domingo, 29 de agosto de 2010

CRIAÇÃO!


Estive no Sul do Pará (São Geraldo) e Norte do Tocantins (Xambioá) na semana que passou. Fui a convite do Ministério da Defesa, para ser observador das atividades que estão sendo desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho Tocantins, criado a partir de uma determinação judicial para buscar os corpos dos guerrilheiros mortos durante a Guerrilha do Araguaia na década de 1970. Pretendia incluir no Blog um relato dessa experiência como próxima postagem. Contudo mudei de opinião quando ao retornar assisti ao filme CRIAÇÃO. Na verdade já durante o filme me senti impelido a exprimir o sentimento que me invadia a cada cena que eu via.

Quando este filme foi exibido no circuito comercial me programei por várias vezes para assisti-lo, mas sempre relutava, por não me sentir ainda devidamente preparado para lidar com uma emoção que eu sabia ser incontida. Os que já o assistiram e me conhecem, ou pelo menos já leram meus textos neste blog, saberão qual a razão, mesmo antes que eu faça esse relato.
O filme trata de um conflito que atormentou Charles Darwin quando ele se preparava para concluir a elaboração de seu projeto que culminaria na publicação do livro A ORIGEM DAS ESPÉCIES. Disso eu sabia quando tomei conhecimento do mesmo, mas evitei por todo esse tempo, mesmo na época em que ele foi projetado no cinema, ler qualquer artigo e comentário a fim de não me deixar convencer por opiniões de terceiros. A razão: Darwin perdera uma filha, a primogênita, durante o período de reflexão sobre todo o estudo feito durante sua viagem que percorreu vários continentes, a bordo do navio Beagles, alguns anos antes dessa perda.
Aos 10 anos, mesma idade que tinha minha filha, e com o mesmo nome (Annie – Ana), ela por sua idade transpirava curiosidade e se envolvia pelas idéias do pai, a ponto de proporcionar outro tipo de conflito, aquele que envolvia a crença professada na comunidade e por sua mãe, baseada na existência de Deus e de seu protagonismo como criador do mundo.
Essa também era uma situação que sempre me atormentou, por ser ateu, embora nunca tentasse impedir que minha filha freqüentasse a igreja católica, religião seguida por sua mãe e avós. Tanto quanto o conflito vivido por Darwin me deparei com uma angustiante realidade, não ter a religião para aplacar minha revolta e fazer-me conformar com sua morte na esperança de que ela estivesse em outra dimensão onde eu a pudesse reencontrá-la.
Darwin viveu um conflito numa época em que se contrapor à crença criacionista representava um isolamento da comunidade semelhante à contaminação por lepra. Seus conhecimentos que se aprofundavam em direção a uma linha evolucionista do mundo geravam estremecimentos com sua esposa e com líderes religiosos, sempre poderosos principalmente nas pequenas cidades européias do século XIX. Além do fato dele próprio reconhecer, segundo o livro em que se baseia o filme, que a religião fora fundamental para estabelecer uma moral, os valores éticos e a família.
Ao perder sua filha e se deparar com a intensificação de seus conflitos, interiores e exteriores, Darwin se entregou ao desespero e à desesperança, atitude presente na maioria daqueles que passam por semelhante infortúnio. A ponto de quase desistir de completar um trabalho que revolucionaria os conhecimentos acerca de nossas origens.
Durante todo o filme várias questões me faziam mergulhar em uma viagem pelo tempo, numa celeridade que me deixou tenso até o final. Além de me emocionar em vários momentos, principalmente aqueles que demonstravam a enorme afetividade existente entre ambos e os que traduziam certa culpa, algo que, creio, todos sentimos quando perdemos um filho ou filha.
Mas o que mais me sensibilizava era ver um Charles Darwin não como o mito como sempre conhecemos ao ler suas obras, mas o ser humano diante de um conflito existencial e de um sofrimento pelo qual eu também passara. E na dimensão do que ele produzia, de questionamento da existência de Deus enquanto criador do universo, reduzir toda a sua inteligência a uma insignificância e impotência diante do imponderado. Em certo momento ele tenta se entregar à crença da existência divina, no afã de ver algum milagre que pudesse fazê-la continuar vivendo.
Em vão, como não poderia deixar de ser. Somente restou a ele lutar contra suas culpas e lidar com a perda da filha admitindo a morte dela de tal forma que pudesse sentir a sua presença e não a sua ausência. Foi o mesmo conflito que me possibilitou ver reduzido o vazio causado pela perda de minha filha. Apesar de não significar uma aceitação serve para amenizar a dor, buscando trazer as lembranças dos momentos felizes de forma a perpetuar sua presença na mente e no coração.
Darwin superou esse conflito, terminou sua obra que denominou A ORIGEM DAS ESPÉCIES, e, claro, levou às alturas outro tipo de contradição, na medida em que se contrapunha com argumentos científicos às crenças idealistas desprovidas de comprovação empírica.
Mas, acima de tudo, demonstrou com sua própria vida que se não há Deus, não pode o homem imaginar assumir essa condição, por mais que tenha em suas mãos instrumentos poderosos a ponto de fazê-los parecer superiores, mitos que mais se assemelham a deuses do que a seres humanos. Darwin não pensava assim, ele compreendia perfeitamente o claro conflito entre vida e morte, mas para mim é o que a sua vida demonstra, agora que a conheço e não apenas as suas idéias.
Exatamente por isso julgo ser necessário conhecer as pessoas pelo que elas são e como vivem, não somente por suas idéias ou pelo que se diz delas. E, principalmente, que os nossos sentimentos e valores são construídos a partir das relações que criamos no ambiente em que vivemos, e sujeitos a serem modificados a cada momento em nossas vidas a depender das circunstâncias.
Espero que os leitores deste blog possam também assistir ao filme e compreender a dimensão de sua mensagem.

IMAGENS:
1. movieplace. com.br
2. cartesianofinito.blogspot .com
3. forum.outerspace.terra .com.br
4. livrariasaraiva. com.br
5. viadeacesso. com.br

sábado, 21 de agosto de 2010

TRAÇADO DA EXCLUSÃO NA CIDADE DO AUTOMÓVEL

Goiânia tem crescido de forma acelerada, o que aliás não a torna uma exceção quando analisamos o crescimento urbano nas últimas décadas, principalmente nas grandes cidades, capitais ou, se quiserem, metrópoles regionais. Claro que dependendo da região esse crescimento é diferenciado, e isso faz muita diferença quando tratamos de um Estado cujo desenvolvimento tem sido bastante acentuado nos últimos anos.
A centralização geográfica do Estado e um traçado moderno efetuado em nossa capital, Goiânia, munindo a cidade de infra-estruturas capazes de atrair pessoas de outras regiões em busca de garantias de mais segurança justificam essas transformações. A conseqüência disso tem sido um aumento visível do número de veículos circulando pela cidade. É visível a lentidão em agir e planejar em comparação com o aumento da população e do número de veículos. Embora para todos seja perceptível que isso seria inevitável.
O caos que afeta o trânsito em Goiânia não é exceção no quadro das grandes metrópoles, seja no Brasil ou em qualquer outro país. A exceção é quando se encontram cidades cujos recortes espaciais beneficiem as pessoas, os cidadãos. Quase sempre a arquitetura nesses espaços urbanos segue a lógica de uma sociedade que valoriza mais os automóveis – velho sonho de consumo da classe média, e atualmente praticamente de todas as pessoas, ansiosas por fugir de um transporte coletivo ineficiente.
Falta eficácia na adoção de políticas que amenizem esse sofrimento e imponha limite ao poder monopolista das empresas, pondo fim ao monopólio exercido por algumas delas e garanta um efetivo oferecimento de serviços baseado na eficiência e na qualidade. Isso sim é o que pode possibilitar aos cidadãos trocar por alguns dias seus veículos pelo uso de um transporte que atenda às suas necessidades sem tratá-los como gado. Caso contrário, prosseguirá sempre, cada vez mais, elevando-se o número de novos veículos que entram em circulação em Goiânia, e isso se conta em milhares.
A prosseguir essa lógica, melhor será denominar essa de “sociedade do automóvel”, com as preocupações definidoras do traçado arquitetônico sendo ditadas pela necessidade de garantir a circulação de veículos em áreas comerciais para atender à pressão do comércio. Foi isso, aliás, que motivou uma irresponsável deformação da Avenida Anhanguera, dificultando enormemente o trânsito de pedestres. Uma intervenção do governo do Estado na época à revelia do governo municipal, criando uma situação de difícil reverso.
Em época de eleições, propostas apresentadas como meios para facilitar a vida do cidadão, nos coloca em sobreaviso, na medida em que propõe-se criar mais uma anomalia na cidade, enfiar um metrô de superfície na avenida Anhanguera. Imagine o caos que será criado com a proposta de um “veículo leve sobre trilhos”, circulando em alta velocidade em uma estreita avenida, preparada inicialmente para suportar um fluxo de veículos e pedestre tendo em vista uma cidade com cinqüenta mil habitantes. O veículo “leve” a que se refere os que propõe tal medida, pesa toneladas e representa seis a sete vagões, cada um maior do que um ônibus. E o cidadão, como se deslocará de um lado para outro da avenida? Metrô, sim, e com urgência. De superfície, no entanto, será uma anomalia.
O outro lado da história se reflete na cultura gerada por toda a ineficiência, e o conseqüente estresse que gera violência em meio ao caos urbano; estupidez, mortes, e o confronto agressivo por pessoas que sequer se conhecem, bem ao estilo “nunca te vi e sempre te odiei”.
No meio de tudo isso o pedestre, sem dúvida o mais fragilizado e vítima contumaz do que considero uma arquitetura da exclusão. Todo um traçado urbanístico que nega ao cidadão direitos essenciais e o coloca numa situação de perigo semelhante àqueles que se situam na Faixa de Gaza, Iraque ou Afeganistão, áreas de perigosos conflitos armados e regiões de guerra quase permanente. Se alguém duvida tente atravessar a BR-153, no perímetro urbano de Goiânia a qualquer hora do dia, mas principalmente no começo da manhã e final da tarde. E esse é apenas um exemplo, temos muitos outros por toda a cidade.
Apesar de constantes campanhas educativas, as estatísticas não indicam nem uma redução no número de vítimas e muito menos uma diminuição da agressividade dos motoristas, demonstrados na irritabilidade crescente e na velocidade com que trafegam pelas ruas e avenidas. A lei seca diminuiu por certo tempo esses índices, mas retomaram seu ímpeto de crescimento na medida em que a fiscalização tornou-se ineficiente, como tem se demonstrado, principalmente em nossa capital, onde concentra-se o maior volume de tráfego de automóveis. É sabido que o número de fiscal é extremamente reduzido em função das necessidades. Mais uma vez comprova-se a incompetência de um planejamento urbano, pois não se contrata pessoal na mesma proporção em que cresce o movimento e o número de automóveis.
Essa impossibilidade de reverter esse quadro dentro de um processo educativo fez com que se multiplicasse a quantidade de fotossensores, colocados em áreas de muitos acidentes e cruzamentos sinalizados por semáforos (o que não deveria ser necessário, pelo óbvio, os semáforos deveriam ser respeitados, bem como os limites de velocidades). Em reação a isso cresce uma gritaria, a meu ver desqualificada e oportunista em vários sentidos. Ora, se há um limite de velocidade a ser respeitado, o que torna esses sensores ilegais? Se há em algumas vias um excesso de acidentes causados por irresponsabilidades e imprudências, o que deve ser preservado, a vida ou o prazer criminoso da velocidade em áreas que em nada se assemelham a um autódromo? Tão hediondo quanto as mortes criminosas é o fato de proliferarem escritórios de advocacia que se especializaram em ganhar dinheiro em cima dessa bizarra situação – ao invés de defenderem a vida, dispõem-se a lucrar contra uma lógica que visa, acima de tudo, fazer com que a lei seja respeitada. Infelizmente, a administração de Goiânia absteve-se de atuar nessa área, não alterando o número de sensores, mesmo diante de uma necessidade visível.
Manifestações em vários pontos da cidade exigem lombadas eletrônicas para impedir as constantes mortes cujos números alarmantes já foram divulgados em reportagens na mídia. Mas o que deveria escandalizar, não impede que a demagogia prevaleça em alguns discursos, principalmente em épocas eleitorais, quando certos candidatos referem-se à existência de uma “indústria de multas”, e propõe reduzi-las, mas inexplicavelmente calavam-se e não citam os crimes patrocinados por quem transforma seus veículos em armas letais.
Não se pode prescindir de campanhas educativas, principalmente para alertar as novas gerações, mas seria absurdo evitar a instalação de fotossensores quando a realidade aponta na direção de desrespeitos repetidos, à revelia da lei e completamente insensível ao valor que deve ser dado à vida.
O desafio é grande, mas acima de tudo, é preciso refletir sobre o futuro reservado aos cidadãos nas grandes metrópoles, e a quem deve servir o traçado nessas cidades: aos indivíduos ou aos automóveis.

(*) Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Popular, durante o período da campanha eleitoral de 2004. Fiz pequenas alterações e decidi postá-lo por considerar que o tema está bastante atual.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

NO LIMITE!

Vivemos uma era de intolerância? A humanidade está fadada à se autodestruir a partir de um estilo de vida competitivo e estressante? A violência é inerente à “natureza” humana?

Temos ultimamente verificado uma profusão de artigos nos meios de comunicação enfatizando a forma como a violência tem se tornado banalizada. São crimes praticados por motivos fúteis e reações intempestivas a pequenos e irrelevantes acidentes que geram um comportamento estúpido e irracional, fazendo com que até mesmo pessoas que jamais se conheceram tornem-se em frações de segundos inimigos mortais.

Como avaliar esses comportamentos? Eu, particularmente, não sou psicólogo, portanto vou analisar essa situação, nessas poucas linhas, por um viés geopolítico. Mas como fazer isso? Será que todo e qualquer conflito, mesmo no mero cotidiano de nossas vidas, pode ser estudado a partir da geografia?

Sim, não somente da Geografia Política, mas também pela História, Sociologia, Filosofia, Economia Política e, claro, Psicologia, porque esta se preocupa mais diretamente nos estudos desses e de todos os tipos de comportamentos humanos. Mas onde podemos buscar as origens para tais comportamentos? Vejam que a psicologia para tentar entender certas situações aflitivas em determinado indivíduo, busca conhecer o seu passado, e através dele chegar ao âmago de sua vida, seus traumas, frustrações, fracassos, ou seja, o conjunto de eventos que determinaram como a sua memória está constituída. Enfim, sua história de vida.

Partimos, portanto, do pressuposto que para conhecer o presente é insofismável se aprofundar no passado. Como em qualquer terapia, para conhecermos a origem das angústias que afligem certa pessoa, é fundamental sabermos o que tal indivíduo acumulou de experiências negativas que causaram certas anomalias em seu comportamento, a ponto de provocar em determinado momento uma ira incontrolável, fazendo-o reagir violentamente contra aquele que cruzar seu caminho em um instante de fúria. Ou propiciar outro caminho, da introspecção, depressão, que o fará agir com brutalidade não somente contra o outro, mas para consigo mesmo. E, às vezes, sequer alguma reação esse indivíduo terá, esgotando em si mesmo a vontade de viver, sendo consumido pela desesperança e tristeza profunda.

Essas são situações que crescem no cotidiano das grandes cidades, metrópoles aceleradas marcadas por sentimentos contraditórios, mas cuja lógica reside no fato de as pessoas precisarem sagrar-se vitoriosas em meio a uma competição desmedida, e na busca por um estilo de vida que os consagrem vencedores. Nesse jogo, seguindo o que determina os valores construídos pelo sistema em que vivemos a vitória não é o fim de tudo, pois deve ser permanente para manter e ampliar o que foi conquistado; e a derrota enseja tais frustrações que forçam alguns por caminhos que imaginam ser um atalho também para atingir esses objetivos. Tais atalhos, de um jeito ou de outro, leva a desfechos indesejáveis, na medida em que se rompem valores e quebra-se a estrutura moral na qual está fundada a sociedade.

Podemos partir de uma frase muito repetida em uma propaganda da maior rede de supermercados do país, na voz de um dos nossos melhores compositores: “o que faz você feliz?”. A resposta para isso, segundo o marketing apresentado, é consumir. Seguindo adiante no objetivo de atrair clientes, apresenta-se ainda um complemento: consumir, bem!

Significa, então, que a condição para estabelecermos relações fraternas, ponderadas, tranqüilas, é nos situarmos dentro de um padrão de vida que possibilite adquirir produtos que nos são oferecidos para consumo e massificados pela mídia de forma variada. Ao sairmos de casa, ligamos o som do carro e os programas têm o oferecimento de determinada marca; nos veículos, ônibus principalmente, uma bela donzela ou um jovem mancebo nos apresentam um produto apontado como responsável por suas formas; por todos os lados, outdoors de várias maneiras e estilos nos “vendem” todo o tipo de mercadorias. Na TV, internet, páginas de jornais e revistas, por todos os lados somos massacrados pela propaganda, de tal forma que no cotidiano de nossas relações, nos tornamos agentes propagadores desses produtos. Não são poucas as vezes que debatemos suas qualidades, e indicamos aquela marca que foi por nós aprovada. Remédios, então, nem se fala. Alguns imaginam conhecê-los melhor do que os médicos e repassam suas possíveis qualidades, num marketing indireto condicionado pela lógica consumista.

Em um ambiente carregado por esses valores, onde consumir “faz você ser feliz”, podemos encontrar a chave para as desilusões, frustrações e disputas violentas. Primeiro porque nos impõe um sentido de viver determinado pela necessidade de estarmos permanentemente em busca de melhores ganhos, já que nosso poder de consumo é incontrolado e infinito. Da mesma maneira como ao sistema capitalista não importa somente ganhar, é preciso ganhar sempre, e cada vez mais.

Imaginemos, nós que possuímos empregos regulares, a angústia e desespero de uma família cujo pai, ou mãe, aquele que dá sustentação financeira à família, encontra-se desempregado. Ou cujo salário, ao final do mês, é insuficiente para atender à necessidade, e à demanda de um grupo condicionado pelo marketing que perversamente invade sua casa pelos meios de comunicação. Como reagirá essa família ao assistir à propaganda citada, que não é a única, mas apenas um exemplo? O que está desempregado saberá na carne o que quero dizer. Mas mesmo com um salário, será ele suficiente para manter satisfeitos adolescentes cuja cultura cerca-o de desejos por produtos tecnologicamente sofisticados, ou roupas de grifes famosas? E, neste parágrafo, falo de exemplos e indago sobre questões que atingem a imensa maioria da população. O que facilita para nós a compreensão da pressão sob a qual está fundada a nossa sociedade.

Compreendendo essas contradições, e o estilo de vida que o sistema nos impõe sempre a buscarmos, podemos levar nossa análise para o âmbito da política, e nesse particular navegar melhor pelo universo de uma sociedade cujo elemento central é a competição. E, como numa disputa esportiva, a busca é permanente pelo recorde, também aqui jamais nos satisfazemos com o que ganhamos. Isso, independente do padrão de vida que analisarmos.

Simplesmente porque nossa cultura é formada a partir dos valores construídos pelo sistema capitalista, onde não há limite para o lucro, e a ganância é o motor principal a nos guiar em direção ao objetivo de sempre acumular mais. E isso independe do fato de envelhecermos, e pela lógica natural da vida em algum momento morrer. A herança, mecanismo inventado para perpetuar a busca obsessiva pela riqueza e garantia da propriedade, se encarrega de assegurar que os mortos determinem quem em vida continuará sua sina.

Isso é o que faz das cidades mais particularmente, palco principal das neuroses e conflitos, ambientes cada vez mais carregados de estupidez, violência e atitudes bizarras. Porque cabe a cada um, seguindo a forma individualista determinada pela cultura capitalista, brigar, com todas as suas forças, para superar o outro, numa disputa que determina quem é vitorioso e será escalado para atingir os melhores degraus da pirâmide social. Como no traçado geométrico dessa figura, também na sociedade vai diminuindo o percentual daqueles que atingem o pico, e os que lá chegarão quase sempre já se encontram na linha de ascendência de alguém “bem sucedido”, pouco ocorrendo a incidência de algum “cristão novo”.

Ou lutamos para alterar essa lógica, atacando o modelo que transmite esses valores culturais, ou será insuficiente exigirmos garantias de segurança por parte do Estado. Porque também esses mecanismos estão corrompidos, seguindo a lógica descrita anteriormente. Nossas prisões não serão suficientes para conter uma demanda que cresce, na medida em que se atiça a onda consumista.

Portanto, antes de nos escandalizarmos com o grau de violência que assistimos, e que em alguns casos somos vítimas, devemos refletir sobre as causas disso. Não é, em absoluto, da essência humana. É, indubitavelmente, da CONDIÇÃO HUMANA.

Em outros post, quero melhor analisar como individualismo e egoísmo vão sendo disseminados por alguns mecanismos de controle ideológico, apresentados como válvulas de escapes dessas neurastenias, mas que são por um lado consequência dessa situação, por outro, objetivo calculado desse modelo de vida. Mais uma contradição a nos envolver num pântano movediço. Para não parecer pessimista devo dizer que tenho plena convicção de que é possível sair dele. Nosso destino não está traçado.

Para não perder o costume, gostaria de indicar o filme CRASH, NO LIMITE! As histórias que se entrelaçam e conduzem à surpresas e tragédias, mostram bem como funciona o cotidiano de uma cidade cujas pessoas encontram-se á beira de um ataque de nervos. Preconceito, intolerância, medo e insegurança são os elementos motivadores das tragédias ali relatadas e que se parecem com muitas das que acontecem na vida real.


IMAGENS:

1 - meupapeldeparedegratis.net

2 - sindicaatodosjornalistasmet.blogspot.com

3 - whynotsee.co.cc

4 - www.ecopop.com.br

5 - www.abraceumalunoescritor.org

6 - www.crashfilm.com


domingo, 8 de agosto de 2010

CORAÇÕES E MENTES - DIA DOS PAIS DE UM CORAÇÃO PARTIDO

Hoje é o dia dos pais. Desejo muitas alegrias àqueles que podem abraçar o seu pai, e aos filhos que têm também essa felicidade. Algo que nos é limitado no tempo, e que devemos saber aproveitar a cada momento, da melhor maneira possível.
Há dez anos meu pai não está mais entre nós. Embora soframos muito por isso, quando perdemos nossos pais, é algo inevitável. É a dialética da vida, a contradição que nos segue. Nascemos, vivemos, crescemos e morremos. Nossos pais nos acompanham até certo tempo, depois, cabe a nós acompanhá-los, em um ciclo permanente entre a vida e a morte, que somente é rompido quando não temos filhos. Sentimos suas ausências, mas nos conformamos porque assim é a vida.

Há mais de três anos, contudo, desde o dia 13 de dezembro de 2007, essa lógica foi quebrada cruelmente, aproximando a morte da minha vida, por um atalho para o qual nunca estamos preparados. Ao contrário de quando perdemos nossos pais.
Minha filha, Ana Carolina, nos deixou, vitimada pela leucemia, uma dessas doenças contra as quais lutamos de forma desigual. Desde então, alguns dias que a sociedade celebra, em parte para atiçar a lógica consumista, mas também seguindo aquelas tradições que reforçaram os laços familiares, dentro da nossa formação judaico-cristã, nos consome em lembranças e saudades que tornam essas datas momentos tristes, quando deveriam ser momentos de alegrias.
Nada disso, contudo, impede que sintamos a satisfação de termos ao nosso lado outro filho que merece todo o nosso amor. Mas é inevitável sentirmos a ausência de uma parte de nós, que se foi consumida em uma tragédia.
Às vezes sinto um egoísmo reverso, e me consumo sozinho, internamente. É uma perda minha, a mesma dor pela qual passa também sua mãe, mas diante do sofrimento incomensurável e da sensação de ter o coração partido em pedaços, me entrego à solidão, sem considerar o fato de que milhares de outros pais e mães passam pela mesma situação.
É um sentimento único, que me faz sentir impotente por uma dor pela qual jamais conseguirei algum antídoto. Ela é permanente, como se um membro do corpo fosse dilacerado. Vivo dividido entre a impressão de que a parte perdida está em seu lugar, pois prossigo assim imaginando, sensitivamente, e a dura realidade de que é uma ausência sentida pelo coração e a mente, mas que não retornará.
Às vezes tenho a impressão de que minha filha está comigo. Por outras, sinto remorsos quando porventura vivo alguns instantes de alegria, e ao lembrar-me dela sinto vontade de punir-me, como se não fosse mais me dado o direito de sentir alguma felicidade. É um conflito permanente que devo enfrentar.

Tenho procurado fazer isso me aproximando cada vez mais de meu filho. Mas ciente de que tenho outro desafio, não posso sufocá-lo e muito menos transferir para ele o amor que sentia por ela. Meu sentimento por ele deve ser autêntico, transparente, e assim tenho procurado fazer. Amá-lo como deveria fazer mesmo com a presença dela. Nem mais, nem menos.
Esse é um dilema somente possível de ser avaliado por quem já viveu essa trágica experiência. E nada pode nos confortar, a não ser estabelecendo uma permanente relação entre passado e presente. Vivendo o amor pelo meu filho em vida, carregando em minha memória a lembrança amorosa de minha filha. E procurando tirar dessa perda algo que melhor possa me ensinar a ter uma boa convivência como meu filho.

Ter o seu carinho, amor, respeito e amizade, é o melhor dos presentes para quem tem um coração partido. Não pelo futuro, como sempre pensamos, de ter um filho para cuidar de nós na velhice, pois ele é absolutamente incerto. E, como tenho sempre dito, o futuro só existe em nossa imaginação. Mas pelo presente, pela necessidade de sobrevivermos a essa enorme perda. Somente o amor de meu filho é capaz de aliviar meu sofrimento, amenizar as lembranças e conter a saudade de um amor que ficou, mas de uma parte de meu ser que se foi.
Escrever tem sido para mim uma catarse. Este blog foi idealizado com esse objetivo, e por isso tenho postados alguns desses textos intimistas, mesclados com análises que faço das contradições que cercam nossas vidas. Em algum momento descarregarei minhas emoções particulares nesse espaço, de forma a que outras pessoas possam compartilhar comigo uma enorme dor sentida em silêncio.
Não imagino reencontrar com minha filha, pois não creio em espiritualidade. Sou materialista. Por isso, meu desafio é tê-la sempre ao meu lado. Não me conforto, portanto, com a crença de algum dia revê-la em outra dimensão. Mas, sim, com sua imagem, às vezes bem nítida em minha mente, e com um amor eterno que carrego em meu coração. Sentimento de pai, compartilhado com meu filho, a quem espero poder ter ao meu lado até o final da minha vida. 

Em 1997, quando terminei o meu livro sobre a Guerrilha do Araguaia, coincidiu de o seu lançamento ter acontecido logo depois do nascimento de minha filha. Nele coloquei a seguinte dedicatória: “A Celma, minha esposa, Iago meu filho e Ana Carolina minha filha. Partes de mim que faltavam”. Uma parte de mim, que se completara ali, se foi. Mas as outras partes que me completam permanecem materialmente ao meu lado. No coração, essas partes estarão permanentemente juntas, elas me fazem o que eu sou. E enquanto eu lembrar da minha filha, portanto enquanto eu for vivo, seu amor e o amor de meu filho sempre serão estímulos para que eu possa seguir adiante. Acima de tudo, para que eu possa transmitir a meu filho valores que lhes ensinem a viver com dignidade e honestidade.
Nesse dia dos pais, o terceiro sem minha filha, tenho meu filho comigo, e a sua amizade como o melhor presente. Mas ela também está em meu coração, e sempre estará. Entre alegria e sofrimento carregarei para sempre esse sentimento que embora dúbio é para mim um desafio, porque preciso ter minha filha sempre presente.

Esta é a principal luta que travamos com a morte. E atingirmos isso é uma vitória da vida, do amor, e da perfeita sintonia entre coração e mente. Este é o meu destino. O nosso destino!

(*) Esse texto foi originalmente postado em oito de agosto de 2010. Mas atualizei algumas partes para compartilhá-lo novamente nesse dias dos pais de 2011. Quando o escrevi, sua tia e madrinha Ana Cristina estava conosco. Exatamente no dia dos pais eu fui deixá-la no aeroporto. Ela ia retornar para sua casa em Salvador. Depois que a vi passar para a sala de embarque me dirigi para o estacionamento. Ao entrar em meu carro o telefone tocou, era minha irmã, chamando-me para pegar um objeto que estava no bolso de uma mochila que eu havia lhe emprestado. Esse objeto era um canivete multiuso, o detector de metal o descobriu em um compartimento da mochila. Nada de mais se não fosse um presente que eu ganhei de meus filhos, no último dia dos pais que Carol esteve conosco: 12 de agosto de 2007. Uma coincidência a me fazer lembrar mais ainda de minha filha, a chorar de saudades  e a olhar para aquela lembrança como  se de algum lugar ela tivesse se comunicando conosco. É a respeito disso que minha irmã fez um comentário logo abaixo. (13 de agosto de 2011)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O EIXO DO MAL (III)

De todos os conflitos analisados, que envolvem aqueles países “sublimemente” envolvidos no chamado “eixo do mal”, o mais emblemático é o da península coreana. Especificamente, para falar do protagonista na linha malévola identificada pelos EUA, em sua caça aos inimigos que compõem o “lado negro da força”, a República Democrática Popular da Coréia, no jogo Geopolítico: Coréia do Norte.
O Estado de São Paulo – 14.06.2009

Como sempre hei de dizer: olhemos o mapa. Vamos identificar as fronteiras que separam este país, como ele se constituiu, a partir da “Guerra da Coréia”, na década de 1950, que levou à divisão em dois países. Alinhada aos EUA, fruto da intervenção daquele país na guerra, a Coréia do Sul, ou República da Coréia.

Do outro lado, a Coréia do Norte manteve, após obter o apoio durante a guerra, um aliado permanente em sua principal fronteira, a China. E uma pequena extensão territorial completa sua outra fronteira terrestre, com a Rússia. O Japão está bem próximo, mas sem ligação direta com suas fronteiras, senão pelo mar do Japão. Do outro lado, o mar Amarelo.

Qual o interesse dos EUA nessa península, já que não podemos contabilizar nenhum recurso natural estratégico como de relevância para atiçar sua cobiça? É aí que as fronteiras nos dão indicação do porque estrategicamente os EUA precisam manter uma instabilidade permanente na região. Uma reunificação das Coréias seria o pior negócio para os estadunidenses, pois poderia reforçar a influência chinesa e ameaçar sua hegemonia.

De fato, a Coréia é um dos países mais fechados do mundo. Ainda mantendo resquícios das características que marcaram os países socialistas até o final da década de 1980, a Coréia reluta em abrir suas fronteiras e sua economia para o mundo. Não somente por opção própria, mas porque para fazer isso ela teria que modificar por completo seu regime político, nos moldes feitos pela China, com a diferença de ter que se submeter aos interesses dos EUA, pela influência que este detém na Coréia do Sul.

A China, apesar de garantir o apoio à Coréia do Norte, e mantê-la livre das sanções da ONU no Conselho de Segurança, não parece disposta a ir além disso. Salvo em caso de uma guerra que envolvesse a Coréia do Sul e os EUA e ameaçasse suas fronteiras, por exemplo, levando a uma derrota norte-coreana e a uma unificação que servisse aos interesses estadunidenses.

Essa é uma situação improvável, pelo fato da Coréia do Norte deter um forte arsenal nuclear, com mísseis capazes de atingir tanto a Coréia do Sul como o Japão. Qualquer atitude hostil que signifique uma declaração de guerra pode levar a ocorrência de um conflito nuclear de conseqüências imprevisíveis.

Como dito nos textos anteriores, certos conflitos noticiados com todo estardalhaço pela mídia, tem o claro objetivo de criar situações que justifiquem ações belicistas. Embora a Coréia do Norte seja um país de difícil acesso, inclusive em relação às informações, não se pode duvidar da capacidade que os EUA tem de agir com métodos de espionagem a fim de criar esses conflitos. Não se trata de teorias conspiratórias, mas de compreender como tem agido aquele país no intuito de gerar guerras de forma a garantir o controle de áreas estratégicas para o seu domínio. E de quebra, vender armas. Muitas armas.

A própria atitude fechada da Coréia a torna um perfeito alvo das táticas estadunidenses. Sem credibilidade, até pela própria propaganda a que é submetida de forma negativa, fica fácil, por exemplo, aos serviços de espionagem preparar uma armadilha, seja de sabotagem ou de um falso ataque, como o que ocorreu na destruição de uma corveta sul-coreana. Pelas “provas” apresentadas, seria muito óbvio a responsabilidade, para ser negada com tanta veemência. Mas, pela característica do próprio regime, e pela maneira imperial como seu presidente conduz o país, até mesmo de forma hereditária, transforma-o facilmente em um perfil adequado à freqüentar o “eixo do mal”. A opinião pública, devidamente preparada, não tem dúvida em considerá-la responsável pelos atos demoníacos de que é acusada.

Parece-me, contudo, mais uma artimanha dos EUA para manter a Coréia do Norte permanentemente sob suspeita, forçar um atrito com sua vizinha do Sul, impedindo uma reaproximação entre as duas, que não lhe interessa politicamente e desviar o foco de suas diatribes no Iraque e Afeganistão, principalmente. Sem contar com a crise intensa que insiste em afetar duramente sua economia, mantendo-o em constante recessão.

Por isso cito aqui trecho de um interessante artigo do prof. José Luis Fiori, publicado no site Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4722), intitulado: “Guerra do Afeganistão - um enigma, quatro hipóteses”.

Segundo suas análises há uma espécie de intenção na radicalização de algumas situações geradoras de guerras, por ser essa uma das condições para a sobrevivência do sistema.

Diz ele, referindo-se à guerra do Afeganistão e à possibilidade do deslocamento do conflito, seguindo caminhos previsíveis, absolutamente construídos dentro dessa lógica belicista: “Depois da Segunda Guerra Mundial, este centro gravitacional saiu da própria Europa e se deslocou na direção dos ponteiros do relógio: para o nordeste e sudeste asiático, com as Guerras da Coréia e do Vietnã, entre 1951 e 1975; e depois, para a Ásia Central, com as Guerras entre o Irã e o Iraque, e contra a invasão soviética do Afeganistão, durante a década de 80; com a Guerra do Golfo, no início dos anos 90; e com as Guerras do Iraque e do Afeganistão, nesta primeira década do século XXI.

(Afeganistão: Jalalabad-Cabul (Der Spiegel - 27.07.10)
(...) Deste ponto de vista, se pode prever que a Guerra do Afeganistão deverá continuar, mesmo sem perspectiva de vitória, e que os EUA só se retirarão do território afegão, quando o “epicentro bélico” do sistema mundial puder ser deslocado, provavelmente, na mesma direção dos ponteiros do relógio”.

Em sendo assim, pode-se dizer que há uma tentativa de buscar um novo epicentro. Veja, por exemplo, que no dia de hoje, 02 de agosto, o presidente Obama divulgou que a “Guerra contra o Iraque se encerrará no dia 31 de agosto de 2010”. Embora, outras manchetes no mesmo dia indicassem que os EUA já tem preparado um plano de ataque ao Irã.

Guerra ao terror, contra a ambição nuclear do Irã, em defesa da democracia na Coréia... são infindáveis as razões do império para manter em ação seu poderio bélico, e assim, conseguir ampliar ações que fazem da guerra um grande negócio.

Quem mais estará habilitado a freqüentar o “Eixo do Mal”?