Estamos vivendo um
período de ebulição, em todos os setores da sociedades e que envolve indistintamente
a todos os segmentos sociais. Quero me dedicar aqui a analisar as condições
pelas quais estão passando nós, professores universitários, em meio a um
distanciamento social que fechou as escolas, universidades, institutos
tecnológicos, enfim, todos os ambientes de ensino presencial. E isso tem nos
jogado para uma realidade inesperada, embora a humanidade já venha se deparando
com transformações tecnológicas que impõe a todos nós, homens e mulheres, a
tarefa de estarmos acompanhando essas mudanças. Sob pena de ficarmos
ultrapassados no tempo e nos enquadramos no perfil de “analfabetos digitais”.
Como consequência
disso tudo, e da necessidade de seguirmos cumprindo nossos objetivos, enquanto
profissionais do ensino, que é dar aulas, sermos professores, mestres, no
sentido literal que essas palavras carregam em suas origens, precisamos saber
como transmitir o conhecimento necessário àqueles jovens que estão nas escolas.
E, no nosso caso particular, visto que sou professor de ensino superior, como nos
comunicamos em tempos de isolamento social, de pandemia que nos aflige e nos
impõe o distanciamento, nas universidades.
Nós temos três
desafios em um só. Somos docentes de universidades públicas, que se sustentam
em um tripé que compõe o arcabouço de nossas atividades na busca pelo melhor
conhecimento científico: o ensino, a pesquisa e a extensão. Ou seja, o que ensinamos deve ter bases
científicas e estar conectado com a sociedade, servir a esta, com aquilo que produzimos
e comprovamos eficiente para que consigamos atingir um grau de civilização mais
inclusiva, solidária e com melhores índices de igualdade social.
A crise sanitária
que atravessamos, e que potencializa uma crise econômica tanto conjunturalmente
como estruturalmente, nos deixa em meio a indagações sobre quais as melhores
estratégias para superar situações que nos limitam em nossas atividades
didáticas e pedagógicas. Há, no entanto, uma constatação para mim óbvia,
precisamos de todas as maneiras encontrar alternativas que nos permitam ministrar
nossas aulas. Não somente porque foi para isso que nos tornamos professores,
como também porque não podemos considerar aceitável que dezenas de milhares de
jovens que adentraram a universidade atrasem o seu tempo de formação e consigam
atingir logo seus objetivos, que é obter um diploma de curso superior.
Sabemos, e
pesquisas indicam isso, que o pós-pandemia nos trará um ambiente de fortes
disputas no mercado de trabalho, como consequência do desemprego em massa que
decorrerá da falência de muitas empresas, principalmente de pequenos negócios
onde se concentram a maioria dos empregos. Isso acentuado pela incompetência e
incapacidade de um governo que desdenha da vida humana e nitidamente se omite
diante da necessidade de agir com urgência, mediante a intervenção do Estado,
para salvar essas empresas. O que se vê, infelizmente, vai na direção
contrária. Com uma atitude que denominamos de “necropolítica”, o obscurantismo
e o negacionismo são os condutores de uma política irresponsável e criminosa
que deixará o país em péssimas condições políticas, econômicas e sociais, ao
final dessa pandemia.
Nesse cenário
provável, a formação acadêmica será um diferencial para a juventude na disputa
por um mercado de trabalho absolutamente em forte disputa. Por isso, para além
das preocupações com as dificuldades que enfrentamos, esse olhar para mim é o
mais importante, e o que deve ser motivador de nossas buscas por saídas que
possam amenizar esses desesperos que estão afetando uma legião de jovens que
olham para o futuro com mais incertezas do que naturalmente já acontece.
Mas como podemos
fazer isso? Nesse aspecto as discussões são intensas e não há consensos. Tenho
participado delas, e por características não me omito e defino claramente
minhas posições. Embora isso não signifique, necessariamente, discordar de
argumentos que colidem com a maneira como vejo a saída para essa situação.
Procuro partir, no entanto, desse aspecto que para mim é o mais importante: não
podemos estender o tempo de formação dos nossos alunos e alunas
indefinidamente. Embora devamos fazer isso tendo sempre presente que a
qualidade dessa formação é essencial não somente para eles, mas para que as
universidades cumpram aquilo que vem desempenhando em nosso país, formar jovens
com qualidade acadêmica e imbuídos de valores éticos.
A discussão mais
importante que temos enfrentado gira em torno do trabalho remoto nas
universidades públicas. Ou, da necessidade, em função de uma indefinição quanto
à volta à normalidade, de encontrarmos uma saída para oferecermos a essas
dezenas de jovens que estão sem aulas. O ensino remoto tem sido oferecido já
por algumas universidades, inclusive as mais importantes, como a USP e Unicamp,
assim como caminha para isso a UFRJ e outras que já estão nesse processo de
discussão. Naturalmente isso implica em várias questões, tanto do ponto de
vista tecnológico, e aí inclusivo, em função da necessidade de não deixarmos
ninguém de fora, como também que isso não seja considerado como uma
substituição em definitivo de aulas presenciais. Mas que se torne somente uma
alternativa para o tempo em que durar a pandemia, e enquanto a ciência trabalha
para encontrar uma vacina que nos livre desse maldito vírus. Embora saibamos
que muita coisa do que aprendemos a lidar agora se tornará no pós-pandemia
também partes de nossas rotinas.
Creio que a
Universidade precisa sair da condição de uma instituição conservadora, no
tocante à aceitação às novidades que lhe cerca. Por muito tempo venho
criticando um comportamento refratário do mundo acadêmico às inovações, mesmo
em se tratando de aspectos metodológicos e pedagógicos, que nos coloca numa
espécie de redoma, que termina nos distanciando das transformações tecnológicas
em curso.
Por exemplo,
estamos testemunhando uma nova geração surgindo já adequada às ferramentas digitais,
e se nos anos 70 e 80 a televisão era o instrumento que distraía a atenção das
crianças, e as faziam se comportar enquanto estivessem em frente aos programas
infantis e desenhos animados que desfilavam pelos canais de tv, hoje são os
smartfones que dividem com as chupetas as preferências desde os berços. São
incontáveis o número de adolescentes, ou pré-adolescentes, ainda na faixa de
dez anos de idade, que se tornam destaques em redes sociais, os famosos
“youtubers”, que já demonstram enorme facilidade em lidar com as plataformas
tecnológicas virtuais.
Ora, seguindo-se
esse processo, que só se acentua na direção de novas e mais sofisticadas
tecnologias, como estarão as cabeças desses jovens quando entrarem em um curso
superior, nas universidades? Com quais ferramentas estaremos lidando para não
tornar esse período em que os teremos como alunos e alunas, entediante e sem
ânimo para prosseguir em suas escolhas? Temo que, caso não nos adequemos às
novas realidades que já existiam e que despontarão agora com muito mais força
no pós-pandemia, não conseguiremos enfrentar o desafio de formar as novas
gerações adequadas às suas formas de se situarem e conviverem em uma sociedade
tecnologicamente desenvolvida.
Claro, que no meio
disso tudo a preocupação com a inclusão social não pode ser enfraquecida, muito
pelo contrário. Naturalmente essa é uma luta que vai se tornando difícil na
medida em que a escolha da sociedade recai sobre governos ultraconservadores,
de extrema-direita, que tem essas instituições como alvo para travar uma guerra
cultural a fim de impor valores egoístas, meritocráticos e no interesse de uma
elite perversa e entreguista. Mas é preciso que saibamos travar essas lutas
simultaneamente, caso contrário poderemos perder essas próximas gerações para
os discursos vazios de uma empolgação envolvida por novidades tecnológicas
deslumbrantes, e inteligências artificiais, desconectadas de uma realidade
social perversa.
Posto isso, não
tenho dúvidas que devemos implementar urgentemente novas formas de lidarmos com
o ensino nesses tempos de isolamento social. As universidades federais não
podem se limitar, por sua importância na formação de uma grande massa de
jovens, a desenvolver atividades de pesquisas (sem dúvidas o suporte do
desenvolvimento científico nacional) ou de extensão (na sua relação necessária
com a sociedade por meio de projetos e programas que envolvam comunidades), mas
esquecendo o principal suporte de sua existência: o ensino. Que não deve ter na
pós-graduação o elemento principal, porque este é a continuação do processo
formativo que se inicia na graduação, onde estão envolvidos o contingente da
comunidade universitária que corresponde praticamente a dois terços do que
somos enquanto universidade.
Compreendo as
preocupações de boa parte dos nossos colegas, em relação à algumas dificuldades
que certamente advirão e que não podem significar uma sobrecarga em nossas
atividades, à medida em que comprovadamente o trabalho remoto docente impõe
muito mais envolvimento, além da confusão que passamos a conviver entre nossa
atividade profissional e nosso cotidiano familiar. Além disso será necessário
nos capacitarmos em plataformas digitais com as quais não possuímos afinidades.
Essas são questões que precisam estar bem definidas e com necessário suporte
das administrações/reitorias, mas não me parecem que sejam empecilhos para
compreendermos a importância de oferecermos alternativas aos estudantes, e isso
passa por aulas remotas, que se atentem à qualidade de ensino e metodologias
adequadas.
Resta, no entanto,
apresentar soluções para aquelas disciplinas, e áreas, que requerem o uso de
laboratórios como condição necessária do aprendizado em algumas formações, bem
como as aulas de campo, que não podem ser negligenciadas. A alternativa, nessas
situações, é concentrar as aulas teóricas no período em que vigorar as
atividades remotas, para nos semestres seguintes ao retorno à normalidade serem
oferecidas essas demais disciplinas, que requerem metodologias que extrapolam
as salas de aulas.
Tudo isso,
contudo, não será possível se as instituições de ensino federais não
disponibilizarem para todos, o aparato necessário para o acompanhamento das
aulas. Isso significa dizer que, além da disponibilização de redes de dados
gratuitos para acesso à internet, também a garantia de empréstimos de
equipamentos que a universidade possui, em suas unidades e laboratórios – notebook
e tabletes – mediante termos de concessão de uso, para alunos e alunas que
comprovadamente se insiram em camadas sociais que não lhes possibilitam a aquisição
desses equipamentos. Principalmente quem entrou na universidade pelo mecanismo
de cotas étnicas e sociais. Algo que, me parece, já está em curso com um
levantamento sendo feito para atender essas necessidades.
Que possamos
assim, ir nos adequando a uma situação inusitada, imprevisível, e que tem nos
causado enormes transtornos, afetando gravemente toda a nossa rotina de atividades,
seja no trabalho, ou em nossas vidas sociais. Isso não significa dizer, no
entanto, apesar de todos os transtornos e desconfortos que essa realidade nos
causa, ficarmos inertes diante de uma situação que pode significar um atraso de
dois semestres letivos (ou mais) na vida de dezenas de milhares de jovens.
Podemos fazer sim,
essa flexibilização, o que não significa defendermos como definitivo a
metodologia de aulas remotas. As universidades não podem prescindir do velho e
bom debate presencial, na secular rotina que transpõe o tempo e nos leva à
antiguidade, quando nas Ágoras os mestres provocavam seus discípulos no embate
dialético, na confrontação dos contrários, e na necessária junção entre
habilidade do conhecimento e a ânsia presente na juventude pelo descoberta do
mundo que lhe cerca. Nos dias de hoje acompanhado da necessária preocupação com
a formação profissional, condição essencial para se preparar para o mercado de
trabalho.
O que a universidade
não pode perder, e nós, docentes, mestres e doutores, devemos garantir, é uma
formação universitária a essa juventude fundamentada em valores éticos, em
princípios humanistas e, principalmente pelas adversidades que nos colocam à
prova nesse momento, do altruísmo e da cooperação como elementos essenciais
para a construção de uma sociedade mais justa, equânime, verdadeiramente
democrática e com inclusão social.
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