Em 1996, já no fim do seu segundo mandato, Boris Yeltsin, completamente desgastado pela crise econômica que estrangulava a antiga União Soviética e em meio à um conflito violento contra os separatistas chechenos, decide concorrer à reeleição.
O cenário de crise e de enormes dificuldades para cumprir as promessas de mudanças com o fim do poder soviético fazia emergir o poder dos velhos bolcheviques. Com um presidente desmoralizado perante a opinião pública, avesso ao contato com o povo, e uma máquina estatal completamente desmontada, como conseqüência das opções neoliberais postas em prática por Gorbatchev, inicialmente, e consolidada pelo primeiro mandato do próprio Yeltsin, as condições para o retorno dos comunistas estavam praticamente consolidadas.
Exatamente por isso, por quase todo o período eleitoral o comunista Gennady Zyuganov manteve-se à frente, no começo com uma diferença que deixava dúvidas sobre a capacidade de Yeltsin reverter a situação. A linha dura, aqueles mais beneficiados com as mudanças na antiga URSS, tanto os “senhores da guerra”, quanto os burocratas recém-transformados em novos ricos, em função das privatizações de empresas estatais, principalmente as vinculadas à exploração de petróleo, preparavam-se para aplicar um golpe e impedir a realização das eleições. O medo era que a derrota de Yeltsin fizesse com que todas as mudanças sofressem um revés, caso os comunistas retornassem ao poder.
Levados para a Rússia pelos próprios “senhores da guerra”, possivelmente com o intuito de provarem que a derrota era eminente, o jogo começou a ser mudado a partir da adoção pelo grupo, já especializado em estratégias e táticas de campanhas eleitorais nos EUA, do próprio temor que eles sentiam em caso de vitória comunista...
O MEDO!
Aliado a estratégias que visam, como em qualquer campanha política, desconstruir a imagem do adversário, seja ridicularizando-o, seja transformando-o em um demônio, com fortes investidas de ameaças à paz, à democracia, o discurso do medo impõe à população uma espécie de droga letal, que transformado em uníssono para a multidão gera um pânico ideal para manter o controle com base na sujeição ao líder salvacionista, à escolha entre o céu e o inferno.
Pesquisas qualitativas com a população definiram para o grupo de marqueteiros estadunidenses qual o discurso ideal para garantir a vitória de Yeltsin. Em meio ao caos de um governo que somente fez desmontar a estrutura soviética baseada em uma forte proteção social com base no Estado, e à ameaça de uma guerra civil com o crescimento da insurgência na Chechênia, os russos optaram nos últimos dias da campanha eleitoral – que contou com uma participação indireta de Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos – por acreditar na probabilidade do caos, caso os comunistas retornassem ao poder.
Numa eleição apertada, cujo resultado deveu-se ao que os marqueteiros denominaram de “jogo”. Para eles era assim que se disputava uma eleição, onde os passos a serem dados devem estar devidamente sintonizados com os sentimentos dos eleitores. A tarefa inicial, portanto, é saber como pensam aqueles que deverão fazer as escolhas. Só que essas escolhas deixarão de ser suas, quando seus medos e paranóias tornarem-se instrumentos de controle nas mãos de estrategistas especializados em lidarem com a manipulação das vontades.
O medo, torna-se então, um forte componente motivador, podendo definir mudanças de comportamentos pela maneira como ele vá ser manipulado.
Podemos assim, entender, sem nos perdermos em possíveis anacronismos, porque retorna mais uma vez as manchetes em revistas reacionárias, como a veja (escrita assim mesmo, pois não merece destaque), que apontam para o “velho radicalismo petista”. (Aliás não somente velho, como prá lá de sepultado, já que foi deslocado para outros partidos, onde se abrigaram os que, no PT, tinham posturas mais radicais, de defesa do socialismo).
Mas a insistência segue a lógica de repetir a mentira, criar o medo, e assim falsear as notícias. Como uma orquestra, outros órgãos da imprensa conservadora acompanham esse discurso, e... pinba! Eis que o vice do Serra manda o torpedo, e volta a velha acusação de ligação do PT com as FARCs e o narcotráfico. Notícia requentada para tentar ver se desta vez a estratégia vai dar certo, e usar o velho discurso do medo para tentar virar um jogo que eu diria praticamente perdido.
"O trololó de sempre" - capa da revista (argh!) em 2002
Como no filme sobre as eleições russas, completamente fora da tradução original, é o Plano B, dos que fazem oposição ao governo Lula. Razão porque Serra, na falta de outro discurso, endossou a tresloucada declaração do seu vice-de-última hora.
Isso, contudo, não nos deve deixar com um ar de ironia e desdém. Essa tática obedece a uma estratégia, e usa de um mecanismo tradicionalmente instrumentalizado, cujo resultado na maioria das vezes foi o estabelecimento de ditaduras e governos fascistas. O medo impõe às pessoas a absoluta incapacidade de refletir de maneira racional. E se ele se transforma em um eco, reproduzido aos milhões, gera o pânico de tal forma que se torna incontrolável. O medo torna as pessoas cegas, e assim, facilmente manipuláveis.
“Si vis pacem, para bellum”.
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