segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

QUE SEJAM FELIZES OS DIAS QUE VIRÃO! VAMOS INVENTAR UM 2018, COM SOLIDARIEDADE, PAZ, TOLERÂNCIA, AMIZADE E AMOR!

Não sei o que dizer do que será. Resta-me analisar o que já não é mais. Assim, na reconstrução do passado, que me pode dar a compreensão dos erros e acertos do tempo que se foi, posso melhor inventar o meu futuro. 2018, e o que mais vier.
Repito aqui, os mesmos desejos de anos anteriores, pois eles são permanentes, apenas envelhecemos um ano a mais.
Seguramente uma das coisas boas em minha vida nesses últimos anos foi a força para criar e consolidar este Blog. Gramática do Mundo, como já disse, um nome quase emprestado do historiador francês, Fernand Braudel, que criou sua Gramática das Civilizações, representou para mim muito mais do que eu pretendia que se fosse inicialmente. Transformou-se em um fórum de debate bem provocativo, como sempre fui, e sou, em minha peculiaridade, mas sempre de maneira positiva e propositiva. Através desse estímulo pude reencontrar minhas forças. E, embora as marcas do passado não cicatrizem, aprendemos a conviver com elas, e com nossas dores. Às vezes, contraditoriamente, elas nos estimulam.
Em 2018, já completando 23 anos como professor na UFG, pretendo redefinir meus objetivos. Não necessariamente,  ano novo, vida nova. Até porque o tempo é contínuo, nós, seres humanos foi quem criamos uma lógica que se impôs pela religiosidade e foi adaptada pelos interesses consumistas sistêmicos. Já não vivemos numa universidade em que a experiência conta mais do que os arroubos juvenis. Hoje vale mais a fria imposição contabilista do novo produtivismo. Sou um péssimo competidor nesse ambiente que ajudei a construir, mas que se alenta com a fluidez, e com a rapidez que caracteriza esse tempo perverso e cada vez mais insensível e individualista. A Universidade é tão somente um reflexo disso. Os idealistas não tiveram forças suficientes para influenciar nessas transformações. Ou sucumbiram ou foram derrotados.
Dedicar-me ao blog é um alento, embora academicamente seja negligenciado. Como procurei afirmar no parágrafo anterior, pouco valem nossas idéias e posições firmadas a respeito de questões que nos envolvem cotidianamente. Nos é imposto a necessidade de sempre nos referenciarmos àquilo que já foi dito, vale, portanto, o argumento da autoridade, e cada vez menos a autoridade do argumento. Mas esse blog  cumpre um papel importante para mim, para além das preocupações meramente acadêmicas, e se transformou numa catarse a aliviar os meus tormentos, de fazer libertar do fundo da minha intimidade todas as angústias motivadas pela perda de minha filha, Ana Carolina. Através do Gramática do Mundo, e tentando ainda fragilmente seguir o lema da filosofia antiga, exposta inicialmente em um poema de Horácio, no século I, antes da Era Cristã, com a expressão Carpe Diem, não me preocupo em viver obcecado com o futuro, mas buscar a compreensão do presente, de forma a vivê-lo em toda a sua intensidade.
Essa máxima permanece a guiar as minhas atitudes e a maneira como concebo a vida, embora com uma concepção materialista. Sem jamais querer eliminar as minhas memórias, as lembranças, mesmo tristes, que me marcaram e me conduziram ao presente. Bloqueei por algum tempo lembranças trágicas da internação de minha filha, até o dia fatídico da sua morte. Mas, desde 2013, principalmente após a defesa de meu doutorado – talvez algo que eu ainda devesse a ela – recuperei essas imagens, mesmo que doídas, mas já conseguindo sentir a sua presença permanentemente ao meu lado, em nossos momentos de alegrias. Carregarei para sempre suas lembranças, mas não imaginem que para mim isso significa sofrimento. São saudades, repletas de amor.
Por isso essa minha mensagem de transição entre dois momentos simbólicos (2017 - 2018), construídos seguindo uma lógica que interessa ao consumismo capitalista, apesar da crise econômica no Brasil e no mundo, mas que inegavelmente também se constitui em um momento de confraternização, e de expiação de todos os nossos problemas, eu quis produzi-la aqui. Transformo, assim, todos os meus seguidores e eventuais leitores, em personagens de minha vida, com os quais estabeleço abertamente, por essa ferramenta espetacular que é a internet (muito embora sempre sob ameaça de controle), momentos de franca discussão ideológica e intelectual, bem como compartilho todos os meus sentimentos pela perda irreparável que me consumiu e me consumirá pelo resto da minha vida, mas que aprendi a conviver com ela, superar a dor e encarar a realidade. Também as dores da vida social são terríveis, convivemos com elas diariamente, direta ou indiretamente, e não podemos viver eternamente numa caverna a olhar infinitamente para dentro de si próprio, senão esquecemos como são as coisas por aí afora, no mundo real que nos cercam e nas quais estamos envolvidos.
Continuo recebendo, principalmente nas minhas postagens mais sofridas, nas datas que mais me lembram da Carol, mesmo dez anos depois de sua morte, mensagens de amigos e amigas, e até mesmos de pessoas anônimas para mim, que só conheço pelas redes sociais, e foram e têm sido fundamentais para a recomposição de meu caminho. São, seguramente, estímulos para a superação das adversidades e me ajudam a viver a vida como expressado na filosofia antiga, nessa loucura do mundo moderno.
Isso nos dá também a convicção de que a solidariedade só precisa ser praticada, porque muito embora tenhamos a sensação de que vivemos em um mundo cruel, as pessoas, em sua maioria, têm sim, sensibilidade e expressam ainda isso de várias formas. O velho altruísmo que salvou a espécie humana em épocas primitivas permanece, ainda que hibernado pelos tempos individualistas como resquícios do neoliberalismo, e do próprio capitalismo e de algumas religiões que fogem aos próprios valores que as constituíram. Mas em certos momentos esse altruísmo se manifesta e desperta o lado sensível dos indivíduos, homens e mulheres. Talvez nesses últimos anos, além dessa palavra, uma outra devesse ser mais analisada, e mais do que isso, o que ela representa devesse ser aplicado: alteridade. Em tempos marcados pela intolerância, resgatar o altruísmo e aplicar mais alteridades em nossas relações, certamente nos ajudará a construir uma força capaz de refazer nosso mundo. Não vai ser fácil.
2017 foi, mais uma vez, um ano de crise, desta feita marcado pelo crescimento do ódio e da intolerância na relação com o outro e com o desrespeito com as diferenças. Sempre envolto nas leituras geopolíticas, que me ajudam a interpretar o mundo, e a nossa situação específica, no caso do Brasil, segui repensando os comportamentos que me acompanharam por vários anos.  Por vezes um choque, uma tragédia, em nossas vidas, torna-se capaz de nos fazer parar para refletir. Tendo não mudar minha personalidade, diante das adversidades e das cargas negativas que nos cercam, alimentadas por uma mídia insana e oportunista.  Procuro sempre seguir sendo eu mesmo, um pouco melhor da minha “ranzizesse” privada, apesar de mais velho e agora tendo ultrapassado a barreira dos 60 anos. Sim, tornei-me neste 2017, sexagenário, com muito orgulho, prazer, dores, tristezas e alegrias. 

Todos nós temos nossos defeitos que cada um de nós possui e compõe a nossa personalidade, obviamente junto com as nossas qualidades. Mas adquiri uma capacidade maior de compreender os dramas e fragilidades da vida humana. Até pela acumulação de conhecimentos que busquei no estoicismo, somando-os à minha visão de mundo, baseada na dialética materialista e pela experiência adquirida da vida. 
Não sou partidário de princípios doutrinários, segundo os quais o sacrifício é um fator essencial para que o sentimento humano se realize. Não temos que, necessariamente, buscarmos o sofrimento a fim de termos nossos “pecados” expiados. Mas é inegável que ele nos trás um choque de uma realidade da qual não esperamos experimentar. Construímos nossos mundos (assim como nossos deuses) de acordo com o que queremos, e esquecemos que não podemos querer aquilo que é inusitado, ocasional. O inevitável, ou o imponderável, pode nos trazer surpresas para as quais não nos preparamos, e da fragilidade de uma vida aparentemente perfeita, desfazem-se sonhos e ilusões de futuros construídos quase que moldados por fantasias que nos são impostas por mecanismos exteriores à nossa vontade.
Converso com minha companheira, Celma, sob óticas diferentes de ver a vida. Ela, sempre otimista, construiu toda a sua resistência à tragédia que nos abateu, buscando espiritualmente forças que traduzisse sentimentos de solidariedade e de um pensar positivo que vê ao longe, além do momento em que estamos, e constrói positivamente um futuro de esperança. Assim ela vai lidando com os projetos que o Instituto Ana Carol tem construído e, principalmente o que já se tornou uma realidade consistente, a BORDANA, Cooperativa de Bordadeiras a consolidar essas certezas construídas com o olhar para adiante.
Não tento desconstruir os sonhos, mas parto de outra perspectiva. A de que o que imaginamos ser a construção de um futuro nada mais é do que a realização do presente. Dialeticamente, ele vai sendo tecido, e termina por concretizar algo que foi pensado. Mas o que seria desse “futuro” se no presente não tivéssemos construído as bases das mudanças? Ademais, não há futuro, pois o que idealizamos como sendo isso, ao imaginarmos tê-lo construído, ele já se torna presente. E, como o tempo não para, em frações de segundos já se torna passado.
Digo isso para afirmar que são as realizações do presente que possibilitam aos nossos pensamentos se concretizarem. Contudo, nada do que se constrói hoje, ou do que se imagina construir, está livre do acaso. Mas, como não podemos ficar pensando no acaso, assim como não faz sentido a obsessão pela morte, devemos pensar sempre em viver toda a intensidade do presente. Abstraindo o egoísmo e o individualismo, logicamente. Afinal, a nossa vida não se realiza isoladamente. E, principalmente, procurarmos viver cultivando a honestidade e a solidariedade.
Assim, 2018 se construirá a cada dia. Por isso, a mensagem que quero passar é a de que cada ano novo só se completa em seu final, até lá ele simplesmente é a somatória de dias, semanas e meses. E cada um de seus dias, deve ser vivido em seu tempo, na duração que lhe foi dada por essa espetacular e indecifrável condição que adjetivamos como vida. E, ao final, ele soma-se à nossa própria história.
Então, não nos basta pensar no ano de 2018. E sim na construção dele, a partir da vivência ativa e intensiva de cada dia, separadamente. Viver um dia por vez, ao invés de nos perdermos em angústias e desesperos do que fazer depois de amanhã. Isso parece óbvio, mas estranhamente não é visto dessa maneira.
Mas alguns dirão que isso é utopia. Que é ilusão se imaginar preso apenas ao que acontecerá a cada dia, na medida em que isso acarreta um efeito em sequência e, seguindo a própria lógica da vida, impõe naturalmente o pensamento no que se seguirá.
Isso também é verdade. Mas aí reside a beleza, a incógnita e o segredo da dialética. A vida em sua mais perfeita contradição. Pela qual não conseguimos jamais compreendê-la por completo, nem vivê-la a cada momento. Pois que ela nada mais é do que uma tridimensionalidade que nos cerca: vivemos o presente, a partir de coisas que construímos do passado e que seguiremos levando adiante, naquilo que se traduz como o futuro.
Que 2018 seja assim, então, para cada um de nós. Cheio de saúde, alegria, amor, amizade, tolerância e fraternidade. Que a solidariedade jamais deixe de estar conosco cotidianamente, por mais que tenhamos em nossas ideologias o sentimento de que tudo que está aí deve ser mudado na construção de um mundo novo.
Tudo bem. Mas as pessoas que vivem a sofrer, por uma condição de sujeição à lógica irracional deste mundo, têm direito a superar seus sofrimentos. Não devemos esperar as pessoas morrerem na miséria para tomar isso como exemplo de que o sistema é injusto. Devemos condená-lo, mas salvando as pessoas... e não somente as matas, as árvores, os animais. Somos nós, seres humanos, que damos sentido a este mundo. Embora contraditoriamente sejamos nós também os responsáveis pela aceleração de sua destruição. Enfim, devemos lutar pela vida. “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás” (Che).
Que 2018 possa nos inspirar tudo isso, mas não vai ser fácil, diante dos momentos complexos e carregados de ódio que vivemos. Mas temos que lutar pela construção de um novo mundo a partir de nossos próprios exemplos. Que não nos limitemos à crítica, pela crítica, mas que apresentemos alternativas concretas para seja realizado o sonho das pessoas viverem seus presentes com dignidade. E façamos isso também com nós mesmos. Que consigamos viver intensamente cada dia, cada momento, e nos coloquemos um desafio: de a cada dia que conseguirmos superar, aumentar o número de amigos e amigas que nos cercam. E os entendamos em suas peculiaridades, em suas diferenças e os respeitemos assim, sem necessariamente compactuar com comportamentos agressivos, intolerantes, preconceituosos. Isso desfaz amizades, são inaceitáveis, ignora a alteridade, destrói-se o altruísmo e brutaliza as relações humanas. São comportamentos que devem ser combatidos, a fim de construirmos um mundo novo. Sim, acredito que um outro mundo é possível.
Certamente os desafios que temos pela frente não são fáceis. O novo ano não será fruto do que imaginávamos construir positivamente em 2017 e no ano anterior. Algumas coisas, necessárias para isso, fugiram do nosso controle e se perderam em meio á perversão de um governo insensível, corrupto e focado nos interesses dos mais ricos. Mas devemos lutar, sempre, acreditando que a vida pode ser vivida de forma plena, sem esquecer que não vivemos sós e que os muros não nos protegem, simplesmente escondem uma realidade que nos oprime, que precisa mudar, mas da qual é impossível fugir.
Essa vontade de lutar, que, particularmente, pude recompor nos últimos anos, deve estar imbuída do sentimento de que a transformação deve ser coletiva. Pensar somente em mim, não vai ajudar a construir o mundo melhor e mais solidário. Meu tempo de vida não é longo, o de nenhum de nós é, comparando-se ao tempo da história humana, e mais do que isso, se compararmos ao tempo de existência da terra. Portanto, se temos que lutar por algo que valha a pena, que isso se traduza em uma conquista que seja plena para a humanidade. Ao contrário do que se possa pensar, e é assim que vejo, isso não se contradiz com o lema que sugeri lá atrás. Carpe Diem! Significa que devemos aproveitar o momento, confiar o mínimo possível no amanhã, mas o que proponho na junção desses dois desejos é, ao mesmo tempo em que lutamos por um mundo melhor, viver a vida com serenidade, desprendimento, vivacidade, respeito, honestidade e compreensão. Se queremos aproveitar cada momento, podemos também plantar sementes daquilo que imaginamos ser o melhor, para cada um de nós, individualmente, e para todos e todas coletivamente.
Quem sabe assim atingiremos nosso objetivo de inventar um 2018 que corresponda ao que desejamos. Mas, além disso, construir um futuro que possa refletir o presente que idealizamos.
E o façamos tornar-se realidade.
Feliz 2018!! Um brinde à construção de um mundo novo. “Sonhos, acredite neles, com a condição de realizar escrupulosamente a nossa fantasia” (Lenin).
Carpe Diem!


“Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati. seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida aetas: carpe diem quam minimum credula postero”.
“Tu não procures - não é lícito saber - qual sorte a mim qual a ti os deuses tenham dado, Leuconoe, e as cabalas babiloneses não investigues. Quão melhor é viver aquilo que será, sejam muitos os invernos que Júpiter te atribuiu, ou seja o último este, que contra a rocha extenua o Tirreno: sê sábia, filtra o vinho e encurta a esperança, pois a vida é breve. Enquanto falamos, terá fugido ávido o tempo: Colhe o instante, sem confiar no amanhã”.
 "Odes" (I,, 11.8) do poeta romano Horácio (65 - 8 AC) 




(*) A idéia central desse texto eu construí no final de 2011. Adaptei-o já por diversas vezes em algumas partes, e o faço mais uma vez para torná-lo atual a mais um momento de transição em nossas vidas. Um feliz ano novo aos leitores e leitoras do blog Gramática do Mundo e aos meus amigos e amigas do Facebook. Que possamos continuar lutando pela construção de um mundo melhor.  E que em 2018 possamos avançar muito nessa direção. Um forte abraço.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A GRADUAÇÃO NA UFG. QUEM AVALIA QUEM?

Durante a última campanha para candidato a reitor pude discutir intensamente os problemas que cercam a graduação na Universidade Federal de Goiás. Pela análise que fizemos era perfeitamente visível a absoluta ausência de um projeto focado na adequação do nosso modelo de ensino à realidade que se transforma aceleradamente, como consequência não somente do crescimento da Universidade, mas das mudanças geradas pelo ENEM e pela Reforma do Ensino Médio e as que afetam novas gerações de estudantes e nos impõe a necessidade de experimentarmos outras metodologias e novos mecanismos de interação entre professor/aluno, e principalmente diante das tecnologias que modificam hábitos e transformam comportamentos.
É nítido que nos últimos anos a universidade passou a priorizar mais a pós-graduação. Não vou entrar nessa discussão, que já fiz em outros momentos. Repito, para que não pairem nenhuma dúvida, que considero imprescindível o fortalecimento dos cursos de pós-graduação, não somente pela necessidade de formarmos novos doutores e termos um número maior de publicações científicas. Mas pela própria essência desses cursos, que focam na necessidade de apresentar novos conhecimentos e teses, por meio da pesquisa, constituindo-se em uma necessidade estratégica para o desenvolvimento do país.
Mas tudo indica que o modelo de universidade existente no Brasil, no âmbito dessas instituições públicas que investem fortemente em pesquisa, se esgotou. A graduação perdeu espaço para a pós-graduação, por diversos fatores. Principalmente porque esta garante aos professores maior protagonismo dentro do ambiente acadêmico e possibilita uma maior visibilidade para suas competências.
A graduação é a base da Universidade. É por ela que buscamos formar nossos melhores estudantes, não somente para torná-los profissionais competentes, mas também para que daí possa sair novos pesquisadores e professores. Por isso ela não pode ser posta em segundo plano. A condição para termos bons pós-graduandos é termos muitos bons graduandos. No entanto, a maior valorização das pós-graduações terminou ocasionando um certo distanciamento de boa parte dos professores da graduação. Até por uma questão de limitação da capacidade em sua atividade, já que há implicações decorrentes da necessidade de orientar um número considerável de alunos pós-graduandos. Assim passou a haver uma sobrecarga de trabalho para aqueles professores que se deparam com essa situação. E, na medida em que algumas exigências para elevar a pontuação desses cursos impõem publicações de artigos constantemente e uma permanente aferição do que se é produzido, incluindo quantidade de orientações, torna-se extenuante e estressante a maneira como se dá essa divisão e a responsabilidade de conseguir atender às pressões que só aumentam pelos mecanismos muitas vezes perversos que são criados pelos órgãos responsáveis por definirem os critérios e avaliação desses cursos e das atividades dos seus professores.
Dessa forma, já que os critérios que avaliam os cursos de graduação não seguem o mesmo padrão nem as mesmas exigências; bem como não implicam em atrair recursos das agências de fomentos; além de não garantir as projeções e visibilidade às competências que nos últimos anos reforçam vaidades e podem significar bolsas de produtividade, inevitavelmente o interesse maior, bem como o efetivo desejo de quem já entra na Universidade pensando como pesquisador, e não como docente, faz com que se inverta a lógica como deveria ser o ambiente acadêmico. A pós-graduação assume, assim, a condição de um melhor caminho para a carreira docente.
Isso trouxe como consequência uma certa indiferença quanto à graduação. Faz-se o que se pode, até porque se é obrigatório dar um mínimo de aula, por exigência legal. Falta estímulo e a universidade não apresenta alternativas a uma realidade que não é grave somente por isso, mas porque temos a cada ano gerações de alunos que se deparam com uma estrutura de ensino secular, muito embora eles carreguem hábitos gerados por uma sociedade em acelerada mutação e por lidarem com cada vez mais novidades tecnológicas que superam os mecanismos que usamos em salas de aula.
O contraditório, lamentavelmente, é que aqueles professores que desejam se dedicar mais às aulas de graduação são vistos como inoperantes e improdutivos. O que demonstra uma perversa incompreensão sobre a importância dos anos iniciais dos estudantes na universidade, formativos principalmente para suas escolhas do que se dedicarão ser, bacharel, pesquisador ou professor. Mas é essencial que a cada escolha as competências sejam fundamentais, e, portanto os níveis de conhecimento não podem ser diferentes. Não tem sido esse o rumo tomado pela universidade, o que resulta em desestímulos e distanciamento, na relação entre boa parte dos professores com suas atividades em salas de aula da graduação. Infelizmente, o modelo de universidade dificulta medidas que alterem essa realidade, já que o foco maior é na pós-graduação.
Ocorre que as alternativas que porventura venham a ser encontradas, só serão possíveis de acontecerem se houver, efetivamente, prioridade na atenção que a graduação merece. Isso implica em procurar compreender as condições em que se encontram cada curso, o perfil dos alunos e alunas que entram nesses cursos, quantos saem por necessidade, desestímulo ou buscam outras opções mesmo dentro da universidade, analisar as suas capacidades ainda no ano inicial e encontrar novas ferramentas e metodologias que se adéquem ao perfil de uma geração dominada pela tecnologia.
Nada disso tem sido efetivamente feito. Ou acontece esporadicamente e de forma isolada. Há mais de uma década que a universidade não passa por um profundo processo de discussão curricular e de avaliação dos cursos de graduação visando uma mudança e adequação aos novos tempos. Esse enfraquecimento da graduação, e o fortalecimento da pós-graduação, refletem-se nas escolhas feitas pelos professores, que seguindo uma lógica impositiva, preocupam-se com suas carreiras. Entendo que tudo isso é responsabilidade dos que estão à frente da Universidade, que estabelecem prioridades e são submissos a critérios questionáveis superiores.
No entanto, para forçar uma outra responsabilidade, que deveria ser natural, a reitoria da UFG adota medidas que desvirtuam os mecanismos que colocam os professores na condição de mestres. Quebram-se hierarquias e as substituem por um democratismo questionável, jogando para aqueles que deveriam ser os discípulos a condição de julgarem eventuais improbidades, livrando os que deveriam ser os condutores dessas fiscalizações, os diretores das unidades, de assumirem suas responsabilidades.
Não se trata de querer blindar os professores de serem avaliados por suas competências. Mas isso deve ser feito, rompendo-se qualquer tipo de corporativismo, pelos que assumem as condições para isso. Os diretores tornam-se chefes imediatos, e devem acompanhar, juntamente com as coordenações de cursos, a rotina de seus subordinados, sejam os técnicos-administrativos ou os professores. Hierarquicamente eles são os responsáveis por isso, mas não o fazem, porque se tornam reféns de uma estrutura que nos últimos anos têm primado mais por uma horizontalidade administrativa, fazendo, inclusive com que os próprios colegas sejam os fiscais das atividades do outro que se encontra no mesmo nível hierárquico. O que pressupõe dizer que é o caminho aberto para o assédio moral horizontal, que tem sido muito comum em diversas unidades. Essa forma caótica de administrar, se apresenta com um verniz democrático, mas constrói um ambiente muito mais marcado por perseguições, vaidades, assédio, do que propriamente um espaço de construção de saberes, de formas respeitosas de conduzirem o conhecimento.
Não bastasse, portanto, as avaliações às cegas às quais somos submetidos, não podendo assim identificar o perfil do aluno/a que está nos avaliando (já que poucos o fazem), a reitoria oferece como grande mudança nesses anos em que, inoperantemente, esqueceu a graduação, a possibilidade de o estudante denunciar o professor que porventura chegue atrasado para sua aula.
Ora, a responsabilidade disso é a direção da unidade e as coordenações dos cursos. Afinal, que medida se tomará contra um professor que eventualmente seja “denunciado” por um aluno/a por chegar atrasado? Se nem sequer se toma medida adequada contra os que são acusados de assédio sexual? Portanto é mais uma medida inócua, que gradativamente vai minando a autoridade do professor/a, e banalizando a relação que deve ser construída com base em competências respeitadas e hierarquicamente definidas.
Os Centros Acadêmicos devem
cumprir esse papel de fiscalizar
o funcionamento dos cursos
E criticar essa medida obtusa não significa compactuar com atitudes relapsas e irresponsáveis que porventura existam. Mas é preciso que em vez de empoderar individualmente, e abrir espaços para conflitos entre professor/a e aluno/ a reitoria deveria estimular os Centros Acadêmicos a acompanharem as condições existentes em seus cursos, do ponto de vista administrativo e acadêmico. E ele, o centro acadêmico, ser a voz dos estudantes na relação com a direção da unidade, para cobrar desta uma atitude em relação àquele docente que não esteja cumprindo sua obrigação. Como presidente de um centro acadêmico, na década de 1980, pude realizar um abaixo assinado e entregá-lo, e o fiz pessoalmente, à diretora de nossa unidade (que posteriormente veio a ser a minha orientadora no Mestrado), solicitando o afastamento de uma professora que faltava às aulas sem avisar nem dar justificativas. Pudemos fazer isso, sem quebra de hierarquias e sem que essa cobrança resvalasse para embates personalizados. O Centro Acadêmico foi o porta-voz da insatisfação de quase uma turma inteira, mas nem mesmo assim o foi em sua totalidade, já que alguns colegas não quiseram se manifestar.
Atitudes como essa certamente não receberá muita atenção porque o comportamento que existe dentro da universidade atualmente é de completa paralisia, como de resto acontece com toda a sociedade. Entretanto, essas medidas só serão sentidas com o tempo, e aí em meio à passividade já estaremos diante de uma situação que afetará nossa condição professor. Prevalecerá o estilo “amiguinho/a” da relação professor(a)/aluno(a) e seguramente, ao contrário do que pretende tal medida, prejudicará quem tem uma postura mais rígida no controle da frequência dos/as alunos/as, já que este/a estará submetido/a a um único deslize para que se proceda uma possível “vingança” de quem não aceita ser punido pelo professor por chegar atrasado na aula. O caminho será, inevitavelmente, deixar de fazer chamada e prevalecerá a cumplicidade, já existente em outras situações.
Mas, afinal, se essa medida foi tomada, significa que a reitoria tem informações sobre atrasos de professores. Ora, se isso acontece, porque por meio da Pró-Reitoria de Graduação não é solicitado informações às coordenações de cursos e direções das unidades, para que se procedam as medidas desejadas? E naturalmente isso não poderá ultrapassar a de uma conversa e de reclamação perante esse professor, para que tal fato não se repita. Afinal, existe no âmbito do regimento da Universidade, algum tipo de punição para o professor que insista em chegar atrasado? Juridicamente seria possível afastar algum professor por isso? Parece-me que não.
A universidade precisa debater reformas
mas também a saúde do professor -
Ver o significado da Síndrome de Burnout*
Portanto, a medida além de inócua é absolutamente duvidosa quanto aos resultados, além de questionável do ponto de vista pedagógico, uma vez que se inverte a lógica na relação professor/a aluno/a. Insisto que cabe às direções estarem atentas à maneira como os cursos de suas unidades estão funcionando e se os professores e funcionários estão cumprindo devidamente suas responsabilidades. Mesmo nessa circunstância, hierarquicamente definida, o caminho é o do diálogo e do convencimento, de forma a proceder à regularização de algum eventual desvirtuamento das nossas funções. É assim que deve funcionar uma Universidade.
De minha parte, assino com tranquilidade este artigo, pois não me lembro de quando tive um atraso em dia de aula. E se em algum momento isso aconteceu em meus 21 anos de universidade, o fiz com justificativa. Por outro lado, jamais fui conivente com atraso de alunos/as, dentro da exigência que é estabelecida pelo regimento. Mas não será com medidas como essa, que iremos resolver os graves problemas pelos quais passa o ensino de graduação, principalmente nas licenciaturas. Ao contrário, poderá ser fator gerador de conflitos na relação professor-aluno.
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(*) http://www.unaerp.br/revista-cientifica-integrada/edicoes-anteriores/edicao-n-2-2014-1/1464-161-454-1-sm/file