“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e
totalmente livres”
“É a ambição de
possuir, mais do que qualquer outra coisa, que impede os homens de viverem de
uma maneira livre e nobre”.
Nas últimas postagens tenho procurado
refletir sobre a epidemia que se espalha na sociedade e impõe uma brevidade da
vida pela estupidez do não-viver. Neste artigo, mais longo, apresento uma
espécie de conclusão aos anteriores e analiso as causas.
O vício às drogas: álcool, maconha,
crack, oxi, desirré (craconha), heroína, cocaína, e uma infinidade de drogas
sintéticas destroem a juventude e a deixa sem futuro algum, já que seu presente
lhes é retirado. Pais que perdem seus filhos em vida e se sentem impotentes
para livrá-los de uma doença causada pela ambição. Ambição de todos os tipos.
Muito embora a procura por elas seja satisfazer o desejo do lúdico, do
imponderado, da indecifrável "liberdade". O que na verdade pode
representar uma artificialização da felicidade e a antecipação da morte.
Mas as causas que não se atacam estão
no âmago da questão e somente um olhar materialista (e dialético) pode detalhar.
O estilo de vida mundano, a ansiedade causada pela escravização ao trabalho e a
obsessão pelo sucesso que instiga a individualidade e a competição. Numa luta
em que se busca o sucesso a qualquer preço. Tudo gira em torno de ter dinheiro.
Mas poucos atacam o sistema, como causador de tudo isso. Assim, tem-se um
diagnóstico feito sem querer enfrentar a causa. Aqueles pais que perdem seus
filhos para as drogas, sabem que as chances de resgatá-los com vida são
mínimas. Embora não se deva desistir da recuperação jamais, muitos não
conseguem suportar o infortúnio e os conflitos violentos que tal situação cria.
Famílias esfumaçam-se como consequência disso, a rua torna-se abrigo de
milhares de pessoas, dispersas pelas grandes e médias cidades. Entregues à
barbárie de drogas pesadas, tornam-se mortos-vivos, extorquidos de suas
dignidades e chacinados por grupos criminosos.
A mídia, que espetaculariza as
desgraças, numa batalha entre concorrentes para obter maiores audiências,
apresentam a doença sem indicar os germes que são causadores. Transformam a
violência em banalidade e exploram o descontrole de uma juventude perdida para
as drogas com o intuito somente de manter cada espectador inerte pelo medo em
suas cadeiras, aprisionados em suas casas e reféns de um estilo de vida
propagandeado a seguir por essa própria mídia. Em seus comerciais, nos filmes
em que se glamouriza a violência, e em noticiários especialmente criados para
explorarem as desgraças alheias, onde se humilham as pessoas e apresentadores
pérfidos se acham no direito de desmoralizar os indivíduos, julgá-los e
condená-los. Quanto mais pobres e feios, mais são achincalhados e tidos como
escórias da raça humana, que já carregam da espécie o vírus de serem maus, pois
equivocadamente se acreditam que seja da
essência do ser humano. Nada se aborda sobre as condições sociais e sobre o
sistema causador de todas essas deformações. Algo bem expressado por Marx e
Engels, quando disseram: “não é a consciência que determina a existência, mas a
existência social que determina a consciência”. (MARX & ENGELS; A Ideologia
Alemã).
A violência está fora de controle.
Ela está latente e explode a qualquer momento, mesmo diante de circunstâncias
completamente inesperadas e que envolvam cidadãos comuns que jamais se
conheceram, mas que se odeiam por um simples gesto de intolerância, de
impaciência, de olhares desafiadores. Isso decorre da pressão a que cada
indivíduo está submetido, como consequência da cobrança a qual todos estão sujeitos,
da eficiência, da competência, da capacidade de responder aos desejos do deus onipotente, onipresente e
ganancioso: o mercado. Embora o neoliberalismo tenha fracassado, os germes que
ele introduziu em um sistema que por essência já é injusto e desigual,
permanecem e se reproduzem. E, seguindo-se essa lógica perversa, a
competitividade, que se tornou uma essência do mercado disseminou-se como uma
praga firmando-se como uma cultura, opondo um ao outro numa concorrência que
passou da naturalidade do jeito do ser humano, quando disputava liderança
dentro do grupo, para um embate estéril, impulsivo, violento, de sobrepor-se ao
outro pela imposição da força e da desqualificação. A ditadura da riqueza se vê
acompanhada pela do corpo, do belo, do etnicamente perfeito, da perfeição
plástica no sentido etimológico dessa palavra.
A convivência nas cidades, que se
constituiu na forma mais eficaz de realização do capitalismo, retirou das
pessoas a característica mais importante da vida rural, aglutinação da família
em torno da capacidade de produzir coletivamente. A simplicidade do vestir, do
viver, da inexistência de vaidades, foi substituída pelo sentimento oposto,
porque marcado pela competitividade artificializada pelos desejos impostos pelo
consumo. O que antes se produzia coletivamente e manualmente, com os meios de
produção que, embora primitivos, eram eficazes para garantir a sobrevivência,
se tornam mercadorias não mais possíveis de serem produzidas como antes. Tudo
passa a depender da existência do dinheiro. Sempre insuficiente para atender as
fantasias construídas pelo “marketing”. Que nada mais é do que a maneira de
induzir as pessoas a adquirirem uma determinada mercadoria. O campo foi
entregue a grandes corporações e latifundiários ávidos por lucros e sedentos
por destruir o que a natureza levou milênios para produzir. Máquinas e produtos
químicos substituem as pessoas que foram empurradas para as periferias das
cidades.
A servidão ao dinheiro, cujo
mecanismo de aprisionamento é o trabalho, impôs às pessoas uma dependência do
tempo. Ao invés de seguirmos o preceito de trabalharmos para viver, vimos a
lógica ser invertida em viver para trabalhar. E na medida da necessidade de
expandir e de ampliar rendas, a família como um todo passa a se dedicar à
imposição de se qualificarem objetivando encontrar as condições adequadas para
situar-se em um padrão de consumo que lhes possibilitem “ser feliz”. A
felicidade passa a ser um objetivo alcançável somente àqueles que conseguem
“vencer” na vida. Isso, logicamente, passa a se concretizar diante da nova
realidade, na sobreposição e exploração sobre o outro, extraindo de sua força
de trabalho a riqueza que construirá uma enorme desigualdade social.
No final da Idade Média, na fase de
transição ao capitalismo, o poder absolutista impunha ás pessoas a submissão de
leis que as obrigava, até pela punição de chicotadas, a necessidade de se
qualificarem para terem condições de servirem à indústria urbana nascente. A
vagabundagem, tida na época como crime, era punida de forma dura, com secção de
orelhas, enforcamento ou a expulsão da cidade. Era preciso, pela força, alterar
a cultura e a rotina das pessoas, cuja atividade produtiva até então não
obedecia a regras rígidas, a não ser àquelas que a própria natureza exigia, mas
que lhes possibilitavam trabalhar e produzir para viver sem a ânsia consumista
que o novo sistema passava a exigir. Mesmo com toda exigência das relações
feudais e, principalmente, da corveia, obrigação do servo de servir ao senhor
em alguns dias da semana (MARX, O Capital, Livro I, Vol. 2, p. 851-859. Ed.
Civilização Brasileira, 1980)
Contudo, a importância do dinheiro
para adquirir mercadorias, já não mais possíveis de serem produzidas
manualmente como antes, até porque os meios de produção lhes escapam do
controle, modifica o tipo de servidão. A dependência a partir de então passa a
ser da forçosa necessidade de adquirir trabalho que lhe possibilite ganhar um
salário, e, enfim, transformar-se em consumidor. Antes citadino, o indivíduo
passa a cidadão, pois além de viver nas cidades algumas obrigações vinham
também acompanhadas de direitos. Com o tempo, mais importante do que o direito
de ser cidadão destaca-se o fato de se ser consumidor. Não trabalhar, estar
desempregado e não ter um salário que lhes permitam consumir torna as pessoas
párias, pobres, e ultimamente, excluídos. O sistema flexibiliza-se de tal forma
que nos dias de hoje é permitido ser pobre, já que se criou uma hierarquia onde
produtos de qualidades inferiores são fabricados para inserir essa camada na
lógica consumista do mercado. O excluído assume um sentido mais específico, que
significa delimitar às claras as fronteiras que separam pobres e ricos, já que
o sistema reparte-se em várias camadas, cada uma tendo acesso a nichos de um
mercado que se diferenciam na qualidade e nas condições de viver, e viver bem.
Mas, as cidades que representaram uma
mudança revolucionária nessas condições de vida, possibilitaram, mesmo que na
lógica egoísta do mercantilismo, avanços significativos nos meios de produção,
de trabalho e de consumo. Aceleradamente, revolucionando incessantemente os
meios de produção, a classe dominante no sistema capitalista – ou, para evitar
polêmica, a classe hegemonicamente dominante –, a burguesia, encontrou na
revolução permanente das técnicas e das inovações tecnológicas o mecanismo
ideal para reproduzir o capital de forma descontrolável, ampliando a ganância,
a usura e o individualismo a níveis da insensibilidade com as condições
desiguais das pessoas. Até porque é sobre essa desigualdade que os instrumentos
que geram a obsessão pela riqueza efetivam essas diferenças. Não há riqueza que
não seja construída mediante um processo de exploração do outro. E,
absolutamente, isso não é desígnio concedido por divindade alguma, decorre do
processo que opõem de um lado aqueles que possuem os meios de produção, e de
outro, os que só possuem sua força de trabalho.
Mas as mudanças estruturais no
funcionamento do sistema capitalista foram gradativamente criando oportunidade
em atividades meio. Pela própria rotina imposta em função das condições de vida
nas cidades, onde tudo tem preço, vira mercadoria, vão surgindo atividades em
serviços que passam a requerer também uma capacidade específica, impondo mais
uma vez, e sempre, novas necessidades de qualificação. Esses mecanismos, que
geram essas novas atividades, reforçam nas pessoas o sentimento de que podem
ascender socialmente. Entre as camadas mais pobres e a elite dominante, foi se
constituindo uma classe intermediária, intitulada por Marx de pequena
burguesia, e que ao longo do tempo, com a inserção de novas ideologias
inseridas por intelectuais adeptos do novo sistema, passou a ser intitulada
como classe média. Ou classes médias.
geraçãoai5.blogspot |
Estabeleciam-se, assim, novos degraus
que indicavam as pessoas serem possíveis atingir condições adequadas de vida.
Rompendo com a cultura do mundo medieval, cismas religiosos acompanhavam a
escalada da burguesia, e avalizavam como predestinação divina o que antes era
tido como pecado capital. O protestantismo, e mais claramente, a corrente
calvinista, abençoava aqueles enriquecidos, porque teriam esses, pela mão de
Deus, e pelo trabalho, assegurado a construção do paraíso na terra. Nos tempos
atuais, essa ideologia foi aperfeiçoada, ampliando a individualidade nos
objetivos já carregados dessa condição, fazendo surgir, através do
neopentecostalismo, a teoria da prosperidade. As igrejas, excetuando-se aquelas
que mantinham as tradições antigas, tornavam-se verdadeiros templos financeiros
(pelo que se vende e se lucra), onde se oferecem as bênçãos capazes de conduzir
os fiéis de encontro aos seus paraísos terrenos.
A burguesia, com essas mudanças,
conteve os ímpetos revolucionários. Conseguiu dessa forma disseminar outras
vontades, que não somente a transformação de um sistema injusto e desigual, mas
ampliar o desejo individual da maioria de fazer parte de uma parcela restrita
daqueles que efetivamente poderiam atingir patamares superiores nos padrões
consumistas. Embora o sistema permanecesse tal qual em sua lógica inicial,
espalhava-se entre a população o sentimento de que era possível “subir mais”. A
classe média, a antiga pequena burguesia, passou a assumir a frente da luta
visando garantir e manter privilégios, aceitando as condições impostas pela
burguesia e procurando distanciar-se ao máximo das camadas pobres. As condições
desiguais e injustas consolidavam-se agora tendo a classe média como um
gendarme da classe dominante. E assumiu a condução dos mecanismos criados para
manter a ordem capitalista, inclusive o próprio poder político. A socialdemocracia
surge, então, para ideologicamente conduzir esse processo.
O fracasso das estruturas dos países
que haviam rompido com o sistema capitalista, impossibilitados de competir com
a sedução neurastênica do modo de produção anarco-capitalista, e em
dificuldades para garantir à sua população uma produção de alimentos que atendesse
a uma demanda crescente, deu a indicação de um final da história capitalista.
Puro engodo de um enredo de ficção. Enquanto existir ser humano e memória a
história é infindável. E porquanto houver opressão nenhum sistema será
infinito, nem o último da história da humanidade.
legio-victrix.blogspot |
Mas é inegável que o deslumbramento
passou a se constituir em uma das armas vitais, para as classes dominantes, nas
sociedades modernas. As novas tecnologias, implementadas celeremente logo após
a queda dos países socialistas, e mediante uma enfurecida jogada de marketing
para ocupar os espaços confusos daqueles países e pressionar pela
desregulamentação da economia nos países em desenvolvimento, possibilitou a
difusão de uma ideia que se impôs além-fronteiras. Ao mundo só restava quedarse
ao senso comum, da vitória capitalista, do livre mercado, da competição e da
busca pelo sucesso individual.
Em menos de duas décadas o resultado
de tudo isso criou uma geração de neuróticos, violentos e de crentes na
teologia da prosperidade. Mas que deve ser entendida dentro de uma hierarquia
social, pois se apresenta com nuances diferenciadas, como em toda sociedade
hierarquizada socialmente. Os objetivos daqueles que se situam nas camadas mais
pobres é de obter as mínimas condições de sobrevivência, ampliarem suas
possibilidades de ascender socialmente e de terem acesso ao mercado de produtos
sofisticados tecnologicamente. Além das duas aspirações principais, terem uma
casa para morar e adquirir um carro que lhes deem maiores mobilidades. O
automóvel, assim, se torna o termômetro da indústria capitalista moderna.
O individualismo, incorporado
agressivamente na cultura das sociedades contemporâneas, e transformado em
elemento ideológico a referendar as maiores ambições das classes dominantes e a
estimular os desejos das camadas inferiores, se constituiu em uma espécie de
bomba-relógio. Despertou as maiores ambições possíveis existentes nos
indivíduos, viventes em ambientes que passaram a clamar pela ostentação do luxo
e pelo êxtase em se situar na condição de vitorioso, independente dos efeitos
colaterais que esses comportamentos geravam. Mas, como um bumerangue, não
tardou a retornar ao ponto de partida, sem controle, e com uma violência
desmedida.
Entregues à tarefa de consolidar seus
objetivos gananciosos a classe dominante imaginou que, ao construir suas
fortalezas, em condomínios fechados luxuosos, ou em mansões verticais em
bairros apartados da pobreza, consolidariam um modo de vida livre das chagas da
miséria sobre a qual esse luxo se impunha. Até porque, o comportamento de vida
estressante impunha a jovens executivos aprisionados na teia criada pelo estilo
neoliberal de ser, a busca por alguns mecanismos sedutores, que lhes pudesse
aliviar o condicionamento escravizante da busca obsessiva pela liderança. As
drogas se constituíam nesses instrumentos que lhes aliviavam das cobranças que
impunham uma obrigação de a cada final de dia manter lucros cada vez mais
acentuados.
Mas havia um preço social, além do
custo econômico, a pagar por isso. A busca pela mercadoria que lhes aliviaria
das tensões e pressões pela permanente superação e de vitórias continuadas só
seria possível diante de ilicitudes. O ópio a que me refiro no título, é na
verdade as drogas, que em algumas sociedades naturalmente são utilizadas dentro
das circunstâncias que a natureza do local permite, ou até mesmo em decorrência
das dificuldades de suportar os condicionantes dela – como na Bolívia, onde
mascar folha de coca alivia os fatores da altitude –, passaram a se constituir
em mercadorias proibidas pelo excesso criminoso de produtos químicos, à exceção
da maconha. Mas mesmo neste caso a química já começa a alterar suas
propriedades, até então tida como natural e menos prejudicial à saúde do que as
demais, apesar de envolta em polêmica quanto a sua liberação. O que a torna
também uma mercadoria ilícita. E o álcool, aceito e legalizado na sociedade, com
uma indústria poderosa, mas com os mesmos efeitos colaterais na dissolução da
família e na potencialização da violência.
Cocaína |
A demanda crescente por essas drogas
fez fortalecer um comércio ilegal e criminoso, incontrolável. Nas grandes
cidades, a neurose propiciada pela pressão pelo sucesso profissional, pelo
tempo desperdiçado no deslocamento entre os lugares, pelo transito massacrante
e violento, pela disputa que marca o relacionamento cada vez mais
individualista entre as pessoas e a disciplina cada vez mais rígida e
exploradora na relação capital x trabalho, empurra-as em direção a esses
mecanismos que se supõe aliviar o stress e garantem uma sensação de felicidade.
E transforma o tráfico dos produtos utilizados para produzi-las em um negócio
altamente rentável que impulsiona a criminalidade e a violência a níveis
assustadores.
Uma trágica relação dialética impõe
que uma parte daqueles que se tornam dependentes químicos também se constituam
em mercadores, submetidos à escravização pelos comandantes desse comércio
ilícito e macabro. Isso resulta em uma crescente ampliação de um exército
poderoso, que se envolve por extensão no também lucrativo comércio de armas. Essa
mistura, que tem de um lado consumidores ávidos por uma mercadoria que lhes
põem em êxtase, e de outro, marginais dispostos a tudo para dominar um mercado
lucrativo, nada mais é do que o resultado, ou a consequência, de como as
sociedades contemporâneas se estruturaram, e da cultura criada a partir das
deformações do sistema capitalista. E a violência gerada a partir dessas
contradições, dissemina um medo que impõe às pessoas a necessidade de se
protegerem, constituindo um novo mercado que surge desse processo: da segurança
privada.
Ao Estado se exige um aparato
repressivo sofisticado, para combater um exército irregular, composto por
indivíduos que, parafraseando o que disse Marx no Manifesto Comunista, “já não
tem mais nada a perder, a não ser suas cadeias”. E, retornando ao que abordei
no artigo anterior, essas são condições piores do que a própria morte, algo
reconhecido pelo próprio ministro da Justiça. Além de parecer um exército de
zumbis, já que se reproduzem aceleradamente, por mais que se eliminem
territórios por eles dominados. O deslocamento dessas quadrilhas para outros
bairros periféricos, a corrupção policial e a permanente demanda, faz com que
essas estruturas criminosas assemelhem-se a uma hidra, monstruosidade mítica
com corpo de dragão e sete cabeças de serpentes, que se reconstituíam sempre
que uma fosse decapitada. Para derrotá-la Hércules, outro personagem
mitológico, teria que impedir sua reprodução cicatrizando rapidamente o local
da cabeça decapitada.
Os tráficos de drogas, de armas, e de
pessoas, jamais serão contidos, enquanto na sociedade persistir uma enorme
demanda e consumidores desejosos de pagar por essas mercadorias. A condição
efetiva de por fim a essa permanente reconstituição, como no combate à hidra,
passa pelo fim das estruturas que lhes possibilitam ser esse um mercado
altamente lucrativo. Mas isso não será possível diante das circunstâncias
atuais, já que o condicionante nisso tudo se refere ao funcionamento do sistema
capitalista, e não é possível extrair isso de sua essência, a não ser que
signifique a sua própria destruição.
Ecstasy |
Assim, por mais que se tente
discipliná-lo, já que não se pode usar o termo civilizar como se fazia antes,
pela própria selvageria imposta pelo jeito de se viver nas grandes cidades,
novas cabeças de hidras se reproduzirão. As alternativas apresentadas, no
âmbito das religiões, não conseguem conter – e isso pode ser observado
historicamente – o sentido que está por trás dessa lógica: a usura, a ganância,
a individualidade, e tudo que é gerado a partir daí, e que faz do nosso
comportamento e de nossa cultura instrumentos que se voltam contra nós próprios
e dificultam qualquer mudança. Ambição, egoísmo, vaidade, atitudes mesquinhas,
são vírus presentes putridus in corpus.
Assim, somos impulsionados a
entorpecer nosso corpo, ou nossa mente, para suportarmos a tirania que nos
impõe uma lógica massacrante de submissão ao trabalho, e ao mercado, para
saciá-lo de lucro.
Creio, contudo, como disse Marx, que
o ser humano jamais se depara com problemas que ele próprio não possa resolver.
Mas para isso é preciso, como ele mesmo acreditava, que se encontrem formas de
organização que garantam as mudanças que nos livrem da barbárie. Qualquer alteração
no estilo de vida a que estamos submetidos só será possível com uma
transformação radical no próprio sistema. Extrair a sua essência. E isso
significa que ele precisa ser destruído e substituído por outro, em que os
valores sejam baseados na cooperação entre as pessoas visando um bem estar
comum, onde os meios de produção e as novas tecnologias não estejam a serviço
de uma minoria, e que o trabalho não significa algo escravizante, mas prazeroso,
dentro de um limite que nos garanta usufruir o tempo curto que representa a
nossa vida.
E, se o futuro é uma utopia, mas que mesmo
assim insistimos em alcançá-lo, é no presente que ele deve ser construído.
Então, não resta tempo a perder. Já que, como dizia o poeta Vinicius de Morais,
“a essência do ser humano é a liberdade”.
Meu caro amigo,
ResponderExcluirExcepcional o texto. Perde quem não lê.
Um grande abraço,
Renato Maurício