicações não são atendidas. Já uma greve geral, em que estejam envolvidos outros setores, em que haja condições propícias para tal, se torna um poderoso instrumento de pressão sobre o governo. Mas se ela é chamada sem que exista resposta dos trabalhadores o desgaste somente servirá para desarticular e desmoralizar todo um movimento político e resultará em fracasso.
DM - Qual a sua opinião em relação às cotas?
Romualdo Pessoa Campos Filho – As políticas de cotas não são novidades, nem são criações brasileiras. Já existem em outros países, e aplicadas até mesmo nos EUA. Corresponde a uma necessidade de se garantir um mínimo de justiça social, em sociedades altamente desiguais, onde o acesso à educação, e notadamente ao ensino superior, termina por ficar limitado àqueles jovens que nascem em famílias ricas. Uma situação que consolida uma realidade onde os que vem de classes mais baixas optam por cursos de pouca penetração no mercado, cujos rendimentos são mais reduzidos, principalmente os de licenciatura, visto que a profissão de professor no país é bastante desvalorizada historicamente. Aqueles cursos onde há maiores ganhos profissionais persistem em permanecer nas mãos de jovens mais bem preparados, porque estudaram em escolas particulares pagando altos valores de mensalidade. Isso aqui em nosso país se enraizou, e forma uma espiral perversa, criando uma redoma onde os filhos dos trabalhadores mais pobres raramente quebram esse bloqueio. As cotas vieram para possibilitar que uma parcela dessa juventude tenha oportunidade de adquirir uma profissão que o projete socialmente e garanta um percentual gradativo para essas camadas de forma a amenizar essas desigualdades, que afetam os de origem negra e os mais pobres. Mas vejo a política de cota como algo tansitório. Definitivo deve ser a criação de mecanismos que diminuam essas dificuldades de acesso, a partir do fortalecimento do ensino fundamental, principalmente, e médio, garantindo que os que estudam em escolas públicas possam competir em condições de igualdades com quem estuda em escolas particulares. Creio que esse horizonte ainda está muito distante.
DM - O que o senhor, caso seja eleito, quer fazer na UFG?
Romualdo Pessoa Campos Filho – A Universidade não é algo pronto e acabado. Por essência ela precisa estar sempre se reinventando. O elemento fundante numa universidade deve ser a sua capacidade de construir um ambiente de inquietude, de criação e de inovação. Ultimamente tem-se procurado destacar a universidade pelo aspecto de seu crescimento, da sua ampliação em termos de ambientes edificados e da quantidade de novos cursos. Não há dúvida que isso é uma necessidade, e até mesmo uma consequência do trabalho que se desenvolva na universidade, principalmente com a formação de estudantes bem qualificados, o que requer investimentos e preocupação com os cursos de graduação, bem como da capacidade de seus profissionais de se dedicar à pesquisa e a descoberta de novos conhecimentos. No entanto, sinto certo comodismo na Universidade e uma aquietação a partir do momento em que os recursos se intensificaram e muitos laboratórios foram criados e consolidados. Mas isso não representa tudo. A universidade não pode se fechar em si mesma. Isso significa que ela não pode se distanciar da sociedade, e de seus problemas, como também não pode criar nichos de conhecimentos que não dialogam com outras áreas. É necessário reconhecer que as universidades brasileiras avançaram muito nos últimos anos, principalmente em termos de melhorias estruturais, fruto principalmente de um programação de expansão, que quando de sua implementação gerou muita polêmica - o REUNI, mas que foi extremamente importante para garantir melhorias essenciais para o bom desempenho de nossas atividades. Mas tem faltado um entendimento maior sobre problemas cruciais, bem como a necessidade de haver uma conscientização que tudo isso depende do tipo de governo que tivermos, se haverá ou não uma preocupação com a manutenção daquilo que está sendo construído. Isso deveria fazer com que a comunidade se inteirasse melhor das suas debilidades e do que pode acontecer numa situação em que há uma forte expansão, mas que os anos seguintes apontam para dificuldades em manter e garantir a continuidade desse crescimento. É o que em economia entendemos como “desenvolvimento sustentável”. Portanto, é preciso mais do que crescer. É preciso que, de forma responsável se saiba qual é a nossa capacidade de sustentar esse crescimento. O entendimento disso pode possibilitar que novas alternativas sejam pensadas, seja por meio de aprovação de grandes projetos de pesquisa, como acontece em algumas áreas, ou de grandes convênios com instituições de grande porte, nacionais ou internacionais, que tenham credibilidade e preocupações sociais. O que não significa recuar no propósito de permanentemente pressionar o governo para que não haja nenhuma redução no percentual destinado à universidade comparativamente ao ano anterior, assim como se garanta o mínimo de reposição daquilo que é corroído pela inflação. Embora isso também não seja o bastante, pois só representaria o crescimento “vegetativo” das universidades, impedindo que elas prossigam no processo de ampliação e de criação de novas unidades. Pelo que se sabe em termos de colocação do nosso país no ranking de universidades, já é suficiente para se ver que estamos muito atrás, principalmente em se tratando do fato de sermos a oitava maior economia do mundo.
DM - Qual o caminho para democratizar a gestão da UFG?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Da mesma maneira, a questão da democracia é algo que também deve ser objeto de permanente preocupação. E mesmo quando falamos de democracia, não significa que o que já existe seja suficiente e aceitável. Mas o que se entende de democracia em nosso meio também funciona muito no aspecto quantitativo. A forma de funcionamento da Universidade deve ser compreendida na relação que se estabelece entre os três segmentos, mas também do papel que cada um deles desempenha e o seu grau de importância. Eles são diferentes, e por isso devem ser tratados de forma diferente, mas deve-se seguir o preceito que essas diferenças não podem assegurar privilégios, mas que devem ser respeitados naquilo que sustenta a própria universidade, qual seja, que deve haver respeito mútuo, e que o princípio da autoridade que rege as relações institucionais e das construções dos saberes, seja preservado e respeitado. Um dos mais importantes filósofos da antiguidade, Aristóteles, afirmava que “deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Esse é o elemento basilar a se seguir, a fim de não se cometer comportamentos antidemocráticos. Do ponto de vista da forma como a universidade está estruturada em seus diversos órgãos de representações, creio que essas questões estão postas. Mas tem havido alguns movimentos que extrapolam o limite do respeitável e isso preocupa, na medida em que se quebra determinadas liturgias, não nos sentido dogmático, mas da representatividade que existe em cada função e nas diferentes responsabilidades que afetam cada dirigente e cada um daqueles que compões os diversos segmentos. O respeito mútuo e a construção de um ambiente que preserve a alteridade, é uma condição sine-qua-non para a consolidação de um ambiente democrático. O papel de um reitor é garantir que isso será respeitado, e constituir-se numa liderança dentro da Universidade que assuma a responsabilidade na condução de situações que ameacem fugir da normalidade.
DM - Qual a sua crítica à atual gestão?

Romualdo Pessoa Campos Filho – Eu não pretendo fazer uma campanha que tenha como centro as possíveis fragilidades da gestão atual. No decorrer do processo pretendo apontar determinadas situações em que, por uma característica própria, e pelo próprio projeto que antevejo para a Universidade, eu caminharia em outra direção daquela apontada pela atual gestão. Mas são formas diferentes de encarar, às vezes, o mesmo problema. Meu objetivo é apontar numa direção que garanta à comunidade universitária chegar ao entendimento de que é possível seguir por caminhos diferentes em determinados momentos. A Universidade não pode ficar refém de um mesmo projeto por décadas, ela precisa inovar, encontrar outros caminhos, ousar, para poder extrair daqueles que constroem esse ambiente o melhor que eles podem oferecer, e não se acomodar. Também não creio que seja correto a permanência das mesmas pessoas em cargos por excessivo limite de tempo. Isso cria uma dependência à burocracia, impede que essas pessoas, principalmente professoes, se renovem em suas áreas específicas, e constrói um mecanismo de gestão semelhante ao que funciona nas estruturas carcomidas dos velhos Estados. Por isso minha palavra de ordem vai ser, renovação. A aceitação por muito tempo de um mesmo grupo na condução da administração de uma universidade significa a negação daquilo que a faz uma instituição diferente, a capacidade de formar novos quadros em condições de se destacarem e se alternarem, democraticamente. Em nenhuma forma de poder isso é desejável e correto, por criar vícios que se impregnam e tornam-se difíceis de transformar, renovar e trazer novos ares. Se isso acontece na universidade demonstra a nossa absoluta incompetência de construirmos novas alternativas, de abrirmos espaços para outras lideranças e de ousarmos encontrar novos caminhos, afetando a própria essência do que é ser uma universidade.