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segunda-feira, 4 de agosto de 2014

DECIFRANDO O SISTEMA CAPITALISTA (II) – CRISES ECONÔMICAS E O PODER DAS GRANDES CORPORAÇÕES

DECIFRANDO O SISTEMA CAPITALISTA, é um MINI-CURSO que irá acontecer durante todas as quintas-feiras do mês de outubro (02, 09, 16, 23, 30). É a segunda edição de uma ideia que foi alimentada desde que as notícias sobre a crise econômica se espalharam pelo mundo a partir de 2008, muito embora ela já estivesse ocorrendo pelo menos desde 2006. E tudo isso começou devido às angústias de se trabalhar com um tema cuja profundidade nunca foi devidamente noticiada, falseia-se naqueles elementos basilares para se compreendê-la. Ou seja, de que é uma crise estrutural, decorrente da lógica natural do sistema capitalista, que se fundamenta na busca obsessiva pelo lucro e tem a ganância como seu motor principal. Em 2010 realizamos a primeira edição, concluído com a apresentação do filme Wall Street 2 - O dinheiro nunca dorme. Naquele mesmo ano o documentário Inside Job (Trabalho Interno) foi ganhador do Oscar de melhor documentário, mas não o tínhamos ainda em DVD. Mesmo Wall Street 2 também ainda não estava disponível, mas terminamos o curso em parceria com o Cinema Lumiére (Shopping Bouganville) que realizou uma sessão especial para os participantes do mini-curso, em um sábado pela manhã.

A crise econômica não arrefeceu, ao contrário, está mais acentuada (e globalizada) do que naquele ano, e de lá para cá o mundo passou por grandes ebulições em todos os continentes e uma onda de manifestações varreu a Europa e o Oriente Médio acentuando a crise em vários países, destruindo governos e fragilizando Estados. Mas a grande mídia esconde a dimensão da crise, e, especificamente aqui no Brasil isso se deve às disputas eleitorais, dentro do jogo pela conquista do poder, com o intuito de criar no meio da opinião pública a ideia de que a crise que começa a mexer com a economia brasileira é consequência das políticas econômicas do atual governo. Assim, pouco se fala da falência de estados europeus, do desemprego crescente e do banditismo que toma conta de boa parte das estruturas financeiras e ameaça levar a falência todo o sistema econômico mundial. E de que o baixo crescimento, não só no Brasil, mas em todo o mundo, ainda é consequência de uma crise que não tem previsão para acabar.

Aproveito o blog Gramática do Mundo, como instrumento importante para difundir idéias que possam se contrapor ao monopólio da informação tradicionalmente repassada pela mídia, quase sempre distorcida, para apresentar aos que nos acompanham o conteúdo deste curso, e convidar os que se interessarem a participar do mesmo. Ao mesmo tempo deixamos exposto aqui essa ideía para que possa ser posta em prática em outros Estados por aqueles que também se preocupam em estudar, entender e difundir as origens das crises do sistema capitalista e como elas nos afetam direta e indiretamente.

O Mini-curso será realizado no Auditório do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA-UFG) e no Auditório/Cinema da Faculdade de Letras, e faz parte da programação do Laboratório de Estudos e Dinâmicas Territoriais – Laboter e do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Geopolítica – Nupeg. Serão cinco dias de curso: 02, 09, 16, 23, e 30 de outubro, sempre das 13:30 às 18:00 horas. As Pré-inscrições deverão ser feitas através do email: contatonupeg@gmail.com, até o dia 01.10 . O número de vagas é limitado. Será preciso que o(a) aluno(a) esteja devidamente matriculado em algum curso de graduação ou pós-graduação da UFG. (Na hipótese de as vagas não serem preenchidas, serão aceitas outras inscrições). A condução do curso estará a cargo do Prof. Dr. Romualdo Pessoa.
Logo a seguir o conteúdo do programa e a metodologia aplicada ao mini-curso Decifrando o sistema capitalista – crises econômicas e o poder das grandes corporações.
A estrutura do curso
Procuraremos, mesmo que de maneira sucinta, analisar o processo histórico que levou à consolidação do sistema capitalista e a partir disso explicar didaticamente como funciona o modo de produção capitalista. Para isso é necessário, antes de tudo, saber como se deu a ascensão da burguesia, as revoluções que ela fez e os mecanismos que adotou para revolucionar uma época e o que viria daí em diante. Também é preciso analisar as principais transformações estruturais que aconteceram, principalmente a partir do século XIX e, já no século XX, a consolidação de um modelo de vida que impulsionou o capitalismo. As transições do poder mercantil – industrial – financeiro e o ápice do sistema capitalista, quando o seu controle passa para as mãos das grandes corporações. E, as crises econômicas, como elementos que alteram mecanismos de controle do capitalismo e acentuam as desigualdades sociais, mas tornam-se elas próprias, novos elementos propulsores de um sistema que se aproveita também das desgraças, sejam sociais, causadas por guerras ou provocadas por catástrofes naturais.
Para entender as crises.
Muito se fala das crises econômicas do capitalismo. Algo que passa a acontecer de forma cada vez mais constante, conforme já dizia Lênin, ciclicamente, uma vez que se encurtam as distâncias entre elas. Mas o que pouco se diz é que elas fazem parte da própria dinâmica de funcionamento do sistema, ou seja, o capitalismo se retroalimenta dessas crises.
É para analisar esse processo, e a maneira como o capitalismo encontra saídas para as crises econômicas que ao longo da história definiram a maneira como ele evoluiu, que apresentamos alguns elementos para sua compreensão.
O objetivo é entender o mecanismo de funcionamento do sistema capitalista e encontrar respostas para a sua acelerada ascensão, mesmo que à custa de enormes contradições, como inúmeras guerras, catástrofes, disputas hegemônicas pelo controle do poder mundial, concentração de riqueza paripasso com o crescimento da miséria, definindo como uma de suas características básicas a forte desigualdade social. Paradoxalmente essa desigualdade se dá na contraposição de um enorme sucesso da descoberta de mecanismos cada vez mais sofisticados para produzir mercadorias tecnologicamente avançadas e agregadoras de renda.
O Deus Mercado potencializando divindades menores, mas necessárias para fazer o sistema seguir mantendo sua lógica, o mito do consumo, e a sensação de felicidade que ele carrega, elevado a isso pelas forças ideológicas dominantes, passam a se constituir na base mais importante para a superação de crises econômicas. Renascendo o keynesianismo o Estado surge, em momentos de crise, como a salvação para amenizar seus impactos, mas, fundamentalmente para manter erguida toda a estrutura do modo de produção capitalista, potencializando investimentos que garantem às grandes corporações seguir concentrando renda e riquezas.
Até onde pode ir o poder dessas grandes corporações? E em que medida o Estado, no capitalismo, pode resolver os problemas da distribuição de rendas, da miséria, das desigualdades sociais? É compatível uma lógica concentracionista, em crescimento, do poder das grandes corporações, com a necessidade de impor um freio à usura e ganância a fim de reduzir as desigualdades sociais?
Queremos por meio deste mini-curso, senão encontrar as respostas para essas indagações, reforçar aquelas dúvidas sobre o que fazer, para frear o ímpeto ganancioso dessas corporações e se é possível encontrar saídas, sustentáveis, a um ritmo de desenvolvimento desigual, injusto e concentrador de riquezas.
Objetivo do curso:
O objetivo do curso é identificar como o sistema capitalista se robustece a cada crise. Quais os mecanismos que são responsáveis por essa aparente contradição. E ao mesmo tempo demonstrar como esse sistema vem se transformando ao longo do tempo, no sentido contrário daquele expresso nas primeiras idéias sobre o liberalismo comercial, quando a burguesia combateu o monopólio exercido pelas grandes companhias controladas pelo Estado Absolutista. O que se vê nos dias atuais é um aumento do poder concentrado nas mãos de poucas grandes corporações, a ponto das pessoas não perceberem que se deparam nas gôndolas de supermercados com produtos aparentemente concorrentes, mas que são fabricados pela mesma corporação. Além do controle que elas exercem sobre os Estados, inclusive na definição de determinadas políticas, na medida em que algumas delas possuem valores patrimoniais maiores do que os PIBs de muitos países.
A globalização abriu caminho para essa concentração de poder, presente em todos os setores que lidam com negócios, desde a religião até a mídia, passando pelo controle de marcas, do mercado, e do sistema financeiro. Para onde vai o capitalismo, pós-globalização, com o neoliberalismo desmoralizado, mas mantendo-se ainda de pé esse poder econômico fortemente centralizado nas mãos de poucas corporações que definem, inclusive, nosso modo de viver? Existem saídas ao final desse túnel? São questões que este mini-curso pretende abordar.
Programa e metodologia:
O programa do curso seguirá uma metodologia que visa buscar em filmes e documentários os bastidores de funcionamento do sistema. Serão apresentados cinco filmes/documentários em que esses elementos são postos; a seguir, numa segunda parte da aula serão feitas análises com base naquilo que foi apresentado com o conteúdo de alguns textos que serão deixados à disposição dos inscritos.
1) Na primeira aula o FILME será WALL STREET, PODER E COBIÇA, do diretor Oliver Stone. É interessante começar por esse filme porque ele retrata os Estados Unidos durante o governo de Ronald Reagan, momento de crise econômica, mas de retomada do capitalismo seguindo um novo modelo, o neoliberalismo. O filme foi finalizado no ano de 1985, bem no final do primeiro mandato de Reagan. A partir desta época e daquela que ficou conhecida como a década perdida, o mundo entra em uma nova era, conhecida como GLOBALIZAÇÃO. Com o neoliberalismo o capitalismo retoma sua lógica original e escancara sua opção pela concentração de riqueza, buscando na liberdade de mercado o argumento para desmontar toda a rede de apoio social construída pelo welfare state, de viés keynesiano. Nesta semana entrou em cartaz nos circuitos comerciais a continuação deste filme, abordando agora a crise de 2008, do mesmo diretor, Oliver Stone e estrelado por Michael Douglas.
2) Na segunda aula o documentário a ser exibido é ENRON – OS MAIS ESPERTOS DA SALA. A lógica que impulsionou o capitalismo pós era Reagan, foi a mesma que possibilitou um crescimento meteórico desta grande corporação, que em pouco tempo, devido principalmente pelas relações perniciosas com a família Bush se tornou uma das maiores do mundo no ramo de exploração de energia. Acontece que, segundo o crescente processo de especulação financeira, boa parte daquilo tudo que se apresentava como uma mega-empresa correspondia simplesmente à atividades fraudulentas, inclusive com criação de empresas virtuais encarregadas de vender ações no mercado das bolsas de valores sem nenhum tipo de atividade produtiva.
3) No terceiro dia será apresentado o documentário CORPORATION, dirigido por Jennifer Abbott e Mark Achbar, amplia muito o universo que é representado pelo documentário ENRON. Mostra como as corporações tornaram-se mais poderosas do que o próprio Estado, bem como todo o processo de exploração que leva à uma acumulação espantosa e a um poder incontrolável. O documentário parte de uma decisão judicial nos Estados Unidos que deu às corporações os mesmos direitos que os indivíduos, baseando-se na 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que proíbe ao Estado que este negue, a qualquer pessoa sob sua jurisdição, igual proteção perante a lei. Com base nisso os diretores constroem uma crítica bem humorada ao mundo corporativo e ao poder que ele carrega.
4) No quarto dia assistiremos a continuação do filme de Oliver Stone, apresentado no início do curso. Aproveitando as repercussões da grave crise econômica que abalou, e ainda segue abalando a economia estadunidense, Stone liberta Gordon Gekko - o megaespeculador do primeiro filme – da cadeia e o introduz em um novo mundo do dinheiro fácil e virtual, mas sempre escorado na usura e ganância. WALL STREET 2 – O DINHEIRO NUNCA DORME.
5) No último dia, fechando o curso, nada melhor do que um documentário que disseca todo o mecanismo de funcionamento do mercado financeiro no capitalismo, e retrata com competência os bastidores da crise capitalista, ainda em curso, e apresenta fortes denúncias sobre o envolvimento do establishment, na condução das medidas fortemente recessivas, beneficiadoras dos grandes burocratas responsáveis pelo caos econômico e salvadoras das grandes corporações financeiras. O documentário TRABALHO INTERNO, premiado no Oscar de 2010, expõe de forma crua todas as responsabilidades de políticos, CEOs, e até mesmo de professores de economia de importantes universidades estadunidenses, na implementação de medidas que fizeram ampliar a crise e o endividamento dos Estados. 
Seguiremos uma nova metodologia, bastante utilizada nos últimos tempos, e expresso em inúmeros artigos que incluiremos na bibliografia. CINEMA E GEOGRAFIA compõem esse novo caminho metodológico, onde exploraremos a capacidade que diretores, produtores e atores encontram para retratar o cotidiano de nossas relações, e buscar em fatos e acontecimentos reais a expressão que transforma em arte nossos cotidianos.
Não necessariamente procuraremos tecer críticas às qualidades artísticas, na medida em que somos leigos neste assunto, mas queremos extrair da capacidade que o cinema possui de nos envolver, para buscar produções cujos temas além de sérios são retratados com competência e qualidade. E que nos servem para irmos construindo o retrato do mundo em que vivemos, a geopolítica mundial, também para nos perguntarmos sempre: para onde iremos? Há vida após o capitalismo?

(*) Não será permitido utilização de celular nem durante os filmes nem nas aulas. A insistência levará ao cancelamento imediato da inscrição. 
(**) Independente de alguém já ter eventualmente assistido algum dos filmes ou documentários, é obrigatório assisti-lo durante o curso. A presença só será considerada se o(a) aluno(a) permanecer também após o filme para o período de exposição e debate dos temas apresentados.
(***) Será concedido certificado de participação correspondendo a 20 horas/aulas, desde que o percentual de presença não seja inferior a 80%. Ou seja, só poderá haver uma ausência nos quatro dias do mini-curso.
(****) Haverá cobrança de inscrição no valor de $10,00, que será revertido para despesas eventuais e, principalmente, para aquisição de lanche a ser servido no intervalo entre a exibição dos filmes e o início das discussões.

BIBLIOGRAFIA:
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A Segunda Guerra Fria. São paulo: Civilização Brasileira, 2013.
CAMPOS, Rui Ribeiro de. Cinema, Geografia e Sala de Aula, in Estudos Geográficos, nº 4 (1). Rio Claro(SP): Unesp, 2006
CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas – Neoliberalismo e ordem global. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
FILHO, Antonio Carlos Queiroz. Geografias de Cinema> A espaciaidade dentro e fora do filme. In, Estudos Geográficos, nº 5(2). Rio Claro (SP): Unesp, 2007
HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2004
___________. O Neoliberalismo. Histórias e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2005
___________. O Enigma do Capital, e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011
KLEIN, Naomi. A Doutrina do Choque: A ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
NEVES, Alexandre Aldo, e FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Cinema e Geografia: em busca de aproximações. In Espaço Plural, Anoo VIII, 2007
PERKINS, John. A História Secreta do Império Americano. São Paulo: Editora Cultrix, 2008
WALLERSTEIN, Immanuel. O Declínio do Poder Americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004
___________________. O Neoliberalismo, história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008

quarta-feira, 27 de maio de 2020

DESGLOBALIZAÇÃO – A DESTRUIÇÃO DOS ORGANISMOS MULTILATERAIS E A NOVA GUERRA FRIA

Algumas questões têm me chamado muito a atenção durante essa crise que afeta o mundo todo. Não é deste ano que me dedico a analisar todos esses processos históricos, e os do tempo presente, que nos envolvem diretamente nesses tempos em que vivemos. A função de historiador é exatamente essa, remexer o passado, investigar fatos e circunstâncias que levaram a transformações que marcaram épocas, seja por meio de revoluções ou sucessivas crises estruturais ou conjunturais. Com a Geografia, e por meio da Geopolítica, ampliei esse meu olhar.
Mas a sucessão de eventos, principalmente nessas duas últimas décadas, tomam nosso fôlego, e nos consomem em indagações e perplexidades, quando começamos a estudar a celeridade das mudanças que se seguiram na contraposição da Globalização, mas paradoxalmente, acontecidos exatamente por causa dela, decorrente da intensa integração e aceleração do mundo contemporâneo, mas sobretudo da corrida ambiciosa nas disputas hegemônicas pelo controle do poder militar e do mercado mundial.
Inclui-se nessa lista de eventos do monumental ataque terrorista às torres gêmeas, o World Trade Center, nos EUA, e as guerras que lhe sucederam, até essa terrível pandemia gerado pelo vírus, até agora invencível, “Sars Cov-2”, passando pela grave crise econômica que explodiu em 2008 e todos os conflitos que se espalharam pelo mundo, potencializados, ou estimulados, pela guerra híbrida e pela nova modalidade de desnorteamento e propagação do ódio, na esteira das crises: as fake news.
Tão rápido e intenso quanto se deu a globalização, cuja característica marcante em seu DNA foi justamente a rapidez e a celeridade das transformações, técnicas, científicas e informacionais, nos deparamos com o transbordamento do que se pretendeu construir nesse mundo movido por uma ambiciosa etapa da revolução industrial do capitalismo. Eu prefiro não me referir a esse processo como sendo uma “terceira revolução industrial”.[1]
Uma sucessão de crises, que já impactava o capitalismo desde os anos 1970, levou a desestruturação do socialismo real quando este se abria para o mercado mundial, e possibilitou uma reviravolta impressionante nos rumos da humanidade, desde o final da década de 1980, acelerando nos anos 1990 e atingindo seu ápice na primeira década desde século. (HOBSBAWM, 1995, pp. 465-479) Até que em 2008 a “bolha” estourou, desnudando um sistema que passara a ser caracterizado pela frivolidade das relações humanas, que se tornaram coisificadas, desprovidas de sentimentos humanitários e solidários, salvo os momentos em que isso servia a interesses marqueteiros, e pela obsessão muito mais nítida e desavergonhada pela busca e ostentação da riqueza.
A ganância tornou-se parte da condição meritocrática, um valor intrínseco à lógica perversa e individualista da ascensão social a todo e qualquer custo. Naturalmente que esse caminho levaria a sociedades dominada por valores perversos e insensíveis diante das fragilidades humanas, que se ampliavam à medida em que as estruturas globalizantes (bancos, corporações, bolsas de valores, organismos mundiais, mecanismos de controles etc.) se fortaleciam e concentravam as riquezas no topo da pirâmide. (HARVEY, 2018, pp. 203-205)
Indubitavelmente o mundo passou por uma acelerada transformação. O capitalismo chegou a ser considerado como a última etapa da humanidade e o “mercado”, o deus todo poderoso da ganância, seria o balizador das competências individuais, ou nas relações entre os estados-nações. A aceleração tecnológica atingiu patamares surpreendentes, e o tempo em que se descobrem inovações se encurtava rapidamente. (HARVEY, 2016, PP. 11-12)
Entramos na era da robotização com a inteligência artificial, algo adiantado pela ficção cinematográfica desde os anos 1980, mas bem antes pela literatura, a partir de meados do século XX, com a obra de Isac Asimov, “Eu Robô”. Uma série de contos que estimulou realmente muitos estudiosos e cientistas, e inspirou um filme produzido em 2004.[2] O mundo projetado no filme é 2035, mas a realidade tem se intensificado mais rapidamente do que a ficção. O que deve se acelerar no pós-, pandemia.
Mas o caráter absolutamente expansivo do capitalismo, e a forma como o mundo entrou numa desesperada competição, seja entre as pessoas, e principalmente entre os países, notadamente os mais ricos, levou ao limite das relações políticas, e o que se dissemina atualmente é ódio, preconceito e xenofobia. E uma forte disputa entre as duas maiores potências mundiais: EUA e China.
O mundo tornou-se pequeno para os desejos de grandiosidade, de inventividade e de necessidade de se produzir em escala crescente para abastecer mercados cada vez mais fluídos, e poucas décadas após se encerrar o ciclo bipolar que prevaleceu no pós-guerra e termos entrado nessa fase denominada globalização (ou mundialização, como gostam de se referir os franceses), esse curto espaço de tempo histórico de três décadas, politicamente dirigido pelas ideias neoliberais e em meio ao deslumbramento da globalização, chegamos ao fim de uma época que passou da unipolaridade para a multipolaridade, e, parece, retornar à bipolaridade. Encontremos um réquiem para a globalização.

OS ORGANISMOS MULTILATERAIS E A GEOPOLÍTICA GLOBAL

Antes de entrarmos nesse ponto, cabe esclarecer que os organismos multilaterais, que tiveram um papel importantíssimo na globalização, não foram criados a partir desses processos de integração mundial pós-guerra fria. A seguir apresento um quadro com o ano de fundação e o objetivo de cada um deles, para que possamos acompanhar o raciocínio sobre para o que eles vieram, o papel que cumpriram durante todos esses anos e o que está acontecendo nesse momento em que a globalização se esfumaça.

Essas instituições foram criadas, sempre, em períodos de crises, na maioria das vezes em pós-guerras, e, principalmente depois da segunda grande guerra mundial. (HOBSBAWM, 1995, p. 419) O advento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) acentuou essa necessidade. Portanto, para além das dificuldades geradas por essas guerras, uma outra se tornaria mais importante, e se faria necessário a criação de organismos multilaterais que, a princípio, servisse para reforçar os interesses dos países ocidentais, no âmbito de uma luta que se tornaria crucial para os destinos da humanidade: a guerra fria.
Evidente que alguns desses órgãos cumpriram a importante função de estabelecer alguns limites ao belicismo, e em determinados momentos foi crucial no equilíbrio necessário entre esses dois mundos que se armavam perigosamente, inclusive com enormes arsenais nucleares. E, muito embora para manter esse equilíbrio algumas regras impostas tenham sido estranhas nas relações com a maioria dos estados-nações, como por exemplo deixar a critério de cinco grandes potências a capacidade de decidir os destinos do mundo. Eram, e são ainda hoje, as únicas com poder de veto no Conselho de Segurança. O que, pelas regras da Organização das Nações Unidas, implica na necessidade de haver consenso entre esses cinco países para que quaisquer sanções possam ser executadas.
Poucas vezes isso ocorreu nas últimas décadas, e em uma dessas vezes, por manobras embutidas nas entrelinhas de uma resolução, possibilitou que os EUA e aliados da OTAN perpetrasse atos arbitrários contra a Líbia, influenciando vergonhosamente no assassinato do presidente de uma Nação soberana, por interesses escusos, embora possíveis de serem entendidos. O resultado disso é que até hoje a Líbia se encontra em um intenso conflito e tornou-se mais um dos estados párias na constelação das nações impactadas por decisões que interessavam ao poder imperial dos Estados Unidos da América. (BANDEIRA, 2013, pp. 287-303)
Pouco a pouco desnudou-se o poder exercido pelos EUA e seus aliados, por trás desses organismos multilaterais. Jamais houve verdadeira independência, ou, quando muito, algumas decisões questionáveis não pela isenção, mas pela dúvida de não atender inteiramente os interesses estadunidenses, ou se porventura fosse complacente com algum dos países por este Estado considerados inimigos, como no caso emblemático da pequenina Cuba, por mais de cinco décadas sofrendo todos os tipos de bloqueios, muito embora sendo apoiada pela absoluta maioria dos países membros da ONU em suas assembleias gerais.
Mas os EUA sempre fizeram valer o poder de veto, nesses e em outros casos de países cujos governos lhes contrariassem. Por outro lado, quatro outros países também tinham esse poder: Rússia (URSS), China, França e Reino Unido. Ou seja, os principais países que se sagraram vitoriosos na aliança construída para derrotar o nazi-fascismo. Um equilíbrio forçado para evitar que desequilíbrios levassem a uma nova grande guerra, que vigorou por todo o período do pós-guerra, denominado de Guerra Fria, e que passou a cumprir um papel importante na construção do mundo globalizado.
Apesar de todos os porém, esses organismos multilaterais assumiram um papel preponderante no processo da globalização. Claro, quase sempre pressionados pelos EUA, e na maioria das vezes atendendo aos seus interesses e de seus aliados. O GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) foi o único que passou por transformação em sua nomeclatura, mudou de denominação e veio a se constituir no organismo mais importante para a Globalização, a Organização Mundial do Comércio (OMC). (SILVA, 2004, pp. 628-630) A desregulação do comércio mundial, a partir principalmente da abertura das fronteiras comerciais e dos processos de desnacionalização de inúmeras empresas estatais, necessitava de um organismo que pudesse gerenciar esse processo e estabelecer as regras que deveriam ser seguidas a partir de então.
Os países que não obedecessem as normas da OMC tornavam-se párias e encontrariam dificuldades para lidar com o comércio mundial. Impunha-se dessa forma os mecanismo de aceitação das regras neoliberais, assim como se fazia também através do Fundo Monetário Internacional (FMI), como condição para concessão de empréstimos aos países menos desenvolvidos, quase sempre endividados e com suas riquezas sendo expropriadas pela elite corrupta, tornada parte do poder político. A partir dos anos 1990 do século passado, a própria elite passou a disputar as eleições, e não mais deixar a cargo de seus apaniguados, testas-de-ferro, como se fez historicamente no Brasil e na maioria dos países latino-americanos.
Como essas transformações se intensificaram muita rapidamente a partir dos anos 1980, era preciso estabelecer parâmetros que identificassem as mudanças na direção dos interesses definidos pelos países centrais, dentro da lógica política que se impunha, o neoliberalismo. Ou, uma nova forma de liberalismo, sempre focado como em seus princípios, tendo o mercado como elemento mais importante, a despeito do poder dos Estados, mas retirando deste aspectos importantes na condução da economia, que passou a ser celeremente controlada por grandes corporações financeiras, industriais, comerciais e das recém criadas corporações que passaram a se expandir e controlar o poder crescente das novas tecnologias.
As conhecidas empresas “.com”, que obtiveram um crescimento acelerado no final dos anos 1990, a ponto de gerar uma das primeiras crises da globalização, em função da bolha que se criou com preços supervalorizado de ações de empresas que surgiam, quando se popularizava a “world wide web”. Ficou conhecida como a “bolha da internet”, e levou a uma intensa insegurança nos mercados financeiros e a um efeito cascata de desvalorização de empresas cujo valor era infinitamente maior do que efetivamente elas valiam. Algo que se tornou, de certa forma, muito comum nos tempos da globalização financeira.
A ganância foi um fator fundamental para gerar uma cegueira obsessiva nos que se extasiavam com a facilidade gerada por investimentos fáceis, e que levavam gradativamente alguns setores a forçar o endividamento das pessoas para levá-las ao consumo fácil, algo bem possível devido ao deslumbramento pelas novas tecnologias. (SANTOS, 1999, pp. 10-20) O capitalismo se intensificava, o dinheiro virtual se disseminava pelo mundo e crescia o número de bilionários. Embora fosse muito maior a quantidade de pobres e miseráveis que se espalhavam pela maioria dos países, e em muitos casos os conflitos regionais, as guerras, o sectarismo religioso e a escassez hídrica, as populações, sem escolhas, se deslocaram em massa, aos milhões, por suas fronteiras próximas ou em direção aos países mais ricos, na Europa e na América do Norte.
A crise de 2009 despertou dos sonhos, ou transformou em pesadelo, o que se imaginava ser um eterno paraíso de ganhos fáceis gerados pela globalização. Mais uma bolha explodiu, agora a hipotecária e no coração financeiro do mundo, os EUA.[3] Daquele momento em diante a globalização desandou. Evidente que não se pode atribuir a somente esse fato a acentuação de uma crise sistêmica que se estende desde o final dos anos 1970, cambaleando por vários momentos e se reerguendo de forma impressionante. Mas as fissuras permaneciam, e por elas as estruturas do sistema foram se fragilizando.
“Ma non tropo”. Alguns países souberam se aproveitar bem das transformações e atraíam para seus territórios uma infinidade de empresas, que na busca por lucrar mais, com mão de obra mais baratas e menos problemas gerados por leis trabalhistas que se tornavam alvos dessas corporações e eram abominadas pelo ideário neoliberal, eram deslocadas de seus países de origem, onde a organização dos trabalhadores era mais forte. Esses países não somente se preocuparam em atrair essas empresas, mas se debruçaram sobre as mercadorias que ali eram montadas, e em pouco tempo tinham copias perfeitas daqueles produtos. Com os ganhos conseguidos nesse processo investiram em educação e no desenvolvimento tecnológico. Das cópias feitas nas linhas de produção, à produção de tecnologias que passaram a superar muitos dos produtos ocidentais, não se passaram três décadas.
Foi muito rápido o passar do tempo para que alguns países antes encarregados de abrigar empresas montadoras de peças fabricadas fora, passassem eles mesmos a produzirem, e com novas tecnologias. Ao passo que os países asiáticos se despontavam por esse caminho, principalmente a China, o Japão já estava envolvido nesses avanços desde antes, mas também a Coréia do Sul, a Tailândia, o Vietnam... a Rússia se recuperava do desastre causado pelo governo desastroso de  Bóris Ieltsin, e retomava gradativamente o seu protagonismo.
Enquanto desde o começo do século XX os EUA se deparava com um inimigo invisível, a quem declarara guerra depois de um atentado que assassinou mais de três mil pessoas naquele país, em 2001, e deslocava todo o seu aparato bélico e suas atenções para o Oriente Médio e o Afeganistão, alguns países emergentes numa espécie de segunda onda da globalização, se uniam para criar um novo polo hegemônico, com a intenção de pelo menos romper com qualquer possível unipolaridade que se pensava construir com a globalização. Os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, surgiu e fez despontar um novo bloco forte política e economicamente, e a partir daí estabeleceu-se uma nova polarização, que crescia ao mesmo tempo em que mecanismos que visavam destruir essa força eram postos em ação. A guerra híbrida, que funcionara no Oriente Médio, em especial na Líbia, Egito, Iêmen, e Síria,  passou ser aplicada nas fronteiras da Rússia (principalmente na Ucrânia), China, região do Tibete, (BANDEIRA, 2013, pp. 119-132) e no Brasil a partir de 2013. (HARVEY, 2018, pp. 190-192)
Os conflitos se espalham por todo o mundo, e as tensões retornam em larga escala  ameaçando fazer explodir novas guerras. Acordos são rompidos e os EUA, com a eleição de Donald Trum, e sua política “América First” passa a romper diversos acordos e a atacar abertamente aqueles países que ameaçavam a hegemonia estadunidense, e que ele via como ameaça para o próprio desenvolvimento nacional.
Os organismos multilaterais tornam-se alvos da política de Trump e os ataques sistematicamente acontece revezando-se qual deles será o próximo a ser atacado. Primeiro a OTAN, cujos parceiros são acusados de não investirem recursos necessários para armar a organização e a fragilizar diante dos avanços do poder russo;[4] depois a OMC, vista como uma ameaça aos interesses dos EUA, passando a ser pressionada para que as decisões favorece seus interesses. Essa pressão sobre a OMC terminou por fazer o brasileiro Roberto Azevedo, diretor geral da instituição, decidir abandonar o cargo a partir do segundo semestre deste ano de 2020.[5]
No começo deste ano a Pandemia do Covid19 concentrou o protagonismo das ações nas mãos da OMS, e foi o próximo desses organismos a sofrer intensos ataques do presidente estadunidense, a ponto de ameaçar retirar todo o apoio financeiro e a acusando de beneficiar a China. O quadro que se constituía a partir dessas pressões com a nova política isolacionista adotada pelo presidente dos Estados Unidos, foi agravado pela disseminação dessa doença. O vírus (Sars Cov-2) avançou implacavelmente sobre todos países gerando centenas de milhares de mortes, sem que houvesse uma vacina para contê-lo, e transformando os Estados Unidos no epicentro da doença, e atingindo o terrível número de 100 mil mortos, só podendo ter essa marca atingida pelo Brasil, cujos número de mortes sequem crescendo.
Os EUA, com sua política de ataque aos blocos econômicos, e de identificação de inimigos a quem lhes ameaçassem em sua hegemonia, definiu seus objetivos centrados nos interesses internos, e estava se recuperando às custas de um forte isolamento e distanciamento até mesmo de seus parceiros tradicionais. A China substituiu a antiga União Soviética, no imaginário persecutório de Trump, que passou a usar um discurso nacionalista e, como sempre é comum aos EUA, de defesa da segurança e dos interesses nacionais.
Em meio a uma forte recessão e à beira de uma inevitável depressão, como consequência do agravamento da crise em decorrência da Covid19, o discurso de Donald Trump sobe o tom, e se eleva mais à medida que se aproxima das eleições presidenciais marcadas para dezembro deste ano.[6]
Inevitavelmente o cenário pós-covid19 não será de um mundo globalizado. Os organismos multilaterais sofrerão uma pressão maior do que está acontecendo neste momento e deverão passar por transformações estruturais, se não estarão fadadas a desaparecerem. A tendência é termos um mundo marcado por fortes disputas econômicas e ameaças bélicas, com forte possibilidade de termos um grande conflito que se estenda por todo o mundo. Uma ameaça de guerra nuclear não pode ser destacada, dependendo do quadro a ser definido nas eleições estadunidenses e as consequências que após essa pandemia.
A desglobalização se concretizará, na eminência do enfraquecimento dessas estruturas, o que não irá significar o desaparecimento de blocos regionais. Esses também serão refeitos, e haverá um forte crescimento da influência chinesa em países asiáticos e europeus, seguindo o curso do projeto da nova rota da seda.(GEROMEL, 2019, pp. 116-123) As tensões se intensificarão no Oceano Pacífico e envolverão os países latino americanos. O Brasil, na postura de isolamento ao lado dos EUA, será mais um pária no contexto da política mundial, ao contrário do protagonismo construído no começo do século, auge da globalização.
A incógnita que permanecerá é se de fato teremos algo parecido com a guerra fria, onde dois gigantes bem armados se temiam e se respeitavam, em alguns momentos vivendo tensões que os fizeram se aproximar do confronto aberto, como no caso da crise dos mísseis soviéticos que seriam enviados a Cuba, mas sempre salvos pela diplomacia. A posição de Donald Trump, de romper acordos, atacar adversários e ameaçar aliados, elevará as tensões ao limite do suportável. Mas esse limite pode ser muito frágil, ou estar não muito distante, a depender das condições econômicas que afetarem os países, e principalmente os EUA. E, diferente dos anos pós 2ª guerra, quando a economia estadunidense ajudou a reerguer a Europa, agora a situação poderá ser inversa, acuando um forte poder imperial que será mais perigoso ainda caso o povo daquele país insista no erro de mais uma vez elegê-lo.
Os caminhos da humanidade, no âmbito da política internacional, dependerão da gravidade da crise econômica pós-pandemia e do resultado das eleições dos EUA. Mas, certamente, qualquer que seja o resultado já não será mais um mundo globalizado. Claro, estamos nos referindo à globalização como um modelo, um método, e os mecanismos que lhes faziam funcionar empurrando sociedades para o abismo, o neoliberalismo e a perversa política de reduzir o estado ao mínimo, aos interesses das grandes e dos ricos. Porque a integração entre países prosseguirá, como uma necessidade, malgrado as tentativas isolacionistas e xenófobas que serão implementadas por governos de extrema-direita.
A desglobalização, nos parece, já está em curso, e se efetivará. Para o bem, ou para o mal. Pode renascer com a China com nova protagonista em seu comando, mas isso só o tempo dirá. E aos trabalhadores de todo o mundo resta ouvir o clamor da Associação Internacional dos Trabalhadores, de meados do Séculos XIX: “Uni-vos”!



NOTAS:
[1] Não vejo como sendo uma “terceira revolução industrial”. Visto que desde quando acontece o processo inicial do desenvolvimento capitalista, e a manufatura foi substituída pela maquinofatura, e tivemos início às linhas de montagens das fábricas, o que vemos é um processo crescente de transformações técnico-científicas na direção de ampliar e fortalecer a lógica sistêmica contida no modelo de produção capitalista. Não havendo, portanto, nesses três últimos séculos uma substituição dessa formação econômico-social, mas sempre uma sequência de novas invenções e adaptações tecnológicas com o mesmo objetivo moldado pelo sistema capitalista. Não há revoluções no capitalismo, as que houveram aconteceram para propiciar sua substituição, mas fracassaram no seu intento final. Pelo menos até os dias atuais, à exceção da China, o que é absolutamente relevante, e está, digamos, numa situação de transitoriedade, a poucos passos da hegemonia do controle do mercado mundial. Em um novo patamar, agora identificado como “socialismo de mercado”, apesar das controvérsias.
[3] Em 2014 ofereci um mini-curso no IESA/UFG, para analisar a crise econômica, e me inspirei em alguns filmes e documentários, utilizados durante o curso como ferramenta importante. Dentre eles TRABALHO INTERNO: “O documentário TRABALHO INTERNO, premiado no Oscar de 2010, expõe de forma crua todas as responsabilidades de políticos, CEOs, e até mesmo de professores de economia de importantes universidades estadunidenses, na implementação de medidas que fizeram ampliar a crise e o endividamento dos Estados”. (https://gramaticadomundo.blogspot.com/search?q=trabalho+interno)

REFERÊNCIAS:
BANDEIRA, Luiz Alberto Muniz. A segunda guerra fria. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2013
HARVEY, David. 17 Contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Ed. Boitempo, 2016
____________. A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI. São Paulo: Ed. Boitempo, 2018
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Ed. Cia. das Letras
GEROMEL, Ricardo. O poder da China. São Paulo: Editora Gente, 2019.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Ed. Record, 2000.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de Guerras e Revoluções no Século XX: As grandes transformações no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.






sábado, 12 de março de 2011

INSIDE JOB – A PERVERSÃO DO CAPITALISMO

Sensacional! Eu não poderia encontrar uma palavra que expressasse melhor a minha satisfação pelo que vi. Estou me referindo ao documentário “Inside Job”, premiado com o Oscar 2011, denominado em português Trabalho Interno, sabe-se lá por que.

Segundo Luis Gonzaga Beluzzo(1) Inside Job é uma expressão idiomática e não caberia uma tradução literal. O documentário é dirigido por Charles Ferguson, que não chega a ser um cineasta famoso. Empresário e formado em matemática ele conseguiu realizar um trabalho brilhante que consegue expor com rara clareza todo o processo que culminou com a grave crise econômica de 2008, cujo ápice se deu com a quebradeira de três das principais instituições financeiras dos EUA: Lehman Brothers, Merrill Lynch e AIG, e com o efeito cascata gerado por especulação desenfreada com o uso de hipotecas e empréstimos subprimes.

Aconselho a todas as pessoas, que tem interesse em saber o real funcionamento do sistema capitalista, nessa etapa de financeirização, e inclusive, da mais completa e definitiva relação entre aqueles que controlam o dinheiro e o Estado, a assistirem Inside Job. E também para melhor entender essa relação com o poder político, que determina a maneira como se controlam os mecanismos que garantem a acumulação da riqueza nas mãos de uma ínfima minoria. Tudo isso é mostrado às claras no documentário. As entrevistas, algumas delas feitas com personagens que estiveram no centro do escândalo, chegam a ser hilárias, diante da maneira como Ferguson derruba todos os argumentos que são apresentados a partir de uma competente pesquisa com informações sobre o envolvimento de cada um abertamente ou feito de forma dissimulada.

Tudo começa e gira em torno da chamada “desregulamentação”. Naquele ano de 2008, quando estourou a crise econômica, na primeira aula que dei para uma turma de Geopolítica, após apresentar um outro documentário, igualmente imperdível, “Enron, os mais espertos da sala”, escrevi no quadro este palavrão – desregulamentação – e disse aos alunos que me assistiam que certamente dali em diante eles ouviriam muito essa palavra. Eu já tinha informações, por leituras alternativas na internet em blogs como Carta Maior, Vermelho e acompanhando a revista Carta Capital, que a crise já se avizinhava. Afinal, desde o final de 2007 (e agora se sabe, bem antes, como é mostrado em Inside Job) era perceptível aos analistas independentes, mais críticos do comportamento neoliberal, que se aproximava uma grave crise imobiliária nos EUA. Resolvi começar minhas aulas, então, tratando dessa temática, porque pelas leituras que eu fazia era possível perceber que teríamos pela frente uma crise de uma enorme gravidade, de tal forma que colocaria em xeque toda a política neliberal, de desgulamentação e de evitar que o Estado estabelecesse formas de controle sobre os ganhos de capital e sobre a movimentação financeira mundo afora.

Desregulamentação, enfim, veio a ser todo o processo político e econômico que possibilitou uma enorme virada na economia mundial e deu início ao que passou a se chamar “Globalização”. Partia-se do princípio que era necessário a economia ver-se livre de todas as amarras que eram impostas pelo Estado e garantir ampla liberdade para o comércio mundial. Mas, o que não se percebeu no primeiro momento, era que essa liberdade reivindicada tinha como alvo principal a movimentação do capital financeiro pelo mundo. Claro, também para as mercadorias. Mas a mercadoria mais importante a ser “libertada” era o dinheiro, garantindo-se a especuladores todas as possibiidades de “inventar” fórmulas que garantissem às grandes corporações aumentar de forma espetacular os seus lucros.

Transformou-se, assim, o mundo em um verdadeiro cassino e fez de analistas e acadêmicos das famosas escolas de administração, economia e finanças dos EUA, espertos oportunistas que foram os responsáveis para teorizarem, tornarem-se consultores e até mesmo assumirem cargos elevados da alta administração das finanças estadunidenses. Já nos anos 1980, do século XX, François Chesnais(2) e Perry Anderson(3), críticos da forma como se dava a globalização financeira, acusava ter sido criado nas escolas de administração dos Estados Unidos, tanto o termo “globalização”, assim como a idealização de toda a política neoliberal.

Na esteira da crise do socialismo o caminho abria-se para um discurso que procurava determinar o fracasso de uma política de cunho social a partir da ação do Estado e tentava convencer a todos, e conseguiu transmitir isso à maioria das pessoas, inclusive os mais pobres, que o capitalismo era a única alternativa capaz de solucionar os problemas do mundo. Desde que se garantisse liberdade àqueles que visavam investir seus capitais em rentáveis negócios de forma a espalhar desenvolvimento por toda a parte.

O que não se via, mas que viria a ser a essência das novas políticas econômicas adotadas pelos quatro cantos do mundo, a partir de mecanismos implementados via FMI, Banco Mundial e outras “governanças” globais que se tornaram mais fortes do que os Estados Nacionais. À exceção, claro, daqueles que davam as cartas e fortaleciam seus sistemas financeiros, e ao mesmo tempo criavam leis que davam todas as liberdades para que grandes corporações transgredissem até mesmo os limites da usura e da ganância. Se é que há limite para tais perversões.

Enquanto a grande mídia mundial, deslumbrada pelo papel que a propaganda e/ou marketing passava a ter, manipulava e escondia a verdadeira face do que estava se espalhando pelo mundo, vendendo a idéia de modernização e progresso, poucos, muitos poucos, ganhavam milhões em todo esse processo. Esse é um detalhe a ser observado quando se assiste Inside Job, as cifras citadas são de valores grandiosos, a mostrar que a desgulamentação abriu as portas do “inferno” para todos os tipos de gananciosos e criminosos financeiros (ironicamente Fergusson começa o documentário dizendo que o mesmo teria custado mais de 20 trilhões de dólares, soma gasta para cobrir as quebradeiras do sistema financeiro estadunidense e mundial).

Tudo isso à custa do crescimento da pobreza no mundo, principalmente em países de onde se retirou todos os tipos de investimentos produtivos, principalmente a partir da pressão para que o Estado se afastasse de determinados setores da economia. O resultado disso se assiste hoje também com a crise da produção de alimentos e o encarecimento dos mesmos, afetando principalmente a população mais pobre.

Hoje, com a extensão da crise para todos os continentes, com menor impacto em alguns poucos países que se apoiaram em um mercado interno em expansão, percebe-se com maior clareza todo o estrago feito pelas políticas neoliberais. Mas, isso não significa que os agentes responsáveis pela quebradeira, pela ação gananciosa que ampliou a pobreza inclusive em países como os Estados Unidos, tenham sido punidos por isso. Ao contrário, o próprio documentário mostra que muitos deles ocupam hoje cargos importantes na estrutura administrativa daquele país, indicado por Barack Obama, ilusoriamente visto como a saída para o caos econômico que os atingiu. O documentário explica isso.

Sugiro que antes de verem Inside Job, assistam outros dois documentários, que eu inclusive já citei aqui mesmo neste blog, quando apresentei a proposta do mini-curso que realizei, “Decifrando o sistema capitalista”. O primeiro deles, que falei anteriormente, é “ENRON, os mais espertos da sala”, o outro, CORPORATION, e se tiverem tempo, vejam também, de Michael Moore, Capitalismo, uma história de amor. A partir daí será difícil entender porque tantos defendem que o capitalismo é o melhor sistema para a humanidade.

Seria cômico, se não fosse trágico.

O que deduzimos de Inside Job é que a maioria dos seres humanos não vivem no sistema ali mostrado. Vivem sob ele. Quero dizer que a enorme maioria das pessoas vive no submundo do que se pode caracterizar como Capitalismo. Algo já dito, de outra maneira, pelo historiador francês Fernand Braudel, para quem o capitalismo deveria ser dividido em uma economia superior, onde se faz o capital, e uma economia inferior, onde praticamente as pessoas trabalham e produzem para sobreviverem. Aí se encontra a enorme maioria da população. O impressionante é a quantidade daqueles que, vivendo nesse submundo, são submetidos à uma verdadeira lavagem cerebral e acreditam poder atingir a riqueza daqueles que controlam os meios pelos quais ela é conquistada. Talvez isso explique, pela ganância que caracteriza sempre essa obsessão, porque há tanta corrupção no mundo.

Mas é evidente que creio ser possível superar os abusos do capitalismo. Pode-se mesclar algumas coisas que são positivas, com a necessidade de se distribuir a riqueza de forma mais democrática. E o Estado é essencial para isso, portanto é necessário que o mesmo possa regular os abusos cometidos por verdadeiros psicopatas financeiros (como os apresentam o documentário Corporation). Não sou pessimista. E jogo no time dos que acreditam que um outro mundo é possível!


NOTAS:

(1) Inside Job, documentário imperdível. Artigo de Luis Gonzaga Beluzzo, publicado originalmente no jornal Valor Econômico. (http://fmauriciograbois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=12&id_noticia=4957)

(2) CHESNAIS, François. “A emergência de um regime de acumulação financeira” in Praga, estudos marxistas, número 03. São Paulo: editora hucitec, 1997.

(3) ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”, in SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.), Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995