segunda-feira, 8 de maio de 2023

A TROPICÁLIA, A MARGINÁLIA E O ESTÚPIDO PARLAMENTAR – HELIO OITICICA REDIVIVO

A marginália, ou cultura marginal, volta à evidência, sem que ninguém saiba o que seja, ou melhor, poucas pessoas sabem, porque a maioria conhece pouco de nossa história. Mais uma vez um trôpego parlamentar, em outra estultice de sua curta e estúpida carreira, e evidentemente não irei nominá-lo para que seu nome não ganhe destaque por aqui, um ambiente que difere daquele em que ele transpira toxidade e ódio, expõe uma obra de arte como se fosse uma apologia ao crime. Não sei se ele conhece a obra, creio que não, dado ao nível baixo de seus neurônios, mas independente disso, o que o próprio deseja é despejar ódio por meio de mecanismos perversos, que coloca a educação contra a parede, cria confusão propositalmente e busca angariar seguidores nesse universo que já se sabe ser enorme, por onde se pesca mentes incautas e idiotas de todos os matizes.

Mas há uma armadilha no meio do caminho, e, lamentavelmente, segmentos progressistas seja de partidos ou de movimentos culturais e sociais, estão embarcando numa onda e seguindo um caminho que está há anos sendo traçado por essas figuras nefastas da extrema-direita. A de provocar com temas de costumes, sexuais ou de gênero. Questões por muito tempo negligenciadas, e com as mudanças nas sociedades adquiriram condições diferentes daquelas legadas pelo passado, e que vem num processo de disrupção desde os anos 60 do século XX, mas que termina por submeter-se as oscilações políticas, nas conformidades de qual segmentos assume o poder, se de direita ou de esquerda. Independente disso, esses temas, e essas condições assumidas por pessoas por muito tempo estigmatizadas ou vítimas de preconceitos pela influência de religiões e seus valores conservadores, rompem barreiras e se empoderam, num movimento de enfrentamento àqueles empecilhos criados para tolher suas liberdades.

Como as sociedade são moldadas pelas ideias das classes dominantes, e de seus valores culturais e ideológicos, o embate se torna inevitável. Contudo, infelizmente, a onda conservadora impregnada por esses preconceitos termina por adquirir uma força avassaladora, instrumentalizada por oportunistas e hipócritas, que manipulam as mentes das pessoas, em sua grande maioria desinformadas, que seguem esses preceitos religiosos e sucumbem às mentiras, armações e medos disseminados perversamente. Nos últimos tempos isso se tornou instrumento para elevar alguns indivíduos pérfidos, e maldosos, a se tornarem referências nas redes sociais, e dessa forma galgar um mandato parlamentar, e até mesmo mirando o Poder, e conseguindo chegar lá. A mentira se tornou uma arma, e para além dela, a deformação da informação e a falsificação da realidade, utilizando-se de questões reais, existentes, mas apresentadas de forma completamente distorcida.

Ora, porque falo que há uma armadilha nesse processo. Esse caminho, e essas pautas, embora importantes e necessárias, tornaram-se o foco da extrema-direita, por envolver valores conservadores religiosos, e dessa forma desviar os olhares das pessoas para questões que são mais importantes em suas vidas, e que são responsáveis para lhes dar segurança e dignidade. Ou seja, o que esses setores querem é evitar se falar das injustiças sociais existente numa sociedade absurdamente desigual, do fato de existirem classes sociais que se conflituam pela lógica de funcionamento do sistema capitalista, da degradante condição de dezenas de milhões de pessoas submetidas à exploração de uma estrutura social que faz com que 1% da população, controle cerca de 70% da riqueza.

O egoísmo, a ganância e a usura, são temas que, embora abordados nos mesmos livros sagrados onde anacronicamente se tenta preservar valores e costumes, passam despercebidos por uma massa de pessoas oprimidas e exploradas. São essas mesmas pessoas, que carregam nas costas as dificuldades de vidas sofridas por conta dessas condições de desigualdades sociais, que caem nos discursos conservadores e são alimentadas pelo ódio transmitido por aqueles trânsfugas que o direciona para tornar suporte de uma estrutural social absolutamente indecente.

Quando a esquerda, e os movimentos progressistas, deixam de enfocar essas questões econômicas e sociais, dessas disparidades gritantes em uma pirâmide social invertida, e saem na defensiva contra os disparos de fakes news e manipulação de valores, perdem a possibilidade de criar as condições para que a população se conscientize de uma realidade na qual ela vive, mas que se distancia quando sucumbe aos discursos de ódio e de pregadores oportunistas.

No caso específico, de uma camiseta que reproduz uma obra artística de Helio Oiticica, há situações criadas que geram a oportunidade desses setores. O que quer dizer uma frase “Seja marginal, seja herói”? Se não houver uma contextualização, do significado da frase, até mesmo das palavras, e do objetivo do artista que a produziu, ela gera uma dubiedade que passa a ser explorada por essa canalha oportunista e fascista, nessa onda que está trazendo de volta movimentos obscurantistas e reproduzindo grupos neonazistas.

Para comprovar pela história que esse embate, e esse debate, não é novo, basta ver quando essa obra foi produzida. O contexto era de um período sombrio, na ditadura militar, no ano de 1968, e da ascensão de muitos movimentos culturais contestadores, na transgressão de valores burgueses, e alguns até mesmo psicodélicos, como forma da juventude se contrapor ao controle cultural e aos valores conservadores que se impunham pela repressão e submissão da sociedade, principalmente os mais jovens. Aqui no Brasil, nesse período ditatorial, a Tropicália levou a juventude ao êxtase e a um crescente de formas contestadoras às imposições culturais reacionárias, num movimento puxado por cantores e compositores, homens e mulheres que buscavam formas de vida sem controle, e sem a rigidez que aqueles valores culturais impunham. "Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara! Pra ficar tudo joia rara...", cantava Caetano Veloso. Odara é uma expressão que vem do sincretismo religioso, e exalta a positividade, de origem iarubá. O que se desejava era a liberdade de se encontrar o caminho para deixar a “cuca” e o corpo aberto. Era a busca pela liberdade, contra todas as formas de opressão.

A Marginalia repete a Tropicália pelas mãos de alguns artistas plásticos, no caso que analisamos Helio Oiticica assume um protagonismo enorme, se tornando um dos artistas que mais vão se destacar nessa linha. Anarquista, adepto portanto da aversão de toda a forma de controle, mas também oriundo de uma realidade em que a alta criminalidade e as condições sociais relegavam às comunidades a escolha por ver na “juventude transviada” o algoz dos repressores e terminavam por transformá-los também em heróis de uma periferia alçada permanentemente à condição de marginalidade, no sentido estrito da palavra, de viver à margem da sociedade. Periferia não somente no sentido geográfico, mas também social, ou daquele olhar que a geografia humana nos permite ver quando estudamos as áreas urbanas, completamente desiguais, mesmo nas condições em que a pobreza, na favela, está geograficamente situada em meio a áreas nobres, como no caso emblemático do Rio de Janeiro.

Nesse contexto podemos entender a frase de Oiticica, falecido em 1980: “Seja marginal, seja herói”. Porque é o que a condição social impõe a milhões de pessoas, em suas lutas cotidianas pela sobrevivência, onde se destacam as mulheres, e onde os pretos e pretas vivem em condições que foram criadas desde o fim da escravidão.

Qual o grande problema nessa história toda? Se usamos uma camiseta atualmente com a imagem produzida, artisticamente, por Oiticica, sem explicarmos todos esses significados e essa contextualização, ela vai certamente, como foi, ser transformada em uma arma da extrema-direita, pela própria dubiedade que ela exprime. Afinal, no que se transformou a palavra “marginal”, nessa sociedade desigual, onde as favelas, os bairros pobres, as periferias, se tornaram ambientes de resistência a um sistema injusto e absurdamente desigual? Viver nesses lugares, em muitos casos controlados por traficantes e milicianos, é conviver com essa dubiedade expressa na frase. Muito embora nos últimos anos muitas ações têm sido feitas para apresentar uma outra feição dessas áreas, onde vivem, em sua maioria, famílias trabalhadoras que sofrem e lutam cotidianamente de forma honesta pela sobrevivência.

Mas o preconceito, latente na sociedade, é explorado por fascistas e por esses políticos da extrema direita. De forma que, paradoxalmente, assusta até mesmo quem vive nesses ambientes. Principalmente se frequentarem grupos cristãos neopentecostais ou católicos carismáticos, de onde se destilam esses mesmos ódios. Embora eu não queira generalizar, inegavelmente, é fato, é como acontece.

Por fim, enfatizo, porque foi a razão dessa minha abordagem, precisamos levar o debate para o ambiente que a extrema-direita foge. Da discussão das desigualdades sociais, inclusive de suas origens, da aceleração do processo de enriquecimento de uma minoria, em contraposição ao crescimento da pobreza da imensa maioria da população. De uma economia, focada na especulação financeira, e do domínio de classes sociais que, nas cidades e no campo, exploram o trabalho de homens e mulheres, para acumularem riquezas sem a menor preocupação com a pobreza na qual está submetida milhões de pessoas, forçadas a viverem em condições marginais de existência. Por aí, precisamos elevar o nível de conscientização das pessoas pobres, convencê-las a se organizarem em associações, adquirirem consciência de classe e se confrontarem com a opressão burguesa, forçando a transformações sociais que nos possibilite encontrar outro caminho para a humanidade, e para o Brasil em particular. Até lá, ser marginal e ser herói, será uma condição dúbia que é imposta por essa realidade perversa e desigual que vivemos no sistema capitalista.

Quanto àquele trânsfuga, oportunista e hipócrita, que tenta tolher nossas liberdades, esse será esquecido como um lixo na história. Mas devemos combatê-lo implacavelmente com o olhar crítico a essa podridão social que ele deseja defender.

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*Acompanhe também essa discussão pelo meu canal no YouTube:

COMO COMBATER A CULTURA DO ÓDIO E A IGNORÂNCIA

https://youtu.be/okDVUanUUkM

segunda-feira, 1 de maio de 2023

ATÉ QUANDO OS CANALHAS FASCISTAS ATACARÃO AS LIBERDADES?

Imagem: Estado da Arte

O livro Fahrenheit 451, de autoria do escritor estadunidense Ray Bradbury, transformado em filme em 1966 pelas mãos do competente diretor François Truffaut, aborda o que seria uma sociedade distópica, onde a função de um dos principais personagens, um bombeiro, seria queimar livros, numa absurda inversão da lógica para sua existência. O contexto seria no período da guerra fria, e a intensa censura que se espalhava naquele momento, mas visto também como uma crítica mordaz ao fascismo e ao nazismo, e à perseguição à intelectuais, homens e mulheres que usavam da literatura para se opor às autocracias reinantes, às ditaduras, mas também àqueles modelos de democracia que buscavam por outros meios impedir que determinada opinião se disseminasse pela população, elevando os “riscos” de revoltas populares. Como naquele momento afetava os Estados Unidos.

Mas esse artigo, ou essas palavras que uso para abominar essa prática, que se mantém de forma despudorada mesmo nos dias de hoje, sob argumentos tacanhos de “agressão à moral e aos bons costumes”, por meio de hipócritas que escondem suas feições fascistas, não é uma resenha literária ou cinegráfica. O que tento aqui é destilar minha indignação, e dessa forma atrair e alertar um número maior de pessoas, contra as práticas hediondas, pérfidas e fascistas, que se mantém em curso, apesar de em parte derrotada nas últimas eleições.

Não bastasse a estúpida e idiota ideia de emplacar uma medíocre tese de “escola sem partido”, muitos oportunistas, alguns dos quais obtiveram apoio de uma massa descerebrada e alienada, conseguiram se eleger, pois descobriram que a estupidez, e as falas toscas, geram “likes” em uma sociedade transformada pelo medo e pela alienação política e religiosa.

E não é somente esses elementos que motivam a ação desses maus-elementos. Com perdão da redundância. Mas se descobriu nos últimos anos, que a apoteose do ódio, germinada pela desconstrução da democracia desde o impeachment golpista da ex-presidenta Dilma Rousseff, e florescida em meio a espinhos durante quatro terríveis anos de um governo liderado por um bronco desqualificado, potencializa também alguns indivíduos à condição de “mito”, ou nas brechas da democracia os transformam em parlamentares.

Essa forma de direcionar os olhares na política, e as ações parlamentares ou governistas, não foca no bem-estar das pessoas, ou da sociedade. Mas é uma postura perversa, que visa por meio do ódio impedir que as pessoas possam raciocinar por meio da liberdade de discussão e da boa prática política, ou até mesmo que possam adquirir capacidade crítica, com liberdade de escolhas sobre o que lê, vê e assiste, e, claro, como se comportar em suas individualidades e desejos.

São atitudes mesquinhas, visando se projetarem às custas de valores adquiridos culturalmente, por meio das religiões, mas que se perdem no tempo e não acompanham as transformações que acontecem de gerações em gerações, embora, paradoxalmente, retornem de tempos em tempos e se radicalizem.

Dessa forma procuram encilhar as pessoas, a partir de suas imagens vistas nos espelhos deformados que expressam mais do que a visão apresenta, como também aquilo que seus diminutos cérebros de parcos neurônios identificam como “perigoso”, dentro do que classificam “modelos” de sociedades, puras, puritanas, mas que não subsistem a uma criteriosa análise de seus padrões e comportamentos, escondidos nos escombros de uma moral hipócrita e malfazeja. Seus subterrâneos são podres, por onde transitam marginais engravatados, e representam o que de pior existe em um mundo desigual, de enormes concentração de riqueza nas mãos de poucos, que se curvam religiosamente ao prazer de suas fortunas, manchadas com o sangue de corpos inertes, frágeis, miseráveis, consumidos pelas dores vividas em um mundo real que esses apóstatas pretendem esconder. Ou culpar essas pessoas por suas desgraças. Isso sim, é abominável de se ver, mas que esses trânsfugas desejam esconder, ou apresentar como “desígnios divinos”.

Imagem: Omelete
Assim, tentam censurar, impedir que se possa, por meio da literatura, da ciência, do conhecimento real e objetivo, demonstrar que o mundo real é contraditório, cheio de injustiças. Para além dessa ignomínia, tentam impedir que as pessoas possam pensar e agir por si só, sem que “bombeiros” do inferno (numa referência a Farenheit 451) ajam como juízes da moral, a impedir a liberdade de cada um poder formar sua própria opinião, por meio dos caminhos que nos libertam do jugo opressor, seja ele qual for.

Impedir que os livros possam ser consumidos por quem desejar é uma prática nazifascista, inaceitável, absurdamente recorrente por uma atitude canalha oportunista, para além da interpretação ideológica, porque visa angariar seguidores desavisados, ou completamente ensandecidos pelos discursos de ódio, lamentavelmente nos últimos anos destilados também por diversos púlpitos e altares, de onde antigamente se viam partir vozes de tolerância e empatia.

Pode-se dizer, em seu favor despudorado, que esses indivíduos usam da liberdade para se manifestarem. Mas pode uma sociedade sobreviver a práticas corriqueiras de discursos que alimentam a intolerância e o desrespeito à própria liberdade das pessoas? Onde se encontra o limite, a linha mesmo que tênue que diga haver um ponto em que tais práticas devam ser abolidas, porque apostam, por meio de mentiras, tergiversações e falsas alegações morais, e impedem que as pessoas possam ser respeitadas em suas diferenças? É preciso que por meio dos mecanismos da democracia, do Estado de direito, se possa fechar as brechas que esses indivíduos encontram, em proliferar por meio de suas atitudes torpes, ações de linchamentos físicos e morais, que prejudicam determinados segmentos sociais, e até mesmo impõe riscos às vidas de pessoas pelo simples fato de fazer escolhas de vida que lhes convêm.

Por fim, vou direto ao ponto. Visto que isso que escrevo se refere a diversos atos e práticas ocorridas no Brasil, mas não só por aqui, nos últimos anos. Preciso dizer que o mote para este artigo partiu da minha indignação por saber que uma Universidade no interior do Estado de Goiás, na cidade de Rio Verde, se quedou para um comentário fascista, de um desses indivíduos, propagadores do ódio como forma de se manter ativamente nas redes sociais, e conseguir por meios desses objetivos pérfidos, angariar simpatias reacionárias e se projetar como parlamentar. Um político goiano, deputado federal, que já estimulou o ódio aos professores, pregando que alunos e alunas os filmem, caso algo dito em sala contrarie seus pressupostos ideológicos ultra-direitistas. E, por meio da pressão, tentem impedir que a realidade seja mostrada da forma como o conhecimento e a ciência deve se comportar.

O mais trágico disso é ver uma universidade se rebaixar ao ponto de retirar um livro de literatura, da lista de indicações ao vestibular, sob o argumento do mesmo ser propagador de pornografias. Obviamente, visto assim pela mente pornográfica desse pervertido parlamentar.

Mas, se nem mesmo uma universidade resiste a essas pressões estúpidas, e garante a liberdade de expressão e valorização da literatura universalmente, que tipo de futuro estaremos construindo nesses tempos tóxicos onde se permite estabelecer um index, de livros proibidos, tal qual se fazia durante o período da inquisição, séculos atrás, durante as longas e terríveis sombrias noites medievais, quando as fogueiras e os enforcamentos eram estabelecidos como punição a quem ousasse contrariar os valores definidos pela igreja.

Não há dúvidas, precisamos urgentemente de um novo iluminismo, para romper mais uma vez com as trevas que nos atormentam e desejam impedir que o conhecimento por meio da ciência, garanta às novas gerações melhores dias, com transformações sociais e tecnológicas que façam o mundo avançar, e não regredir como desejam esses canalhas que nos querem impedir de sorrir. Faço aqui, para finalizar de fato, uma alusão ao romance O Nome da Rosa, uma das grandes obras literárias de Umberto Eco, quando por meio de mistérios e crimes inquisitoriais, o que se pretendia era impedir que as pessoas naquele período das trevas medievais, tivessem acesso a um dos livros da poética, de Aristóteles, o que trata do riso. O argumento era que estimular as pessoas ao riso impedia que elas sentissem medo. E pelo medo, ódio e maniqueísmo, se torna mais fácil controlar mentes incautas. 

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