quarta-feira, 27 de maio de 2020

DESGLOBALIZAÇÃO – A DESTRUIÇÃO DOS ORGANISMOS MULTILATERAIS E A NOVA GUERRA FRIA

Algumas questões têm me chamado muito a atenção durante essa crise que afeta o mundo todo. Não é deste ano que me dedico a analisar todos esses processos históricos, e os do tempo presente, que nos envolvem diretamente nesses tempos em que vivemos. A função de historiador é exatamente essa, remexer o passado, investigar fatos e circunstâncias que levaram a transformações que marcaram épocas, seja por meio de revoluções ou sucessivas crises estruturais ou conjunturais. Com a Geografia, e por meio da Geopolítica, ampliei esse meu olhar.
Mas a sucessão de eventos, principalmente nessas duas últimas décadas, tomam nosso fôlego, e nos consomem em indagações e perplexidades, quando começamos a estudar a celeridade das mudanças que se seguiram na contraposição da Globalização, mas paradoxalmente, acontecidos exatamente por causa dela, decorrente da intensa integração e aceleração do mundo contemporâneo, mas sobretudo da corrida ambiciosa nas disputas hegemônicas pelo controle do poder militar e do mercado mundial.
Inclui-se nessa lista de eventos do monumental ataque terrorista às torres gêmeas, o World Trade Center, nos EUA, e as guerras que lhe sucederam, até essa terrível pandemia gerado pelo vírus, até agora invencível, “Sars Cov-2”, passando pela grave crise econômica que explodiu em 2008 e todos os conflitos que se espalharam pelo mundo, potencializados, ou estimulados, pela guerra híbrida e pela nova modalidade de desnorteamento e propagação do ódio, na esteira das crises: as fake news.
Tão rápido e intenso quanto se deu a globalização, cuja característica marcante em seu DNA foi justamente a rapidez e a celeridade das transformações, técnicas, científicas e informacionais, nos deparamos com o transbordamento do que se pretendeu construir nesse mundo movido por uma ambiciosa etapa da revolução industrial do capitalismo. Eu prefiro não me referir a esse processo como sendo uma “terceira revolução industrial”.[1]
Uma sucessão de crises, que já impactava o capitalismo desde os anos 1970, levou a desestruturação do socialismo real quando este se abria para o mercado mundial, e possibilitou uma reviravolta impressionante nos rumos da humanidade, desde o final da década de 1980, acelerando nos anos 1990 e atingindo seu ápice na primeira década desde século. (HOBSBAWM, 1995, pp. 465-479) Até que em 2008 a “bolha” estourou, desnudando um sistema que passara a ser caracterizado pela frivolidade das relações humanas, que se tornaram coisificadas, desprovidas de sentimentos humanitários e solidários, salvo os momentos em que isso servia a interesses marqueteiros, e pela obsessão muito mais nítida e desavergonhada pela busca e ostentação da riqueza.
A ganância tornou-se parte da condição meritocrática, um valor intrínseco à lógica perversa e individualista da ascensão social a todo e qualquer custo. Naturalmente que esse caminho levaria a sociedades dominada por valores perversos e insensíveis diante das fragilidades humanas, que se ampliavam à medida em que as estruturas globalizantes (bancos, corporações, bolsas de valores, organismos mundiais, mecanismos de controles etc.) se fortaleciam e concentravam as riquezas no topo da pirâmide. (HARVEY, 2018, pp. 203-205)
Indubitavelmente o mundo passou por uma acelerada transformação. O capitalismo chegou a ser considerado como a última etapa da humanidade e o “mercado”, o deus todo poderoso da ganância, seria o balizador das competências individuais, ou nas relações entre os estados-nações. A aceleração tecnológica atingiu patamares surpreendentes, e o tempo em que se descobrem inovações se encurtava rapidamente. (HARVEY, 2016, PP. 11-12)
Entramos na era da robotização com a inteligência artificial, algo adiantado pela ficção cinematográfica desde os anos 1980, mas bem antes pela literatura, a partir de meados do século XX, com a obra de Isac Asimov, “Eu Robô”. Uma série de contos que estimulou realmente muitos estudiosos e cientistas, e inspirou um filme produzido em 2004.[2] O mundo projetado no filme é 2035, mas a realidade tem se intensificado mais rapidamente do que a ficção. O que deve se acelerar no pós-, pandemia.
Mas o caráter absolutamente expansivo do capitalismo, e a forma como o mundo entrou numa desesperada competição, seja entre as pessoas, e principalmente entre os países, notadamente os mais ricos, levou ao limite das relações políticas, e o que se dissemina atualmente é ódio, preconceito e xenofobia. E uma forte disputa entre as duas maiores potências mundiais: EUA e China.
O mundo tornou-se pequeno para os desejos de grandiosidade, de inventividade e de necessidade de se produzir em escala crescente para abastecer mercados cada vez mais fluídos, e poucas décadas após se encerrar o ciclo bipolar que prevaleceu no pós-guerra e termos entrado nessa fase denominada globalização (ou mundialização, como gostam de se referir os franceses), esse curto espaço de tempo histórico de três décadas, politicamente dirigido pelas ideias neoliberais e em meio ao deslumbramento da globalização, chegamos ao fim de uma época que passou da unipolaridade para a multipolaridade, e, parece, retornar à bipolaridade. Encontremos um réquiem para a globalização.

OS ORGANISMOS MULTILATERAIS E A GEOPOLÍTICA GLOBAL

Antes de entrarmos nesse ponto, cabe esclarecer que os organismos multilaterais, que tiveram um papel importantíssimo na globalização, não foram criados a partir desses processos de integração mundial pós-guerra fria. A seguir apresento um quadro com o ano de fundação e o objetivo de cada um deles, para que possamos acompanhar o raciocínio sobre para o que eles vieram, o papel que cumpriram durante todos esses anos e o que está acontecendo nesse momento em que a globalização se esfumaça.

Essas instituições foram criadas, sempre, em períodos de crises, na maioria das vezes em pós-guerras, e, principalmente depois da segunda grande guerra mundial. (HOBSBAWM, 1995, p. 419) O advento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) acentuou essa necessidade. Portanto, para além das dificuldades geradas por essas guerras, uma outra se tornaria mais importante, e se faria necessário a criação de organismos multilaterais que, a princípio, servisse para reforçar os interesses dos países ocidentais, no âmbito de uma luta que se tornaria crucial para os destinos da humanidade: a guerra fria.
Evidente que alguns desses órgãos cumpriram a importante função de estabelecer alguns limites ao belicismo, e em determinados momentos foi crucial no equilíbrio necessário entre esses dois mundos que se armavam perigosamente, inclusive com enormes arsenais nucleares. E, muito embora para manter esse equilíbrio algumas regras impostas tenham sido estranhas nas relações com a maioria dos estados-nações, como por exemplo deixar a critério de cinco grandes potências a capacidade de decidir os destinos do mundo. Eram, e são ainda hoje, as únicas com poder de veto no Conselho de Segurança. O que, pelas regras da Organização das Nações Unidas, implica na necessidade de haver consenso entre esses cinco países para que quaisquer sanções possam ser executadas.
Poucas vezes isso ocorreu nas últimas décadas, e em uma dessas vezes, por manobras embutidas nas entrelinhas de uma resolução, possibilitou que os EUA e aliados da OTAN perpetrasse atos arbitrários contra a Líbia, influenciando vergonhosamente no assassinato do presidente de uma Nação soberana, por interesses escusos, embora possíveis de serem entendidos. O resultado disso é que até hoje a Líbia se encontra em um intenso conflito e tornou-se mais um dos estados párias na constelação das nações impactadas por decisões que interessavam ao poder imperial dos Estados Unidos da América. (BANDEIRA, 2013, pp. 287-303)
Pouco a pouco desnudou-se o poder exercido pelos EUA e seus aliados, por trás desses organismos multilaterais. Jamais houve verdadeira independência, ou, quando muito, algumas decisões questionáveis não pela isenção, mas pela dúvida de não atender inteiramente os interesses estadunidenses, ou se porventura fosse complacente com algum dos países por este Estado considerados inimigos, como no caso emblemático da pequenina Cuba, por mais de cinco décadas sofrendo todos os tipos de bloqueios, muito embora sendo apoiada pela absoluta maioria dos países membros da ONU em suas assembleias gerais.
Mas os EUA sempre fizeram valer o poder de veto, nesses e em outros casos de países cujos governos lhes contrariassem. Por outro lado, quatro outros países também tinham esse poder: Rússia (URSS), China, França e Reino Unido. Ou seja, os principais países que se sagraram vitoriosos na aliança construída para derrotar o nazi-fascismo. Um equilíbrio forçado para evitar que desequilíbrios levassem a uma nova grande guerra, que vigorou por todo o período do pós-guerra, denominado de Guerra Fria, e que passou a cumprir um papel importante na construção do mundo globalizado.
Apesar de todos os porém, esses organismos multilaterais assumiram um papel preponderante no processo da globalização. Claro, quase sempre pressionados pelos EUA, e na maioria das vezes atendendo aos seus interesses e de seus aliados. O GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) foi o único que passou por transformação em sua nomeclatura, mudou de denominação e veio a se constituir no organismo mais importante para a Globalização, a Organização Mundial do Comércio (OMC). (SILVA, 2004, pp. 628-630) A desregulação do comércio mundial, a partir principalmente da abertura das fronteiras comerciais e dos processos de desnacionalização de inúmeras empresas estatais, necessitava de um organismo que pudesse gerenciar esse processo e estabelecer as regras que deveriam ser seguidas a partir de então.
Os países que não obedecessem as normas da OMC tornavam-se párias e encontrariam dificuldades para lidar com o comércio mundial. Impunha-se dessa forma os mecanismo de aceitação das regras neoliberais, assim como se fazia também através do Fundo Monetário Internacional (FMI), como condição para concessão de empréstimos aos países menos desenvolvidos, quase sempre endividados e com suas riquezas sendo expropriadas pela elite corrupta, tornada parte do poder político. A partir dos anos 1990 do século passado, a própria elite passou a disputar as eleições, e não mais deixar a cargo de seus apaniguados, testas-de-ferro, como se fez historicamente no Brasil e na maioria dos países latino-americanos.
Como essas transformações se intensificaram muita rapidamente a partir dos anos 1980, era preciso estabelecer parâmetros que identificassem as mudanças na direção dos interesses definidos pelos países centrais, dentro da lógica política que se impunha, o neoliberalismo. Ou, uma nova forma de liberalismo, sempre focado como em seus princípios, tendo o mercado como elemento mais importante, a despeito do poder dos Estados, mas retirando deste aspectos importantes na condução da economia, que passou a ser celeremente controlada por grandes corporações financeiras, industriais, comerciais e das recém criadas corporações que passaram a se expandir e controlar o poder crescente das novas tecnologias.
As conhecidas empresas “.com”, que obtiveram um crescimento acelerado no final dos anos 1990, a ponto de gerar uma das primeiras crises da globalização, em função da bolha que se criou com preços supervalorizado de ações de empresas que surgiam, quando se popularizava a “world wide web”. Ficou conhecida como a “bolha da internet”, e levou a uma intensa insegurança nos mercados financeiros e a um efeito cascata de desvalorização de empresas cujo valor era infinitamente maior do que efetivamente elas valiam. Algo que se tornou, de certa forma, muito comum nos tempos da globalização financeira.
A ganância foi um fator fundamental para gerar uma cegueira obsessiva nos que se extasiavam com a facilidade gerada por investimentos fáceis, e que levavam gradativamente alguns setores a forçar o endividamento das pessoas para levá-las ao consumo fácil, algo bem possível devido ao deslumbramento pelas novas tecnologias. (SANTOS, 1999, pp. 10-20) O capitalismo se intensificava, o dinheiro virtual se disseminava pelo mundo e crescia o número de bilionários. Embora fosse muito maior a quantidade de pobres e miseráveis que se espalhavam pela maioria dos países, e em muitos casos os conflitos regionais, as guerras, o sectarismo religioso e a escassez hídrica, as populações, sem escolhas, se deslocaram em massa, aos milhões, por suas fronteiras próximas ou em direção aos países mais ricos, na Europa e na América do Norte.
A crise de 2009 despertou dos sonhos, ou transformou em pesadelo, o que se imaginava ser um eterno paraíso de ganhos fáceis gerados pela globalização. Mais uma bolha explodiu, agora a hipotecária e no coração financeiro do mundo, os EUA.[3] Daquele momento em diante a globalização desandou. Evidente que não se pode atribuir a somente esse fato a acentuação de uma crise sistêmica que se estende desde o final dos anos 1970, cambaleando por vários momentos e se reerguendo de forma impressionante. Mas as fissuras permaneciam, e por elas as estruturas do sistema foram se fragilizando.
“Ma non tropo”. Alguns países souberam se aproveitar bem das transformações e atraíam para seus territórios uma infinidade de empresas, que na busca por lucrar mais, com mão de obra mais baratas e menos problemas gerados por leis trabalhistas que se tornavam alvos dessas corporações e eram abominadas pelo ideário neoliberal, eram deslocadas de seus países de origem, onde a organização dos trabalhadores era mais forte. Esses países não somente se preocuparam em atrair essas empresas, mas se debruçaram sobre as mercadorias que ali eram montadas, e em pouco tempo tinham copias perfeitas daqueles produtos. Com os ganhos conseguidos nesse processo investiram em educação e no desenvolvimento tecnológico. Das cópias feitas nas linhas de produção, à produção de tecnologias que passaram a superar muitos dos produtos ocidentais, não se passaram três décadas.
Foi muito rápido o passar do tempo para que alguns países antes encarregados de abrigar empresas montadoras de peças fabricadas fora, passassem eles mesmos a produzirem, e com novas tecnologias. Ao passo que os países asiáticos se despontavam por esse caminho, principalmente a China, o Japão já estava envolvido nesses avanços desde antes, mas também a Coréia do Sul, a Tailândia, o Vietnam... a Rússia se recuperava do desastre causado pelo governo desastroso de  Bóris Ieltsin, e retomava gradativamente o seu protagonismo.
Enquanto desde o começo do século XX os EUA se deparava com um inimigo invisível, a quem declarara guerra depois de um atentado que assassinou mais de três mil pessoas naquele país, em 2001, e deslocava todo o seu aparato bélico e suas atenções para o Oriente Médio e o Afeganistão, alguns países emergentes numa espécie de segunda onda da globalização, se uniam para criar um novo polo hegemônico, com a intenção de pelo menos romper com qualquer possível unipolaridade que se pensava construir com a globalização. Os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, surgiu e fez despontar um novo bloco forte política e economicamente, e a partir daí estabeleceu-se uma nova polarização, que crescia ao mesmo tempo em que mecanismos que visavam destruir essa força eram postos em ação. A guerra híbrida, que funcionara no Oriente Médio, em especial na Líbia, Egito, Iêmen, e Síria,  passou ser aplicada nas fronteiras da Rússia (principalmente na Ucrânia), China, região do Tibete, (BANDEIRA, 2013, pp. 119-132) e no Brasil a partir de 2013. (HARVEY, 2018, pp. 190-192)
Os conflitos se espalham por todo o mundo, e as tensões retornam em larga escala  ameaçando fazer explodir novas guerras. Acordos são rompidos e os EUA, com a eleição de Donald Trum, e sua política “América First” passa a romper diversos acordos e a atacar abertamente aqueles países que ameaçavam a hegemonia estadunidense, e que ele via como ameaça para o próprio desenvolvimento nacional.
Os organismos multilaterais tornam-se alvos da política de Trump e os ataques sistematicamente acontece revezando-se qual deles será o próximo a ser atacado. Primeiro a OTAN, cujos parceiros são acusados de não investirem recursos necessários para armar a organização e a fragilizar diante dos avanços do poder russo;[4] depois a OMC, vista como uma ameaça aos interesses dos EUA, passando a ser pressionada para que as decisões favorece seus interesses. Essa pressão sobre a OMC terminou por fazer o brasileiro Roberto Azevedo, diretor geral da instituição, decidir abandonar o cargo a partir do segundo semestre deste ano de 2020.[5]
No começo deste ano a Pandemia do Covid19 concentrou o protagonismo das ações nas mãos da OMS, e foi o próximo desses organismos a sofrer intensos ataques do presidente estadunidense, a ponto de ameaçar retirar todo o apoio financeiro e a acusando de beneficiar a China. O quadro que se constituía a partir dessas pressões com a nova política isolacionista adotada pelo presidente dos Estados Unidos, foi agravado pela disseminação dessa doença. O vírus (Sars Cov-2) avançou implacavelmente sobre todos países gerando centenas de milhares de mortes, sem que houvesse uma vacina para contê-lo, e transformando os Estados Unidos no epicentro da doença, e atingindo o terrível número de 100 mil mortos, só podendo ter essa marca atingida pelo Brasil, cujos número de mortes sequem crescendo.
Os EUA, com sua política de ataque aos blocos econômicos, e de identificação de inimigos a quem lhes ameaçassem em sua hegemonia, definiu seus objetivos centrados nos interesses internos, e estava se recuperando às custas de um forte isolamento e distanciamento até mesmo de seus parceiros tradicionais. A China substituiu a antiga União Soviética, no imaginário persecutório de Trump, que passou a usar um discurso nacionalista e, como sempre é comum aos EUA, de defesa da segurança e dos interesses nacionais.
Em meio a uma forte recessão e à beira de uma inevitável depressão, como consequência do agravamento da crise em decorrência da Covid19, o discurso de Donald Trump sobe o tom, e se eleva mais à medida que se aproxima das eleições presidenciais marcadas para dezembro deste ano.[6]
Inevitavelmente o cenário pós-covid19 não será de um mundo globalizado. Os organismos multilaterais sofrerão uma pressão maior do que está acontecendo neste momento e deverão passar por transformações estruturais, se não estarão fadadas a desaparecerem. A tendência é termos um mundo marcado por fortes disputas econômicas e ameaças bélicas, com forte possibilidade de termos um grande conflito que se estenda por todo o mundo. Uma ameaça de guerra nuclear não pode ser destacada, dependendo do quadro a ser definido nas eleições estadunidenses e as consequências que após essa pandemia.
A desglobalização se concretizará, na eminência do enfraquecimento dessas estruturas, o que não irá significar o desaparecimento de blocos regionais. Esses também serão refeitos, e haverá um forte crescimento da influência chinesa em países asiáticos e europeus, seguindo o curso do projeto da nova rota da seda.(GEROMEL, 2019, pp. 116-123) As tensões se intensificarão no Oceano Pacífico e envolverão os países latino americanos. O Brasil, na postura de isolamento ao lado dos EUA, será mais um pária no contexto da política mundial, ao contrário do protagonismo construído no começo do século, auge da globalização.
A incógnita que permanecerá é se de fato teremos algo parecido com a guerra fria, onde dois gigantes bem armados se temiam e se respeitavam, em alguns momentos vivendo tensões que os fizeram se aproximar do confronto aberto, como no caso da crise dos mísseis soviéticos que seriam enviados a Cuba, mas sempre salvos pela diplomacia. A posição de Donald Trump, de romper acordos, atacar adversários e ameaçar aliados, elevará as tensões ao limite do suportável. Mas esse limite pode ser muito frágil, ou estar não muito distante, a depender das condições econômicas que afetarem os países, e principalmente os EUA. E, diferente dos anos pós 2ª guerra, quando a economia estadunidense ajudou a reerguer a Europa, agora a situação poderá ser inversa, acuando um forte poder imperial que será mais perigoso ainda caso o povo daquele país insista no erro de mais uma vez elegê-lo.
Os caminhos da humanidade, no âmbito da política internacional, dependerão da gravidade da crise econômica pós-pandemia e do resultado das eleições dos EUA. Mas, certamente, qualquer que seja o resultado já não será mais um mundo globalizado. Claro, estamos nos referindo à globalização como um modelo, um método, e os mecanismos que lhes faziam funcionar empurrando sociedades para o abismo, o neoliberalismo e a perversa política de reduzir o estado ao mínimo, aos interesses das grandes e dos ricos. Porque a integração entre países prosseguirá, como uma necessidade, malgrado as tentativas isolacionistas e xenófobas que serão implementadas por governos de extrema-direita.
A desglobalização, nos parece, já está em curso, e se efetivará. Para o bem, ou para o mal. Pode renascer com a China com nova protagonista em seu comando, mas isso só o tempo dirá. E aos trabalhadores de todo o mundo resta ouvir o clamor da Associação Internacional dos Trabalhadores, de meados do Séculos XIX: “Uni-vos”!



NOTAS:
[1] Não vejo como sendo uma “terceira revolução industrial”. Visto que desde quando acontece o processo inicial do desenvolvimento capitalista, e a manufatura foi substituída pela maquinofatura, e tivemos início às linhas de montagens das fábricas, o que vemos é um processo crescente de transformações técnico-científicas na direção de ampliar e fortalecer a lógica sistêmica contida no modelo de produção capitalista. Não havendo, portanto, nesses três últimos séculos uma substituição dessa formação econômico-social, mas sempre uma sequência de novas invenções e adaptações tecnológicas com o mesmo objetivo moldado pelo sistema capitalista. Não há revoluções no capitalismo, as que houveram aconteceram para propiciar sua substituição, mas fracassaram no seu intento final. Pelo menos até os dias atuais, à exceção da China, o que é absolutamente relevante, e está, digamos, numa situação de transitoriedade, a poucos passos da hegemonia do controle do mercado mundial. Em um novo patamar, agora identificado como “socialismo de mercado”, apesar das controvérsias.
[3] Em 2014 ofereci um mini-curso no IESA/UFG, para analisar a crise econômica, e me inspirei em alguns filmes e documentários, utilizados durante o curso como ferramenta importante. Dentre eles TRABALHO INTERNO: “O documentário TRABALHO INTERNO, premiado no Oscar de 2010, expõe de forma crua todas as responsabilidades de políticos, CEOs, e até mesmo de professores de economia de importantes universidades estadunidenses, na implementação de medidas que fizeram ampliar a crise e o endividamento dos Estados”. (https://gramaticadomundo.blogspot.com/search?q=trabalho+interno)

REFERÊNCIAS:
BANDEIRA, Luiz Alberto Muniz. A segunda guerra fria. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2013
HARVEY, David. 17 Contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Ed. Boitempo, 2016
____________. A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI. São Paulo: Ed. Boitempo, 2018
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Ed. Cia. das Letras
GEROMEL, Ricardo. O poder da China. São Paulo: Editora Gente, 2019.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Ed. Record, 2000.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de Guerras e Revoluções no Século XX: As grandes transformações no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.






Nenhum comentário:

Postar um comentário