sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

REVOLTA POPULAR NOS PAÍSES ÁRABES - O FRACASSO DA "PAX AMERICANA".

No meu post anterior, quando abordei as revoltas que estavam acontecendo no Oriente Médio o meu foco principal foi denunciar a maneira como a mídia tem sido escandalosamente parcial, quando o assunto é a geopolítica. Como sua principal característica, isso é algo que se repete historicamente, como um alinhamento natural aos interesses estratégicos dos EUA. É fruto da cultura colonialista que impregna principalmente a elite, que mantém, assim, um comportamento secularmente provinciano. Esse tipo de abordagem é o principal objetivo do Gramática do Mundo.

Pode-se observar, para não parecer exagero. Veja-se o noticiário da Rede Globo, por exemplo, apresenta as manifestações no Egito, concentra as informações no Cairo, evitando falar que o mesmo se espalha pelas maiores cidades, e omite o papel dos trabalhadores que entraram em greve, inclusive aqueles que trabalham numa das áreas mais estratégicas do mundo, o Canal de Suez. Após apresentar as notícias, sem a maneira espetacular que divulga as denúncias contra os governos latinoamericanos, fecha com um corte e é chamado os correspondentes dos Estados Unidos, para, sempre assim, dar as opiniões e reações do governo daquele país. E, não estranhamente, somente agora estamos sabendo que no Egito há centenas de presos políticos.

Mas tanto o agravamento da situação naquela explosiva região, como pela própria complexidade que cerca o tema, me vi na obrigação de aprofundar a discussão, e desta vez tentar fazer uma análise geopolítica dos principais problemas e os interesses estratégicos em jogo em uma das regiões mais conflitivas do nosso planeta. E quero também fazer algumas indicações de leituras, que complementam essa minha visão, algumas delas tendo contribuído para a formatação das minhas idéias. Acrescento-as ao final deste texto.

Em primeiro lugar devemos nos despir de quaisquer preconceitos quando nos referimos aos países árabes, o Oriente Médio, para melhor geografarmos nosso objeto de análise. E aí não há como não fazer o contraponto com a forma como se apresentam aqueles setores árabes que se opõem às políticas em curso para a região, sabidamente capitaneadas pelos Estados Unidos. Quase sempre os que não as aceitam, principalmente os que resolvem lutar de armas na mão pelo controle de seus territórios nacionais, tem sido chamados de terroristas. A nomenclatura dos movimentos anticolonialistas e de reação contra as ocupações estrangeiras mudou da década de 80 do século passado para os dias atuais. Não se fala mais em guerrilhas ou em luta contra o domínio estrangeiro, mas em grupos terroristas, indistintamente.

É claro que as formas de lutas e as características desses movimentos são bastante variadas, e existem alguns deles, isso é claro, que fazem a opção por atentados terroristas que, inclusive, vitimam boa parte da população civil, incluindo crianças e velhos. São ações que compõem uma estratégia de ação de grupos ligados quase sempre a um setor do islamismo denominado de “xiitas”.

Conforme esclarece o Sociólogo e Arabista, Prof. Lejeune Mirhan, “Há uma profunda diferença do Islã xiita e Islã Sunita. Os sunitas sempre foram mais plurais em suas concepções. Sofreream mais influência do iluminismo europeu, que pregou, desde a revolução francesa, a separação da religião do Estado. Para os xiitas, deus governa os serem humanos através da estrutura religiosa, enquanto que para os sunitas as pessoas governam e o governo pertence ao povo”(1)

Mas mesmo assim, considerando-se os xiitas como a ala mais radical, não significa que todos eles adotem o terrorismo como instrumento de luta de libertação. Pode-se ver, por exemplo, que esse setor do Islã está no poder no Iraque, mas constitui-se (pelo menos atualmente) em aliado dos Estados Unidos. Já os grupos Sunitas, naquele país, que estavam no poder com Sadam Hussein, executam atentados contra a ocupação, agindo de forma sectária em relação às outras correntes religiosas, inclusive católicos, o que não ocorria antes da invasão ocidental.

No final das contas, o que está em jogo nesse tabuleiro de xadrez que representa o Oriente Médio é a crescente insatisfação contra as políticas ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, motivadas pelo controle de vastas reservas petrolíferas, as maiores do mundo. E, podemos registrar sem medo de errar, que se escreve nos dias atuais, com essas manifestações em efeito cascata nos países árabes, uma nova configuração geopolítica. Seja qual for a saída encontrada para a queda do ditador do Egito, Hosni Mubarak, e malgrado as informações distorcidas que nos chegam pela mídia convencional, a política nos países que compõe o chamado Oriente Médio (ou Oriente Próximo, como se referem alguns, principalmente os europeus, abrangendo mais países) não será mais a mesma. Independente de não podermos indicar o rumo que tudo isso irá tomar.

Ocorre que estamos presenciando também, por outro lado, e talvez essa seja a questão mais importante a analisar, o final de uma era de total hegemonia dos Estados Unidos, e do fracasso de uma política por alguns denominada de “Pax Americana”, em comparação à mesma estratégia de poder imperial existente por época da hegemonia do Império Romano, na Antiguidade, e do Império Britânico, na transição da Idade Média para a Idade Moderna.

A estratégia imperial definida logo após o atentado de 11 de setembro de 2001, que neste ano completará uma década, segundo analisa John Bellamy Foster, intelectual marxista estadunidense(2), “tornou-se realidade a partir das invasões do Afeganistão e Iraque, e passou logo a ser venerada na declaração de 2002 da Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca”. Ele cita, para confirmar sua opinião, um texto de Stepehn Peter Rosen, diretor do Olin Institute For Strategic Studes de Harvard, publicado na Harvard Magazine e membro fundador do Project for the New American Century.

Nesse artigo é traçado o modus operandi, pelo qual o poder imperial seria consolidado. Diferenciando-se dos impérios tradicionais, na medida em que o objetivo não era necessariamente controlar territórios, mas ocupá-lo e dominá-lo mediante a instalação de governos submissos, mas repetindo a fórmula tradicional do esmagamento militar mediante uma superioridade bélica inquestionável e imbatível.

Isso passou a ser feito de forma bem articulada durante o governo Bush Jr., e coordenada pelos chamados “falcões” da Casa Branca, o então vice-presidente Dick Cheney e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld. Mediante essa estratégia, seriam três os objetivos centrais dessa doutrina: 1) o tradicional objetivo geopolítico da hegemonia sobre a área central euro-asiática, vista como a chave para o poder mundial (já indicada por Halford Mackinder e denominada por ele como Heartland, em sua obra The Geographical Pivot of History), 2) assegurar o controle sobre os abastecimentos mundiais de petróleo (há cerca de cinco décadas esse é um dos objetivos primeiros no interesse pelo Oriente Médio), e 3) promover relações econômicas capitalistas globais. (Foster, idem).

A conclusão que podemos tirar dez anos depois em que essa estratégia foi estabelecida, é que o item três citado acima, corresponde à derrapagem nesses objetivos. Traídos por uma crise econômica causada em parte pelos absurdos gastos militares e por duas frentes de guerras de difíceis soluções (embora se falasse de vitória... de Pirro, eu completaria), mas principalmente decorrente da lógica gananciosa que move o sistema capitalista e levou a uma quebradeira generalizada na economia mundial, principalmente nos Estados Unidos, esses objetivos começaram a ruir, não somente no foco principal dos interesses estratégicos nesse período, mas também para a América Latina.

O resultado disso tem sido uma gradual perda de influência Estadunidense em todo o mundo, com reações diferenciadas a depender da estrutura de poder existente nos países sob controle da política norte-americana. A América Latina por um processo eleitoral foi afastando-se gradativamente das imposições imperialistas, algumas exceções, comandadas pela Colômbia não altera o jogo geopolítico, que no século XXI define um distanciamento dos EUA. A África, abandonada à própria sorte desde o processo de descolonização e sucumbida ao domínio de inúmeros grupos armados sem controle, e com muitos países sem governos legítimos, passou aos poucos a despertar o interesse da China e a deixar a influência dos Estados Unidos bem distante.

E nas últimas semanas, o Oriente Médio segue no mesmo caminho, e as revoltas populares nada mais são do que um basta a uma política de estrangulamento daquelas ditaduras sobre a população sob o beneplácito dos Estados Unidos.

Em suma, pode-se concluir que o poder imperial se enfraqueceu por suas próprias contradições, tal quais os anteriores, e teve na crise econômica de 2008 o início do que pode ser caracterizado como o fracasso da chamada “Pax Americana”, pela qual o século XXI seria de consolidação e ampliação do poder dos Estados Unidos da América.

Assim, conforme iniciei esse texto, o turbante árabe não pode ser visto como um instrumento demoníaco, como o cristianismo atribuiu o significado ao tridente de poseidon, deus dos mares na antiga mitologia grega, desconstruído pela nova religião dominante. Existe uma enorme diversidade a ser conhecida naquela região e que nos possibilita ver aquelas revoltas sendo fruto, sim, da insatisfação da população árabe com a escalada de poder dos EUA, bem como os responsabilizando pela crise econômica que tem levado a juventude daqueles países a amargarem um desemprego crônico e estrutural.

Aliado tudo isso, uma tradicional luta nacionalista, que não se envolve com o sectarismo islâmico e que se aproxima das idéias socialistas, sem necessariamente estarem afinadas com o marxismo, como reforça, no texto citado, Lejeune Mihan.

Portanto, um novo olhar sobre o Oriente, a África e a America Latina, além da Europa e EUA em crise, pode nos dar a resposta para todo esse levante popular no Oriente Médio e para as mudanças geopolíticas que estão em curso no final dessa primeira década do século XXI. E reforçar a convicção de que um outro mundo é possível.


NOTAS:

1 – Mirhan, Lejeune. Egito: não se iludam. O inimigo são os EUA. In: http://www.fmauriciograbois.org.br/

2 – Foster, John Bellamy. Uma advertência À África: a nova estratégia imperial dos EUA. In: http://resistir.info/