Em janeiro de 2012 escrevi uma
série de artigos para este blog, que intitulei “Crônica de um Mundo em Transe”[i].
Foram seis artigos, ou cinco partes e um final. Mas não houve um fechamento
definitivo, até porque a última parte, em que analisei uma nova etapa da guerra
travada pelo Império, denominada “guerra ao terror”, com a substituição de
tropas por um serviço de inteligência, espionagem, mais efetivo e sofisticado
tecnologicamente, posto em prática com a introdução de uma novidade surgida da
indústria da guerra e que predomina atualmente em diversas áreas por todas as
partes do mundo: o uso dos drones. A partir dos anos seguintes, esse aparato
tornou-se mais sofisticado e os assassinatos “cirúrgicos”, de enormes efeitos
colaterais, dizimaram um número indefinido de vítimas, “terroristas” ou não. Isso
me fez insistir na análise de como as ações desenvolvidas intensivamente para
destruir e desestabilizar os inimigos do império por todo o mundo, onde isso
fosse possível, tornaria a humanidade mais vulnerável e espalharia ódio e
intolerância de forma indiscriminada. De lá para cá o mundo mudou, e para pior.
E, ao invés de reduzir as guerras, ampliou-as e deu poder aos grupos sectários,
disseminando mais ainda ações terroristas, que não ficaram restritas ao Oriente
Médio e África, mas que atingiu duramente a Europa e até mesmo os EUA, apesar
de todo aparato repressivo e de vigilância.
A crise econômica mundial se
intensificou, tornou-se cada vez mais crônica, porque é de origem estrutural, e
disseminou uma onda de perversidade gerada pela necessidade das classes
dominantes retomar o curso dos acontecimentos, de forma a reestruturar o
capitalismo e tentar tirá-lo de uma das piores crises de sua história. Tudo
isso alimentou uma reação conservadora, potencializada pelas redes sociais,
onde cada um individualmente, se sentindo uma voz “libertadora” em meio a uma multidão
virtual, descarrega sua opinião apolítica, anti-política, políticamente
incorreta, e absolutamente estúpida. São minhas impressões, feitas a partir de
análises geopolíticas, mas sustentadas por uma ótica que me coloca em
contraposição com os mecanismos criados pelas forças que dominam os mercados,
as corporações, e as políticas que definem os rumos loucos de um mundo em
transe.
Minhas análises decorrem de
leituras acuidadas, de concordâncias com diversas opiniões[ii]
manifestadas em blogs, revistas, livros e em documentários produzidos nos
últimos anos, e muitos premiados, que retratam com bastante fidelidade o
desequilíbrio na política mundial, provocado por uma estratégia que se
dissemina há décadas, desde o começo da guerra fria, mas que nos últimos anos
atingiu o limite da estupidez. Como já disse em outros escritos neste blog,
apesar de toda a loucura existente por trás das ações geopolíticas dos EUA e
seus aliados, houve uma nítida intencionalidade em cada uma delas, no sentido
de desestabilizar dezenas de países, por meio de provocações de insurgências
internas com o consequente esfacelamento de seus governos. Em alguns casos, a
guerra civil foi fomentada quando alguns governos resistiram às pressões
populares, insufladas por movimentos organizados financiados por ONGs e alguns
grupos que surgiam seguindo-se uma estratégia de deslocar o protagonismo dos
partidos e tornar a política desmoralizada. Sem a capacidade política de
estabelecer acordos, a regra que se segue é a guerra. E isso se dá de diversas
maneiras, desde o enfrentamento bélico, gerador de destruição acelerada, como aconteceu
na Síria; ou por meio da disseminação entre a população da desesperança, da
descrença e da propagação do ódio e intolerância, tornando o país ingovernável,
nos dois casos.
O desequilíbrio que atinge o mundo,
decorre de uma crise que teve seu ápice entre os anos de 2008 e 2010, mas que
não pôde ser solucionada até hoje, gerando uma onda de insatisfação por todo o
mundo e possibilitando que discursos ultranacionalistas antiglobalizantes
apresentem como alternativas personagens anti-políticos, ou de comportamentos
populistas e fascistas. A derrota da política dissemina-se para além das
fronteiras e desconhece os poderios econômicos dos países por onde ela se
espalha.
A partir de 2010 uma série de
revoltas, fomentadas propositadamente afetaram diversos países, mas também
ocorreram como decorrência da forma com que a crise econômica afetou cada um
deles. Havia um clima de insurgência latente que potencializou essas ações. O
aumento de desemprego, que afeta primordialmente as camadas mais jovens, na
medida em que se fecham as possibilidades de acesso ao mercado de trabalho por
aqueles que estão se habilitando, mas que não detém experiência para serem
aproveitados numa realidade em que muitos devidamente especializados estão
sendo dispensados de seus empregos. Seguramente essa foi uma das razões que
levou a uma explosão de manifestações por países do norte da África e
estendeu-se por todo o Oriente Médio. Mas a espontaneidade foi apenas no início
dessas revoltas, a partir do momento em que se disseminaram entraram em cena
outros atores, com objetivos bem definidos, desestabilizar governos situados
estrategicamente, ou por seus governos serem reticente às políticas do Império
e de seus aliados.
Na América Latina, que nas duas
últimas décadas tinha dado uma guinada à esquerda, com a escolha pela população
de governos progressistas que se dirigiam para uma outra direção,
distanciando-se dos EUA e aproximando-se da China e da Rússia afetando o
espectro geopolítico regional, esse desequilíbrio não ocorreu como consequência
da crise econômica, embora ela fosse latente. Mas pelas disputas do poder
local, estimuladas pelos interesses dos EUA em retomar sua influência nesses
países. A estratégia, nesses casos, foi fomentar a desestabilização por meio de
uma forte influência na política, fortalecendo os partidos conservadores e segmentos religiosos neopentecostais;
potencializando movimentos ditos independentes, que cumpriram o papel de
desmoralizar a política; e, por meio de espionagem cibernética a identificação
dos vícios historicamente consolidados no controle do poder. Assim, neste
último caso disseminou no Brasil, em especial, uma espetacular investigação,
iniciada, segundo Edward Snowden, pela vigilância na maior estatal brasileira,
além dos principais personagens da política, blindando aqueles que sempre
estiveram alinhados ideologicamente com os interesses estratégicos
estadunidenses.
Mas a Europa não ficou imune a
todas essas mudanças. Ela foi afetada não somente pela crise econômica que diretamente
influenciou cada um dos países do bloco europeu, mesmo que de forma distinta no
começo, mas que no último ano se ampliou voltando novamente a atingir o sistema
financeiro, estremecendo o poderio dos principais bancos, principalmente na
Itália e na Alemanha. Ao mesmo tempo, os efeitos colaterais das guerras
travadas naqueles países que foram desestabilizados pela estratégia citada
anteriormente levaram a uma das maiores migrações da história, com o
deslocamento de centenas de milhares de pessoas oriundas principalmente
daqueles países onde os governos foram derrubados ou estavam em vias de serem,
causando uma falência quase total nos Estados.
Para completar as vicissitudes de
futuros imprevisíveis, o “brexit”, com a saída da Grã-Bretanha da União
Européia, numa decisão inesperada da população, tanto quanto a eleição de
Donald Trump nos EUA. Inesperada, ma non
troppo! São posições que refletem uma insatisfação com os rumos em que a
economia e a política andam tomando, em cada um desses países, em particular, e
no mundo, de uma maneira geral. O que se espera ainda, para os próximos meses,
é uma guinada ainda mais à direita, com as eleições que virão,
que já sentem a repercussão da derrota do establishment
estadunidense, que apostara tudo na candidatura da Hilary Clinton, inclusive
praticamente toda a grande mídia daquele país.
Ao mesmo tempo em que o mundo estremece,
com crises incontroláveis por todos os lados, e deixa os estados-nação sem
alternativa para conter as insatisfações geradas por essas situações,
ampliam-se sentimentos de intolerância, de xenofobia, de comportamentos
fascistas e neo-nazistas, inclusive o fortalecimento de partidos que defendem
esses posicionamentos. As redes sociais disseminam muito mais rapidamente essas
atitudes agressivas e reforçam na sociedade um sentimento de aversão ao outro
que age, pensa e se comporta de maneira diferente dos padrões conservadores
e/ou religiosos.
Tudo que ocorre são consequências
nefastas da falência de um processo de globalização que prometeu uma coisa, mas
que o resultado foi bem diferente. O deslumbramento com a rapidez com que se
davam os negócios e os deslocamentos de mercadorias pelo mundo, escondia o
essencial; o fim das fronteiras só fez ampliar a concentração da riqueza. Nesse
período, que corresponde a cerca de trinta anos, desde as últimas décadas do
século passado, e das primeiras deste século, o sistema despertou sua face
cruel, e a ganância se apresentou como o verdadeiro motor que movimenta o
capitalismo, tendo a usura como coadjuvante. Nunca, em toda a história da
humanidade, indivíduos se esforçaram tão intensamente para tornar-se cada vez mais
ricos, sem que houvesse um limite para atingir. Ao mesmo tempo, disseminou-se
como uma cultura entre as pessoas comuns, estimuladas por dogmas criados a
partir desses valores, de que o enriquecimento seria uma dádiva possível a
todos, desde que fossem fiéis aos princípios do sistema, impulsionados por
sofismas que desvirtuavam crenças religiosas milenares.
Naturalmente, uma tentativa de
reestruturação do sistema, como se pretendeu com a globalização neoliberal,
necessitaria de vir acompanhada por verdades ditas insofismáveis. O
convencimento deveria ser um elemento fundamental, e crucial, a fim de
consolidar entre as pessoas a fé inabalável na existência de um único caminho
para a humanidade: o capitalismo. E a condição de se tornar vitorioso, ou vitoriosa,
seria incorporar esse espírito, despertar os desejos inerentes à lógica
capitalista e inebriar-se no consumismo desenfreado. Entramos numa era de
ilusões vãs, e em lugar dos sonhos bucólicos a humanidade optou pela distopia,
transformando a sociedade num ambiente opressivo, onde a necessidade de
competir, e de se destacar em meio à intensa disputa pelo sucesso, nos legou a
depressão como a doença do século, e, como consequência, uma era de
intolerância, violência, racismo e estupidez se disseminaram aceleradamente
pelo mundo, e destacadamente no Brasil, potencializado pela disputa política e
pelo lamaçal de corrupção que desvendou uma parte de como funciona as relações
de poder na falida democracia. Mas talvez democracia não seja mais o nome
adequado para identificar o regime que norteia e conduz a política no
capitalismo. Melhor seria considerar que vivemos em uma plutocracia. Ou numa
cleptocracia. Qual será o fim dessa história? Porque haverá um fim, isso é
certo, embora não possamos dizer em que momento preciso. Afinal, até mesmo o
capitalismo é um sistema finito. Como todos os outros.
[ii] ANDERSON,
Perry. A Política externa norte-americana e seus teóricos. São Paulo: Boitempo,
2015
BANDEIRA, Luis Alberto. A Segunda Guerra Fria. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2013
__________________. A Desordem Mundial. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2016
ESCOBAR, Pepe. Império do Caos. Rio de Janeiro: Revan,
2016
HARVEY, David. 17 Contradições e o fim do capitalismo.
São Paulo: Boitempo, 2016
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