A música é uma das
melhores maneiras de aplacarmos nossos sentimentos, de marcarmos nossas
saudades, de chorarmos nossas perdas, tanto quanto nossas alegrias e
felicidades. Infelizmente, nos lembramos aqui de uma enorme perda. Como diz
Chico Buarque também em uma de suas músicas, um pedaço de nós que se foi.
Quando escrevemos em
memória de alguém, queremos marcar para sempre, não somente em pensamentos, mas
em mensagens, um pouco da imensidão do que essa pessoa representou para nós. A
mensagem que escrevi da minha pequena Carol, lida em sua missa de sétimo dia,
carrega um turbilhão de emoções, foi redigida aos poucos em meio a soluços
convulsivos, diante do sentimento profundo de uma perda tão precoce. Escrita
por mim, com a colaboração de sua mãe e do irmão, é também um desabafo. Procurei
por trás de cada palavra transmitir não somente um sentimento de saudade, mas
de revolta. Não é uma revolta direcionada contra quem quer que seja, já que
falamos de fatalidade, mas por não podermos encontrar explicações para um acaso
tão perverso. Afinal crianças não deveriam morrer, muito menos antes de seus
pais.
É difícil dimensionar a
crueldade da maneira como se morre, pois morrer é sempre uma verdade dolorida e
por nós inaceitável, mas independente da forma, a crueldade está em vermos um
filho ou filha morrer. Não importa como, e mesmo sabendo que na vida morremos
sempre lentamente, perder um filho é ver morrer um pedaço de seu corpo, de sua
vida. Precisamente aquela parte de você que carrega o futuro. Sim, nossos
filhos representam para nós o futuro, a perpetuação de nossa ancestralidade, a
riqueza de nossos genes. Quando os perdemos a sensação é de que o futuro deixa
de ter sentido.
Não somos senhores
absolutos de nossos destinos, e não podemos estabelecer prazos de existências
para nossas vidas. Seguimos em frente, mas não mais como antes, nos entristecemos,
perdemos parte importante de nossa vontade de viver olhando adiante e não nos conformamos.
Não acho que devamos nos conformar com a morte. Aceitá-la, por sua
inevitabilidade, sim, mas temos sentimentos, sensibilidades, e a busca etérea
por uma justificativa que vise a aceitação conformista da perda de um ente
querido não me satisfaz. Prefiro sofrer com a tristeza e a revolta da perda
irreparável. Entendo a complexidade que é a vida, e a permanente presença da
morte, mas do fundo da minha tristeza e emoção – e isso é o que nos diferencia
na natureza como humanos – creio que não devemos “aceitar” a perda de pessoas
queridas, muito menos de nossos filhos. Mesmo com a presença de meu filho e de
minha esposa, aos quais tenho um amor imensurável, sinto em mim uma mudança
muito grande como conseqüência da ausência da minha filha. E isso se traduz na
redução da minha motivação, de meu ânimo, da minha alegria. Creio que isso vai
me acompanhar para o resto de minha vida, muito embora a intensidade disso vá
diminuindo. Mas jamais vai acabar. Dependendo das circunstâncias, e em
determinadas datas, saudade e dor sempre reforçarão a angústia por tê-la ausente
para sempre, embora presente nas lembranças.
A Carol foi vítima de uma
doença cruel: Leucemia Mielomonocítica Juvenil. Mas seu diagnóstico definitivo
só foi conhecido no dia em que ela não suportou o sofrimento na UTI e não
sobreviveu a uma insuficiência respiratória causada por constantes
sangramentos. Tendo sido internada três dias antes, seu quadro clínico
complicou-se aceleradamente, tempo insuficiente para atender as respostas de
uma bateria de exames exigidos para se conhecer as causas das debilidades
sanguíneas que ela sofria. Em 13 de dezembro de 2007 nós perdemos para sempre a nossa querida filha.
Quatro meses antes (ela
ficara internada por 10 dias), quando se constatou um quadro virótico, e a
presença de dois vírus agindo em seus órgãos (vírus de Epstein-Barr -
mononucleose infecciosa e parvovírus - parvovirose), não foi possível
identificar a Leucemia. Soubemos depois tratar-se de um tipo raro de Leucemia,
principalmente tratando-se da idade de Ana Carolina. As leituras que temos
feito sobre essa doença indicam que encontraríamos muitas dificuldades no
tratamento caso Carol houvesse sobrevivido. São poucos os casos dessa doença, e
menor ainda o número daqueles pacientes que tiveram uma sobrevida superior a um
ano.
Não sei se poderíamos ter
corrigido o rumo de nossas ações até esse desfecho trágico. Sei que fizemos o
possível para não perdermos nossa pequena, mas sempre fica a sensação de que poderia
ter sido feito algo mais, ou de ter tido uma firmeza maior para questionar
determinados procedimentos médicos que às vezes julgamos equivocados. Como por
exemplo, o diagnóstico de pneumonia e o uso de antibiótico quando na verdade a
doença Leucemia já se manifestava, na segunda internação. Ou, quando na
primeira internação a identificação de vírus em seu organismo terminou por
impedir a continuidade dos exames para identificar uma possível Leucemia.
Talvez ela não sobrevivesse ao tratamento dessa doença, pois, como já disse,
são raros os casos que não terminaram em morte, mesmo em alguns casos com
transplante da medula, neste caso por rejeição. Mas, embora seja cruel também
não pensar no sofrimento dela, preferiríamos ter lutado ao máximo de nossas
forças e possibilidades e nos agarrarmos ao último fio de esperança que pudesse
nos indicar uma salvação naquele momento para nossa filha. Entretanto, tenho
evitado pensar muito nessas questões que acabo de manifestar, pois se trata do
imponderável, e não podemos reverter o tempo e retornar ao passado,
infelizmente. Aliás, tendo apagar até mesmo as últimas imagens dela na UTI,
mesmo às vezes isso sendo inevitável. Lutamos por manter presente sua imagem
alegre e sorridente.
Quaisquer que sejam as
causas que levam à morte de nossos filhos, jamais aceitamos tamanha perda. Não
importa se lentamente ou de forma fulminante a morte tira de nós entes
queridos, e, se filhos, pedaços de nossos corpos, partes de nossas vidas. Se o
futuro para nós já é uma incógnita, perder um filho, que para os pais
representam a continuidade de suas riquezas genéticas, como bem pontuou Darwin,
significa bloquear em nós a visão de futuro.
Como fazem os
revolucionários, acreditamos que devemos sempre lutar até o limite de nossas
possibilidades para alcançarmos nossos objetivos. Lutar, mesmo que com
sofrimentos, nos dá a sensação de podermos alcançar o auge de nossas forças,
conjuntamente, para tentarmos prorrogar aquilo que o destino inevitavelmente
consumará um dia, pois tudo chega a um fim, mas certos de estarmos seguindo em
cada momento um caminho que nos conduzirá a um futuro melhor. Não nos
entregarmos à fatalidade nos anima mais a sermos protagonistas de nossos
destinos, apesar de que algum dia a morte inevitavelmente se apresentará para
ceifar nossas vidas.
Contudo, a perda
repentina, nos deixa uma sensação de impotência. O que torna mais difícil a
aceitação da morte como fatalidade, ao invés de vê-la como parte do ciclo da
vida. Isso se agrava quando pais se debruçam sobre o corpo sem vida de uma
filha. Mas, queiramos ou não a morte da pequena Carol foi uma fatalidade e
dizer se aceitamos é irrelevante, pois nada irá trazê-la de volta. Assim,
seguimos nosso caminho, reformulando nossa rotina e deixando na lembrança,
alegres momentos de uma criança que parecia sentir que seu tempo era curto,
porque procurou viver sempre intensamente, fazendo questão de marcar sua
presença de maneira impositiva em nossas vidas.
Lembrarei sempre dela cotidianamente, mas de maneira
especial quando ouvir uma música de Caetano Veloso, que desde o berço cantei
para ela, e se tornou quase que o “hino da Carol”. Até ela própria dizia sempre
que a ouvia: “pai, é a minha música”. Para
mim o que a música diz representava bem o seu jeito de ser: “Linda, e sabe
viver, você é linda sim. Onda do mar do amor que bateu em mim...”.
Até breve, minha filha. Aguarde-me
na eternidade, pois aqui em vida a terei para sempre em cada momento que me
resta.
lendo aqui sua historia de vida mae!! tao parecida com a minha, e é sempre tão dificil aceitar as perdas em nossa vida, doi muito não é mesmo? hoje resolvi ler historias de pessoas que sente a mesma coisa que eu.. por que hoje senti tanta saudade de meus filhos gemeos fazendo 3 anos que eles partiram e doi tanto saber que nao estao aqui mais.. mais espero ve-los na eternidade...e sempre os terei em meu coraçao eos melhores momentos que vivemos juntos... bom dia e Deus te abençoe
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