sábado, 12 de junho de 2010

A Copa, a África e Zenani Mandela


De quatro em quatro anos o mundo, em uníssono, queda-se aos encantos do futebol. Muito mais do que uma diversão, ou uma paixão que transtorna e transforma indivíduos, é também um espetáculo monumental que envolve um montante inestimável de dinheiro. Enquanto um desfile de cores instiga o sentimento nacionalista, como em nenhum outro acontecimento, marcas e corporações travestem-se além fronteiras a incorporar esses sentimentos nacionalistas, assumindo uma disfarçável condição que as tornou objeto de ira dos movimentos de esquerda em todo o mundo até a década de 1980: multinacionais. Em cada país essa marcas vestem as cores nacionais e apresentam-se, elas próprias, como se tivessem ali suas raízes.

Nos perguntamos como é possível a Hyundai, coca-cola, Visa, e incontáveis corporações, incorporarem o sentimento nacionalista em tantos lugares do mundo, num claro abastardamento das relações com o lugar. Buscam somente apropriar-se do sentimento pátrio para convertê-lo em negócio ao seu interesse privado, mas nunca nacional. Seguramente a mesma propaganda passada aqui é vista em outras partes do mundo, com as cores que representam cada país.

Todas as atenções voltam-se para este monumental evento, e para o continente onde ele acontece. A África, de sofridas e sangrentas histórias, de colonização e ocupação criminosa por séculos, torna-se o palco, pela primeira vez, da realização do esporte mais popular do mundo.

Para ela todos os olhares se voltam, a desnudarem um continente marcado por pobreza, miséria e um incipiente crescimento ainda localizado em poucos países. Mesmo nesses sobressai-se a enorme desigualdade gerada por um processo histórico caracterizado pelo assalto às riquezas naturais daquele continente, bem como a utilização escrava do braço negro.

Destaca-se a África do Sul, por nela acontecer esta Copa de 2010. Com os holofotes de todo o mundo focado nesse país, reabre-se a História e resgata-se os sacrifícios de um povo para livrar-se de um dos mais hediondos regimes segregacionista da história humana: o apartheid. Mostra-se uma África recompondo-se dos crimes cometidos por décadas e resgata-se a figura de um dos maiores responsáveis pela resistência negra naquela país, Nelson Mandela.

Num desafio à morte, como a reafirmar sua necessidade de ver completado todo o seu esforço para garantir a reunificação, bem como o resgate à auto-estima e valorização de seu povo, Mandela resiste impávido ao tempo e à lógica que impõe limites à nossa vida. Precisa descontar 30 anos que permaneceu nos cárceres do regime fascista.

Mas Mandela não está imune às contradições que a vida nos impõe. Cercado de cuidados e preocupações em função de sua idade, e pelo que representa, ele preparava-se para participar da abertura da Copa, evento pelo qual ele lutou tenazmente a fim de dar visibilidade à uma nova África do Sul para o mundo todo. Ainda assim, Mandela não pôde comparecer ao evento, como ele ansiava. Na véspera uma fatalidade iria jogar por terra esse momento tão esperado, um acidente vitimou uma de suas bisnetas. Aos 13 anos de idade, Zenani Mandela, teve cerceada uma vida que se somaria à de tantas outras a construir um país diferente daquele pelo qual seu bisavô tanto lutara.

Não foi numa guerra, manifestações como as que marcaram o bairro de Soweto, ato terrorista, ou algum tipo de violência frequente na história da África. Um inesperado acidente de carro, quando Zenani retornava do show que antecedia à abertura da Copa, parou sua vida num momento de maior visibilidade de seu povo.

Em meio à uma tragédia pessoal, que comoveu o país e o mundo, Mandela recolheu-se ao sofrimento de quem sabe lidar com a vaidade que inspira personalidades publicas e a sensibilidade de um líder que sabe o valor da perda de um ente querido, principalmente em se tratando de uma criança que experimentava um sentimento que as gerações anteriores desconheciam.

Mas, como a vida segue em meio à essa e outras contradições, as fuvuzelas continuam a tocar, e sem desconsiderar a tragédia, seguem embalando as danças de um povo sofrido, mas alegre e guerreiro, como a demonstrar para o mundo que o sofrimento é imanente à vida, incapaz, contudo, de conter uma nação que sabe agora qual é o seu caminho. Zenani Mandela, como o bizavô, deve inspirar-lhes mais motivos para lutar pela liberdade conquistada, com a contagiante e peculiar alegria, e, certamente, cientes de que ainda há muito caminho a ser trilhado para diminuir a enorme desigualdade social por todo o território sul-africano.

Que o mundo vibre com a Copa, mas não feche os olhos à pobreza e miséria que faz da África o continente onde se concentram os mais baixos índices de desenvolvimento humano.

2 comentários:

  1. Olá, Romualdo
    Parabéns pelo Blog.
    A copa do mundo, apesar de todas contradições impostas pela indústria, vai divulgar um pouco da África e principalmente da África do Sul que as pessoas não conhecem. A concepção que o Brasil tem do continente africano não contempla a diversidade.
    O mundo precisa conhecer a história de exploração imposta pelo imperialismo e, do outro lado a resistência dos africanos.

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  2. A copa na África do Sul, acredito que seja um presente para o mundo. Olhar para um povo com uma história tão marcante. Aprender que somos todos iguais, com vivências tão diferentes. Ter como exemplo a força e a coragem para mudar, como os africanos. África do Sul as duas faces.

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