Tenho debatido com alguns colegas, velhos amigos de longas e prazerosas jornadas de lutas, aquilo que nos dias atuais tem chamado as atenções no mundo, a par de uma infinidade de outros problemas sociais que nos cercam: as questões ambientais.
Em algumas discussões que participo, principalmente na universidade, tenho concordância com os argumentos postos na linha da defesa ambiental, em outros casos sinto uma irritação natural em função de toda uma trajetória de vida, de formação humanista e marxista. Percebo um radicalismo excessivo na defesa da natureza, e uma conformação, senão cumplicidade, quando se trata de abordarmos os problemas sociais, notadamente aqueles ligados à pobreza e à crescente marginalidade e violência que cercam as comunidades carentes. As questões são abordadas pelo lado puramente técnico, em detrimento do social.
Na medida em que a polêmica cresce, e sinto uma angústia diante de algumas ambiguidades – visto que tenho plena noção dos problemas ambientais, mas que não dizem respeito somente à natureza em si, mas à sociedade também (pois o ambiente comporta a natureza e seu entorno construído) – procuro questionar as razões que levaram alguns antigos defensores do socialismo a enveredarem pelos caminhos do radicalismo ambiental. Como se nada mais importasse no mundo senão o discurso verde, politicamente correto porque definido assim pela mídia, em detrimento de questões mais urgentes de serem resolvidas, para salvar os vivos que já nasceram e não conseguem viver condignamente.
Questiono, por exemplo, se vale a pena lutar pela natureza com tanta radicalidade, semelhante aos xiitas islâmicos, ou os fundamentalistas cristãos, se a vida humana concentrada em bolsões de misérias em cidades com milhões de habitantes, em sua maioria pobres e vivendo em periferias mal-cuidadas ou favelas, passam por um processo crescente de degradação moral, seja individual ou coletiva.
Claro que no aspecto da degradação essa não é uma condição posta apenas para os mais pobres. Há aí, contudo, uma distinção. A degradação entre os mais pobres se dá como decorrência das condições insalubres, miseráveis e deterioradas em que eles vivem.
No caso da classe média e da elite rica, essa degradação moral se dá como necessidade de se buscar, ou manter, uma vida marcada pelo individualismo, ganância e orgias, que se define como “hábitos modernos”, adequados ao novo século em que vivemos.
É a modernidade, cercada de aparatos sofisticados e tecnologias permanentemente superáveis, e por isso necessariamente supérfluas, pois precisam ser constantemente substituídas a fim de garantir a ostentação do luxo e dos prazeres modernos. E o lucro, claro!
No primeiro caso, romper com a miséria pressupõe ampliar o desenvolvimento econômico, garantir à população acesso a emprego e renda que possibilitem a essas pessoas viverem com o mínimo de dignidade possível. Mas não são poucos os investimentos que precisam ser feitos para atingir um patamar minimamente aceitável. O país, no caso específico, o Brasil, precisa produzir muito, ampliar sua capacidade industrial, avançar em conquistas tecnológicas e agregar valores aos produtos fabricados. Esse é somente o começo para diminuir as diferenças sociais gritantes.
No segundo caso, reduzir a lógica insana consumista, e a obsessão doentia pela riqueza a qualquer custo. O que pressupõe, naturalmente, uma alteração no estilo de vida e uma mudança dos hábitos culturais que implique rever valores que consideram natural as abissais diferenças sociais.
Não seriam essas frutos de capacidades individuais, de superação, ou de ordem genéticas que definem competências e possibilidades de ascensão social mediante o “pedigree”. Nem o que se prega na explicação religiosa, fundada no sacrifício, para justificar a predestinação que atingiria alguns. À maioria fica reservado “o reino dos céus”. São os bem-aventurados que viverão no pós-morte o paraíso, sem os ricos, esses desalmados a purgar seus pecados nos paraísos terrenos.
Em um caso e no outro, não há a mínima hipótese de considerar “salvação”, considerando-se inclusive a necessidade de “salvar” a natureza, dentro dos limites que nos impõe a lógica do mundo capitalista.
Portanto, considero nula, hipócrita, oportunista e outros adjetivos semelhantes que encontrarmos, levantar bandeiras de defesa ambiental que não venham acompanhadas dos questionamentos sobre a maneira como funciona o modo de produção capitalista. Em miúdo: o que se faz é o puro discurso político (carregado de oportunismo e hipocrisia), sem aplicabilidade prática, porque no final sobrepõe-se os interesses das grandes corporações. Aos pequenos sobram as migalhas, embora muitos digam falar em seus nomes.
Não são os indivíduos, em si mesmos, responsáveis pelo quadro que o mundo vive. E não é somente a destruição da natureza. Listamos uma infinidade de outros problemas que afetam nossa vida, a começar pelo caos urbano, com os traçados de cidades definidos para atender à indústria automotiva e da construção civil. Grandes corporações que lucram absurdamente. E continuam lucrando com o discurso ecológico, “sustentável”.
A responsabilidade maior está nas condições de vida criadas a partir dos mecanismos que movem o sistema capitalismo. Ou superamos isso, e consequentemente alteramos nosso estilo de vida (do qual, ressalve-se, ninguém parece abrir mão), ou tentamos nos salvar do pântano puxando nossos próprios cabelos, ao estilo do nobre mentiroso Barão de Munchausen. Este, como se sabe, conta-se em suas memórias, salvou-se de um pântano trançando as pernas na barriga de seu cavalo e puxando com suas próprias mãos seus cabelos fortemente ao alto conseguiu içar a ambos.
Não se trata de menosprezar a destruição à natureza, que realmente acontece. Nem sobrepujar aqueles que honestamente preocupam-se com o ambiente em que vivemos, principalmente em prol da existência humana com dignidade. Mas de ressaltar as enormes contradições que cercam esse discurso, a necessidade de termos uma visão de totalidade e compreendermos o mundo complexo que construímos não em bilhões de anos, mas nos dois últimos séculos, principalmente. E para o bem, ou para o mal, há por trás de todos os problemas um nome: CAPITALISMO!
E na lógica que esse sistema nos impôs, é lícito lutar para que aqueles que vivem na miséria em decorrência das injustiças geradas pelo capitalismo, possam também superar suas dificuldades e ter acesso às tecnologias e produtos sofisticados, e a renda para poderem viver bem, se alimentar três vezes ao dia, ter saúde e dinheiro para divertirem-se, mesmo que seja nos shopíngs centers, templos do consumismo capitalista. Onde sempre nos encontramos, verdes ou vermelhos. É a contradição.
Ou, se não for assim, que sejamos honestos e lutemos pelo fim do capitalismo e pela construção de um sistema em que seja possível falar de equilíbrio ambiental a partir de um equilíbrio social. Precisamos reinventar o socialismo.
Continuarei a tratar desse tema, sem necessariamente ser preciso citar novamente o ilustre Barão.
Continuarei a tratar desse tema, sem necessariamente ser preciso citar novamente o ilustre Barão.
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