quarta-feira, 22 de julho de 2020

A ESTRATÉGIA DA DESTRUIÇÃO E OS CAVALEIROS DO APOCALIPSE

Nos últimos anos, ou melhor nas últimas décadas, as plataformas das redes sociais (You Tube, Facebook, Instagram, twitter...) foram sendo instrumentalizadas pelos segmentos de extrema-direita, e por meio de muitos canais que eles criaram, passaram a atingir um público muito diversificado. E foi dessa forma que conseguiram romper um bloqueio que a mídia tradicional cria. Ela exclui a esquerda e a extrema-direita, e claro, coloca somente aquelas informações que estão alinhadas com a sua linha editorial.
Não vamos, contudo nos esquecer, que a grande mídia tem uma grande responsabilidade na destruição da política, ao causar achaque à democracia, e potencializar uma visão apocalítica da realidade absolutamente manipulada e desvirtuada, impulsionando manifestações que espalharam o ódio e atacaram o governo de uma presidenta legitimamente eleita e alimentaram uma perseguição e um espetáculo grotesco no Congresso Nacional, no processo de impeachment que sabe-se claramente hoje ter se tratado de um golpe institucional. Naquele momento abriu-se a “caixa de Pandora”, libertando todos os males enrustidos nos subterrâneos do parlamento e da sociedade brasileira.
Feito essa observação necessária, já que nosso foco aqui são as redes sociais, e plataformas de vídeos, voltamos ao eixo da nossa avaliação. A extrema-direita descobriu, antes que a esquerda, que por esses canais, por essas plataformas, via redes sociais, havia uma possibilidade enorme de atingir um público que eles chamam de “maioria silenciosa”.
Pois bem, essas plataformas funcionam por meio de algoritmos, que destacam determinada abordagem, por meio de expressões (palavras) ou fatos, que tenham relação com aquilo que uma parcela muito grande da sociedade termina sendo atraída: violência, discurso de ódio, homofobia, racismo e diversos outros temas que esses algoritmos definem no perfil de cada um, que eles possuem armazenados, com os nossos dados que autorizamos as suas visibilizações e ficam em controle dessas empresas, e selecionadas por meio de inteligências artificiais. Isso é potencializado com esses algoritmos, com essas expressões, e atingem milhões de pessoas, escolhidas para terem acesso a essas informações.
Esses segmentos da extrema-direita compreenderam o papel que isso pode desempenhar, e a capacidade que esses canais têm de atingir cada vez um número maior de pessoas. Inicialmente eles começam falando de coisas fúteis, corriqueiras, e assim atraíam essas pessoas, passando depois para uma discussão política, que na verdade transformava-se em ataques à política e disseminava sentimentos antipolítica. Essas questões, envolvendo principalmente o You Tube, foram bem demonstradas em um dos episódios do documentário “The Weekly”, na temporada 1, episódio 9, “Toca do Coelho”.[1]
Portanto, todo esse processo, que advêm do começo desse século, foi pensado estrategicamente. O que quero dizer é o que o “Brexit” não foi acidente, o Donald Trump não foi acidente, assim como também Jair Bolsonaro. Houve, e há, estratégias por trás da maneira como muitos passaram a seguir aquilo que para uma grande parte da sociedade são discursos estúpidos, coisas ditas de forma odiosas, aberrações, esdrúxulas. Mas porque tantos seguem essas ações, esses atos e esses comportamentos, considerados estúpidos por outros tantos? Exatamente porque, por meio desses estudos que tiveram acesso, eles passaram a utilizar essas plataformas, e esses algoritmos seguindo-se expressões definidas como do gosto de inúmeros perfis, eles passaram a ser ouvidos por milhões de pessoas, que por suas próprias condições estavam propensas a acreditar. Sendo que muitas das informações que eles levaram são falsas, essas ondas de fake news. Mas, pelos perfis atingidos isso não fazia diferença, visto que eram, e são pessoas, dispostas a acreditarem naquilo que elas desejam que seja “a verdade”. O que desde há alguns anos se convencionou chamar de Pós-Verdade.
Eu gostaria de sugerir mais dois documentários, que estão disponíveis na Netflix. O primeiro é “Privacidade Hackeada”[2], produzido com base nas investigações sobre a Cambridge Analytica, uma empresa que se tornou um escândalo depois das denúncias de que ela roubara milhões de dados do Facebook (há suspeitas sobre a conivência deste), e esses dados foram utilizados de diversas maneiras, tanto na campanha do “Brexit” na Inglaterra, quanto na campanha de Donald Trump, nos EUA. Isso levou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no parlamento britânico, no ano de 2018.
Nesse mesmo documentário, é dito uma questão importante, relevante, que as pessoas tem que ter muita clareza disso. Uma ex-diretora da Cambridge Analytica, Brittany Kayser, que foi fundamental nas denúncias apresentadas, disse o seguinte: “As empresas mais ricas são as de tecnologia. Google, Facebook, Amazon, Tesla... No ano passado dados superaram o petróleo em valor. Dados são os recursos mais valorizados da terra”
Ainda nesse documentário, outra frase que destacamos, foi dita por Christopher Wylie, Cientista de Dados, ao se referir  a Steve Bannon (vice-presidente da Cambridge Analytica, e criador do site de notícias Breitbart), que seria a doutrina utilizada por essas empresas: “Se você quer mudar fundamentalmente a sociedade, primeiro tem de destruí-la. E somente depois de destruí-la é que pode remodelar os pedaços segundo sua visão de uma nova sociedade”.
Isso é, portanto, uma estratégia do caos, que foi utilizada no “Brexit”, na eleição do Trump, e tem sido também utilizada aqui no Brasil desde antes da campanha de Bolsonaro. E a forma como é utilizada para atingir esses objetivo é exatamente por meio da desconstrução da política, da desmoralização da democracia, e da tentativa de destruição das instituições que compõem o Estado. O objetivo é destruir instituições que permitem um mínimo de garantias democráticas e constitucionais, e afetar a sua credibilidade, atingindo diretamente algumas personalidades, e depois, claro, recompô-las seguindo as linhas ideológicas desejadas.
Então são essas informações, via esses canais, plataformas e aplicativos, mesmo esses que funcionam como divertidos entretenimentos, seja no Facebook, whatsapp, instagram, com a captura de nossos dados, que são utilizados de diversas maneiras, rompendo compromissos de confidencialidade. Por meio de conivência que garantem aos seus proprietários e acionistas lucrarem escandalosamente. E isso tomou uma grande relevância nessas estratégias de obterem acesso a milhões de dados das pessoas, e assim disseminar mentiras, discursos de ódios e destruição de reputações, que fariam Goebbels parecer um discípulo, embora ele seja a origem dessas perversões.
O outro documentário é “Get me Roger Stone”[3]. Assistam esse documentário e vocês verão que as diatribes, os comportamentos tresloucados, as ações que se repetem e que para muitos de nós, normais, parecem maluquices, loucuras, são na verdade atitudes pensadas, dentro de uma estratégia que visa apostar em comportamentos bizarros, mas sabidamente aceito por uma grande parcela da sociedade. Como o que foi mostrado recentemente, agora no último final de semana pelo portal de notícias UOL, quase que um culto, assim foi a manchete, do Bolsonaro à Cloroquina e o deslumbramento de seus seguidores em ato em frente ao Palácio do Planalto. E que pode ser visto assim mesmo, dessa maneira, porque a manifestação foi chamada pelos segmentos conservadores de algumas igrejas, a maioria evangélicos.
Eles têm noção que esse remédio não serve para combater Covid19, serve para outras doenças, e disso eles têm clareza. Claro. Mas porque eles continuam insistindo nisso? Porque a estupidez, e esses comportamentos meio amalucados fazem parte da estratégia que é da desmoralização. É uma estratégia de levar ao caos. Eles são profetas do caos. Nesse documentário, esse personagem, Roger Stone, demonstra, com as suas próprias palavras, que não há importância nenhuma em falar mal dele. Ele repete uma frase corriqueira, que na política se diz muito, “falem mal, mas falem de mim”. E o seu comportamento é o tempo inteiro desafiador, ofensivo e com gestos e atitudes bizarras e com o intuito de atingir o oponente/adversário, ou alguém que ele deseja destruir sua reputação. Porque isso também dá muita visibilidade, e, claro, por meio dessas loucuras que são apresentadas, eles terminam, e isso inclui o Trump e o Bolsonaro, conduzindo as informações que viram manchetes. Por meio dessas loucuras deles, os jornais proliferam essas maluquices. Então eles se mantêm no centro das atenções e conseguem atrair aquele público de seguidores que lhes ouvem e lhes seguem cegamente, e vão ao êxtase com essas posturas que fogem por completo ao padrão da política.
Mas tudo isso foi construído e consolidado por meio da utilização dessas plataformas e desses canais: Facebook, instagram, twitter, you tube... Eles descobriram como podiam fazer isso. O que é necessário agora é que essas plataformas sejam utilizadas não para rebater discursos de ódio, porque seguir por esse caminho é fazer exatamente aquilo que eles desejam. E eles vão nos pautar. Não podemos ir por esse discurso de violência. Por exemplo, de que vão armar o povo. Que armar o povo? O povo não tem dinheiro para comprar armas. Ele deseja armar um séquito de gente maluca, da classe média, que o segue com as mesmas atitudes irresponsáveis e violentas. Ou de milicianos, que foram e são bases de apoio desse grupo que chegou ao Palácio do Planalto, ao alguns governos estaduais e ao parlamento brasileiro.
Não é esse o discurso do ódio que devemos focar. Claro, não podemos esquecer o que eles estão dizendo. Isso tem que ser combatido. Mas nas entrelinhas de questões que são muito mais importantes, por meio do debate político sério e responsável. Eles ascenderam ao poder com a desconstrução da política, com a desmoralização da democracia e das instituições. Nós sabemos para que serve o Estado. É claro que o Estado se organiza para servir a classe dominante. É preciso tomar esse Estado e fazer dele um instrumento para atender às camadas sociais oprimidas. Isso não é fácil, nós assistimos nos últimos anos golpes e ataques à um mínimo de estrutura que se criou para amenizar os problemas sociais.
Mas, há um caminho enorme a se percorrer, até atingir esse objetivo. Até lá, nós vamos ter que ir lidando com essas situações de conviver com governos que oscilam entre a centro-esquerda, a centro-direita e o centro. E vamos precisar de ter canais democráticos para nos comunicar, pois é preciso levar ao povo a importância que é a política, a filosofia, a história, a sociologia, a geografia, que são as ciências humanas, e estão sendo atacadas nessa aberração de guerra cultural que está destruindo a educação e o ensino brasileiro.
Claro que isso se dá porque é por essas ciências que adquirimos a capacidade de pensar, de raciocinar e de ter compreensão política da realidade e de ter uma visão crítica das condições em que nós vivemos. E adquirindo consciência crítica ser possível fazer outro tipo de ação política. Por meio de ações comunitárias, de envolvimento da juventude. Caso contrário essa juventude se perde seja para o tráfico, seja para as milícias, ou para um fundamentalismo reacionário evangélico.
Não desejo generalizar, todas as igrejas têm suas nuances, suas diferenças, e evidentemente existe uma parcela de irresponsáveis que usam os cultos para propagar também essas perversões. Incrivelmente em nome de Deus, em nome de Cristo, o que é uma aberração quando se sabe das origens do cristianismo. Existem muitas pessoas sérias nessas igrejas.  Mas essa juventude está sendo contaminada por esse vírus dessa fé malévola fundamentalista, neopentescostal.
Então é preciso fazer com que essa juventude adquira capacidade crítica. Esses canais aos quais tenho me referido, essas plataformas, são usadas em larga escala pela juventude, e na maioria dos casos para assistir coisas fúteis, diversões. Não podemos criticá-los por isso. Nós também gostamos disso. Muitas vezes a maioria de nós se perde assistindo esses programas, afinal, precisamos nos divertir, nós precisamos também disso. Mas precisamos da política, da boa política. Porque se nós não nos envolvermos na política vamos deixando o poder para esses indivíduos que pregam o ódio, intolerância, perversões, destruição do meio-ambiente, destruição da sociedade, dos valores democráticos, e nos impõem dificuldades para atender as necessidades terríveis, e urgentes, para resolver graves problemas causados pelas desigualdades sociais que estão aí e que vão piorar depois dessa pandemia. E esse governo não fez, e não faz nada para resolver os problemas sociais, muito pelo contrário. Um ano e meio – nós temos mais dois anos e meio desse governo – imobilizado, somente fazendo esses espetáculos horríveis de manifestações odiosas.
Então é por isso, para finalizar, que devemos dar visibilidades aos canais progressistas que existem nas redes sociais, daqueles que desejam trazer o Brasil de volta para uma realidade que não seja a dessas perversões que estão aí. Claro que isso somente não basta. A luta deve se dar em diversas frentes, e principalmente em amplas manifestações de ruas, algo que no momento é impossível, diante das dificuldades causadas pela pandemia, e preservar vida nos impõe um distanciamento social.
Mas nessas condições esses mecanismos estão à disposição, e se não usamos para o bem, eles serão usados, como tem sido para pregarem o mal, as perversões de uma política segregacionista, fascista, perversa e absolutamente nefasta para a sociedade, na medida em que atende as necessidades de uma minoria reacionária, que se aproveitou de brechas no sistema democrático para inserir vírus que corroem as relações sociais, dissemina o ódio e entroniza a violência como condutora da política. O que significa a destruição da política.
“Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse são personagens descritos na terceira visão profética do Apóstolo João no livro bíblico de Revelação ou Apocalipse. Os quatro cavaleiros do apocalipse são respectivamente peste, guerra, fome e morte, que para os cristãos irão acontecer antes do fim de todas as coisas”. Esse é um trecho copiado da Wikipédia, no verbete destacado. Esses personagens, fictícios, se tornam imagináveis quando olhamos para a família que ocupa a sede central do Poder brasileiro. Não porque eles sejam a representação desses cavaleiros, mas porque eles se julgam exatamente isso, e são incensados por uma malta de fiéis alienados que apregoam o “fim dos tempos”, e para isso precisam naturalizar esses elementos que representam, e como na estratégia identificada e citada anteriormente, desejam destruir essa sociedade para reconstruí-la no formato que desenham suas mentes doentias.
Enfim, eu poderia terminar dizendo que estamos combatendo forças malignas, mas o que são, em verdade, se explica quando analisamos o Poder e os interesses que estão por trás dos objetivos para alcançá-los. São na verdade farsantes, fraudes, como todos aqueles que se apresentam como profetas e se deslumbram em serem chamados de mitos. No entanto não podem ser menosprezados, pois sabemos o que fazem e o que querem, e não têm limites éticos e morais para atingir seus objetivos, assim como todos que lhes dão suporte em seus atos irresponsáveis e inconsequentes.
Mas é preciso se levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. E aí, poder dizer como na música de Geraldo Vandré, que será “a volta do cipó de aroeira, no lombo de quem mandou dar”. E ao longe, é possível ver a luz da utopia. É preciso ir em frente, em sua direção. Sempre.
(*) ASSISTA NO YOU TUBE: COMO COMBATER OS PROFETAS DO CAOS E A ESTRATÉGIA DA DESTRUIÇÃO DE BOLSONARO E CIA - https://www.youtube.com/watch?v=Ele_LvYiGlc




NOTAS:
[1] The Weekly S01E09: A Toca do Coelho (The Rabbit Hole)  -https://www.youtube.com/watch?v=b3J7r1H4SYo&feature=youtu.be
[2] Privacidade Hackeada - Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA - https://www.netflix.com/br/title/80117542
[3] Get Me Roger Stone - Observe a ascensão, queda e renascimento do operador político Roger Stone, um player influente da Equipe de Trump há décadas - https://www.netflix.com/br/title/80114666

Nenhum comentário:

Postar um comentário