sábado, 11 de setembro de 2021

11 DE SETEMBRO, 20 ANOS DEPOIS – UM LOOPING INFINITO

Me lembro muito bem dos acontecimentos matutinos daquele dia 11 de setembro de 2001. Eu me dirigia para o meu trabalho, no Instituto de Estudos Socioambientais, no Campus da Universidade Federal de Goiás. Naquele dia eu não daria aula pela manhã, era uma terça-feira, e por isso saí de casa um pouco mais tarde, visto que eu teria aula no período noturno.

Foi dentro de meu carro, ouvindo o rádio, que ouvi a notícia de que os EUA estavam sendo atacado. A informação foi dada inicialmente dessa maneira, em meio à edição matutina do noticiário. Claro que era uma notícia impactante, e me deixou impaciente. Afinal, essa era uma área de informação que me tocava diretamente, pelo conteúdo das disciplinas que eu lecionava. Atento, e ao mesmo tempo tenso, pois eu conseguia imaginar as possíveis consequências desse fato, cheguei à universidade tentando me informar melhor sobre o que estava acontecendo. Mas me lembro de falar a alguns colegas que os EUA estavam sendo atacados. Repeti a informação recebida pelo rádio.

Aos poucos fomos nos inteirando pelas imagens impactantes que chegavam, pela televisão e pela internet, em meio a toda uma sensação de incredulidade com o que víamos. O que realmente teria acontecido somente ficamos sabendo algum tempo depois. Afinal, mesmo para quem estava ali em Nova Iorque, a olhar para aqueles dois prédios em chamas, se espantavam com o que viam, e buscavam respostas imprecisas para aquelas cenas dantescas. Os maiores prédios de Nova Iorque, um dos orgulhos da arquitetura estadunidense, pelo viés do poderio econômico, naturalmente, sendo consumidos pelo fogo, e ao mesmo tempo em que o desespero fazia com que algumas pessoas se jogassem do alto de seus mais de cem andares. Impossível ser mais impactante, e cruel.

Depois chegavam as informações de ataques semelhantes ao Pentágono. E de um avião ter sido abatido quando seguia rumo à Casa Branca. Ou seja, escolhido a dedo, alvos que representavam o poderio econômico, militar e civil, da maior potência bélica do planeta. Não poderia ser um começo de século pior para a humanidade. Ao longo daquele fatídico dia e pela semana, com o desenrolar dos acontecimentos e a confirmação de que aquilo teria sido um atentado, em que aviões pilotados por terroristas foram transformados em mísseis que perversamente tirou a vida de quase três mil pessoas, fomos percebendo que os efeitos colaterais daqueles atos marcariam o começo da década. Mas isso foi mais longe, marcou, verdadeiramente, o século XXI, e veremos a seguir o quanto isso impactou as relações internacionais, a geopolítica mundial e a crise econômica que explodiria em 2008.

Há dez anos, em 2011, escrevi neste blog um artigo[1] sobre esse fato, ainda em meio à euforia estadunidense pelo assassinato de Osama Bin Laden, completando assim o compromisso de vingança, bem mais do que de justiça, levada a cabo desde o primeiro momento pelos Estados Unidos. Procurei naquele momento fazer uma análise não somente dos efeitos colaterais dos ataques terroristas ao coração dos EUA. Mas indiquei também as razões que transformaram aqueles atos, eles próprios, em efeitos colaterais das atitudes imperialistas e dos comportamentos rapaces estadunidenses, baseados na doutrina de segurança nacional que praticamente declara guerra antecipada a todo e qualquer país que seja governado por quem não se alinhe aos seus interesses. A busca, perseguição e eliminação do inimigo externo, e também do inimigo interno, se acentuaria e se tornaria uma obsessão, reforçada pelo Patriot Act.

A bem da verdade, e a história está aí para não nos fazer esquecer, diversos outros atentados já tinha acontecido antes, inclusive no próprio World Trade Center, quando a mesma Al Qaeda, ou um grupo que lhe era subsidiário e com seu financiamento, tentou implodi-lo, colocando na garagem uma caminhonete com explosivos, em fevereiro de 1993. O objetivo embora não tenha sido atingido por completo, causou estragos insuficientes para comprometer a estrutura, mas causou a morte de sete pessoas. Já era um indício que a Al Qaeda pretendia atingir instalações no coração financeiro dos EUA.

A estratégia de Osama Bin Laden, concretizada em 11 de setembro de 2001 era não só causar medo à população estadunidense e demonstrar que eles eram vulneráveis a ataques, mas, principalmente, atrair aquela potência para uma guerra distante que inevitavelmente a desgastaria diante da impossibilidade de conseguir derrotar grupos dispersos, com táticas de guerrilha, em ambientes inóspitos e dispostos a morrer por uma causa fanática e anti-imperialista. Além disso, Bin Laden sabia que a reação intempestiva dos EUA ampliaria os danos colaterais na Ásia e no Oriente Médio, jogando em mãos dos grupos terroristas, jovens dispostos a se engajarem numa guerra santa contra um inimigo que viria e eliminaria centenas de milhares dos seus. A “guerra ao terror”, de uma absoluta subjetividade, e não aos terroristas que cometeram aqueles crimes, foi seguramente, o maior erro estratégico da história dos EUA, e isso viria a impactar profundamente a humanidade e este século XXI.

A guerra contra o Afeganistão foi o primeiro passo e era previsível a ferocidade com que o império cairia sobre aquele país, visto que o Talibã jamais entregaria Bin Laden, considerado herói por eles, não somente por aquele ataque ousado, mas por seu envolvimento na luta para expulsar os soviéticos do solo afegão. A força bélica dos EUA, bem como de seus aliados, era amplamente superior, e o resultado era previsível. Em pouco tempo os Talibãs foram derrotados, mas não destruídos, e as montanhas do Afeganistão, que já tinha abrigado guerrilheiros revoltosos em luta contra as ocupações britânicas e soviética, mais uma vez garantiria com o tempo, e o desgaste natural a qualquer exército invasor, o revés que eles aguardariam pacientemente, fustigando com táticas de guerrilhas os jovens soldados estadunidenses movidos pelo sentimento de vingança, mas não por uma causa como a de lutar por liberdade e contra um opressor.

O tempo passaria a ser o principal adversário dos EUA, além da geografia do Afeganistão. Por um tempo a vitória parecia evidente, e assim foi anunciada ainda no segundo governo Bush. Os “falcões” bélicos estadunidenses passaram a ver a partir dali, pouco tempo depois da invasão ao Afeganistão, e diante desse sentimento de vitória alcançada, a oportunidade de ampliar seu belicismo, agora mirando o Iraque. E assim foi feito. Aproveitando-se da neurose que se espalhava diante do ódio pelo ataque terrorista, e manipulando fortemente a mídia subserviente, deu-se início ao que o século XXI passou a se deparar como uma cultura, as mentiras como armas de guerras, chamadas a partir de então de “fake news”. Não que a mentira nunca tenha servido de pretexto para agressões a outros países e guerras violentas. O nazismo mesmo soube usar isso muito bem. Mas ela adquiria um caráter muito mais permissivo, diante das facilidades tecnológicas de comunicação, além da subserviência dos meios de comunicação. E se tornou uma herança perversa nesse século XXI, afetando fortemente também a política.

Sob o pretexto de combater um ditador que supostamente possuíria grandes laboratórios de fabricação de armas biológicas, que poderiam ser usadas em novos ataques terroristas contra os EUA, o Iraque tornou-se o novo alvo da sanha vingativa estadunidense, e dali em diante escancarou-se os reais objetivos por trás de cada argumento de se estar lutando por democracia: destruir governos que representasse uma ameaça à segurança nacional do império.

A escalada de guerras e financiamentos a pequenos grupos de insurgentes se espalhou pelo Norte da África e todo Oriente Médio, dando início a duas novas estratégias: em primeiro lugar as guerras híbridas; e em segundo lugar o uso de drones, veículos aéreos não-tripulados para eliminar possíveis inimigos, ou potenciais terroristas, espalhando-se numa dimensão impressionante, os efeitos colaterais e as mortes de inocentes vistos como naturais em um ambiente de guerra. Ocorre que a imensa maioria dessas mortes foram de civis, em muitos casos mulheres, idosos e crianças.

A guerra ao terror espalhou centenas de milhares de mortes e disseminou ódios, fortalecendo grupos terroristas já existentes, e fazendo surgir outros, que se impuseram pelas forças de armas financiadas pelos EUA e seus aliados. Assim surgiu o Estado Islâmico, e o seu projeto de edificar o califado unindo Iraque e Síria. Os EUA, OTAN e aliados perdiam gradativamente o controle dos monstros que criaram e das consequências dos assassinatos e rastros de destruição que deixaram por onde passaram. Medo, ódio, fundamentalismo religioso, vingança e diversos outros ingrediente foram jogados em um caldeirão de misérias, pobrezas, migrações, guerrilhas, guerras, gastos absurdos que se contaram em trilhões de dólares e uma crise econômica, fazendo explodir em cadeia uma série de eventos e acontecimentos que fariam o mundo se recordar do crash de 1929.

20 anos depois o espectro do World Trade Center paira sobre os EUA, Europa, Ásia Central e Oriente Médio. Atingiu em cheio o orgulho “americano”, empurrou o império para a beira de um abismo e fez ressurgir das profundezas subterrâneas da política, uma extrema-direita perversa, objetivando destruir seus ideais republicanos e democráticos, impulsionados por grupos fanáticos fundamentalistas religiosos, tão cegos e estúpidos quanto aqueles que os levaram a milhares de quilômetros para combatê-los e vingar a ousadia do terror e da destruição de quase três mil vidas de forma perversa.

O mundo hoje, e o século XXI em suas duas décadas que parecem uma eternidade, potencializadas por uma pandemia que completa um ciclo de destruição, não pode ser entendido sem uma necessária compreensão daquele 11 de setembro, e da reação intempestiva, vingativa e pouco racional, do império.

O mais cruel, e de uma ironia perversa, é nos vermos diante de uma espécie de looping, em que tudo praticamente retorna incessantemente ao ponto de partida. Depois de 20 anos, e uma derrota evidente, embora não assumida, os Estados Unidos com todo o seu poderio bélico e econômico, e a arrogância natural dos que se impõem pela força, foram obrigados a se retirar do território afegão, como outrora o fizeram também britânicos e soviéticos. E, dessa forma, entregou aquele país, mais uma vez, àquele grupo que ele próprio empoderara com o intuito de derrotar os soviéticos. Ou seja, os mesmos que supostamente teriam bancado as estruturas para garantir a Al Qaeda a preparação para atacar o império, retornam ao Poder, mais fortes e beneficiados com uma grande quantidade de armamentos sofisticados deixados para trás pelas tropas estadunidenses em fuga.

Importante dizer, no entanto, que a narrativa de ter sido a partir do Afeganistão que se preparou os atentados ao Word Trade Center, se junta ao arsenal das mentiras contadas para justificar uma resposta imediata e vingativa. A bem da verdade, a maioria dos envolvidos, e os próprios recursos que garantiram o sucesso macabro daquele atentado, tem suas origens na Arábia Saudita, país aliado dos EUA.

Não me cabe aqui, ao lembrar dos 20 anos desse atentado que mudou o curso da história mundial, entrar em análises sobre as condições em que se encontram hoje o Afeganistão. Mas é importante dizer, que por mais perversa que seja a ideologia que move o Talibã, que retoma o controle daquele país, a mídia repete os erros do passado, e insiste em querer apontar mudanças significativas naquela região do mundo, encravada em meio a montanhas e submetidas a pobreza e a crenças seculares anacrônicas e absurdamente distorcidas. Os EUA não levaram ao Afeganistão o capitalismo sofisticado de Manhattan, ou Nova Iorque, e muito menos a democracia, isso só aconteceu para uma absoluta minoria. Prevaleceu a miséria e o crescente sentimento de ódio por uma potencia que se arroga no direito de impor a um povo estrangeiro o caminho que ele deve seguir, rompendo com suas culturas e características regionais.

Os drones, ou antes deles, os desequilíbrios típicos das loucuras da guerra propugnados por seus soldados, e os seus efeitos colaterais de eliminação de inocentes, só fez ampliar o exército de revoltosos, e o número de jovens que se aliavam ao Talibã. Para além disso, e por mais cruel que tenha sido aqueles ataques no dia 11 de setembro de 2001, por todo esse tempo a reação que causou a invasão do Afeganistão e do Iraque, e as destruições de suas infraestruturas, são injustificáveis. E não se pode omitir um fato real e histórico, os Estados Unidos da América e seus aliados, eram invasores, ocupantes de nações aviltadas em suas soberanias e submetidas por anos e décadas à sua opressão.

Inegavelmente isso causou também rombos históricos na economia estadunidense. Não somente com essas duas guerras, mas pela necessidade de manter uma aparato bélico impressionante, em centenas de bases militares espalhadas por todas as regiões do mundo, e a vigiarem e atacarem a quem eles determinem serem os agentes do mal. Por muito tempo a economia do império depende disso, mas as consequências dessa política têm trazido, agora no começo da terceira década desse século, a conta fatal, que tem lhe afetado duramente enquanto potência hegemônica, posto que vem perdendo gradativamente para a China. E, seguramente este foi um dos motivos da intempestiva fuga do império do inóspito e até então inconquistável território Afegão.

Os atentados de 11 de setembro de 2001 foram, inexoravelmente, de uma barbaridade e crueldade criminosa. Mas foi respondida com igual crueldade, normalizando a tortura e considerando inevitável o assassinato colateral de dezenas de milhares de inocentes civis, que pagaram caro pela loucura terrorista daquele fatídico dia. E a humanidade também. O século XXI nasceu sob o símbolo do ódio, e assim tem permanecido 20 anos depois.

Sugiro como leitura complementar o artigo que escrevi em 2011 e foi citado neste texto, bem como outros já escritos aqui neste Blog. Sua indicação e link encontra-se abaixo.



[1] WORLD TRADE CENTER, RÉQUIEM PARA UM IMPÉRIO - 11 DE SETEMBRO DE 2001: QUATRO AVIÕES, DUAS TORRES, UM PENTÁGONO E O COMEÇO DO FIM DE UMA ERA. https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/09/world-trade-center-requiem-para-um.html

 LEIA TAMBÉM:

BIN LADEN ESTÁ MORTO! MAS E OSAMA? - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2011/05/bin-laden-esta-morto-mas-e-osama.html

UMA GUERRA SILENCIOSA: O ATAQUE DOS DRONES, A GUERRA CIBERNÉTICA E A ESPIONAGEM MODERNA - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2012/06/uma-guerra-silenciosa-o-ataque-dos.html

A GUERRA CONTRA O TERRORISMO, AO INFINITO E ALÉM! - https://gramaticadomundo.blogspot.com/2014/09/a-guerra-contra-o-terrorismo-ao.html

 

 

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