quinta-feira, 13 de setembro de 2018

CAIADO – A FACE CÍNICA DO AUTORITARISMO


* Há cerca de dois meses (as convenções partidárias ainda não tinham acontecido) fui procurado por uma jornalista de um jornal de Aparecida de Goiânia. Ela me solicitou, por meio de algumas perguntas a mim enviadas, que fizesse uma avaliação da candidatura de Ronaldo Caiado, que liderava as pesquisas eleitorais. Como historiador e professor de Geopolítica, considerei que seria uma obrigação minha responder aos questionamentos feitos. Contudo, passados alguns dias sem que a notícia fosse publicada procurei saber quando isso aconteceria. Não muito surpreso fiquei sabendo que o jornal não publicaria por razões que ela desconhecia. Pois bem, fui a fundo, procurei tentar entender e descobri que a razão foi a pressão feita pela assessoria do candidato para que a reportagem não fosse publicada. Para mim não é surpresa isso, conhecedor que sou das práticas e do comportamento desse político. Cabe a indagação: se ele faz isso ainda como candidato, o que fará sendo eleito? Os prenúncios não são bons, sobre o futuro de Goiás e do Brasil. Quiçá ainda tenhamos tempo de alterar esse destino. Decidi, no entanto, que publicaria neste Blog a entrevista, mesmo sem o alcance que teria caso o jornal a publicasse. Espero dessa forma contribuir, mesmo que minimamente, com o processo político eleitoral em curso no Estado de Goiás, e poder expor para as gerações mais jovens comportamentos e ações de políticos que se escondem numa máscara construída por marqueteiros com o intuito de iludir as pessoas. Lamento também a subserviência de órgãos jornalísticos que giram em torno do Poder e se submetem a ele. A liberdade de expressão só é exigida quando se questiona os comportamentos persecutórios e manipuladores de alguns desses órgãos, para que eles possam se submeter a critérios verdadeiramente democráticos. Compreendo, no entanto, que as forças opressoras muitas vezes são muito poderosas e alguns desses jornais, ainda tentando se firmar num ambiente de recessão, terminam por ceder a essas pressões por simples questão de sobrevivência.

Eis a entrevista:
De acordo com pesquisas eleitorais, o pré-candidato sai na frente dos outros pretendentes ao cargo com uma vitória quase certa. Na sua opinião, a maioria da população pretende votar em Caiado pelas propostas que apresenta no Congresso, pela experiência na carreira política ou apenas porque é um nome muito reproduzido nas mídias e que as pessoas mais desconhecem sua carreira e conhecem a figura?
R – Caiado lidera pesquisas que indicam um percentual muito grande de abstenções, votos nulos e brancos. Essa tem sido a característica principal dessas pesquisas. Aliás, reflete também o resultado da eleição no Estado do Tocantins no último domingo. Metade do eleitorado não quis participar do processo.
Penso que tanto o voto em Caiado, quanto em Bolsonaro, é sintoma de uma sociedade descrente da política. Esse ambiente foi criado desde as manifestações de rua que culminaram com o impeachment da presidenta Dilma Rouseff. O problema, para a maioria da população, é que esse ambiente favorece somente aos setores conservadores e reacionários, que defendem prioritariamente o segmento que controla a riqueza e a produção e não os trabalhadores. Há um desconhecimento da história que beneficia esses candidatos que nos últimos anos carregaram no discurso do ódio, alimentando uma intolerância que foi cultivada para destituir a esquerda do poder. Na medida em que esse discurso afasta boa parte da população da política esses elementos se beneficiam, pois seguramente não votariam neles. É um equívoco daqueles que acham que se omitir é a melhor forma de resolver as coisas. Não é, pois proporciona que candidatos da anti-política, defensores de pautas intolerantes e, principalmente, que se opõem às conquistas dos trabalhadores, se destaquem. Tenho esperança que o processo eleitoral, ao se iniciar, traga um bom debate que possa esclarecer o perfil desses candidatos, e como tem sido as posturas deles na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras e como tem votado no Congresso Nacional.
Filho de uma das mais tradicionais família goiana, o sobrenome Caiado já ocupou diversos cargos públicos em Goiás. Existem alguns feitos - dessa família ou do próprio senador- que puderam ser sentidas diretamente, para o bem ou para o mal, pela população?
R – Claro que não. Os Caiados foram derrotados na política pelo avanço de idéias modernizadoras, pela necessidade de se fazer o país e o nosso Estado avançarem em políticas desenvolvimentistas e sociais com garantia de emprego para uma população sofrida. Os conservadores chamavam isso, e ainda chamam, de populismo. Essa oligarquia sempre se bateu contra os avanços, pois seus objetivos sempre foram defender grandes proprietários de terras e oprimir trabalhadores rurais e pequenos proprietários. Na base da porrada e da bala. Não há na trajetória dele, e de sua família, nenhuma política que tivesse como foco o social, os trabalhadores, os camponeses, bem ao contrário, é nitidamente defensor do grande agronegócio e dos latifundiários, que concentram rendas e não se preocupam com as condições a que está submetida a população.
Um dos líderes da bancada ruralista no Congresso, Caiado defende bastante o agronegócio. Pelas suas atuações, o político parece mais preocupado com esse seguimento do que com a própria população?
R – Com certeza. E seria assim um futuro governo seu. Sua trajetória sempre foi marcada por esses posicionamentos. Fiz minha pesquisa sobre a violência no Sul do Pará e Norte de Goiás (atualmente Tocantins) nos embates gerados pela Constituinte da década de1980, e a figura do Caiado sempre esteve presente na liderança da UDR, entidade que ele ajudou a criar e que fazia sistematicamente leilões de gados para arrecadar dinheiro para financiar milícias paramilitares e com pistoleiros, a fim de atacar aqueles que defendiam a Reforma Agrária. Padres, parlamentares, lideranças sindicais, advogados, muitos foram assassinados devido a esse movimento que espalhou violência e ódio pelo interior do país e que começou por Goiás. É esse comportamento que ele, seguramente, manterá como governador, caso venha a ser eleito. Basta verificar suas ações no Congresso Nacional e se perceberá isso com clareza. Além do levantamento de sua história de vida a partir do momento em que se constituiu como liderança dos fazendeiros latifundiários.
Quais ideologias do candidato e quais efeitos poderiam ocasionar sobre os goianos, caso eleito governador em 2018?
R – Ronaldo Caiado explicita claramente um comportamento bruto, avesso à democracia. Suas atitudes, agressivas, como as Bolsonaro, é típica de indivíduos autoritários que não se submetem a opiniões contrárias e a comportamentos diversos de seus valores conservadores. Seria um enorme retrocesso na política para o Estado de Goiás, principalmente do ponto de vista das ações modernizantes que transformaram o Estado. O que nós precisamos é muito mais ao contrário. Precisamos transformar esse perfil moderno dado ao nosso Estado na direção da solução de problemas sociais e de redução da concentração de rendas e de riqueza. Caiado defende o oposto disso, e, consequentemente, caso eleito implicaria em aceleração dos conflitos, dos crimes contra a população mais pobre e de uma situação de instabilidade social que seria inevitável. Espero que a população de Goiás abra os olhos, conheça bem o perfil dos candidatos, e opte por quem deseja paz, educação, saúde e emprego para a maioria dos que vivem aqui.
Algo a acrescentar?
R – Acredito que a situação apontada agora pelas pesquisas, que é de momento, tende a mudar quando começar os debates e for mostrado à população quem é quem. Acho que ainda está muito cedo pra se imaginar haver algum candidato imbatível. É claro que quem já está na mídia há muito tempo leva vantagem agora. Mas quando as regras eleitorais começarem a serem postas dentro do limite da lei isso vai mudar. É o que eu espero e torço por isso. Precisamos de mais democracia e não de menos. De mais política e tolerância. Aposto que as pessoas se darão conta do que é melhor para elas e escolherão candidatos que não destilem ódio. Mas não será surpresa se o resultado for esse que as pesquisas indicam. Infelizmente.


segunda-feira, 10 de setembro de 2018

UM PAÍS À DERIVA: QUE TEMPO É ESSE? PARA ONDE ESTAMOS INDO?


O Grito de Edvard Munch.
Obra expressionista
Não podemos achar que vivemos em uma ilha, onde as coisas acontecem independentemente da realidade que reflete os fatos que se sucedem no mundo. Evidente que não. O que nos afeta é consequência de transformações que foram geradas pelo fracasso daquilo que se convencionou chamar de globalização. E das políticas neoliberais que formaram as condições necessárias para que tais políticas fossem implementadas.
Fracassados os modelos tentados por essa onda de desregulamentação e destruição dos Estados o mundo se depara com uma crise, que não advém de 2008 como muitos possam imaginar. Ela é um processo cíclico que se inicia, se é que há um início ali, na década de 1970. Mas somente na década de 1990 as soluções desejadas pelo capitalismo conseguiram ser plantadas, como decorrência da decadência dos países que seguiam pelo socialismo, e em especial a União Soviética.
Passou-se a um ambiente de absoluta ausência de regulamentações, a não ser aquelas definidas por um ente abstrato, erigido à condição de sujeito: o mercado. Naturalmente isso significa dizer que não havia nenhum tipo de regulação. Em termos, claro. Porque muitos países se aproveitaram dessas circunstâncias, se incluíram no mundo globalizado sem abdicar de ter o Estado como instrumento necessário para transformar o desenvolvimento econômico e social em algo mais palatável em relação à sociedade. Ou seja, sem o Estado como instrumento regulador as classes sociais mais baixas estariam entregues a um sistema claramente marcado pela selvageria da lei do mais forte. E assim ocorreu, em muitos casos. Em outros não. E para onde foi o mundo quase ao final da segunda década do século XXI?
Essa lógica foi desastrosa. Sob diversos aspectos. No econômico levou a uma poder descontrolado das corporações, principalmente aquelas que estão na ponta dos conglomerados: os bancos. A concentração de riquezas chegou a níveis escandalosos. Houve um processo de saneamento das empresas, motivado pela lógica inerente ao sistema capitalista, da necessidade de lucros, levando a uma escalada de desempregos por diversos países, principalmente aqueles que se encontravam em fortes conflitos, seja guerras com inimigos externos, seja por desestabilizações políticas internas, acrescidos das ações de agentes que executavam a chamada “guerra híbrida”.
Para tornar a situação mais complexa o capitalismo, como é comum acontecer diante do agravamento de suas crises crônicas, cíclicas, busca um processo de reestruturação, acelerando transformações tecnológicas cada vez mais sofisticadas, por meio da robotização acentuada e da inteligência artificial. Naturalmente isso garante maior lucratividade para empresas e a redução do uso de mão de obra humana, alimentando uma crise social de proporções crescentes, trazendo junto com isso desemprego, mais problemas sociais, uma juventude cooptada pela criminalidade, desestruturação familiar, intolerância, ódio e xenofobia.
Por outro lado, governos conservadores, alguns alçados à condição de dirigentes por meio de golpes institucionais, programam medidas austeras em relação aos gastos do Estado, prejudicando as camadas mais baixas, ao mesmo tempo em que seguem mantendo subsídios às grandes empresas, ou as beneficiando por meio de isenções fiscais e garantia de infraestruturas para seus aportes e instalações.
No Brasil não foi diferente. As circunstâncias de uma situação política que levou o país a uma forte crise fiscal serviu de pretexto para a derrubada em 2016 de um governo eleito legitimamente, mediante acusações nitidamente farsescas, embora com a anuência de um judiciário carregado de mágoas por causa de decisões que feriram seus interesses corporativos.
A crise política, econômica e institucional se agravou ao longo dos anos seguintes, e deixou numa situação caótica o quadro político e social brasileiro. Um governo incompetente e imoral, completamente distanciado dos interesses da Nação, até porque não foi eleito democraticamente, adotou medidas que sufocaram mais ainda os trabalhadores e empurrou o país para uma das maiores recessões de sua história. Mas o aspecto moral foi o que mais se deteriorou, potencializado pelo crescimento da criminalidade, da insegurança, da violência e do discurso que projeta mais um sentimento de vingança do que a sensação que a justiça prevalecerá. Um vale-tudo se instalou no país disseminado por fake-news nas redes sociais que toma proporções parecidas com o que aconteceu nas eleições dos EUA e no plebiscito do Brexit na Inglaterra.
Inquisição medieval
Nesse quadro a sociedade vive a expectativa de um processo eleitoral. Numa conjuntura em que a população se vê perdida diante dessa manipulação de fatos e da utilização dos mecanismos que foram adotados em outros países, da falsificação da verdade e de informações distorcidas, aliado à perseguição comandada por um Ministério Público de uma parcialidade irritante, embora reforçado por comportamentos semelhantes do judiciário.
Assim, tudo é feito, até por meios desleais no âmbito de uma justiça que se desmoraliza, aprofundando a sensação de parcialidade explícita para que o poder político não retorne às mãos dos partidos de esquerda. À medida que os principais candidatos dos segmentos conservadores não conseguem deslanchar, destaca-se como representante do ódio alimentado ao longo desse tempo, um candidato da extrema-direita. Como característica desses perfis de candidaturas por todas as partes do mundo, seu discurso é baseado na intolerância, na descriminação ao outro sem respeito às diferenças e na alimentação do ódio, sob todos os aspectos. Um discurso que pode ser caracterizado sem erro de neonazista. Paradoxalmente, ao tempo em que professa esse sentimento intolerante, alicerça-se em crenças evangélicas, cristãs, e diz falar em nome de deus.
Cenas da Inquisção
Mas, porque esse indivíduo chegou a essa situação? Basta olharmos para a história e veremos muitos trágicos exemplos de como uma população fica refém de discursos de ódio, na medida em que perde a esperança, não vê perspectivas em curto prazo, principalmente os jovens, e são nesse desespero capturados pelo discurso fácil, enganador, manipulador. São conduzidos pelo medo, e pela forma como culturalmente foram sendo constituídos os valores e a ideologia de uma sociedade conservadora.
Submersos em momentos de avanços sociais, como na primeira década deste século, um sentimento conservador se libertou das profundezas, alimentando o medo e iludindo as pessoas com versículos bíblicos escritos há mais de dois mil anos. Seria impossível crer que um discurso de ódio e perversidade encontrasse guaridas em páginas religiosas? Não é bem assim. A história nos levará a outros tempos, e nos veremos diante de fatos por épocas passadas, onde o discurso religioso se tornou instrumento de fascistas, farsantes e até mesmo de fanáticos que levaram centenas de seguidores à morte, ou a tornarem-se, eles próprios, armas contra quem eles sequer jamais chegaram a conhecer. Porque o ódio cega, e o ódio do sectarismo fanático religioso se alimenta da ilusão e da crença de que determinado indivíduo se torna ungido e destacado por deus para libertá-lo das angústias e dos medos. E os que professam desse ódio e desse sentimento perverso, matam e se matam em nome de deus.
Marcha da Família com Deus
Pela Liberdade, em apoio
ao golpe militar - 1964
Numa situação de crise grave, de desemprego que se conta a dezenas de milhões, em que uma juventude se perde na ausência de esperança e de perspectiva, esse discurso farsesco se espalha rapidamente. E, por mais paradoxo que possa parecer, mesmo sendo os que assim propagam como sendo o escolhido, representante das camadas ricas, que defende abertamente a eliminação dos pobres pela execução daqueles que os deveriam proteger, muitos pobres, alienados, e/ou dominados pelas crenças sectárias religiosas, são facilmente convencidos por esses discursos de ódio, por esse ambiente no qual eles vivem e que a crise o aprofunda. Foi assim que surgiram os personagens mais perversos e genocidas da história mundial.
Muito embora isso, no espectro político que define a disputa eleitoral em curso, tem valido mais a disputa do Poder e da projeção partidária desconectada da preocupação com o futuro que nos aflige. Seria de esperar que num quadro assim delineado tivéssemos uma junção de pensamentos, e de partidos, que se opõem a esse perigo eminente de caminharmos para uma fascistização aberta da sociedade. Mas seguimos um enredo já visto no passado, e isso parece não despertar uma sensação de risco, ou talvez venha acompanhado de um sentimento de que uma derrota agora pode ser revertida nas próximas eleições. Provavelmente alguns estrategistas imaginam que da eleição de um desastroso e pérfido projeto levará as pessoas a se arrependerem, e imaginam um fenômeno semelhante ao sebastianismo ocorrido em Portugal, país que viu seu rei perder-se em meio a uma guerra, sem que jamais se soubesse qual foi o seu destino. A expectativa do retorno de um salvador ilude a sociedade e transfere para um futuro incerto um destino que estará sendo definido neste momento.
Podemos dizer que a história julgará aqueles que se omitirem ou manipularem um processo à custa de um jogo perigoso que envolve toda uma nação. Mas ainda temos tempo de alterar o curso dos acontecimentos. Praticamente vai se definindo uma disputa que colocará de um lado uma candidatura nesse perfil aqui analisado, que representará a destruição de tudo que se construiu e que se avançou na sociedade. Agora, a menos de um mês da eleição é preciso recuperar o tempo perdido de forma a garantir uma candidatura de esquerda na contraposição a essa onda de perseguição e intolerância que tomou conta do Brasil. A rejeição a esse projeto reacionário está num patamar bastante elevado, indicando a possibilidade de uma derrota efetiva em um segundo turno das eleições. Temos que ter foco e saber definir bem claramente quem é o alvo a ser derrotado e quais propostas o povo rejeitará nas urnas, porque trariam mais incertezas para o nosso país. Neste momento virar as baterias contra possíveis aliados no segundo turno é uma estupidez. O "fogo amigo" só ajuda o adversário.
Mas o tempo não para. E as pessoas vão se definindo, em meio a uma confusão inédita na história dos processos eleitorais brasileiro.
Não temos tempo a perder. “Nosso suor sagrado, é bem mais belo que esse sangue amargo. E tão sério… temos nosso próprio tempo” (Legião Urbana).