domingo, 20 de junho de 2010

RÉQUIEM PARA JOSÉ SARAMAGO



Quando estive no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, no ano de 2005, tinha um interesse especial em uma das mesas redondas que seria realizada. Nela estavam presentes, dentre outros, José Saramago e Eduardo Galeano, escritor uruguaio, autor do clássico livro, “As Veias Abertas da América Latina”, sucesso de leitura da minha geração, juntamente com “Treze Dias que Abalaram o Mundo” e “História da Riqueza do Homem”.

(Foto abaixo: Saramago e Galeano no FSM 2005 em foto obtida em www.feijaocomarroz.com.br/blog/imagens/eduardo-e-galeano)

Mas o meu interesse maior, embora fosse grande a minha admiração por Galeano, era poder ouvir falar uma das personalidades mais importantes da literatura mundial, anos antes laureado com o prêmio Nobel, sendo o primeiro ganhador deste prêmio em língua portuguesa. Talvez uma injustiça, até para brasileiros como Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, seguramente também merecedores.

Contudo esse também era um desejo da maioria daqueles que estavam presentes naquele evento. Em havendo subestimado tal interesse perdi a possibilidade de estar próximo a uma figura que já tinha a minha profunda admiração desde a década de 1990. Sua participação foi marcante e eu pude assisti-la em um telão, mas qualquer um há de convir que são situações bem diferentes, e me deixou em parte frustrado. Quando cheguei ao local da palestra já estava completamente lotado.

Revendo o vídeo no site Carta Maior compreendi que um pouco da percepção que eu tenho hoje do futuro, foi dito por ele naquele momento. Ou seja, de que a utopia é o futuro (ou de que o futuro é uma utopia), pois que somente existirá a partir de como se constrói o presente.

Saramago sempre me inspirou não somente por suas posturas firmes em defesa dos pobres do mundo todo, dos excluídos da globalização, do capitalismo visto por ele como um sistema profundamente injusto, mas, principalmente, da maneira como ele abordava a as questões transcendentais.

O Evangelho Segundo Jesus Cristo seguramente foi o livro que mais procurou romper com dogmas religiosos, tocando em elementos caros à formulação da doutrina cristã, como a origem divina de Cristo e da sua relação com Maria Madalena. Não por outra razão o "L'Osservatore Romano", porta-voz do Vaticano, o atacou duramente considerando-o um “populista extremista”, “de ideologia antireligiosa” e “ancorado no marxismo”. Certamente não são palavras que ofenderiam Saramago, muito ao contrário, mas demonstra o quanto ele incomodava com seus livros o dogmatismo religioso, indistintamente. Em “Caim”, seu último livro, ele prossegue nessa linha, agora com uma abordagem focada no antigo testamento. Este ainda não tive oportunidade de ler, mas já assumo o desafio de fazê-lo nas férias de julho.

Um dos textos mais impactantes que li do Saramago foi logo após o atentado terrorista de 11 de setembro às Torres Gêmeas, o World Trade Center. Intitulado “O Fator Deus”, e publicado aqui no Brasil pelo jornal Folha de São Paulo no dia 19 daquele mês, ainda sob forte comoção mundial. Nele Saramago resgata fatos históricos para acusar radicais que em nome de Deus praticaram crimes ignominiosos ao longo da história humana.

A humanidade perde uma figura espetacular. Simples, coerente e de uma sensibilidade social incomum. Os oprimidos de todo o mundo perdem uma voz que sempre clamou por seus direitos, mas tem em suas obras, para sempre, as idéias de quem soube viver com dignidade em um mundo repleto de injustiças e desigualdades sociais.

Nos links abaixo o texto citado (o fator Deus) e o vídeo da sua participação no FSM 2005:

http://www.faced.ufba.br/ponto_de_vista/jose_saramago.htm

http://www.cartamaior.com.br/templates/tvMostrar.cfm?evento_tv_id=18&video_atual_id=150

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