Me lembro muito
bem dos acontecimentos matutinos daquele dia 11 de setembro de 2001. Eu me
dirigia para o meu trabalho, no Instituto de Estudos Socioambientais, no Campus
da Universidade Federal de Goiás. Naquele dia eu não daria aula pela manhã, era
uma terça-feira, e por isso saí de casa um pouco mais tarde, visto que eu teria
aula no período noturno.
Foi dentro de meu
carro, ouvindo o rádio, que ouvi a notícia de que os EUA estavam sendo atacado.
A informação foi dada inicialmente dessa maneira, em meio à edição matutina do
noticiário. Claro que era uma notícia impactante, e me deixou impaciente.
Afinal, essa era uma área de informação que me tocava diretamente, pelo
conteúdo das disciplinas que eu lecionava. Atento, e ao mesmo tempo tenso, pois
eu conseguia imaginar as possíveis consequências desse fato, cheguei à
universidade tentando me informar melhor sobre o que estava acontecendo. Mas me
lembro de falar a alguns colegas que os EUA estavam sendo atacados. Repeti a
informação recebida pelo rádio.
Aos poucos fomos
nos inteirando pelas imagens impactantes que chegavam, pela televisão e pela
internet, em meio a toda uma sensação de incredulidade com o que víamos. O que
realmente teria acontecido somente ficamos sabendo algum tempo depois. Afinal,
mesmo para quem estava ali em Nova Iorque, a olhar para aqueles dois prédios em
chamas, se espantavam com o que viam, e buscavam respostas imprecisas para
aquelas cenas dantescas. Os maiores prédios de Nova Iorque, um dos orgulhos da
arquitetura estadunidense, pelo viés do poderio econômico, naturalmente, sendo
consumidos pelo fogo, e ao mesmo tempo em que o desespero fazia com que algumas
pessoas se jogassem do alto de seus mais de cem andares. Impossível ser mais
impactante, e cruel.
Depois chegavam as
informações de ataques semelhantes ao Pentágono. E de um avião ter sido abatido
quando seguia rumo à Casa Branca. Ou seja, escolhido a dedo, alvos que
representavam o poderio econômico, militar e civil, da maior potência bélica do
planeta. Não poderia ser um começo de século pior para a humanidade. Ao longo daquele
fatídico dia e pela semana, com o desenrolar dos acontecimentos e a confirmação
de que aquilo teria sido um atentado, em que aviões pilotados por terroristas
foram transformados em mísseis que perversamente tirou a vida de quase três mil
pessoas, fomos percebendo que os efeitos colaterais daqueles atos marcariam o
começo da década. Mas isso foi mais longe, marcou, verdadeiramente, o século
XXI, e veremos a seguir o quanto isso impactou as relações internacionais, a
geopolítica mundial e a crise econômica que explodiria em 2008.
Há dez anos, em
2011, escrevi neste blog um artigo[1] sobre esse fato, ainda em
meio à euforia estadunidense pelo assassinato de Osama Bin Laden, completando
assim o compromisso de vingança, bem mais do que de justiça, levada a cabo
desde o primeiro momento pelos Estados Unidos. Procurei naquele momento fazer
uma análise não somente dos efeitos colaterais dos ataques terroristas ao
coração dos EUA. Mas indiquei também as razões que transformaram aqueles atos,
eles próprios, em efeitos colaterais das atitudes imperialistas e dos
comportamentos rapaces estadunidenses, baseados na doutrina de segurança
nacional que praticamente declara guerra antecipada a todo e qualquer país que
seja governado por quem não se alinhe aos seus interesses. A busca, perseguição
e eliminação do inimigo externo, e também do inimigo interno, se acentuaria e
se tornaria uma obsessão, reforçada pelo Patriot Act.
A bem da verdade,
e a história está aí para não nos fazer esquecer, diversos outros atentados já
tinha acontecido antes, inclusive no próprio World Trade Center, quando a mesma
Al Qaeda, ou um grupo que lhe era subsidiário e com seu financiamento, tentou
implodi-lo, colocando na garagem uma caminhonete com explosivos, em fevereiro
de 1993. O objetivo embora não tenha sido atingido por completo, causou
estragos insuficientes para comprometer a estrutura, mas causou a morte de sete
pessoas. Já era um indício que a Al Qaeda pretendia atingir instalações no
coração financeiro dos EUA.
A estratégia de
Osama Bin Laden, concretizada em 11 de setembro de 2001 era não só causar medo
à população estadunidense e demonstrar que eles eram vulneráveis a ataques,
mas, principalmente, atrair aquela potência para uma guerra distante que
inevitavelmente a desgastaria diante da impossibilidade de conseguir derrotar
grupos dispersos, com táticas de guerrilha, em ambientes inóspitos e dispostos
a morrer por uma causa fanática e anti-imperialista. Além disso, Bin Laden
sabia que a reação intempestiva dos EUA ampliaria os danos colaterais na Ásia e
no Oriente Médio, jogando em mãos dos grupos terroristas, jovens dispostos a se
engajarem numa guerra santa contra um inimigo que viria e eliminaria centenas
de milhares dos seus. A “guerra ao terror”, de uma absoluta subjetividade, e
não aos terroristas que cometeram aqueles crimes, foi seguramente, o maior erro
estratégico da história dos EUA, e isso viria a impactar profundamente a
humanidade e este século XXI.
A guerra contra o
Afeganistão foi o primeiro passo e era previsível a ferocidade com que o
império cairia sobre aquele país, visto que o Talibã jamais entregaria Bin
Laden, considerado herói por eles, não somente por aquele ataque ousado, mas
por seu envolvimento na luta para expulsar os soviéticos do solo afegão. A
força bélica dos EUA, bem como de seus aliados, era amplamente superior, e o
resultado era previsível. Em pouco tempo os Talibãs foram derrotados, mas não
destruídos, e as montanhas do Afeganistão, que já tinha abrigado guerrilheiros
revoltosos em luta contra as ocupações britânicas e soviética, mais uma vez
garantiria com o tempo, e o desgaste natural a qualquer exército invasor, o
revés que eles aguardariam pacientemente, fustigando com táticas de guerrilhas
os jovens soldados estadunidenses movidos pelo sentimento de vingança, mas não
por uma causa como a de lutar por liberdade e contra um opressor.
O tempo passaria a
ser o principal adversário dos EUA, além da geografia do Afeganistão. Por um
tempo a vitória parecia evidente, e assim foi anunciada ainda no segundo
governo Bush. Os “falcões” bélicos estadunidenses passaram a ver a partir dali,
pouco tempo depois da invasão ao Afeganistão, e diante desse sentimento de
vitória alcançada, a oportunidade de ampliar seu belicismo, agora mirando o
Iraque. E assim foi feito. Aproveitando-se da neurose que se espalhava diante
do ódio pelo ataque terrorista, e manipulando fortemente a mídia subserviente,
deu-se início ao que o século XXI passou a se deparar como uma cultura, as
mentiras como armas de guerras, chamadas a partir de então de “fake news”. Não
que a mentira nunca tenha servido de pretexto para agressões a outros países e
guerras violentas. O nazismo mesmo soube usar isso muito bem. Mas ela adquiria
um caráter muito mais permissivo, diante das facilidades tecnológicas de
comunicação, além da subserviência dos meios de comunicação. E se tornou uma
herança perversa nesse século XXI, afetando fortemente também a política.
Sob o pretexto de
combater um ditador que supostamente possuíria grandes laboratórios de
fabricação de armas biológicas, que poderiam ser usadas em novos ataques
terroristas contra os EUA, o Iraque tornou-se o novo alvo da sanha vingativa estadunidense,
e dali em diante escancarou-se os reais objetivos por trás de cada argumento de
se estar lutando por democracia: destruir governos que representasse uma ameaça
à segurança nacional do império.
A escalada de
guerras e financiamentos a pequenos grupos de insurgentes se espalhou pelo
Norte da África e todo Oriente Médio, dando início a duas novas estratégias: em
primeiro lugar as guerras híbridas; e em segundo lugar o uso de drones,
veículos aéreos não-tripulados para eliminar possíveis inimigos, ou potenciais
terroristas, espalhando-se numa dimensão impressionante, os efeitos colaterais
e as mortes de inocentes vistos como naturais em um ambiente de guerra. Ocorre
que a imensa maioria dessas mortes foram de civis, em muitos casos mulheres,
idosos e crianças.
A guerra ao terror
espalhou centenas de milhares de mortes e disseminou ódios, fortalecendo grupos
terroristas já existentes, e fazendo surgir outros, que se impuseram pelas
forças de armas financiadas pelos EUA e seus aliados. Assim surgiu o Estado
Islâmico, e o seu projeto de edificar o califado unindo Iraque e Síria. Os EUA,
OTAN e aliados perdiam gradativamente o controle dos monstros que criaram e das
consequências dos assassinatos e rastros de destruição que deixaram por onde
passaram. Medo, ódio, fundamentalismo religioso, vingança e diversos outros
ingrediente foram jogados em um caldeirão de misérias, pobrezas, migrações,
guerrilhas, guerras, gastos absurdos que se contaram em trilhões de dólares e uma
crise econômica, fazendo explodir em cadeia uma série de eventos e
acontecimentos que fariam o mundo se recordar do crash de 1929.
20 anos depois o
espectro do World Trade Center paira sobre os EUA, Europa, Ásia Central e
Oriente Médio. Atingiu em cheio o orgulho “americano”, empurrou o império para
a beira de um abismo e fez ressurgir das profundezas subterrâneas da política,
uma extrema-direita perversa, objetivando destruir seus ideais republicanos e
democráticos, impulsionados por grupos fanáticos fundamentalistas religiosos,
tão cegos e estúpidos quanto aqueles que os levaram a milhares de quilômetros
para combatê-los e vingar a ousadia do terror e da destruição de quase três mil
vidas de forma perversa.
O mundo hoje, e o
século XXI em suas duas décadas que parecem uma eternidade, potencializadas por
uma pandemia que completa um ciclo de destruição, não pode ser entendido sem
uma necessária compreensão daquele 11 de setembro, e da reação intempestiva,
vingativa e pouco racional, do império.
O mais cruel, e de
uma ironia perversa, é nos vermos diante de uma espécie de looping, em que tudo
praticamente retorna incessantemente ao ponto de partida. Depois de 20 anos, e
uma derrota evidente, embora não assumida, os Estados Unidos com todo o seu
poderio bélico e econômico, e a arrogância natural dos que se impõem pela
força, foram obrigados a se retirar do território afegão, como outrora o
fizeram também britânicos e soviéticos. E, dessa forma, entregou aquele país,
mais uma vez, àquele grupo que ele próprio empoderara com o intuito de derrotar
os soviéticos. Ou seja, os mesmos que supostamente teriam bancado as estruturas
para garantir a Al Qaeda a preparação para atacar o império, retornam ao Poder,
mais fortes e beneficiados com uma grande quantidade de armamentos sofisticados
deixados para trás pelas tropas estadunidenses em fuga.
Importante dizer,
no entanto, que a narrativa de ter sido a partir do Afeganistão que se preparou
os atentados ao Word Trade Center, se junta ao arsenal das mentiras contadas
para justificar uma resposta imediata e vingativa. A bem da verdade, a maioria
dos envolvidos, e os próprios recursos que garantiram o sucesso macabro daquele
atentado, tem suas origens na Arábia Saudita, país aliado dos EUA.
Não me cabe aqui,
ao lembrar dos 20 anos desse atentado que mudou o curso da história mundial,
entrar em análises sobre as condições em que se encontram hoje o Afeganistão.
Mas é importante dizer, que por mais perversa que seja a ideologia que move o
Talibã, que retoma o controle daquele país, a mídia repete os erros do passado,
e insiste em querer apontar mudanças significativas naquela região do mundo,
encravada em meio a montanhas e submetidas a pobreza e a crenças seculares
anacrônicas e absurdamente distorcidas. Os EUA não levaram ao Afeganistão o
capitalismo sofisticado de Manhattan, ou Nova Iorque, e muito menos a
democracia, isso só aconteceu para uma absoluta minoria. Prevaleceu a miséria e
o crescente sentimento de ódio por uma potencia que se arroga no direito de
impor a um povo estrangeiro o caminho que ele deve seguir, rompendo com suas
culturas e características regionais.
Os drones, ou antes
deles, os desequilíbrios típicos das loucuras da guerra propugnados por seus
soldados, e os seus efeitos colaterais de eliminação de inocentes, só fez
ampliar o exército de revoltosos, e o número de jovens que se aliavam ao
Talibã. Para além disso, e por mais cruel que tenha sido aqueles ataques no dia
11 de setembro de 2001, por todo esse tempo a reação que causou a invasão do
Afeganistão e do Iraque, e as destruições de suas infraestruturas, são
injustificáveis. E não se pode omitir um fato real e histórico, os Estados
Unidos da América e seus aliados, eram invasores, ocupantes de nações aviltadas
em suas soberanias e submetidas por anos e décadas à sua opressão.
Inegavelmente isso
causou também rombos históricos na economia estadunidense. Não somente com
essas duas guerras, mas pela necessidade de manter uma aparato bélico impressionante,
em centenas de bases militares espalhadas por todas as regiões do mundo, e a
vigiarem e atacarem a quem eles determinem serem os agentes do mal. Por muito
tempo a economia do império depende disso, mas as consequências dessa política
têm trazido, agora no começo da terceira década desse século, a conta fatal,
que tem lhe afetado duramente enquanto potência hegemônica, posto que vem
perdendo gradativamente para a China. E, seguramente este foi um dos motivos da
intempestiva fuga do império do inóspito e até então inconquistável território
Afegão.
Os atentados de 11
de setembro de 2001 foram, inexoravelmente, de uma barbaridade e crueldade
criminosa. Mas foi respondida com igual crueldade, normalizando a tortura e
considerando inevitável o assassinato colateral de dezenas de milhares de inocentes
civis, que pagaram caro pela loucura terrorista daquele fatídico dia. E a
humanidade também. O século XXI nasceu sob o símbolo do ódio, e assim tem
permanecido 20 anos depois.
Sugiro como
leitura complementar o artigo que escrevi em 2011 e foi citado neste texto, bem como outros já escritos aqui neste Blog. Sua
indicação e link encontra-se abaixo.
[1] WORLD TRADE CENTER, RÉQUIEM PARA
UM IMPÉRIO - 11 DE SETEMBRO DE 2001: QUATRO AVIÕES, DUAS TORRES, UM PENTÁGONO E
O COMEÇO DO FIM DE UMA ERA. https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/09/world-trade-center-requiem-para-um.html
BIN LADEN ESTÁ MORTO! MAS E OSAMA? - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/05/bin-laden-esta-morto-mas-e-osama.html
UMA GUERRA SILENCIOSA: O ATAQUE DOS DRONES, A GUERRA CIBERNÉTICA E A ESPIONAGEM MODERNA - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/06/uma-guerra-silenciosa-o-ataque-dos.html
A GUERRA CONTRA O TERRORISMO, AO INFINITO E ALÉM! - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2014/09/a-guerra-contra-o-terrorismo-ao.html
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