Fiquei feliz ao ler no site A
Terra é Redonda, o artigo do prof. Valter Lúcio de Oliveira, “Andes x
Proifes – a disputa no sindicalismo docente”. Me identifiquei com a maior
parte do escrito, embora possa discordar de alguns poucos elementos contidos na
sua análise. Mas no geral, creio que ele foi bastante feliz ao identificar os
problemas existentes na luta sindical, e nas questões relacionadas às disputas
entre essas duas representações docentes.
O que me surpreendeu foi com a dita
surpresa que seu artigo proporcionou a outro colega. Me refiro à réplica, ou
algo parecido com isso, em texto produzido por Lucas Trentin Rech, “Assembleias
docentes” publicado nesse mesmo site. Economista, me parece que ele lê os
números ao seu bel prazer, na tentativa de dar explicação filosófica ao que na
democracia se compreende como desejo da maioria real, factual, mas não
necessariamente presencial. Caso contrário teríamos que abolir o sistema
eleitoral pelo qual são eleitas as representações parlamentares e os gestores
municipais, estaduais e federal. Ora, pois que senão após debates restritos,
sem a participação popular, televisionado, segue-se a escolha, pelo voto, daqueles
que irão nos representar. Como negar o direito de tantos, que não participam
desses debates, à suas escolhas, feitas ao longe, mas cientes de suas responsabilidades
e, acreditamos, formuladas a partir de suas próprias compreensões, no dito e no
contradito.
Negando a possibilidade de plebiscito,
para que se possa aferir o desejo de fato da maioria dos docentes às suas
escolhas, este colega se aproxima da incongruência bolsonarista que repele a
todo custo a ampliação da democracia, e nega os resultados que lhes são contrários,
quando a aplicação desta aponta para uma maioria que não lhe favorece. Assim,
visam destruir o objeto daquela consulta, buscando a todo o custo desacreditar
desse mecanismo, inevitável para os dias atuais.
O “assembleísmo” defendido pelo
professor Rech, nada mais é do que uma arena, um ringue, onde aquele que se
expressa melhor, ou o que fala com mais veemência, consegue agradar um
quantitativo que, mesmo minoritário, se apresenta como mais barulhento e
impositivo, causando uma reação se não de indiferença, mas de apreensão, com as
bravatas e comportamentos agressivos adotados para inibir e “convencer” boa
parte de uma plateia que se cansa e se retira à medida em que o tempo favorece
ao histrionismo dessa minoria que procura se impor pela virilidade de seus
discursos.
Há muito que a Universidade
perdeu essa capacidade de debater, de saber conviver com os contrários, de usar
da dialética para compreender a necessidade de evoluir nos pensamentos e nas
compreensões fechadas da realidade. O embate de ideias foi substituído pela
negação da contradição, pela afirmação da pós-verdade, pelo emburrecimento de
quem não deseja ser contraditado. Pior do que isso, as redes sociais terminam
completando esses comportamentos, e por ali persiste a continuidade de um discurso
que não se encerra nas assembleias, porque o contraditório precisa ser destruído,
como nos últimos anos a extrema-direita soube muito bem usar desse mecanismo
para destruir reputações.
E, se nas assembleias já não é possível
o debate, como consequência dessa negação, nas redes sociais a virulência do
discurso, a desqualificação do outro, se espalha em meio à difícil
identificação dos autores das ofensas e das fake-news, que são usadas para
convencer quem seja mais facilmente seduzido pela radicalidade do discurso e
pela ilusão das promessas fáceis de representações fajutas e irresponsáveis.
Porque sabe entrar numa peleja por essa radicalidade, mas fica encantoada e
desorientada na hora de sair, pela incompetência e incapacidade de saber
negociar, e buscar um entendimento no confronto de posições que são adversas e
contrárias.
Esse mecanismo, e comportamento,
defendido pelo professor Rech, se explica pela condição de manipular a maioria.
A estrutura de funcionamento do Andes Sindicato, anacrônica, mas que favorece a
uma minoria extremista, “esquerdista”, no sentido aplicado por Vladimir Lênin,
embora a maioria da universidade não se afine com seus ideais, dificulta a que
uma oposição consequente e desejosa de mudança consiga sucesso. Estrutura não
somente nessas condições de negar uma participação maior dos colegas docentes,
mas também de dificultar que numa votação direta se possa substituir esses
agrupamentos que controlam uma máquina milionária.
A Andes, ou O Andes, não “representa”
somente os professores e professoras do ensino superior federal. Ela abrange universidades
estaduais, municipais, faculdades isoladas e fundações, que lhes servem somente
nos momentos de processos eleitorais, de definição de suas diretorias. Torna-se
assim, pela dimensão do quantitativo de tantas instituições, praticamente impossível
mudar os rumos dessa entidade, aprofundando seu anacronismo, mas também, ao
contrário do que se expressa seus defensores, um autoritarismo crescente que
tenta inviabilizar, em meio a uma legítima pluralidade sindical, a possibilidade
de outras alternativas, de outros caminhos, que não seja pela radicalidade do
discurso ou da violência e intolerância no tratamento com as divergências.
O PROIFES surgiu exatamente do
conflito desses embates e desse comportamento autoritário e esquerdista, avesso
às negociações, bem presentes nas diretorias do Andes. Como nos últimos
acordos, inclusive em relação à melhoria de nossas carreiras, foi a Federação
que se dispôs a sentar com os governos, e buscar atingir o melhor, diante do
possível, com a absoluta ausência do Andes. Isso incomodou seus seguidores a um
ponto de expressar o grau de intolerância, de imposição e de não aceitação de
outra entidade que possa ameaçar esse tempo anacrônico no qual ela está
fechada.
Mas todo ciclo se encerra. Por
mais que a Andes tente impedir as transformações no movimento docente, cada vez
mais se amplia essa possibilidade, de se forjar alternativas que fuja dessa
postura sectária e autoritária, de imaginar que suas proposições devem ser,
sempre, enfiadas goelas abaixo nos governos que estiverem de plantão. Claro,
desde que sejam governos progressistas. Pois que, calando-se diante dos
governos de extrema-direita, como em exemplo recente, em que se passaram seis
anos sem que se houvesse mobilização para greves nos governos Temer e
Bolsonaro.
Mais do que entrar numa
negociação, o que deseja com esse comportamento andesino, é abrir uma luta que
vai para além de questões salariais ou de reposição orçamentária para as universidades,
mas visa construir um protagonismo radical que dê visibilidade a grupos
políticos que não possuem o mínimo de representatividade na sociedade.
Distantes desses debates e dessas discussões, muitos colegas embarcam nos discursos radicais, e são convencidos de que o céu não é tão distante para os seus desejos. No entanto, como já dizia um personagem shakespeariano, numa frase muito conhecida, mas pouco compreendida, “há muito mais coisas entre o céu e a terra, do que imagina nossa vã filosofia”.