sábado, 8 de dezembro de 2012

COMPARTILHANDO UMA ETERNA DOR


Ofereço essa leitura aos amigos e amigas, a fim de poder compartilhar um pouco das angústias, responsáveis pelas tristezas que afetaram nossas vidas desde 13 de dezembro de 2007. Por esse mês de dezembro irei postar alguns dos textos que escrevi para um livro que dediquei a Carol. São crônicas tristes, relatos de dor por uma perda inestimável e com algumas lembranças alegres. Escrever se tornou para mim uma terapia. E a maioria dos textos sempre diziam alguma coisa a respeito da Carol. Mas por um ano, entre 2007 e 2008, foi somente sobre ela que escrevi. Isso ficou registrado no livro "Depois que você partiu", publicado um ano depois de sua morte. Farei uma adaptação dessas crônicas, e a postarei aqui, nesse mês em que nos lembramos do quinto ano de sua morte. Parece que foi ontem, mas para nós é uma eternidade.
Embora sem a presença dela materializada, conversei, caminhei, passeei com ela muitas vezes, como faço ainda hoje em meus momentos solitários ou nas conversas e caminhadas com minha companheira. Observei em cada instante da nossa rotina, em cada objeto que lhe pertencia, em cada fotografia, o quanto Carolina era especial. Na pracinha do nosso bairro, no Conjunto Caiçara, ainda paro algumas vezes e olho o espaço no gramado aonde ela ia sempre, ao final da tarde, jogar badminton com seu primo Mateus. É como se eu a vesse lá, ainda hoje, gritando pelo meu nome quando eu passava fazendo caminhada, enquanto ela alegremente se divertia. Mal sabia que seu tempo seria tão curto em vida.
Creio ter envelhecido 10 anos a cada um que passava, pelo menos nos três anos logo depois de sua morte. O abatimento, desânimo, perda de perspectivas futuras, sintomas presente na depressão, passaram a fazer parte dos meus dias, muito embora eu procurasse sempre me convencer que tudo aquilo era fruto de uma tristeza profunda, de uma imensa dor. E assim ainda me sinto quando me debruço para escrever sobre ela. Somente a sala de aula – onde mesmo assim chorei várias vezes diante de meus alunos – me aliviava um pouco da tristeza. Talvez porque eu transmitisse a eles valores pelos quais eu gostaria de estar ensinando a minha filha.
Não quero contaminá-los pela tristeza. Ao escrever minhas crônicas sobre minha pequena Carol sempre tive em mente uma necessidade de desabafar, compartilhando minha dor com amigos, mas quis também apresentar uma experiência que, embora triste, pode servir de alguma maneira para estabelecermos uma relação melhor com nossos filhos.
Com isso não desejo incentivar as pessoas a ficarem a pensar obcecadamente na morte. Ao contrário, minhas crônicas, embora repletas de dor, tem por objetivo exatamente levar as pessoas a pensarem permanentemente na vida. A perceberem que muito mais importante do que vivermos das fantasias de um futuro que não sabemos se virá, ou como virá, o mais saudável é vivermos nossas vidas intensamente no presente, aproveitarmos da melhor maneira possível os momentos felizes e encontrarmos sempre, de forma ágil, as maneiras pelas quais possamos sair de eventuais infortúnios.
Procuro também relatar momentos prazerosos de uma relação amorosa com minha filha, destacando que esses momentos poderiam ter sido mais intensos. E assim, penso poder levá-los a refletir sobre o quanto nos apegamos a pequenas coisas, nos irritamos por futilidades e construímos uma vida estressante e chata, marcada por um estilo de vida que submete o sentimento, o amor, a tolerância, às imposições de um mundo onde prevalecem o egoísmo e a irracionalidade. Nesse mundo as crianças quase sempre são vítimas, seja da lógica consumista, massificada pela mídia a fim de criar novos consumidores, e por nós, adultos, que tentamos definir o que ela será no futuro e as aprisionamos quase sempre dentro da nossa forma de ver o mundo. Imaginamos estar fazendo o melhor para elas, quando contraditoriamente tiramos delas a liberdade de viver seus melhores momentos.
Isso quando elas não se transformam em instrumentos para conter as neuroses e desabafos de pais ou outros tipos de parentes, que por vezes descontam toda sua ira de momentos ruins seja no trabalho ou mesmo na relação familiar nos elementos mais frágeis. As crianças, impotentes diante da raiva de alguns adultos, tornam-se alvos e vítimas das agressividades e transtornos causados por uma sociedade à beira do colapso.
Mas os meus textos não visam fazer um mea culpa. Jamais dei uma surra em minha filha, embora a repreendesse algumas vezes com certa rigidez. Também sempre procurei viver em harmonia com meus filhos e minha companheira. Mas, sim, por certo tempo após a Carol ter partido, fiquei pensando em alguns exageros que cometi, e alguns controles excessivos, daqueles que fazemos imaginando querer sempre o bem de nossos filhos.  E até mesmo seu olhar, assustado com determinadas broncas estão sempre vivos em minha mente, e isso sempre me angustia.
Depois que perdi minha filha estabeleci para mim mesmo uma meta, que deveria sempre ser natural. Decidi que meu filho seria meu amigo, e creio que assim o fiz, sem em nenhum momento sufocá-lo em sua individualidade. Mas para mim era importante viver com ele cada momento, intensamente, viajarmos e passearmos, conversarmos e interagirmos, até que ele pudesse alcançar o instante em que seu caminho à sua frente dependeria de suas próprias decisões. Mas eu queria estar presente até esse momento, e não somente para substituir a ausência da Carol, mas pelo próprio aprendizado da rapidez com que a perdemos. Aprendi que a morte é inevitável, e não segue o curso natural da vida nem nossos desejos de felicidade futurística. Precisamos viver, cada momento, intensamente, com a responsabilidade e os desejos de harmonia e honestidade.
Espero, portanto, que essas crônicas contribuam pelo menos para pensarmos sobre a necessidade de lutarmos para construir um novo tipo de sociedade, sem o medo, a agressividade e a intolerância que tem marcado a atual. E que isso só será possível de ser feito pelas gerações futuras, dependendo, portanto, da maneira pela qual estabelecemos as relações com nossos filhos. O medo, assim, impede que possamos construir um ambiente mais saudável, prevalecendo uma lógica que impõe a todos ir à procura de seus destinos por caminhos isolados, individualistas. De viverem em meio a uma multidão, como se ela não existisse, tornando-se esse um dos sintomas do mundo contemporâneo: de como ser solitário cercado de gente por todos os lados.
O tempo que a Carol passou conosco foi marcado por momentos maravilhosos, embora sempre fique a sensação de que tudo poderia ser melhor. Mas ela fez com que esses momentos fossem assim. Sua partida tem nos deixados abalados, indiferentes ao futuro. O nosso desafio passou a ser como alterar isso e transformar tamanha perda em ensinamentos sobre como devemos viver nossas vidas. Vivemos por esses anos numa intensa ligação com a tragédia que nos atingiu, mas prosseguimos lutando para romper com certos paradigmas para tentar seguir vivendo como procurei traçar nas linhas dessas crônicas.
Quando escrevi originalmente essas crônicas, por todo o primeiro ano da morte de minha pequena as ideias foram brotando pelos sentimentos. Poucas coisas eu corrigi, certamente muitas outras não passariam pelo crivo de um bom revisor, mas são erros que fazem parte de nossas limitações, eu as assumi, mas quis que fosse assim. Tornava os textos mais autênticos, pois funcionavam como se eu estivesse falando, me comunicando verbalmente, e em alguns momentos me dirigindo a ela. Também preferi não datar as crônicas, elas ficaram no livro publicado em ordem cronológica da sua elaboração, e mostram como ao longo do tempo as coisas foram mudando para mim,
Carpe diem. Aproveitem o dia, confiando o menos possível no amanhã. Penso ser esse o lema ideal para podermos viver cada momento. Que cada minuto de nossas vidas seja aproveitado da melhor forma possível ao lado das pessoas que amamos principalmente nossos filhos. O passado passou, deve nos servir de exemplo, mas não podemos viver mais dele; o futuro não existe é apenas uma construção imaginária; é ao presente que devemos dedicar todo o sentido de nossas vidas.
Mas, se já é difícil desvincular o presente do passado, quando convivemos com uma tragédia isso se torna mais complicado. A morte de uma filha ou um filho é como se perdêssemos uma parte do nosso corpo, algo que sentiremos para sempre. Mas procuramos nesses anos construir em nossos corações o sentimento de que a Carol sempre está ao nosso lado, buscamos sentir a sua presença. Para isso criamos o Instituto Ana Carol, presidida por sua mãe, para homenageá-la, para tê-la sempre conosco em projetos que quando em vida ela já se identificava. Mas, certamente, passamos a ver em tudo o que fazemos que o futuro se encontra aqui.
Nas próximas postagens do blog GRAMÁTICA DO MUNDO incluirei os textos que escrevi para o livro que foi publicado depois de um ano da morte de Carol, e que denominei DEPOIS QUE VOCÊ PARTIU. Porque a segunda semana de dezembro, e a última da vida de minha filha, foram dias de sofrimentos, de tentar identificar uma doença que não era diagnosticada, de correria para médicos e hospitais, em especialidades diferentes a demonstrar a incapacidade da ciência de compreender a vida em sua totalidade.
Desde sua morte, em 2007, o mês de dezembro constitui-se para nós um período de saudades doloridas, e somente a companhia de amigos são capazes de sufocar o sofrimento por lembranças que se acentuam nessa época do ano. As alegrias geradas por uma festa criada para dar uma sensação de esperança, contrastam com um momento em que temos que nos lembrar de uma triste partida. Por isso, faço do meu blog um instrumento que nos ajude a compartilhar essa dor. Não queremos com isso transmitir tristeza, mas usufruir das alegrias que, desejamos, sejam diferentes e reais para a maioria dos que lerem esses textos repletos de nostalgias e saudades.
Seguimos, contudo, adotando uma frase que representa para nós esse sentimento: “Saudade, é o amor que fica”.

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