segunda-feira, 24 de julho de 2017

UMA VISÃO DA CRISE ATUAL - ENTREVISTA

Entrevista concedida ao Jornalista Renato Dias, do Diário da Manhã - Goiânia/GO, em julho de 2017. Uma tentativa de compreender a instabilidade política, social e econômica no momento atual. Publicado na edição de 22.07.2017 (https://impresso.dm.com.br/edicao/20170722/pagina/11). Edição integral.

Diário da Manhã - Michel Temer cai?
Romualdo Pessoa Campos Filho – É imprevisível. A votação no Congresso não será baseada em respeito às questões éticas. O jogo é de cartas marcadas, e o atual presidente, que assumiu o posto por meio de um golpe de estado jurídico-parlamentar, está fazendo de tudo para comprar votos que o mantenha no poder. Ele sabe que se perder o cargo será preso. Com esse jogo pesado de compra de votos, é difícil prever o resultado.
DM - Qual acusação teria maior peso: corrupção, formação de quadrilha ou obstrução da Justiça?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Creio que corrupção. Ela é que dá margem para que tudo a seguir seja feito para manter a estruturas por onde jorram os recursos ilícitos.
 DM - O PSDB desembarca do Governo Federal?
Romualdo Pessoa Campos Filho – O PSDB ajudou a construir esse cenário caótico da política brasileira. Apostou no tudo ou nada e agora está sem saída. Qualquer que seja a posição a tomar já se maculou e está condenado a carregar nas costas o peso de posturas inconsequentes motivadas pela absoluta recusa em aceitar o resultado eleitoral. Não lhe restou nenhum patrimônio moral nesse processo.
DM - Existem indicadores de recuperação da economia?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Absolutamente. O que acontece é por osmose. Se não tivesse o Michel no comando talvez o crescimento fosse maior. O país inegavelmente consolidou suas estruturas neste século, por meio de fortes investimentos estatais, ampliou seu mercado externo e potencializou o mercado interno. Poderia estar numa situação confortável no cenário político internacional, se não fosse a mediocridade da política rasa posta em curso de um lado por quem não aceitava ficar na oposição, e de outro, por quem tornou essas estruturas viciadas e ampliou a corrupção.
DM - Rodrigo Maia acalma o mercado?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Se o fizer será por força do poder da grande mídia. Mas será por pouco tempo. Suas ações seriam na mesma direção das medidas adotadas por Michel Temer, que ampliará a recessão e trará mais desemprego e tornará a sociedade inseguro devido ao aumento da violência e da instabilidade social.
DM - Qual a sua análise da carta-manifesto divulgada por Aldo Rebelo [PC do B - SP]?
Romualdo Pessoa Campos Filho – A meu ver ele reflete uma posição que procura ampliar o leque de forças que possa ajudar o país a sair da crise. O foco que ele dá é a necessidade de fortalecer o sentimento nacional e recuperar as condições que fortaleçam o país. Mas de forma mais ampla do que outros setores apresentam. Acho que é uma alternativa interessante, só não sei com quem se pode contar no atual quadro político para ampliar essa aliança. O documento mais se aproxima da “Carta aos Brasileiros” do primeiro governo Lula, com um foco mais específico em relação ao papel democrático das forças armadas no processo de consolidação do poder nacional.
DM - Qual a sua análise da Reforma Trabalhista aprovada no Senado Federal?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Uma reforma feita por um governo ilegítimo. Não foi eleito, não apresentou à sociedade uma proposta que pudesse ser discutida e aceita pela maioria. São medidas tomadas para facilitar a vida daqueles que controlam a riqueza nesse país e vão de encontro às aspirações dos trabalhadores. Tornarão mais precárias as condições de trabalho e deixarão os trabalhadores nas mãos dos donos das empresas. Se não for refeita em curto prazo gerará muitas revoltas e tornará o clima socialmente instável.
DM - O que esperar da Reforma da Previdência Social?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Vai na mesma direção. Procura aplicar doses cavalares ao paciente. O que se propõe, na prática, é acabar com aposentadoria por tempo de serviço. Um indivíduo irá trabalhar a vida toda e não irá se aposentar. O déficit da previdência decorre de uma escandalosa sonegação por parte das empresas, que não repassam ao Estado os valores devidos. Todo o rompo poderia ser coberto se fossem cobradas essas dívidas.
DM - Geopolítica: qual a sua análise dos passos de Donald Trump?
Romualdo Pessoa Campos Filho – O que marca as ações de Trump é a imprevisibilidade. Não se pode dizer que ele tenha definido uma estratégia política confiável. Os EUA nunca viveram uma instabilidade política tão grande, e em tão pouco tempo após uma eleição. Certamente ele procurará tomar atitudes belicistas para conter a insatisfação interna. Essa tem sido uma medida tomada por todos os governos estadunidenses sempre que cai sua popularidade. O mundo poderá passar por momentos tensos, decorrentes da eleição de Trump, mas, fundamentalmente, como consequência  de uma crise estrutural que não tem saída.
DM - OS EUA atacarão a Coreia do Norte e a Síria?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Duvido muito que isso ocorra de forma aberta. Principalmente a Coréia do Norte, pelo potencial nuclear que ela possui. Mas certamente ações de desestabilizações internas, como tem sido prática dos EUA nas últimas décadas, deverão acontecer. O grande problema para o mundo é que a maneira como esses países têm entrado em crise só potencializam mais ainda problemas estruturais que se espalham por todo o mundo. Os efeitos colaterais dessas políticas externas inconsequentes tem sido perversos para todos os países, principalmente os que são mais fracos economicamente. A Síria, a Libia, o Iêmen, dentre tantos outros, até mesmo a Venezuela, são países destruídos por meio de ações políticas que os desestabilizaram internamente e os levaram a guerra ou à instabilidade social.
DM - A China ultrapassará os EUA na Economia?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Creio que isso já vem acontecendo. Essa teria sido a razão da escolha por Trump como presidente. Desde sua campanha vê-se uma tentativa de se aproximar da Rússia para tentar frear a influência que a China tem adquirido por todo o mundo. O grande equívoco é imaginar que o Putin irá embarcar nessa estratégia. Duvido muito. A tendência é a China continuar ampliando sua influência e os EUA procurarem formas de solapar esse processo, o que poderá levar a conflitos sérios não somente diplomáticos, mas com a possibilidade de enfrentamentos bélicos localizados no Pacífico.
DM- Há, hoje, uma onda conservadora em ascensão no mundo contemporâneo?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Sim, como consequência da crise estrutural. Como pela esquerda as alternativas não são sustentáveis, porque estão também dentro do mecanismo de funcionamento de um sistema em crise, os discursos radicais à direita ou a saída por meio de medidas neoliberais (não há outra para a burguesia mundial) terminam se apresentando como alternativas para uma população desiludida e desesperançosa. Não são propostas aprovadas por maiorias. O número dos que estão desistindo de comparecerem nos processos eleitorais só cresce. Na França a abstenção foi a maior da história, cerca de 57% das pessoas não compareceram para votar. Essa desilusão, por outro lado, pode levar a explosões de descontentamentos, principalmente entre a juventude, e as sociedades viverão momentos de terríveis enfrentamentos entre grupos sociais distintos. Esse é um sintoma de uma estrutura social em crise, mas que não há ainda uma luz no final do túnel. A luz que se vê é a de uma locomotiva que se aproxima e que pode atropelar quem estiver pela frente.
DM - Qual a sua análise da eleição para reitor na UFG?
Romualdo Pessoa Campos Filho – Já publiquei também em meu blog uma análise sobre esse processo. A Universidade mudou muito, em todos os sentidos, para o bem e para o mal. Cresceu, se fortaleceu, ampliou sua capacidade de produção científica com o aumento de cursos de pós-graduação, mas relegou o ensino de graduação à uma posição de inferioridade e se tornou uma instituição conservadora, fortemente focada no sucesso e na alimentação de egos e vaidades de grupos. Isso se demonstrou na campanha. Fiz um diagnóstico que se demonstrou, ao final, correto. A acomodação, o medo de mudar, a aceitação da normalidade de uma instituição que deveria ser crítica e inquieta, prevaleceu. Mas fizemos um bom debate, ético e respeitoso. Colocamos os problemas abertamente, sem preocupação se isso resultaria em voto, era preciso fazer isso, e vamos continuar fazendo. Não é possível que num momento tão crítico de nosso país, a universidade se feche numa redoma. Não tivemos receio de enfrentar essa discussão, mas quebrar paradigmas não é fácil. O que a Universidade precisa entender é que a lógica que impulsionou as mudanças no mundo nas últimas décadas, está em crise, e não encontra saída nos mecanismos que a impulsionaram. Nós, na universidade, entramos também nessa lógica, mas há dificuldade de sair disso e perceber que precisamos apontar saídas inclusive no âmbito das políticas públicas e na identificação de alternativas a esse sistema. O conhecimento que produzimos só tem importância se ele se concretizar por meio de saberes que transformem a sociedade. É o saber que faz com que o conhecimento tenha validade. O conhecimento, pelo conhecimento, não tem relevância, se esgota em si próprio até ser superado.
DM – Como você vê a condenação do Lula?
Romualdo Pessoa Campos Filho - A condenação de Lula neste momento de destruição dos direitos sociais e trabalhistas, e quando se discute os crimes de uma quadrilha que deu um golpe na democracia deste pais, tem o claro objetivo político de desviar a atenção e evitar a revolta da população. É preciso dizer em bom tom, que tudo isso é parte do mesmo processo que está jogando o país no buraco e ampliando o fosso que separa os ricos dos pobres. Nitidamente o que se fez nesse país foi brecar todas as mudanças democráticas e mudar o rumo do país para atender os interesses de banqueiros, grandes empresários e latifundiários do agronegócio. A indignação à condenação de Lula não pode ser passional, ela deve ser uma reação política apontando para a organização popular a fim de reverter por meios democráticos, ou pela força do poder das massas populares trabalhadoras, que sentirão duramente as consequências dessas reformas.
DM - Projeto de novo livro?

Romualdo Pessoa Campos Filho – Produzi ao longo dos últimos anos uma série de artigos que publiquei em meu Blog, Gramática do Mundo. Estou fazendo uma seleção daqueles que considero mais relevantes e os colocarei em três sessões: da geopolítica mundial, da conjuntura política brasileira e de discussão sobre a universidade. Espero neste semestre publicá-lo. E para o ano seguinte, talvez num pós-doutorado, pretendo dar continuidade sobre a luta pela terra no Sul do Pará, e completar a trilogia sobre os conflitos naquela região que tem se acentuado. Agora abordando do ano 2000 até os dias atuais.

sábado, 8 de julho de 2017

REFLEXÕES SOBRE O RESULTADO DA ESCOLHA DO NOVO REITOR DA UFG

Há um ano e meio quando decidi puxar a discussão sobre a escolha do novo reitor da UFG, e me coloquei na condição de candidato, eu sabia, pelo que eu pretendia fazer, que haveria uma forte reação daqueles que estão dirigindo esta universidade há três gestões.
No começo eu não me preocupava com a possibilidade de ser eleito. Até ser convencido por quem eu conversava para aderir ao objetivo de “mexer” com a universidade, que não faria sentido ser candidato sem almejar uma vitória, para que as mudanças fossem possíveis.
Aos poucos, principalmente por meio de alguns artigos que publiquei, essa posição foi se consolidando e a persistência em apontar desvios na forma de ser uma universidade começou a incomodar. A crítica se fez imediata, e houve quem dissesse abertamente que a campanha era extemporânea, fora do tempo.
Essa persistência levou, de fato, à antecipação do processo. A primeira consequência foi uma cisão dentro da reitoria, fazendo surgir duas candidaturas, da professora Sandra Mara e do professor Luis Melo. Eu não estava querendo escolher adversários, mas à época vi que essas candidaturas potencializariam o debate, e, com a divisão, as condições para entrarmos fundo nos problemas da universidade estariam dadas. No entanto, prevendo as dificuldades que seria o processo com esse quadro, voltou à cena o nome do professor Edward Madureira, reitor por duas vezes no período de expansão da universidade e de fartos recursos destinados IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) por meio do REUNI. Embora não abertamente, mas nos bastidores, consolidava-se sua candidatura e o recuo dos outros dois nomes que haviam despontados. Delineava-se o processo com a presença de um nome forte, apesar da situação inédita de uma candidatura para um terceiro mandato. Ficava claro a dificuldade que teríamos pela frente com essa mudança de quadro no processo eleitoral.
Mas eu não queria discutir somente a eleição. Eu queria discutir essa universidade. Queria levantar a necessidade de rompermos com o comodismo e com a normose que nos tem afetado. Queria travar um debate sobre a necessidade de romper com o clientelismo e a burocracia que tem deformado o sentido de universidade. Não me intimidei, mantive o meu nome e abri caminho para que desta feita a escolha não se desse somente com uma candidatura.
Isso levou a consolidação de um quadro com mais duas candidaturas, e o retorno a dois dias do final da inscrição, da candidatura do professor Luis Melo. Além dele entrou na disputa a um mês e meio da inscrição das chapas, o professor Reginaldo Nassar. O quadro se definia, mas foi pouco a pouco tornando-se confuso, porque praticamente o discurso de todos os candidatos pouco se distinguia, e não se percebia por dois deles que tinham identificação com a atual gestão, nenhum compromisso com os problemas que apontávamos. Ao final, as propostas eram bastante parecidas, embora os discursos fossem diferentes. Mas, só discurso não ganha eleição, muito menos quando se deseja quebrar paradigmas.
A consulta à comunidade universitária comprovou o diagnóstico que apontei nos artigos. Foram diversos, mais de dez. Mas, creio, isso acrescido a todas as discussões e debates que fizemos, nos dão a certeza que a próxima gestão, a quarta sequencialmente conduzida praticamente pelos mesmos personagens, terá que ser diferente. Isso porque desta feita provocamos a comunidade, que embora tendo reagido de forma diferente, se fez presente apontando as insatisfações, os diversos problemas, situações de órgãos em vias de colapso, falta de segurança, ausência de estrutura adequada na parte administrativa, sobrecarga de trabalho dos técnicos administrativos, adoecimentos generalizados e as dificuldades que se apontam como consequência dos cortes de recursos.
O resultado final foi desproporcional e contraditório com todas as reclamações e insatisfações que ouvimos. Mas não estranhamos. Houve uma polarização entre duas candidaturas que tinha mais visibilidade por já terem estado na reitoria, mas que estranhamente se distanciaram da atual gestão, e algumas vezes usaram discursos que mais pareciam oposição. Tudo isso levou, ao final, uma definição pelo voto útil, consolidando quem tinha mais volume de campanha e apresentava mais segurança de vitória.
Como na sociedade, a universidade mantém os mesmos vícios de escolhas no estilo rebanhão. A parcela mais significativa, muito embora todas as insatisfações reinantes e explicitadas nas diversas reuniões que fizemos, preferiu a acomodação de um voto conservador, receosa da mudança e preferindo a manutenção de quem inegavelmente fizera uma boa gestão. Malgrado as deficiências na parte administrativa e na consolidação de uma universidade fragmentada. Mas o estilo de gestão adotado criou vícios e reforçou a política de favores. Inegável que consolidou uma forte base, praticamente imbatível. No entanto, os desafios de outra realidade econômica no país e uma dotação orçamentária reduzida, colocarão à prova a correção, ou não, desse rumo.
De nossa parte, persistiremos levantando discussões sobre a necessidade de definirmos que modelo de universidade queremos, de forma a deixarmos de ser meramente um conjunto de faculdades isoladas que brigam cada uma separadamente pelo seu quinhão. Insistimos que, ou a comunidade se aglutina em torno do objetivo de defender essa instituição, vendo-a enquanto uma totalidade, ou nos perderemos em meio a uma fragmentação que só estimula a disputa de poder e acentua vaidades. A conjuntura atual impõe a necessidade de nos fortalecermos, e devemos fazer isso definindo um rumo para essa universidade. Devemos procurar estreitar mais nossas relações com a sociedade, e buscar nas comunidades tradicionais elementos que enriqueçam o conhecimento que aqui produzimos.
Devemos lutar, e assim o faremos, para resgatar o princípio de uma universidade que tenha no ensino o seu primado, em fortalecer a capacitar cada vez mais jovens que entram nessa instituição sem as devidas convicções de qual caminho devem seguir, o que tem levado a uma enorme evasão. A UFG não pode seguir desprezando a graduação e sendo indiferente com a crise que afeta as licenciaturas. E mais, devemos compreender que estamos numa instituição para servi-la, fortalecendo-a e fazendo com que ela cumpra seus requisitos fundamentais, voltados para atender os interesses da sociedade. Ela não pode permanecer como uma instituição utilitarista, dos professores e a eles servindo, elevando egos e vaidades. Ou compreendemos o sentido de ser da universidade, e vemos nos estudantes e na necessidade de formá-los com competência, mas com capacidade crítica, como o centro de nosso trabalho ou estaremos consolidando uma estrutura pública privatizada por grupos de interesses movidos por intenções diversas dos objetivos essenciais do que deve ser uma universidade.
Esses elementos estiveram presentes no centro das discussões e do resultado final do processo de escolha do futuro reitor. Foram motivadores para o desfecho de acomodação que mantém esses e outros vícios. Mas não é algo impossível de ser mudado, depende de levarmos adiante discussões que são essenciais para definirmos nossos rumos. Sabemos que podemos contar com um número considerável de colegas que compreendem a necessidade de buscarmos resgatar essa essência que é instigadora de outros valores. E assim procuraremos fazer, para além de quaisquer preocupações meramente de disputas eleitorais.
Mas jamais desejaremos o fracasso de uma gestão. Nosso compromisso é com o bem da universidade. Portanto, ao mesmo tempo em que estaremos fustigando o debate, crítico, respeitoso e leal, nos colocaremos à disposição para lutar em defesa da UFG. Certamente, devemos lutar juntos para que os problemas gerados por cortes de recursos e de uma crise política e econômica que nos ameaça, não nos leve a uma situação de estrangulamento de nossas atividades. Insistimos, no entanto, que a luta deve ser pela universidade, vista como um todo e não em benefício ou privilégio setorizados. Em assim sendo, estamos na luta, e creio poder falar também em nome do colega Leandro Oliveira, que somou comigo a chapa que soube qualificar o debate. E continuarei a reafirmar: "é pra frente que se anda"!