Nos últimos anos,
ou melhor nas últimas décadas, as plataformas das redes sociais (You Tube, Facebook,
Instagram, twitter...) foram sendo instrumentalizadas pelos segmentos de
extrema-direita, e por meio de muitos canais que eles criaram, passaram a
atingir um público muito diversificado. E foi dessa forma que conseguiram
romper um bloqueio que a mídia tradicional cria. Ela exclui a esquerda e a
extrema-direita, e claro, coloca somente aquelas informações que estão
alinhadas com a sua linha editorial.
Não vamos, contudo
nos esquecer, que a grande mídia tem uma grande responsabilidade na destruição
da política, ao causar achaque à democracia, e potencializar uma visão apocalítica
da realidade absolutamente manipulada e desvirtuada, impulsionando manifestações
que espalharam o ódio e atacaram o governo de uma presidenta legitimamente
eleita e alimentaram uma perseguição e um espetáculo grotesco no Congresso
Nacional, no processo de impeachment que sabe-se claramente hoje ter se tratado
de um golpe institucional. Naquele momento abriu-se a “caixa de Pandora”,
libertando todos os males enrustidos nos subterrâneos do parlamento e da sociedade brasileira.
Feito essa
observação necessária, já que nosso foco aqui são as redes sociais, e
plataformas de vídeos, voltamos ao eixo da nossa avaliação. A extrema-direita
descobriu, antes que a esquerda, que por esses canais, por essas plataformas,
via redes sociais, havia uma possibilidade enorme de atingir um público que
eles chamam de “maioria silenciosa”.
Pois bem, essas
plataformas funcionam por meio de algoritmos, que destacam determinada
abordagem, por meio de expressões (palavras) ou fatos, que tenham relação com
aquilo que uma parcela muito grande da sociedade termina sendo atraída:
violência, discurso de ódio, homofobia, racismo e diversos outros temas que
esses algoritmos definem no perfil de cada um, que eles possuem armazenados,
com os nossos dados que autorizamos as suas visibilizações e ficam em controle
dessas empresas, e selecionadas por meio de inteligências artificiais. Isso é
potencializado com esses algoritmos, com essas expressões, e atingem milhões de
pessoas, escolhidas para terem acesso a essas informações.
Esses segmentos da
extrema-direita compreenderam o papel que isso pode desempenhar, e a capacidade
que esses canais têm de atingir cada vez um número maior de pessoas.
Inicialmente eles começam falando de coisas fúteis, corriqueiras, e assim atraíam
essas pessoas, passando depois para uma discussão política, que na verdade transformava-se
em ataques à política e disseminava sentimentos antipolítica. Essas questões,
envolvendo principalmente o You Tube, foram bem demonstradas em um dos
episódios do documentário “The Weekly”, na temporada 1, episódio 9, “Toca do
Coelho”.[1]
Portanto, todo
esse processo, que advêm do começo desse século, foi pensado estrategicamente.
O que quero dizer é o que o “Brexit” não foi acidente, o Donald Trump não foi
acidente, assim como também Jair Bolsonaro. Houve, e há, estratégias por trás
da maneira como muitos passaram a seguir aquilo que para uma grande parte da
sociedade são discursos estúpidos, coisas ditas de forma odiosas, aberrações, esdrúxulas.
Mas porque tantos seguem essas ações, esses atos e esses comportamentos,
considerados estúpidos por outros tantos? Exatamente porque, por meio desses
estudos que tiveram acesso, eles passaram a utilizar essas plataformas, e esses
algoritmos seguindo-se expressões definidas como do gosto de inúmeros perfis, eles
passaram a ser ouvidos por milhões de pessoas, que por suas próprias condições
estavam propensas a acreditar. Sendo que muitas das informações que eles levaram
são falsas, essas ondas de fake news. Mas, pelos perfis atingidos isso não
fazia diferença, visto que eram, e são pessoas, dispostas a acreditarem naquilo
que elas desejam que seja “a verdade”. O que desde há alguns anos se convencionou
chamar de Pós-Verdade.
Eu gostaria de
sugerir mais dois documentários, que estão disponíveis na Netflix. O primeiro é
“Privacidade Hackeada”[2], produzido com base nas
investigações sobre a Cambridge Analytica, uma empresa que se tornou um
escândalo depois das denúncias de que ela roubara milhões de dados do Facebook
(há suspeitas sobre a conivência deste), e esses dados foram utilizados de
diversas maneiras, tanto na campanha do “Brexit” na Inglaterra, quanto na
campanha de Donald Trump, nos EUA. Isso levou a abertura de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito no parlamento britânico, no ano de 2018.
Nesse mesmo
documentário, é dito uma questão importante, relevante, que as pessoas tem que
ter muita clareza disso. Uma ex-diretora da Cambridge Analytica, Brittany
Kayser, que foi fundamental nas denúncias apresentadas, disse o seguinte: “As
empresas mais ricas são as de tecnologia. Google, Facebook, Amazon, Tesla... No
ano passado dados superaram o petróleo em valor. Dados são os recursos mais
valorizados da terra”
Ainda nesse
documentário, outra frase que destacamos, foi dita por Christopher Wylie, Cientista
de Dados, ao se referir a Steve Bannon
(vice-presidente da Cambridge Analytica, e criador do site de notícias
Breitbart), que seria a doutrina utilizada por essas empresas: “Se você quer mudar
fundamentalmente a sociedade, primeiro tem de destruí-la. E somente depois de
destruí-la é que pode remodelar os pedaços segundo sua visão de uma nova
sociedade”.
Isso é, portanto, uma
estratégia do caos, que foi utilizada no “Brexit”, na eleição do Trump, e tem
sido também utilizada aqui no Brasil desde antes da campanha de Bolsonaro. E a
forma como é utilizada para atingir esses objetivo é exatamente por meio da desconstrução
da política, da desmoralização da democracia, e da tentativa de destruição das
instituições que compõem o Estado. O objetivo é destruir instituições que permitem
um mínimo de garantias democráticas e constitucionais, e afetar a sua
credibilidade, atingindo diretamente algumas personalidades, e depois, claro,
recompô-las seguindo as linhas ideológicas desejadas.
Então são essas
informações, via esses canais, plataformas e aplicativos, mesmo esses que funcionam
como divertidos entretenimentos, seja no Facebook, whatsapp, instagram, com a
captura de nossos dados, que são utilizados de diversas maneiras, rompendo
compromissos de confidencialidade. Por meio de conivência que garantem aos seus
proprietários e acionistas lucrarem escandalosamente. E isso tomou uma grande
relevância nessas estratégias de obterem acesso a milhões de dados das pessoas,
e assim disseminar mentiras, discursos de ódios e destruição de reputações, que
fariam Goebbels parecer um discípulo, embora ele seja a origem dessas
perversões.
O outro
documentário é “Get me Roger Stone”[3]. Assistam esse
documentário e vocês verão que as diatribes, os comportamentos tresloucados, as
ações que se repetem e que para muitos de nós, normais, parecem maluquices,
loucuras, são na verdade atitudes pensadas, dentro de uma estratégia que visa
apostar em comportamentos bizarros, mas sabidamente aceito por uma grande
parcela da sociedade. Como o que foi mostrado recentemente, agora no último
final de semana pelo portal de notícias UOL, quase que um culto, assim foi a manchete,
do Bolsonaro à Cloroquina e o deslumbramento de seus seguidores em ato em
frente ao Palácio do Planalto. E que pode ser visto assim mesmo, dessa maneira,
porque a manifestação foi chamada pelos segmentos conservadores de algumas
igrejas, a maioria evangélicos.
Eles têm noção que
esse remédio não serve para combater Covid19, serve para outras doenças, e
disso eles têm clareza. Claro. Mas porque eles continuam insistindo nisso? Porque
a estupidez, e esses comportamentos meio amalucados fazem parte da estratégia
que é da desmoralização. É uma estratégia de levar ao caos. Eles são profetas
do caos. Nesse documentário, esse personagem, Roger Stone, demonstra, com as
suas próprias palavras, que não há importância nenhuma em falar mal dele. Ele
repete uma frase corriqueira, que na política se diz muito, “falem mal, mas
falem de mim”. E o seu comportamento é o tempo inteiro desafiador, ofensivo e
com gestos e atitudes bizarras e com o intuito de atingir o
oponente/adversário, ou alguém que ele deseja destruir sua reputação. Porque
isso também dá muita visibilidade, e, claro, por meio dessas loucuras que são
apresentadas, eles terminam, e isso inclui o Trump e o Bolsonaro, conduzindo as
informações que viram manchetes. Por meio dessas loucuras deles, os jornais proliferam
essas maluquices. Então eles se mantêm no centro das atenções e conseguem
atrair aquele público de seguidores que lhes ouvem e lhes seguem cegamente, e
vão ao êxtase com essas posturas que fogem por completo ao padrão da política.
Mas tudo isso foi construído
e consolidado por meio da utilização dessas plataformas e desses canais:
Facebook, instagram, twitter, you tube... Eles descobriram como podiam fazer
isso. O que é necessário agora é que essas plataformas sejam utilizadas não
para rebater discursos de ódio, porque seguir por esse caminho é fazer
exatamente aquilo que eles desejam. E eles vão nos pautar. Não podemos ir por
esse discurso de violência. Por exemplo, de que vão armar o povo. Que armar o
povo? O povo não tem dinheiro para comprar armas. Ele deseja armar um séquito
de gente maluca, da classe média, que o segue com as mesmas atitudes
irresponsáveis e violentas. Ou de milicianos, que foram e são bases de apoio
desse grupo que chegou ao Palácio do Planalto, ao alguns governos estaduais e
ao parlamento brasileiro.
Não é esse o
discurso do ódio que devemos focar. Claro, não podemos esquecer o que eles
estão dizendo. Isso tem que ser combatido. Mas nas entrelinhas de questões que
são muito mais importantes, por meio do debate político sério e responsável. Eles
ascenderam ao poder com a desconstrução da política, com a desmoralização da
democracia e das instituições. Nós sabemos para que serve o Estado. É claro que
o Estado se organiza para servir a classe dominante. É preciso tomar esse
Estado e fazer dele um instrumento para atender às camadas sociais oprimidas.
Isso não é fácil, nós assistimos nos últimos anos golpes e ataques à um mínimo
de estrutura que se criou para amenizar os problemas sociais.
Mas, há um caminho
enorme a se percorrer, até atingir esse objetivo. Até lá, nós vamos ter que ir
lidando com essas situações de conviver com governos que oscilam entre a centro-esquerda,
a centro-direita e o centro. E vamos precisar de ter canais democráticos para
nos comunicar, pois é preciso levar ao povo a importância que é a política, a
filosofia, a história, a sociologia, a geografia, que são as ciências humanas,
e estão sendo atacadas nessa aberração de guerra cultural que está destruindo a
educação e o ensino brasileiro.
Claro que isso se
dá porque é por essas ciências que adquirimos a capacidade de pensar, de
raciocinar e de ter compreensão política da realidade e de ter uma visão
crítica das condições em que nós vivemos. E adquirindo consciência crítica ser
possível fazer outro tipo de ação política. Por meio de ações comunitárias, de
envolvimento da juventude. Caso contrário essa juventude se perde seja para o
tráfico, seja para as milícias, ou para um fundamentalismo reacionário
evangélico.
Não desejo
generalizar, todas as igrejas têm suas nuances, suas diferenças, e evidentemente
existe uma parcela de irresponsáveis que usam os cultos para propagar também
essas perversões. Incrivelmente em nome de Deus, em nome de Cristo, o que é uma
aberração quando se sabe das origens do cristianismo. Existem muitas pessoas
sérias nessas igrejas. Mas essa
juventude está sendo contaminada por esse vírus dessa fé malévola
fundamentalista, neopentescostal.
Então é preciso
fazer com que essa juventude adquira capacidade crítica. Esses canais aos quais
tenho me referido, essas plataformas, são usadas em larga escala pela juventude,
e na maioria dos casos para assistir coisas fúteis, diversões. Não podemos criticá-los
por isso. Nós também gostamos disso. Muitas vezes a maioria de nós se perde
assistindo esses programas, afinal, precisamos nos divertir, nós precisamos
também disso. Mas precisamos da política, da boa política. Porque se nós não
nos envolvermos na política vamos deixando o poder para esses indivíduos que
pregam o ódio, intolerância, perversões, destruição do meio-ambiente, destruição
da sociedade, dos valores democráticos, e nos impõem dificuldades para atender as
necessidades terríveis, e urgentes, para resolver graves problemas causados
pelas desigualdades sociais que estão aí e que vão piorar depois dessa
pandemia. E esse governo não fez, e não faz nada para resolver os problemas
sociais, muito pelo contrário. Um ano e meio – nós temos mais dois anos e meio
desse governo – imobilizado, somente fazendo esses espetáculos horríveis de
manifestações odiosas.
Então é por isso,
para finalizar, que devemos dar visibilidades aos canais progressistas que
existem nas redes sociais, daqueles que desejam trazer o Brasil de volta para
uma realidade que não seja a dessas perversões que estão aí. Claro que isso
somente não basta. A luta deve se dar em diversas frentes, e principalmente em
amplas manifestações de ruas, algo que no momento é impossível, diante das dificuldades
causadas pela pandemia, e preservar vida nos impõe um distanciamento social.
Mas nessas
condições esses mecanismos estão à disposição, e se não usamos para o bem, eles
serão usados, como tem sido para pregarem o mal, as perversões de uma política
segregacionista, fascista, perversa e absolutamente nefasta para a sociedade,
na medida em que atende as necessidades de uma minoria reacionária, que se
aproveitou de brechas no sistema democrático para inserir vírus que corroem as
relações sociais, dissemina o ódio e entroniza a violência como condutora da política.
O que significa a destruição da política.
“Os Quatro
Cavaleiros do Apocalipse são personagens descritos na terceira visão
profética do Apóstolo João no livro bíblico de Revelação ou Apocalipse. Os
quatro cavaleiros do apocalipse são respectivamente peste, guerra, fome e
morte, que para os cristãos irão acontecer antes do fim de todas as
coisas”. Esse é um trecho copiado da Wikipédia, no verbete destacado. Esses
personagens, fictícios, se tornam imagináveis quando olhamos para a família que
ocupa a sede central do Poder brasileiro. Não porque eles sejam a representação
desses cavaleiros, mas porque eles se julgam exatamente isso, e são incensados
por uma malta de fiéis alienados que apregoam o “fim dos tempos”, e para isso
precisam naturalizar esses elementos que representam, e como na estratégia
identificada e citada anteriormente, desejam destruir essa sociedade para
reconstruí-la no formato que desenham suas mentes doentias.
Enfim, eu poderia
terminar dizendo que estamos combatendo forças malignas, mas o que são, em verdade,
se explica quando analisamos o Poder e os interesses que estão por trás dos
objetivos para alcançá-los. São na verdade farsantes, fraudes, como todos
aqueles que se apresentam como profetas e se deslumbram em serem chamados de
mitos. No entanto não podem ser menosprezados, pois sabemos o que fazem e o que
querem, e não têm limites éticos e morais para atingir seus objetivos, assim
como todos que lhes dão suporte em seus atos irresponsáveis e inconsequentes.
Mas é preciso se
levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. E aí, poder dizer como na
música de Geraldo Vandré, que será “a volta do cipó de aroeira, no lombo de
quem mandou dar”. E ao longe, é possível ver a luz da utopia. É preciso ir em
frente, em sua direção. Sempre.
(*)
ASSISTA NO YOU TUBE: COMO COMBATER OS PROFETAS DO CAOS E A ESTRATÉGIA DA
DESTRUIÇÃO DE BOLSONARO E CIA - https://www.youtube.com/watch?v=Ele_LvYiGlc
[1] The Weekly S01E09: A Toca do Coelho (The Rabbit Hole)
-https://www.youtube.com/watch?v=b3J7r1H4SYo&feature=youtu.be
[2] Privacidade Hackeada - Entenda
como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do
lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA - https://www.netflix.com/br/title/80117542
[3] Get Me Roger Stone - Observe a
ascensão, queda e renascimento do operador político Roger Stone, um player
influente da Equipe de Trump há décadas - https://www.netflix.com/br/title/80114666
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