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domingo, 19 de maio de 2024

BREVE COMENTÁRIO SOBRE A PROPOSTA AO MOVIMENTO DOCENTE - DITA FINAL PELO GOVERNO - PARA OS REAJUSTES SALARIAIS

Mais uma vez direciono meus comentários para os colegas professores e professoras da Universidade Federal de Goiás.

Já publiquei outros artigos aqui no meu Blog, que vocês podem acessá-los, se ainda não o fizeram, que complementam este que escrevo aqui agora, com o intuito de analisar a proposta feito pelo governo para o escalonamento de nosso reajuste, e algumas mudanças em nossa carreira docente.

Inicialmente, uma pergunta básica? Quem tem medo da democracia? Digo isso porque é impressionante a quantidade de ataques de “haters”, ofensas, palavras injuriosas e tentativas de desqualificar o nosso sindicato Adufg, bem como o Proifes-Federação. Temos anotado e copiado essas atitudes bizarras de colegas, e pessoas em geral, visto que não conseguimos identificar algumas delas, porque não se restringem a quem é da UFG. Depois que baixar a temperatura, causada pela greve, iremos ver quais providencias adotaremos, dentro daquilo que a lei nos permite.

Mas em relação ao questionamento que faço, a resposta é simples. Quem tem medo da democracia é quem não consegue conviver com o contraditório, com outras ideias e propostas que não são necessariamente as suas. A forma de se contrapor a uma opinião, para quem não consegue conviver com o debate acadêmico, ou mesmo político, é mediante o uso da agressividade, do ódio, e da intempestividade em impedir que tal proposta, ou ideia, tenha prosseguimento. No computo geral, da avaliação política, chamamos isso de “fascismo”, a tentativa de calar, pela forçar quem tenha outros argumentos que contrarie determinada pessoa propensa à intolerância, autoritária e avessa à democracia. 

Dito isso, vamos ao que importa, porque o que queremos é discutir o que está posto na mesa de negociação para resolver o impasse do nosso reajuste salarial, dentre outras coisas: A proposta apresentada pelo Governo, pela terceira vez, e após reuniões e sugestões de algumas entidades.

Primeiro é necessário ter a percepção, e a compreensão política, de alguns elementos que servem como balizamento para entendermos as dificuldades impostas por conjuntura política complexa e a própria, e imperativa, postura do governo, em não apresentar nenhum percentual para nossa categoria, neste ano de 2024. Tudo isso foi agravado com a tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, com forte impacto econômico não somente naquele estado, mas no Produto Interno Bruto do próprio país. Dada a relevância econômica que ele possui, tanto em termos industriais, como principalmente na agricultura e na pecuária (agroindústria).

Se já havia um forte compromisso do governo com o dito “arcabouço fiscal”, e a obsessão pelo “déficit zero” (não dá pra comentar essas questões aqui), com os últimos resultados econômicos, aliados a essa catástrofe climática (que não pode ser atribuída à natureza, mas também não cabe aqui a análise socioambiental desse desastre), nos permite ter a convicção que não haverá acréscimo por parte do governo à proposta já apresentada, no que nos foi informado que esta seria a última, e será levada no dia 27 para o acerto, ou acordo, final.

Podemos apostar, insistindo em uma proposta de índices mais elevados. Claro que isso é o desejo de qualquer docente (não estou analisando a paralisação dos TAEs, mas tão somente dos docentes). Mas podemos ficar, como no dito popular, segurando na brocha, e os negociadores do governo a retirar a escada de nossos pés, nos deixando pendurados. Assim, poderíamos chegar a um impasse e ao fechamento dessa mesa de negociação, que só poderia ser aberta novamente às vésperas do que o governo considera nossa data base, o mês de maio de 2025. Ou seja, perderíamos também o reajuste proposto para 1º de janeiro de 2025. É pagar para ver.

Mas não somos irresponsáveis. Fazemos parte de um Sindicato e de uma Federação, que há muitos anos vem priorizando as negociações, entendendo que essa forma de se chegar a um acordo pressupõe que as duas partes vão gradativamente abrindo mão de suas propostas iniciais, até chegar a um possível trato final, em que cada um vai cedendo um pouco.

O que está colocado agora na mesa de negociação, para ser fechada no dia 27, não é o que queríamos inicialmente. Mas também não é a proposta inicial do governo. Este manteve o ano de 2024 sem reajuste (concedendo somente aumento nos benefícios), mas trouxe na segunda proposta uma antecipação da validade do reajuste, de maio para janeiro de 2025, acrescendo o percentual inicial de 4,5 para 9,0%. Reduziu de 4,5 para 3,5% em maio de 2026, mas isso não tem muito impacto na somatória, devido a antecipação da validade do reajuste para janeiro de 2025, quatro meses antes da proposta original (maio de 2025). 

No prosseguimento das negociações os representantes do governo aceitaram elevar os valores para as classes de entrada (o que vai beneficiar também os professores substitutos), além do aumento de 4,0% para 4,5 e 5,0%, respectivamente nos anos de 2025 e 2026, nos nossos “steps”, ou o aumento que temos automaticamente em nossos salários (preenchendo-se os requisitos, naturalmente) entre cada degrau de nossa carreira. O que impacta também na somatória final no comparativo entre como estávamos no começo deste governo, até o último ano dessa gestão (2026).

Síntese das propostas do Governo Federal, entre 2023 e 2026
Fonte: GOV.BR (2023, 2024, 2024b)
Extraído do artigo do Prof. Tadeu Arrais (ver em www.adufg.org.br)

Defendemos a aceitação dessa proposta, para evitar ficarmos sem nada e sermos forçados a negociar mais uma vez no começo do próximo ano. E não somos irresponsáveis de imaginar que um movimento grevista, aprovado somente com 5 votos de diferença, possa ter fôlego em permanecer por mais tempo. Até porque não usamos da greve como um instrumento político para confrontar governo, nem muito menos para termos algum tipo de protagonismo político. Nosso objetivo é garantir que, em meio a negociações tensas, mas que não tínhamos desde o governo Dilma, possamos chegar a um acordo que nos permita diminuir boa parte de nossas perdas salariais. Para que, em um novo governo, e já na elaboração do orçamento para 2027, possamos garantir outros reajustes, quando podemos zerar essas perdas e avançarmos para termos aumentos reais. A depender do caráter desse governo, a ser eleito. 

Até lá, deverão permanecer abertas as mesas setoriais, e a luta por recomposição orçamentária nas universidades e melhoria de trabalho, tanto para docentes como para técnicos administrativos, que travam sua luta em paralelo. Da mesma forma, uma universidade bem servida de dotação orçamentária, e de gestão democrática, nos possibilita discutir sobre onde internamente devemos investir mais. Nesse ponto, a participação estudantil é fundamental, dado a suas reivindicações serem pertinentes na defesa de melhoria das condições para que possam estudar e permanecer em uma universidade que possibilite os retornos necessários para uma formação completa, em todos os sentidos.

A luta continua, e é permanente.

(*) Acesse também o canal @ROMUCAPESSOA no YouTube: 

https://youtu.be/uYExj8BfISI

sexta-feira, 21 de abril de 2023

CRÔNICA DE UM PAÍS EM TRANSE... NUM MUNDO EM TRANSIÇÃO

Já não é mais tão fácil, ou talvez nunca tenha sido, produzir conhecimentos sobre a realidade vivida, ou compreender os fatos que nos cercam e nos afetam direta ou indiretamente, em um mundo conectado onde as pessoas julgam saber de tudo, por meio de informações superficiais e abstratas.

Por essa razão, e por poder ver tantas opiniões se multiplicando aceleradamente pelos canais virtuais, blogs, sites, aplicativos, de forma resumida, e acintosamente antidialética, que me recolhi à minha insignificância. Ser observador em um mundo de “gênios”, conhecedores rasos de políticas e geopolíticas, nos angustia, isso é inegável. Mas, pelo menos evitamos ser afrontados tanto pelo maniqueísmo que impera resolutamente nos tempos atuais, mais do que em outros tempos, ou não; bem como não somos alvos de “cancelamentos”, ou de ataques estúpidos, por quem só deseja ler e ouvir aquilo que quer, nesse tempo alguns anos atrás já denominado de “era da pós-verdade”.

Mas resolvi retornar, e produzir um artigo na linha de outros que já escrevi em meu blog, com um título parecido com esse que uso neste: “Crônicas de um mundo em transe”.[1] Talvez essa minha publicação possa vir a despertar alguns desses sentimentos, e eu venha a sofrer os ataques de milícias virtuais, pérfidos vigilantes da estupidez que grassa e faz reacender as fúrias neonazistas e neofacistas. Mas também posso ser afetado pela reação ferina de uma esquerda que atualmente se equilibra entre os discursos identitários e a visão maniqueísta de mundo. Numa estranha fuga da realidade e da compreensão dialética de analisar e perceber as sociedades em meio a todas as suas contradições, e do entendimento que muito nos ensinou o legado marxista, de que devemos partir da observação da totalidade das coisas, e que, por meio das análises das partes que a compõem, e da necessária vinculação entre elas, só assim, podemos compreender o todo dentro de uma visão concreta, materialista e dialética de como esse mundo foi sendo construído e da sua existência real nos tempos atuais.

Elevar alguma dessas partes a condição de elemento prioritário no enfrentamento dessa realidade social, nos impede de compreender e de ter a noção exata da existência de classes sociais, de um sistema dominado por uma dessas classes e de uma estrutura que vai muito além dos embates específicos, e deve, sempre, nos levar diretamente para a compreensão das raízes de como toda essa estrutura foi sendo construída. E, se quisermos destruí-la, e queremos, porque é abjeta em sua lógica desigual, precisamos abalar os seus alicerces, e transmitir às novas gerações as observações sobre como as colunas que sustentam todo esse arcabouço de uma sociedade perversa na consolidação e na defesa de um sistema injusto e deformado, estão construídas sobre fundamentos ideológicos rasos, frágeis, manipuladores, mas que se sustentam no medo, na fé e religiosidade das pessoas, na ganância, na usura e no individualismo que explora o trabalho alheio e sobre ele eleva suas riquezas e as transmitem por gerações e gerações, pela perversão meritocrática do direito de heranças.

 

“O MUNDO É MUITO MAIS COMPLEXO DO QUE QUEREM NOS FAZER CRER”[2]

 

A pior coisa que podemos fazer, na busca pela compreensão da realidade, é simplificarmos o olhar, ou o entendimento, de como é o mundo. Infelizmente, atravessamos um momento da história que inevitavelmente tem formado as novas gerações, onde a informação transborda como um líquido gaseificado após ser sacudido, mas que o conhecimento se dissipa como uma neblina.

Ou seja, temos muita informação, que nos são apresentadas na absoluta maioria de forma rápida e superficial, e carecemos de um conhecimento aprofundado sobre a realidade. Isso nos leva desastrosamente ao crescimento da estupidez, da idiotização e da alienação política. E, por óbvio, torna-se difícil a condução de qualquer debate, quando o expositor olha para uma plateia, ansiosa por compreender cada palavra dita por meio do acesso rápido ao Google – e agora ao ChatGPT – e a intervir com a idólatra sabedoria abstrata, ou na apostasia daquilo que lhe guiava até pouco tempo. Evidente que isso também não deixa de ser a dialética, ou a negação da negação, mas que devemos ver pelos caminhos oblíquos de uma sociedade que se guia por referências tais quais como uma biruta de aeroporto, que se deixa levar ao sabor do vento.

Mas pelo menos esse instrumento, de antanho, que sobrevive até hoje, tem a função de indicar a direção do vento. Já o sapiente ignorante se deixa levar pelas informações fáceis, aleatoriamente, em muitos casos, falsas, e se identifica com elas na conjunção com as circunstâncias de suas vidas, chatas, ressentidas, conflituosas, inexpressivas, cheias de rancores, desequilibradas, ou que se originam nas pregações dos púlpitos, mas cujas razões para explicar cada uma dessas situações não são compreendidas dialeticamente, e por isso, na busca pela razão rasa, com perdão da quase redundância, se (des)equilibram na adesão àquelas informações que lhes são mais convenientes às condições em que vive num dado momento. Dessa forma se tornam presas fáceis dos movimentos de uma extrema-direita que se dedicou nos últimos tempos a buscar nessas contradições o seu crescimento, e a adesão dessas pessoas, presas pela ignorância, pelo fundamentalismo religioso e pela alienação política.

Qual o risco no qual estamos metidos? É que essa situação não nos parece ser de uma passagem rápida. Possivelmente viveremos ainda por um bom tempo, tentando lidar com uma realidade tóxica, contaminada por discursos que inspiram o rancor, o ódio, a estupidez. A desinformação será a arma principal nas lutas políticas, principalmente por meio da destruição de reputação. Da mesma forma o uso e abuso da fé, partindo das pregações odientas de pastores sanguessugas e demais religiosos que fincam seus pés e seus valores na rigidez anacrônica de costumes ultrapassados, completamente distanciado da realidade atual.

Por esse meio, no entanto, seguirá acontecendo o recrutamento de uma população marcada pela baixa autoestima, e fragilizada por condições sociais desequilibradas, bem como pelo medo gerado pelo avanço da violência em um modelo de mundo perverso, mas onde essas pessoas se deslocam na direção de seus algozes. A compreensão de um mundo que se explica pela luta de classes sequer passa perto do entendimento da realidade como eles próprios se veem. São, assim, reféns do discurso conservador, pautado pelos costumes de eras passadas, pela hipocrisia de apóstatas que se desviam de princípios basilares do cristianismo. Estão à mercê do fascismo e do neonazismo, ou, da extrema-direita radicalizada.

Os desafios para quem lê, estuda e analisa o que está acontecendo no Brasil e no mundo, com um olhar estratégico, dentro de uma metodologia que prime pela compreensão dialética da realidade, são enormes. Porque as gerações atuais não têm mais a paciência de se aprofundar nos temas necessários ao entendimento da complexidade do mundo. São premidas por um tempo marcado pelo excesso de informação e a necessidade de ler sobre muitas coisas em um curto período. É a geração Tik-Tok.

 

O DESAFIO DE ENFRENTRAR A REALIDADE, NUMA ÉPOCA DE PÓS-VERDADE

 

Como alterar isso? Esse é o dilema. Ou seja, é preciso explicar as coisas com clareza, mas com objetividade, sem ser prolixo, mas também sem ser superficial. Encontrar a medida exata para chegar a uma pedagogia consistente, que prenda a atenção dessa geração não é tarefa fácil. Pois que não podemos renunciar ao aprofundamento nas questões objetivas, que nos levam a compreender as complexidades de um mundo confuso. Este meu texto, por exemplo, já extrapolou, pelo tamanho, o limite da paciência dessas novas gerações. Espero que, com essas provocações, os que estiverem lendo se sintam provocados para chegar até ao final.

Já as pessoas mais velhas, sucumbem ao medo, potencializado pelo uso que alguns pregadores fazem da religião. Saudosos de um tempo em que a violência não era tão explícita, ou que estavam distantes de suas realidades, as gerações mais antigas são induzidas por velhos discursos, como se a mudança nos costumes não pudesse ser responsabilizada pelas crises sistêmicas e mudanças no comportamento humano, cada vez mais insensíveis e desprovido de empatia. Mas, contraditoriamente, ao agir dessa maneira, terminam por seguir na direção do mesmo comportamento em que criticam, e são alimentados pelo discurso do ódio e da intolerância. Só que eles não têm essa percepção, seduzidos por essa estratégia perversa, pela qual a extrema direita conseguiu se aproveitar da alienação, do medo, da crença e da fé dessas pessoas.

Enquanto isso, os segmentos mais politizados se apegam a discursos identitários como bandeiras principais de suas lutas, se distanciam da compreensão de que a construção desse mundo se deu como base na expropriação dos sentimentos, e do desconhecimento da realidade. E que, os discursos preconceituosos, machistas e misóginos, representam, em realidade a conjunção de diversos fatores, que explicam como é, como surgiu e como foi se revelando em toda a sua perversão o sistema capitalista, trazendo marcas de um passado perverso, principalmente (como sempre) para as mulheres. E se é verdade que essas questões estão enraizadas numa construção de estruturas e instituições que mantém permanentemente um desequilíbrio social e uma sociedade etnicamente desigual em suas oportunidades e respeito aos diferentes, como acredito que seja, o fundamental é a compreensão de como isso se estruturou, como essa sociedade foi edificada, como esses valores se incorporaram nas mentes das pessoas, dentro de uma noção de abrangência de como tudo isso foi construído. Uma noção de totalidade, e um entendimento dialético das contradições que fundamentam, inclusive, esses comportamentos que as lutas identitárias combatem, com justeza e com justiça.

Mas, como se diz no ditado popular, que é necessário cortar o mal pela raiz, a luta nessas particularidades, descoladas de uma visão de totalidade e compreensão das origens dessas desigualdades, apresenta-se de forma incorreta, muito embora ser necessária. Ocorre que discurso e palavras de ordens, ditas sem o necessário processo educativo, de demonstração das raízes dessas perversidades, só alimentam as concepções reacionárias, que se protegem nos discursos hipócritas de falsos líderes e mitos desequilibrados, desviando as atenções para uma pretensa defesa de valores conservadores, reproduzidos de livros ditos sagrados e escritos há milênios.

Enfim, a defesa de valores conservadores, que inspiram a extrema-direita, bem como as lutas identitárias, que têm mobilizado setores mais à esquerda, se constituíram no embate mais visível desses tempos, denominada – com a minha contrariedade – de “guerra cultural”. Por paradoxo, mas não assim se nos aprofundamos no entendimento da composição e das mentes das pessoas que formam a nossa sociedade, esse caminho nos levou a um tempo em que vivemos o crescimento de uma extrema-direita raivosa e, por consequência de sua ascensão ao Poder até recentemente, a propagação e organização de ideias neonazistas, seduzindo parcela significativa da juventude.

Ao direcionar para o campo da “cultura”, o que é ideológico, a extrema-direita fez um movimento estratégico que emparedou a esquerda, e levou a essa polarização praticamente inédita dentro da realidade política brasileira em tempos democráticos. Como, pelo relato feito, o tempo é de informações fúteis, simplificadas, resumidas e, na maioria das vezes, falseadas, o caminho ficou pavimentado para que nosso país se visse às voltas de uma transformação radical na política, com duas décadas em um curto século em que transitamos da esquerda à extrema-direita, e de volta a uma esquerda escorada em segmentos da centro-direita e centro-esquerda, numa necessária composição para retirar o nosso país do limbo em que se encontrava.

 

A ESPERANÇA, NUMA REALIDADE TÓXICA

 

Não posso dizer, em minha compreensão, que as perspectivas são boas, mas não desejo me azedar em um pensamento pessimista, de que as coisas não irão melhorar. Para isso, sigo a máxima que sempre procuro repetir, do saudoso Ariano Suassuna: “O pessimista é um chato; o otimista um tolo. Melhor mesmo é ser um realista esperançoso”.

Mas, adepto da dialética como melhor metodologia para compreender o mundo real, tenho a percepção que estamos vivendo um período de transição, com dificuldade de entendermos para onde e qual tipo de sistemas podemos construir, na substituição do caquético e perverso capitalismo. Até sabe-se lá por quantas gerações, essa será uma transição lenta e marcada por muitas guerras, porque essa tem sido a alternativa para potências em crises: a economia de guerra, com a intensificação do comércio de armas cada vez mais sofisticadas. Os trabalhadores e trabalhadoras sofrerão com a redução de seus salários, como efeito do aumento de mão de obra disponível no mercado, como consequência do avanço de novas tecnologias, da robotização e da inteligência artificial. Portanto, será um mundo com fortes tensões e embates, que precisam ser direcionados para um enfrentamento de classes. É inadmissível que os mais pobres e as camadas médias baixas se coloquem em lados opostos, quando pela lógica sistêmicas são peças descartáveis pela burguesia e pelos novos ricos rentistas. Será assim no mundo... e será assim também no Brasil.

Então, na medida em que tomamos da extrema-direita o controle do Estado brasileiro, é mister que isso se mantenha pelo menos por mais uma década, ao tempo em que a prioridade deve ser trabalhar na conscientização de um enorme contingente de pessoas que foram seduzidas pela mentira, pelo medo e pelo ódio. Politizar essas pessoas pela qualificação de suas capacidades críticas de compreensão da realidade e pela necessidade de aglutinação em entidades, associações e sindicatos que lutam por seus direitos. Demonstrando que os representantes da extrema-direita, por seus atos óbvios, representam aquela camada social dominante que os exploram e se enriquecem mesmo em meio às piores crises.

A esquerda não deve disputar entre si esse processo com o afã de recrutar pessoas somente dentro de suas visões dogmáticas do mundo. É preciso amplitude, organicidade e unificação de setores que carregam um mesmo objetivo, a construção de uma sociedade em que se possa viver pelo bem comum, na consolidação de um estado de bem-estar social, no caminho do socialismo, evitando-se repetir os erros que o capitalismo e a burguesia prometeram corrigir, quando hipocritamente levantaram-se a bandeira de “igualdade, fraternidade e liberdade”. O que se viu foi a construção de um mundo em que os muros se multiplicaram, onde 1% controla mais da metade da riqueza mundial.

Sejamos “realistas esperançosos”, mas jamais defensores de sociedades fraturadas e de governos autoritários. Lutemos pela verdadeira democracia, não somente focada no direito de votar, mas onde a riqueza construída pelo trabalho possa ser distribuída de acordo com as necessidades de cada família, daqueles trabalhadores e trabalhadoras que efetivamente constroem o que se convencionou chamar de Produto Interno Bruto. Defendamos a democracia do PIB, e dessa forma estaremos pavimentando nosso caminho para um futuro razoável e mais solidário, que bote um fim à pobreza e a miséria. Alguns dirão que isso é utopia, mas recordo a fala de Eduardo Galeano, que sempre lembrava de uma frase que ele diz ter visto em um muro, de que a utopia é um ponto distante, e quanto mais nos direcionamos em direção a ele, mas ele se distancia. Concluindo, por isso, que a utopia nos serve para que não paremos de caminhar. Em direção àquele ponto distante que imaginamos como sendo uma sociedade mais humana, sensível, empática, e baseada na comum união.



[2] Yves Lacoste – A Geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra

 

sábado, 11 de setembro de 2021

11 DE SETEMBRO, 20 ANOS DEPOIS – UM LOOPING INFINITO

Me lembro muito bem dos acontecimentos matutinos daquele dia 11 de setembro de 2001. Eu me dirigia para o meu trabalho, no Instituto de Estudos Socioambientais, no Campus da Universidade Federal de Goiás. Naquele dia eu não daria aula pela manhã, era uma terça-feira, e por isso saí de casa um pouco mais tarde, visto que eu teria aula no período noturno.

Foi dentro de meu carro, ouvindo o rádio, que ouvi a notícia de que os EUA estavam sendo atacado. A informação foi dada inicialmente dessa maneira, em meio à edição matutina do noticiário. Claro que era uma notícia impactante, e me deixou impaciente. Afinal, essa era uma área de informação que me tocava diretamente, pelo conteúdo das disciplinas que eu lecionava. Atento, e ao mesmo tempo tenso, pois eu conseguia imaginar as possíveis consequências desse fato, cheguei à universidade tentando me informar melhor sobre o que estava acontecendo. Mas me lembro de falar a alguns colegas que os EUA estavam sendo atacados. Repeti a informação recebida pelo rádio.

Aos poucos fomos nos inteirando pelas imagens impactantes que chegavam, pela televisão e pela internet, em meio a toda uma sensação de incredulidade com o que víamos. O que realmente teria acontecido somente ficamos sabendo algum tempo depois. Afinal, mesmo para quem estava ali em Nova Iorque, a olhar para aqueles dois prédios em chamas, se espantavam com o que viam, e buscavam respostas imprecisas para aquelas cenas dantescas. Os maiores prédios de Nova Iorque, um dos orgulhos da arquitetura estadunidense, pelo viés do poderio econômico, naturalmente, sendo consumidos pelo fogo, e ao mesmo tempo em que o desespero fazia com que algumas pessoas se jogassem do alto de seus mais de cem andares. Impossível ser mais impactante, e cruel.

Depois chegavam as informações de ataques semelhantes ao Pentágono. E de um avião ter sido abatido quando seguia rumo à Casa Branca. Ou seja, escolhido a dedo, alvos que representavam o poderio econômico, militar e civil, da maior potência bélica do planeta. Não poderia ser um começo de século pior para a humanidade. Ao longo daquele fatídico dia e pela semana, com o desenrolar dos acontecimentos e a confirmação de que aquilo teria sido um atentado, em que aviões pilotados por terroristas foram transformados em mísseis que perversamente tirou a vida de quase três mil pessoas, fomos percebendo que os efeitos colaterais daqueles atos marcariam o começo da década. Mas isso foi mais longe, marcou, verdadeiramente, o século XXI, e veremos a seguir o quanto isso impactou as relações internacionais, a geopolítica mundial e a crise econômica que explodiria em 2008.

Há dez anos, em 2011, escrevi neste blog um artigo[1] sobre esse fato, ainda em meio à euforia estadunidense pelo assassinato de Osama Bin Laden, completando assim o compromisso de vingança, bem mais do que de justiça, levada a cabo desde o primeiro momento pelos Estados Unidos. Procurei naquele momento fazer uma análise não somente dos efeitos colaterais dos ataques terroristas ao coração dos EUA. Mas indiquei também as razões que transformaram aqueles atos, eles próprios, em efeitos colaterais das atitudes imperialistas e dos comportamentos rapaces estadunidenses, baseados na doutrina de segurança nacional que praticamente declara guerra antecipada a todo e qualquer país que seja governado por quem não se alinhe aos seus interesses. A busca, perseguição e eliminação do inimigo externo, e também do inimigo interno, se acentuaria e se tornaria uma obsessão, reforçada pelo Patriot Act.

A bem da verdade, e a história está aí para não nos fazer esquecer, diversos outros atentados já tinha acontecido antes, inclusive no próprio World Trade Center, quando a mesma Al Qaeda, ou um grupo que lhe era subsidiário e com seu financiamento, tentou implodi-lo, colocando na garagem uma caminhonete com explosivos, em fevereiro de 1993. O objetivo embora não tenha sido atingido por completo, causou estragos insuficientes para comprometer a estrutura, mas causou a morte de sete pessoas. Já era um indício que a Al Qaeda pretendia atingir instalações no coração financeiro dos EUA.

A estratégia de Osama Bin Laden, concretizada em 11 de setembro de 2001 era não só causar medo à população estadunidense e demonstrar que eles eram vulneráveis a ataques, mas, principalmente, atrair aquela potência para uma guerra distante que inevitavelmente a desgastaria diante da impossibilidade de conseguir derrotar grupos dispersos, com táticas de guerrilha, em ambientes inóspitos e dispostos a morrer por uma causa fanática e anti-imperialista. Além disso, Bin Laden sabia que a reação intempestiva dos EUA ampliaria os danos colaterais na Ásia e no Oriente Médio, jogando em mãos dos grupos terroristas, jovens dispostos a se engajarem numa guerra santa contra um inimigo que viria e eliminaria centenas de milhares dos seus. A “guerra ao terror”, de uma absoluta subjetividade, e não aos terroristas que cometeram aqueles crimes, foi seguramente, o maior erro estratégico da história dos EUA, e isso viria a impactar profundamente a humanidade e este século XXI.

A guerra contra o Afeganistão foi o primeiro passo e era previsível a ferocidade com que o império cairia sobre aquele país, visto que o Talibã jamais entregaria Bin Laden, considerado herói por eles, não somente por aquele ataque ousado, mas por seu envolvimento na luta para expulsar os soviéticos do solo afegão. A força bélica dos EUA, bem como de seus aliados, era amplamente superior, e o resultado era previsível. Em pouco tempo os Talibãs foram derrotados, mas não destruídos, e as montanhas do Afeganistão, que já tinha abrigado guerrilheiros revoltosos em luta contra as ocupações britânicas e soviética, mais uma vez garantiria com o tempo, e o desgaste natural a qualquer exército invasor, o revés que eles aguardariam pacientemente, fustigando com táticas de guerrilhas os jovens soldados estadunidenses movidos pelo sentimento de vingança, mas não por uma causa como a de lutar por liberdade e contra um opressor.

O tempo passaria a ser o principal adversário dos EUA, além da geografia do Afeganistão. Por um tempo a vitória parecia evidente, e assim foi anunciada ainda no segundo governo Bush. Os “falcões” bélicos estadunidenses passaram a ver a partir dali, pouco tempo depois da invasão ao Afeganistão, e diante desse sentimento de vitória alcançada, a oportunidade de ampliar seu belicismo, agora mirando o Iraque. E assim foi feito. Aproveitando-se da neurose que se espalhava diante do ódio pelo ataque terrorista, e manipulando fortemente a mídia subserviente, deu-se início ao que o século XXI passou a se deparar como uma cultura, as mentiras como armas de guerras, chamadas a partir de então de “fake news”. Não que a mentira nunca tenha servido de pretexto para agressões a outros países e guerras violentas. O nazismo mesmo soube usar isso muito bem. Mas ela adquiria um caráter muito mais permissivo, diante das facilidades tecnológicas de comunicação, além da subserviência dos meios de comunicação. E se tornou uma herança perversa nesse século XXI, afetando fortemente também a política.

Sob o pretexto de combater um ditador que supostamente possuíria grandes laboratórios de fabricação de armas biológicas, que poderiam ser usadas em novos ataques terroristas contra os EUA, o Iraque tornou-se o novo alvo da sanha vingativa estadunidense, e dali em diante escancarou-se os reais objetivos por trás de cada argumento de se estar lutando por democracia: destruir governos que representasse uma ameaça à segurança nacional do império.

A escalada de guerras e financiamentos a pequenos grupos de insurgentes se espalhou pelo Norte da África e todo Oriente Médio, dando início a duas novas estratégias: em primeiro lugar as guerras híbridas; e em segundo lugar o uso de drones, veículos aéreos não-tripulados para eliminar possíveis inimigos, ou potenciais terroristas, espalhando-se numa dimensão impressionante, os efeitos colaterais e as mortes de inocentes vistos como naturais em um ambiente de guerra. Ocorre que a imensa maioria dessas mortes foram de civis, em muitos casos mulheres, idosos e crianças.

A guerra ao terror espalhou centenas de milhares de mortes e disseminou ódios, fortalecendo grupos terroristas já existentes, e fazendo surgir outros, que se impuseram pelas forças de armas financiadas pelos EUA e seus aliados. Assim surgiu o Estado Islâmico, e o seu projeto de edificar o califado unindo Iraque e Síria. Os EUA, OTAN e aliados perdiam gradativamente o controle dos monstros que criaram e das consequências dos assassinatos e rastros de destruição que deixaram por onde passaram. Medo, ódio, fundamentalismo religioso, vingança e diversos outros ingrediente foram jogados em um caldeirão de misérias, pobrezas, migrações, guerrilhas, guerras, gastos absurdos que se contaram em trilhões de dólares e uma crise econômica, fazendo explodir em cadeia uma série de eventos e acontecimentos que fariam o mundo se recordar do crash de 1929.

20 anos depois o espectro do World Trade Center paira sobre os EUA, Europa, Ásia Central e Oriente Médio. Atingiu em cheio o orgulho “americano”, empurrou o império para a beira de um abismo e fez ressurgir das profundezas subterrâneas da política, uma extrema-direita perversa, objetivando destruir seus ideais republicanos e democráticos, impulsionados por grupos fanáticos fundamentalistas religiosos, tão cegos e estúpidos quanto aqueles que os levaram a milhares de quilômetros para combatê-los e vingar a ousadia do terror e da destruição de quase três mil vidas de forma perversa.

O mundo hoje, e o século XXI em suas duas décadas que parecem uma eternidade, potencializadas por uma pandemia que completa um ciclo de destruição, não pode ser entendido sem uma necessária compreensão daquele 11 de setembro, e da reação intempestiva, vingativa e pouco racional, do império.

O mais cruel, e de uma ironia perversa, é nos vermos diante de uma espécie de looping, em que tudo praticamente retorna incessantemente ao ponto de partida. Depois de 20 anos, e uma derrota evidente, embora não assumida, os Estados Unidos com todo o seu poderio bélico e econômico, e a arrogância natural dos que se impõem pela força, foram obrigados a se retirar do território afegão, como outrora o fizeram também britânicos e soviéticos. E, dessa forma, entregou aquele país, mais uma vez, àquele grupo que ele próprio empoderara com o intuito de derrotar os soviéticos. Ou seja, os mesmos que supostamente teriam bancado as estruturas para garantir a Al Qaeda a preparação para atacar o império, retornam ao Poder, mais fortes e beneficiados com uma grande quantidade de armamentos sofisticados deixados para trás pelas tropas estadunidenses em fuga.

Importante dizer, no entanto, que a narrativa de ter sido a partir do Afeganistão que se preparou os atentados ao Word Trade Center, se junta ao arsenal das mentiras contadas para justificar uma resposta imediata e vingativa. A bem da verdade, a maioria dos envolvidos, e os próprios recursos que garantiram o sucesso macabro daquele atentado, tem suas origens na Arábia Saudita, país aliado dos EUA.

Não me cabe aqui, ao lembrar dos 20 anos desse atentado que mudou o curso da história mundial, entrar em análises sobre as condições em que se encontram hoje o Afeganistão. Mas é importante dizer, que por mais perversa que seja a ideologia que move o Talibã, que retoma o controle daquele país, a mídia repete os erros do passado, e insiste em querer apontar mudanças significativas naquela região do mundo, encravada em meio a montanhas e submetidas a pobreza e a crenças seculares anacrônicas e absurdamente distorcidas. Os EUA não levaram ao Afeganistão o capitalismo sofisticado de Manhattan, ou Nova Iorque, e muito menos a democracia, isso só aconteceu para uma absoluta minoria. Prevaleceu a miséria e o crescente sentimento de ódio por uma potencia que se arroga no direito de impor a um povo estrangeiro o caminho que ele deve seguir, rompendo com suas culturas e características regionais.

Os drones, ou antes deles, os desequilíbrios típicos das loucuras da guerra propugnados por seus soldados, e os seus efeitos colaterais de eliminação de inocentes, só fez ampliar o exército de revoltosos, e o número de jovens que se aliavam ao Talibã. Para além disso, e por mais cruel que tenha sido aqueles ataques no dia 11 de setembro de 2001, por todo esse tempo a reação que causou a invasão do Afeganistão e do Iraque, e as destruições de suas infraestruturas, são injustificáveis. E não se pode omitir um fato real e histórico, os Estados Unidos da América e seus aliados, eram invasores, ocupantes de nações aviltadas em suas soberanias e submetidas por anos e décadas à sua opressão.

Inegavelmente isso causou também rombos históricos na economia estadunidense. Não somente com essas duas guerras, mas pela necessidade de manter uma aparato bélico impressionante, em centenas de bases militares espalhadas por todas as regiões do mundo, e a vigiarem e atacarem a quem eles determinem serem os agentes do mal. Por muito tempo a economia do império depende disso, mas as consequências dessa política têm trazido, agora no começo da terceira década desse século, a conta fatal, que tem lhe afetado duramente enquanto potência hegemônica, posto que vem perdendo gradativamente para a China. E, seguramente este foi um dos motivos da intempestiva fuga do império do inóspito e até então inconquistável território Afegão.

Os atentados de 11 de setembro de 2001 foram, inexoravelmente, de uma barbaridade e crueldade criminosa. Mas foi respondida com igual crueldade, normalizando a tortura e considerando inevitável o assassinato colateral de dezenas de milhares de inocentes civis, que pagaram caro pela loucura terrorista daquele fatídico dia. E a humanidade também. O século XXI nasceu sob o símbolo do ódio, e assim tem permanecido 20 anos depois.

Sugiro como leitura complementar o artigo que escrevi em 2011 e foi citado neste texto, bem como outros já escritos aqui neste Blog. Sua indicação e link encontra-se abaixo.



[1] WORLD TRADE CENTER, RÉQUIEM PARA UM IMPÉRIO - 11 DE SETEMBRO DE 2001: QUATRO AVIÕES, DUAS TORRES, UM PENTÁGONO E O COMEÇO DO FIM DE UMA ERA. https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/09/world-trade-center-requiem-para-um.html

 LEIA TAMBÉM:

BIN LADEN ESTÁ MORTO! MAS E OSAMA? - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/05/bin-laden-esta-morto-mas-e-osama.html

UMA GUERRA SILENCIOSA: O ATAQUE DOS DRONES, A GUERRA CIBERNÉTICA E A ESPIONAGEM MODERNA - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/06/uma-guerra-silenciosa-o-ataque-dos.html

A GUERRA CONTRA O TERRORISMO, AO INFINITO E ALÉM! - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2014/09/a-guerra-contra-o-terrorismo-ao.html

 

 

quarta-feira, 27 de maio de 2020

DESGLOBALIZAÇÃO – A DESTRUIÇÃO DOS ORGANISMOS MULTILATERAIS E A NOVA GUERRA FRIA

Algumas questões têm me chamado muito a atenção durante essa crise que afeta o mundo todo. Não é deste ano que me dedico a analisar todos esses processos históricos, e os do tempo presente, que nos envolvem diretamente nesses tempos em que vivemos. A função de historiador é exatamente essa, remexer o passado, investigar fatos e circunstâncias que levaram a transformações que marcaram épocas, seja por meio de revoluções ou sucessivas crises estruturais ou conjunturais. Com a Geografia, e por meio da Geopolítica, ampliei esse meu olhar.
Mas a sucessão de eventos, principalmente nessas duas últimas décadas, tomam nosso fôlego, e nos consomem em indagações e perplexidades, quando começamos a estudar a celeridade das mudanças que se seguiram na contraposição da Globalização, mas paradoxalmente, acontecidos exatamente por causa dela, decorrente da intensa integração e aceleração do mundo contemporâneo, mas sobretudo da corrida ambiciosa nas disputas hegemônicas pelo controle do poder militar e do mercado mundial.
Inclui-se nessa lista de eventos do monumental ataque terrorista às torres gêmeas, o World Trade Center, nos EUA, e as guerras que lhe sucederam, até essa terrível pandemia gerado pelo vírus, até agora invencível, “Sars Cov-2”, passando pela grave crise econômica que explodiu em 2008 e todos os conflitos que se espalharam pelo mundo, potencializados, ou estimulados, pela guerra híbrida e pela nova modalidade de desnorteamento e propagação do ódio, na esteira das crises: as fake news.
Tão rápido e intenso quanto se deu a globalização, cuja característica marcante em seu DNA foi justamente a rapidez e a celeridade das transformações, técnicas, científicas e informacionais, nos deparamos com o transbordamento do que se pretendeu construir nesse mundo movido por uma ambiciosa etapa da revolução industrial do capitalismo. Eu prefiro não me referir a esse processo como sendo uma “terceira revolução industrial”.[1]
Uma sucessão de crises, que já impactava o capitalismo desde os anos 1970, levou a desestruturação do socialismo real quando este se abria para o mercado mundial, e possibilitou uma reviravolta impressionante nos rumos da humanidade, desde o final da década de 1980, acelerando nos anos 1990 e atingindo seu ápice na primeira década desde século. (HOBSBAWM, 1995, pp. 465-479) Até que em 2008 a “bolha” estourou, desnudando um sistema que passara a ser caracterizado pela frivolidade das relações humanas, que se tornaram coisificadas, desprovidas de sentimentos humanitários e solidários, salvo os momentos em que isso servia a interesses marqueteiros, e pela obsessão muito mais nítida e desavergonhada pela busca e ostentação da riqueza.
A ganância tornou-se parte da condição meritocrática, um valor intrínseco à lógica perversa e individualista da ascensão social a todo e qualquer custo. Naturalmente que esse caminho levaria a sociedades dominada por valores perversos e insensíveis diante das fragilidades humanas, que se ampliavam à medida em que as estruturas globalizantes (bancos, corporações, bolsas de valores, organismos mundiais, mecanismos de controles etc.) se fortaleciam e concentravam as riquezas no topo da pirâmide. (HARVEY, 2018, pp. 203-205)
Indubitavelmente o mundo passou por uma acelerada transformação. O capitalismo chegou a ser considerado como a última etapa da humanidade e o “mercado”, o deus todo poderoso da ganância, seria o balizador das competências individuais, ou nas relações entre os estados-nações. A aceleração tecnológica atingiu patamares surpreendentes, e o tempo em que se descobrem inovações se encurtava rapidamente. (HARVEY, 2016, PP. 11-12)
Entramos na era da robotização com a inteligência artificial, algo adiantado pela ficção cinematográfica desde os anos 1980, mas bem antes pela literatura, a partir de meados do século XX, com a obra de Isac Asimov, “Eu Robô”. Uma série de contos que estimulou realmente muitos estudiosos e cientistas, e inspirou um filme produzido em 2004.[2] O mundo projetado no filme é 2035, mas a realidade tem se intensificado mais rapidamente do que a ficção. O que deve se acelerar no pós-, pandemia.
Mas o caráter absolutamente expansivo do capitalismo, e a forma como o mundo entrou numa desesperada competição, seja entre as pessoas, e principalmente entre os países, notadamente os mais ricos, levou ao limite das relações políticas, e o que se dissemina atualmente é ódio, preconceito e xenofobia. E uma forte disputa entre as duas maiores potências mundiais: EUA e China.
O mundo tornou-se pequeno para os desejos de grandiosidade, de inventividade e de necessidade de se produzir em escala crescente para abastecer mercados cada vez mais fluídos, e poucas décadas após se encerrar o ciclo bipolar que prevaleceu no pós-guerra e termos entrado nessa fase denominada globalização (ou mundialização, como gostam de se referir os franceses), esse curto espaço de tempo histórico de três décadas, politicamente dirigido pelas ideias neoliberais e em meio ao deslumbramento da globalização, chegamos ao fim de uma época que passou da unipolaridade para a multipolaridade, e, parece, retornar à bipolaridade. Encontremos um réquiem para a globalização.

OS ORGANISMOS MULTILATERAIS E A GEOPOLÍTICA GLOBAL

Antes de entrarmos nesse ponto, cabe esclarecer que os organismos multilaterais, que tiveram um papel importantíssimo na globalização, não foram criados a partir desses processos de integração mundial pós-guerra fria. A seguir apresento um quadro com o ano de fundação e o objetivo de cada um deles, para que possamos acompanhar o raciocínio sobre para o que eles vieram, o papel que cumpriram durante todos esses anos e o que está acontecendo nesse momento em que a globalização se esfumaça.

Essas instituições foram criadas, sempre, em períodos de crises, na maioria das vezes em pós-guerras, e, principalmente depois da segunda grande guerra mundial. (HOBSBAWM, 1995, p. 419) O advento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) acentuou essa necessidade. Portanto, para além das dificuldades geradas por essas guerras, uma outra se tornaria mais importante, e se faria necessário a criação de organismos multilaterais que, a princípio, servisse para reforçar os interesses dos países ocidentais, no âmbito de uma luta que se tornaria crucial para os destinos da humanidade: a guerra fria.
Evidente que alguns desses órgãos cumpriram a importante função de estabelecer alguns limites ao belicismo, e em determinados momentos foi crucial no equilíbrio necessário entre esses dois mundos que se armavam perigosamente, inclusive com enormes arsenais nucleares. E, muito embora para manter esse equilíbrio algumas regras impostas tenham sido estranhas nas relações com a maioria dos estados-nações, como por exemplo deixar a critério de cinco grandes potências a capacidade de decidir os destinos do mundo. Eram, e são ainda hoje, as únicas com poder de veto no Conselho de Segurança. O que, pelas regras da Organização das Nações Unidas, implica na necessidade de haver consenso entre esses cinco países para que quaisquer sanções possam ser executadas.
Poucas vezes isso ocorreu nas últimas décadas, e em uma dessas vezes, por manobras embutidas nas entrelinhas de uma resolução, possibilitou que os EUA e aliados da OTAN perpetrasse atos arbitrários contra a Líbia, influenciando vergonhosamente no assassinato do presidente de uma Nação soberana, por interesses escusos, embora possíveis de serem entendidos. O resultado disso é que até hoje a Líbia se encontra em um intenso conflito e tornou-se mais um dos estados párias na constelação das nações impactadas por decisões que interessavam ao poder imperial dos Estados Unidos da América. (BANDEIRA, 2013, pp. 287-303)
Pouco a pouco desnudou-se o poder exercido pelos EUA e seus aliados, por trás desses organismos multilaterais. Jamais houve verdadeira independência, ou, quando muito, algumas decisões questionáveis não pela isenção, mas pela dúvida de não atender inteiramente os interesses estadunidenses, ou se porventura fosse complacente com algum dos países por este Estado considerados inimigos, como no caso emblemático da pequenina Cuba, por mais de cinco décadas sofrendo todos os tipos de bloqueios, muito embora sendo apoiada pela absoluta maioria dos países membros da ONU em suas assembleias gerais.
Mas os EUA sempre fizeram valer o poder de veto, nesses e em outros casos de países cujos governos lhes contrariassem. Por outro lado, quatro outros países também tinham esse poder: Rússia (URSS), China, França e Reino Unido. Ou seja, os principais países que se sagraram vitoriosos na aliança construída para derrotar o nazi-fascismo. Um equilíbrio forçado para evitar que desequilíbrios levassem a uma nova grande guerra, que vigorou por todo o período do pós-guerra, denominado de Guerra Fria, e que passou a cumprir um papel importante na construção do mundo globalizado.
Apesar de todos os porém, esses organismos multilaterais assumiram um papel preponderante no processo da globalização. Claro, quase sempre pressionados pelos EUA, e na maioria das vezes atendendo aos seus interesses e de seus aliados. O GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) foi o único que passou por transformação em sua nomeclatura, mudou de denominação e veio a se constituir no organismo mais importante para a Globalização, a Organização Mundial do Comércio (OMC). (SILVA, 2004, pp. 628-630) A desregulação do comércio mundial, a partir principalmente da abertura das fronteiras comerciais e dos processos de desnacionalização de inúmeras empresas estatais, necessitava de um organismo que pudesse gerenciar esse processo e estabelecer as regras que deveriam ser seguidas a partir de então.
Os países que não obedecessem as normas da OMC tornavam-se párias e encontrariam dificuldades para lidar com o comércio mundial. Impunha-se dessa forma os mecanismo de aceitação das regras neoliberais, assim como se fazia também através do Fundo Monetário Internacional (FMI), como condição para concessão de empréstimos aos países menos desenvolvidos, quase sempre endividados e com suas riquezas sendo expropriadas pela elite corrupta, tornada parte do poder político. A partir dos anos 1990 do século passado, a própria elite passou a disputar as eleições, e não mais deixar a cargo de seus apaniguados, testas-de-ferro, como se fez historicamente no Brasil e na maioria dos países latino-americanos.
Como essas transformações se intensificaram muita rapidamente a partir dos anos 1980, era preciso estabelecer parâmetros que identificassem as mudanças na direção dos interesses definidos pelos países centrais, dentro da lógica política que se impunha, o neoliberalismo. Ou, uma nova forma de liberalismo, sempre focado como em seus princípios, tendo o mercado como elemento mais importante, a despeito do poder dos Estados, mas retirando deste aspectos importantes na condução da economia, que passou a ser celeremente controlada por grandes corporações financeiras, industriais, comerciais e das recém criadas corporações que passaram a se expandir e controlar o poder crescente das novas tecnologias.
As conhecidas empresas “.com”, que obtiveram um crescimento acelerado no final dos anos 1990, a ponto de gerar uma das primeiras crises da globalização, em função da bolha que se criou com preços supervalorizado de ações de empresas que surgiam, quando se popularizava a “world wide web”. Ficou conhecida como a “bolha da internet”, e levou a uma intensa insegurança nos mercados financeiros e a um efeito cascata de desvalorização de empresas cujo valor era infinitamente maior do que efetivamente elas valiam. Algo que se tornou, de certa forma, muito comum nos tempos da globalização financeira.
A ganância foi um fator fundamental para gerar uma cegueira obsessiva nos que se extasiavam com a facilidade gerada por investimentos fáceis, e que levavam gradativamente alguns setores a forçar o endividamento das pessoas para levá-las ao consumo fácil, algo bem possível devido ao deslumbramento pelas novas tecnologias. (SANTOS, 1999, pp. 10-20) O capitalismo se intensificava, o dinheiro virtual se disseminava pelo mundo e crescia o número de bilionários. Embora fosse muito maior a quantidade de pobres e miseráveis que se espalhavam pela maioria dos países, e em muitos casos os conflitos regionais, as guerras, o sectarismo religioso e a escassez hídrica, as populações, sem escolhas, se deslocaram em massa, aos milhões, por suas fronteiras próximas ou em direção aos países mais ricos, na Europa e na América do Norte.
A crise de 2009 despertou dos sonhos, ou transformou em pesadelo, o que se imaginava ser um eterno paraíso de ganhos fáceis gerados pela globalização. Mais uma bolha explodiu, agora a hipotecária e no coração financeiro do mundo, os EUA.[3] Daquele momento em diante a globalização desandou. Evidente que não se pode atribuir a somente esse fato a acentuação de uma crise sistêmica que se estende desde o final dos anos 1970, cambaleando por vários momentos e se reerguendo de forma impressionante. Mas as fissuras permaneciam, e por elas as estruturas do sistema foram se fragilizando.
“Ma non tropo”. Alguns países souberam se aproveitar bem das transformações e atraíam para seus territórios uma infinidade de empresas, que na busca por lucrar mais, com mão de obra mais baratas e menos problemas gerados por leis trabalhistas que se tornavam alvos dessas corporações e eram abominadas pelo ideário neoliberal, eram deslocadas de seus países de origem, onde a organização dos trabalhadores era mais forte. Esses países não somente se preocuparam em atrair essas empresas, mas se debruçaram sobre as mercadorias que ali eram montadas, e em pouco tempo tinham copias perfeitas daqueles produtos. Com os ganhos conseguidos nesse processo investiram em educação e no desenvolvimento tecnológico. Das cópias feitas nas linhas de produção, à produção de tecnologias que passaram a superar muitos dos produtos ocidentais, não se passaram três décadas.
Foi muito rápido o passar do tempo para que alguns países antes encarregados de abrigar empresas montadoras de peças fabricadas fora, passassem eles mesmos a produzirem, e com novas tecnologias. Ao passo que os países asiáticos se despontavam por esse caminho, principalmente a China, o Japão já estava envolvido nesses avanços desde antes, mas também a Coréia do Sul, a Tailândia, o Vietnam... a Rússia se recuperava do desastre causado pelo governo desastroso de  Bóris Ieltsin, e retomava gradativamente o seu protagonismo.
Enquanto desde o começo do século XX os EUA se deparava com um inimigo invisível, a quem declarara guerra depois de um atentado que assassinou mais de três mil pessoas naquele país, em 2001, e deslocava todo o seu aparato bélico e suas atenções para o Oriente Médio e o Afeganistão, alguns países emergentes numa espécie de segunda onda da globalização, se uniam para criar um novo polo hegemônico, com a intenção de pelo menos romper com qualquer possível unipolaridade que se pensava construir com a globalização. Os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, surgiu e fez despontar um novo bloco forte política e economicamente, e a partir daí estabeleceu-se uma nova polarização, que crescia ao mesmo tempo em que mecanismos que visavam destruir essa força eram postos em ação. A guerra híbrida, que funcionara no Oriente Médio, em especial na Líbia, Egito, Iêmen, e Síria,  passou ser aplicada nas fronteiras da Rússia (principalmente na Ucrânia), China, região do Tibete, (BANDEIRA, 2013, pp. 119-132) e no Brasil a partir de 2013. (HARVEY, 2018, pp. 190-192)
Os conflitos se espalham por todo o mundo, e as tensões retornam em larga escala  ameaçando fazer explodir novas guerras. Acordos são rompidos e os EUA, com a eleição de Donald Trum, e sua política “América First” passa a romper diversos acordos e a atacar abertamente aqueles países que ameaçavam a hegemonia estadunidense, e que ele via como ameaça para o próprio desenvolvimento nacional.
Os organismos multilaterais tornam-se alvos da política de Trump e os ataques sistematicamente acontece revezando-se qual deles será o próximo a ser atacado. Primeiro a OTAN, cujos parceiros são acusados de não investirem recursos necessários para armar a organização e a fragilizar diante dos avanços do poder russo;[4] depois a OMC, vista como uma ameaça aos interesses dos EUA, passando a ser pressionada para que as decisões favorece seus interesses. Essa pressão sobre a OMC terminou por fazer o brasileiro Roberto Azevedo, diretor geral da instituição, decidir abandonar o cargo a partir do segundo semestre deste ano de 2020.[5]
No começo deste ano a Pandemia do Covid19 concentrou o protagonismo das ações nas mãos da OMS, e foi o próximo desses organismos a sofrer intensos ataques do presidente estadunidense, a ponto de ameaçar retirar todo o apoio financeiro e a acusando de beneficiar a China. O quadro que se constituía a partir dessas pressões com a nova política isolacionista adotada pelo presidente dos Estados Unidos, foi agravado pela disseminação dessa doença. O vírus (Sars Cov-2) avançou implacavelmente sobre todos países gerando centenas de milhares de mortes, sem que houvesse uma vacina para contê-lo, e transformando os Estados Unidos no epicentro da doença, e atingindo o terrível número de 100 mil mortos, só podendo ter essa marca atingida pelo Brasil, cujos número de mortes sequem crescendo.
Os EUA, com sua política de ataque aos blocos econômicos, e de identificação de inimigos a quem lhes ameaçassem em sua hegemonia, definiu seus objetivos centrados nos interesses internos, e estava se recuperando às custas de um forte isolamento e distanciamento até mesmo de seus parceiros tradicionais. A China substituiu a antiga União Soviética, no imaginário persecutório de Trump, que passou a usar um discurso nacionalista e, como sempre é comum aos EUA, de defesa da segurança e dos interesses nacionais.
Em meio a uma forte recessão e à beira de uma inevitável depressão, como consequência do agravamento da crise em decorrência da Covid19, o discurso de Donald Trump sobe o tom, e se eleva mais à medida que se aproxima das eleições presidenciais marcadas para dezembro deste ano.[6]
Inevitavelmente o cenário pós-covid19 não será de um mundo globalizado. Os organismos multilaterais sofrerão uma pressão maior do que está acontecendo neste momento e deverão passar por transformações estruturais, se não estarão fadadas a desaparecerem. A tendência é termos um mundo marcado por fortes disputas econômicas e ameaças bélicas, com forte possibilidade de termos um grande conflito que se estenda por todo o mundo. Uma ameaça de guerra nuclear não pode ser destacada, dependendo do quadro a ser definido nas eleições estadunidenses e as consequências que após essa pandemia.
A desglobalização se concretizará, na eminência do enfraquecimento dessas estruturas, o que não irá significar o desaparecimento de blocos regionais. Esses também serão refeitos, e haverá um forte crescimento da influência chinesa em países asiáticos e europeus, seguindo o curso do projeto da nova rota da seda.(GEROMEL, 2019, pp. 116-123) As tensões se intensificarão no Oceano Pacífico e envolverão os países latino americanos. O Brasil, na postura de isolamento ao lado dos EUA, será mais um pária no contexto da política mundial, ao contrário do protagonismo construído no começo do século, auge da globalização.
A incógnita que permanecerá é se de fato teremos algo parecido com a guerra fria, onde dois gigantes bem armados se temiam e se respeitavam, em alguns momentos vivendo tensões que os fizeram se aproximar do confronto aberto, como no caso da crise dos mísseis soviéticos que seriam enviados a Cuba, mas sempre salvos pela diplomacia. A posição de Donald Trump, de romper acordos, atacar adversários e ameaçar aliados, elevará as tensões ao limite do suportável. Mas esse limite pode ser muito frágil, ou estar não muito distante, a depender das condições econômicas que afetarem os países, e principalmente os EUA. E, diferente dos anos pós 2ª guerra, quando a economia estadunidense ajudou a reerguer a Europa, agora a situação poderá ser inversa, acuando um forte poder imperial que será mais perigoso ainda caso o povo daquele país insista no erro de mais uma vez elegê-lo.
Os caminhos da humanidade, no âmbito da política internacional, dependerão da gravidade da crise econômica pós-pandemia e do resultado das eleições dos EUA. Mas, certamente, qualquer que seja o resultado já não será mais um mundo globalizado. Claro, estamos nos referindo à globalização como um modelo, um método, e os mecanismos que lhes faziam funcionar empurrando sociedades para o abismo, o neoliberalismo e a perversa política de reduzir o estado ao mínimo, aos interesses das grandes e dos ricos. Porque a integração entre países prosseguirá, como uma necessidade, malgrado as tentativas isolacionistas e xenófobas que serão implementadas por governos de extrema-direita.
A desglobalização, nos parece, já está em curso, e se efetivará. Para o bem, ou para o mal. Pode renascer com a China com nova protagonista em seu comando, mas isso só o tempo dirá. E aos trabalhadores de todo o mundo resta ouvir o clamor da Associação Internacional dos Trabalhadores, de meados do Séculos XIX: “Uni-vos”!



NOTAS:
[1] Não vejo como sendo uma “terceira revolução industrial”. Visto que desde quando acontece o processo inicial do desenvolvimento capitalista, e a manufatura foi substituída pela maquinofatura, e tivemos início às linhas de montagens das fábricas, o que vemos é um processo crescente de transformações técnico-científicas na direção de ampliar e fortalecer a lógica sistêmica contida no modelo de produção capitalista. Não havendo, portanto, nesses três últimos séculos uma substituição dessa formação econômico-social, mas sempre uma sequência de novas invenções e adaptações tecnológicas com o mesmo objetivo moldado pelo sistema capitalista. Não há revoluções no capitalismo, as que houveram aconteceram para propiciar sua substituição, mas fracassaram no seu intento final. Pelo menos até os dias atuais, à exceção da China, o que é absolutamente relevante, e está, digamos, numa situação de transitoriedade, a poucos passos da hegemonia do controle do mercado mundial. Em um novo patamar, agora identificado como “socialismo de mercado”, apesar das controvérsias.
[3] Em 2014 ofereci um mini-curso no IESA/UFG, para analisar a crise econômica, e me inspirei em alguns filmes e documentários, utilizados durante o curso como ferramenta importante. Dentre eles TRABALHO INTERNO: “O documentário TRABALHO INTERNO, premiado no Oscar de 2010, expõe de forma crua todas as responsabilidades de políticos, CEOs, e até mesmo de professores de economia de importantes universidades estadunidenses, na implementação de medidas que fizeram ampliar a crise e o endividamento dos Estados”. (https://gramaticadomundo.blogspot.com/search?q=trabalho+interno)

REFERÊNCIAS:
BANDEIRA, Luiz Alberto Muniz. A segunda guerra fria. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2013
HARVEY, David. 17 Contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Ed. Boitempo, 2016
____________. A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI. São Paulo: Ed. Boitempo, 2018
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Ed. Cia. das Letras
GEROMEL, Ricardo. O poder da China. São Paulo: Editora Gente, 2019.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Ed. Record, 2000.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de Guerras e Revoluções no Século XX: As grandes transformações no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.