quarta-feira, 17 de junho de 2020

CRISE HÍDRICA – UM CICLO DE DIFÍCIL RETORNO (*)


É impressionante como recorrentemente o problema hídrico é tratado somente no limite da necessidade. Há um provérbio popular que sintetiza bem isso: “Só percebemos o valor da água depois que a fonte seca”. Naturalmente, o interesse da grande mídia comercial está na criação de um sentimento de perplexidade, e da geração de temores e medos que compõem o universo dos jornais e telejornais sensacionalistas, em sua maioria. Às vezes até aparecem boas reportagens sobre o assunto. Mas pecam pela superficialidade, e pela insistência em tratar o problema da falta de água como decorrente dos gastos abusivos, ou excessivos, por consumidores urbanos.
Podem acontecer abusos, e certamente acontecem, no uso da água nas cidades. Mas longe está desta ser a principal razão da grave crise hídrica que ameaça não somente a economia, mas como nossas próprias vidas, humanos, animais ou plantas.
Sempre acontece um desvio do eixo central, das questões que são, de fato, as responsáveis pela forma como a falta de água se tornará, provavelmente tendo seu auge em 2050, no pior problema da humanidade para o século XXI.
A literatura acadêmica, focada em pesquisas sobre esse tema, tem apontado há mais de uma década, não somente os diagnósticos que indicam as causas da crise hídrica seja escassez ou estresse, como também indicam as necessárias medidas para amenizar esse problema. Mas, tanto o diagnóstico, quanto as medidas a serem tomadas, esbarram na forma perversa como funciona o sistema capitalista, ou decorrente da escolha de um estilo de vida altamente urbanizado, exageradamente marcado pelo consumismo, mas, principalmente devido ao fato de todos citadinos necessitarem adquirir os alimentos necessários à sua sobrevivência. Ao contrário de sistemas anteriores, por séculos e milênios passados, em nossa época os bilhões de pessoas que vivem nas cidades não produzem seus próprios alimentos. Essa equação, aliada à lógica gananciosa e usurária que marca a vida contemporânea, dificulta a tomada de decisões que são essenciais para conter essa crise.
O que nos reserva o futuro? Nossa água está acabando, a exemplo do que acontecerá com o petróleo? Nos últimos 50 anos, dobramos nossas terras cultivadas irrigadas e triplicamos o consumo de água para atender à demanda global de alimentos. Nos próximos 50 anos, teremos de dobrar mais uma vez a produção de alimentos. Será que haverá água para tudo isso?
Desvio de água - Rio Descoberto - You tube
Apesar de retornar à superfície por meio de um ciclo hidrológico que a renova sempre, a rapidez com que se dá o consumo esgota rapidamente a água superficial, ou mesmo os lençóis freáticos, o que levará inevitavelmente à escassez, ou ao estresse hídrico.
Mas há por parte dos órgãos públicos muita negligência na identificação e combate às causas que são geradoras de um consumo elevado e com intenso desperdício desse recurso.
Em diversos artigos que publiquei no meu Blog Gramática do Mundo, e que tem a água como referência, venho abordando esse tema diante da grave situação que passa o bioma cerrado. Abordei esse problema também quando a cidade de São Paulo correu um sério risco de desabastecimento, em decorrência da diminuição do volume de água do sistema Cantareira, conjunto de barragens que abastecem aquela cidade, por meio de dois outros textos.
De lá para cá, o problema tem se agravado, muito embora no caso específico do Estado de São Paulo, o governo tenha iniciado um conjunto de obras visando a transposição do rio Paraíba do Sul. Só que são soluções que não atingem o problema da redução dos níveis de água, e gerarão outros efeitos colaterais. No caso deste rio a situação já está crítica em alguns pontos, de diminuição do volume de águas, em função da destruição de suas margens e da poluição que tem afetado a reprodução de diversas espécies de peixes, alguns já à beira da extinção.
É preciso agir para evitar desabastecimentos nas grandes cidades, em todas as aglomerações urbanas, obviamente, até porque constitucionalmente a prioridade do uso da água deve ser para atender as necessidades humanas. Contudo, a gestão que os governos aplicam quando a questão é a água, se limita somente a isso. E não de forma preventiva, com algumas exceções. As medidas tomadas quase sempre acontecem quando o problema atinge o seu ponto crucial, de estresse ou de escassez hídrica, e aí precisa recorrer ao racionamento do uso da água.

ESTRESSE HÍDRICO E ESCASSEZ HÍDRICA
Precisamos esclarecer uma questão antes de prosseguirmos. O estresse hídrico ocorre quando há água, mesmo que em quantidade elevada, mas é insuficiente para atender a demanda, tanto do uso urbano, quanto na indústria e agropecuária.
Pode-se definir o estresse hídrico como resultado da relação entre o total de água utilizado anualmente e a diferença entre a pluviosidade e a evaporação (a água renovada) que ocorre em uma unidade territorial, em geral, definida por um país.
Já a escassez decorre pela absoluta falta de água numa determinada região, que pode vir a ocorrer também como consequência dos usos abusivos e da consequente diminuição do volume de água. Ou seja, o estresse hídrico pode vir a se transformar, futuramente, numa escassez crônica.[1]
A escassez hídrica é uma das medidas de avaliação geográfica de uma unidade territorial. Ela pode ser física e econômica. Quando a quantidade disponível de água de um país não é suficiente para prover as necessidades de sua população, existe uma escassez física de água. Se um país não tem recursos financeiros para levar água de qualidade e em quantidade suficiente à sua população, apesar de ela ocorrer em seu território, a escassez é econômica.[2]
Objetivamente pode-se encontrar resposta para as dificuldades de diversas regiões do mundo em ter acesso à água potável seguindo-se o processo produtivo, os mecanismos que levam à produção industrial, à criação de gado e, principalmente à agricultura, com uso intensivo de irrigação, completamente fora de controle. Neste último caso, embora a irrigação seja um elemento essencial para garantir produção de alimentos suficiente para alimentar a população, a preços acessíveis, a ausência de fiscalização sobre os métodos adotados, muitos deles feitos de forma clandestina, tem sido um fator de destruição de importantes rios. Aqui no Brasil isso é nítido, é sabido, mas não é fiscalizado como deveria. E quando há fiscalização e multas os punidos não pagam, em função do poder exercido pelos grandes produtores rurais, absenteístas em sua maioria, latifundiários e que são responsáveis por produção em larga escala de monocultura.
canal desvia água ilegalmente
Já desde há alguns anos o Estado de Goiás enfrenta problemas em decorrência de períodos de escassez recorrentes, como é peculiar no cerrado, provocada por prolongadas estiagens. Isso causou, como efeito colateral o esvaziamento de rios importantes para o abastecimento. A partir disso o estado intensificou a fiscalização em diversas bacias, como as dos rios Meia Ponte e Araguaia, a fim de garantir o direito da água à população urbana. Mas esse é um problema antigo, sem que haja punição aos que desviam água sem licença, ou quando a tem extrapola o limite do que lhe é permitido.
O que se vê, de forma impune, embora haja investigações do Ministério Público e da Delegacia de Meio Ambiente, é uma série de irregularidades praticadas por grandes produtores rurais, com desvios de águas do rio Araguaia por meio de extensos canais. No entanto isso já ocorre há tempos, e termina por se constituir em fatos naturais, pois há abertura de processos, a indicação de multas, mas esse setor consegue por meio de forte articulação política, concentrada numa bancada poderosa no Congresso Nacional, se livrar de qualquer punição. E seguem cometendo irregularidades no uso da água.
Poderíamos listar aqui diversos outros casos de irregularidades na captação de água para irrigação, bem como o desperdício gerado pelo uso de velhos pivôs centrais. Na região de Cristalina, onde desenvolvo uma pesquisa, muito embora haja em algumas propriedades técnicas mais sofisticadas, com uso de tecnologias modernas que controlam a emissão de água e até mesmo o horário em que isso ocorre, os abusos acontecem sem fiscalização. Soma-se a esses fatores a disputa entre irrigantes e investidores de Pequenas Centrais Elétricas (PCHs), bem como de obras mais suntuosas para geração de energias, barragens que prejudicam o curso normal das águas do rio São Marcos e de outros, e afetam também espécies da fauna fluvial, em alguns casos de forma irreversível.

AS ATIVIDADES HUMANAS E O CICLO DA ÁGUA
As mudanças climáticas, como dizemos, embora o correto é se referir a variabilidade climática, está a ocorrer, naturalmente. E não há dúvida que a ação humana contribui para acentuar desequilíbrios e potencializar transformações que, pelo tempo, demorariam mais a ocorrer, ou não se dariam com a intensidade com que acontecem. Portanto, as alterações climáticas são fato, acontecem, e a ação humana tem reflexo nisso.
A insistência em centrar no consumo urbano o problema da água, ou de considerar que o aquecimento global se deve principalmente a efeitos colaterais da industrialização, esconde a essência do problema, as reais causas que estão deteriorando nossa qualidade de vida no Planeta Terra. O interesse em desviar o foco, ou em construir versões sobre as causas, tem o objetivo de amenizar as responsabilidades sobre a maneira como o sistema capitalista esgota nossos recursos, destrói a natureza e impacta perversamente no clima, principalmente nas regiões com altos índices de urbanização, como decorrência de um estilo de vida que implica em consumir além daquilo que o planeta pode oferecer para produzir mercadorias.
As interferências das atividades humanas no ciclo hidrológico ocorrem em todos os continentes e por todos os países. Os impactos dessa intervenção no ciclo variam para cada região ou continente. De modo geral esses impactos são:
a) construção de reservatórios para aumentar as reservas de água e impedir o escoamento;
b) uso excessivo de águas subterrâneas;
c) importação de água e transposição de águas entre bacias hidrográficas.
Isso é apontado pelo professor José Galizia Tundisi,[3] referência nesse assunto, como o resultado desastroso de ações que são feitas sem a devida adoção de mecanismos protetivos, bem como ausência de planejamento para garantir que um bem imprescindível não corra o risco de se acabar.
Inevitavelmente, esse descontrole tem afetado o ciclo hidrológico, que por sua vez implicará em desequilíbrios climáticos e oscilação acentuada de temperaturas.
O fato é que há uma relação dialética entre a crise hídrica, as constantes mudanças climáticas, em um tempo mais acelerado que o normal e o intenso desenvolvimento capitalista. No entanto, é necessário ter a compreensão exata de quais são os elementos nesse processo que são os principais responsáveis por esse desequilíbrio.
Mesmo que não houvesse mudança climática, o mundo continuaria enfrentando o declínio no abastecimento de água per capita por causa do desenvolvimento econômico e do crescimento da população. Mesmo que pudéssemos congelar o crescimento populacional, a modernização significa maior consumo de carne, bens acabados e energia; tudo isso eleva o consumo de água per capita. Contrariando a crença popular, o crescimento populacional e a industrialização representam ao suprimento de água global um desafio ainda maior do que a mudança climática.
Captação irregular de água do rio meia ponte
Ou seja, são exatamente as condições criadas por um modo de produção acentuadamente predatório. Mas, tem sido mais difícil identificar as soluções porque o foco dos possíveis motivos geradores desses desequilíbrios se concentra nas consequências, e não nas causas.
É preciso termos claro que por trás de toda essa discussão existem elementos de geopolítica, e encobre as principais razões tanto para os desequilíbrios climáticos regionais como a escassez e estresse hídrico. Porque afeta interesses estratégicos, tanto econômicos como na disputa por recursos naturais.
Trocando em miúdos. O problema que se acentua gravemente no Brasil, mas que atinge também outras partes do mundo por diversos continentes, a deficiência hídrica, é causada por essa forma de desenvolvimento que destrói a natureza. E as medidas, ou repercussões dessa crise, só aparecem nos períodos em que ocorre ausências de precipitações pluviométricas.

AS ÁGUAS DO CERRADO
Vamos falar um pouco do Bioma Cerrado. Esse que já foi considerado por Guimarães Rosa como “a caixa d’água do Brasil”. E que de fato pode ainda ser assim chamado, por ser por meio de suas nascentes, córregos e rios, que se formam algumas das principais bacias brasileiras. Mas sabemos que o problema não se resume a um único bioma, afeta os demais de forma diferente pela especificidade em suas características geomorfológicas.
Ocorre que nos últimos anos houve uma intensificação acelerada da produção agrícola e criação de gado, impactando fortemente nesse Bioma. A redução dele decorre da exploração predatória, baseada na grande produção de monocultura, principalmente commodities, em propriedades latifundiárias que usam fartamente, por meio de grandes pivôs centrais, a irrigação como condição para aumentar suas produtividades. E o Estado é o financiador dessa situação, muito embora não o faça na mesma proporção, em termos de importância na cadeia de produção alimentar, com os pequenos produtores e com a agricultura familiar.
Mas além de citarmos a irrigação, é preciso identificar um problema anterior. O desmatamento, que destrói aceleradamente o Cerrado e leva ao fim, além de uma rica biodiversidade, as veredas, principais fontes de água, por cujas nascentes formam-se córregos e rios. Tanto o desmatamento, como o pisoteio do gado, são fatores destrutivos que vão reduzindo a capacidade de recarga e consequentemente transformarão mananciais de perenes a intermitentes. Registre-se que o Centro-Oeste é o maior produtor de gado bovino do Brasil, e somando-se com a região Norte, concentram mais da metade dessa produção. Justamente as regiões que atualmente mais são afetadas pelo desmatamento.
Pivôs ilegais - rio araguaia
É óbvio que a consequência disso será a diminuição do volume de águas que verterá para os principais rios que formam grandes bacias. Aliado a isso, as intervenções que são feitas para construção de barragens, sejam para Pequenas Centrais Elétricas, ou para Grandes Centrais Elétricas, causam fortes impactos também sobre a fauna fluvial e gradativamente reduzem o tamanho e a importância daquele rio. A destruição de suas margens, ou matas ciliares, consequência do desmatamento, da extração descontrolada de areia e em muitos casos devido a garimpos clandestinos, são outros fatores que transformam a paisagem por todo o percurso de montante à jusante e vão reduzindo o volume desses rios até que em alguns casos eles cheguem à sua foz na condição de um pequeno riacho.
Essas ações predatórias são as principais razões pela redução da capacidade hídrica de uma determinada região. E isso tem acontecido numa escala criminosa no Bioma Cerrado, a ponto de até mesmo a capital federal, construída bem no coração desse bioma, passar pela primeira grande crise de escassez, levando a necessidade de rodízio na distribuição a fim de evitar uma situação mais drástica de absoluta falta de água.
Mas embora seja óbvio para os que estudam os problemas hídricos, inclusive da gestão, onde estão as origens dos problemas, os lobbies organizados que reforçam o poder dos grandes proprietários de terras, representados por uma grande bancada de parlamentares no Congresso Nacional, pressionam os governos para que isentem as dívidas daqueles produtores flagrados em ilicitudes na exploração da água.
Utilizando-se do argumento de que a produção de alimentos é uma necessidade para alimentação de uma população crescente, reivindicam mais investimentos para ampliar a área irrigada, sob o pretexto de que há ainda no Brasil um enorme potencial hídrico a ser explorado. O que pesa, na verdade, para além dos rumos que pode ir nossa capacidade hídrica, é a ganância e os lucros que são gerados para manter a opulência de uns poucos, que estão sempre protegidos desses infortúnios, já que a escassez de água afeta principalmente a população mais pobre.
Outro aspecto, de certa forma também de difícil solução, haja vista a incompetência dos gestores na administração pública, cujo foco é sempre a eleição seguinte, é a absoluta ausência de um planejamento adequado que identifique quais setores são estratégicos para a manutenção e fortalecimento do espaço vital seja nacional, ou regional.
Esgoto no meia ponte - Domício Gomes - O Popular
E no caso das grandes cidades, principalmente as capitais, as condições de crescimento levaram a uma absoluta inoperância na preocupação com o abastecimento de água na mesma proporção e aceleração com que se dava o crescimento populacional. Enquanto isso, nascentes foram sendo aterradas, córregos transformavam-se em canais e a quase totalidade dos mananciais que cortam as zonas urbanas foram transformados em depósitos de descargas de dejetos de casas e indústrias, constituindo-se em verdadeiros esgotos a céu abertos. As águas que por ali circulam em tempos de grandes pluviosidades perdem-se na podridão e não são aproveitadas para consumo. Em tempos de estiagem o que prevalece são os líquidos que saem dos esgotos.
No entorno das cidades, os cinturões verdes, de produção hortifrutícolas, disputam boa parte dessa água e a usam para irrigação. Até aí se pode dizer ser um uso tolerado, na medida em que são produtores que abastecem as feiras e centrais que distribuem frutas e verduras essenciais em nossa alimentação. O problema é que não há fiscalização adequada, nem se busca usar de novas tecnologias para amenizar os gastos de água. Invariavelmente o poder público prefere grandes financiamentos para empreendimentos de produção para exportação, menosprezando a importância do pequeno agricultor. Que de outra forma não consegue adequar seu sistema de irrigação às necessidades de controle do consumo de um recurso em estágio crescente de escassez.
Assim, sem o devido planejamento, as águas que cruzam as cidades foram se tornando impróprias para o uso, e as que as circundam, ou mesmo que estão prestes a serem captadas pelos sistemas de abastecimentos, vão tendo o volume reduzido pelo uso que se faz dela para irrigação a montante. Só que essa é uma situação absolutamente previsível. Assim como é a previsibilidade de que após o período chuvoso, já que a água que escorre por esses mananciais torna-se imprópria para consumo e perde-se rapidamente nas vias impermeabilizadas, um novo período de estiagem, sempre com maior intensidade, virá para preocupar e gerar pânico e revolta entre as pessoas.
A alternativa encontrada por muitos, os que tem condições para isso, naturalmente, inclusive condomínios horizontais e empresas, é recorrerem à instalação de poços artesianos. Ora, como a cidade cresce acentuadamente, e se espalha por uma periferia cada vez mais distante do centro, o abastecimento público de água demora a atender a essa crescente demanda. A retirada de água dos lençóis subterrâneos assume assim a condição de prover inúmeras residências do abastecimento necessário, obviamente. O que resulta disso? O aumento da retirada de água desses canais subterrâneos faz com que eles se esgotem gradativamente, reduzam o volume hídrico, forçando a que cada vez mais seja necessário aprofundar os poços para atingir o lençol freático e extrair a água. Ao mesmo tempo, isso vai afetar o processo de recarga e será também gerador do esgotamento de inúmeras nascentes, cujas águas se dispersam para outras regiões por efeitos naturais e vão desaparecendo como decorrência da diminuição da quantidade que existem nesses lençóis e aquíferos.

O QUE PODEMOS CONCLUIR DE TUDO ISSO?
Os principais problemas são gerados, portanto, pela destruição acelerada da natureza, pelo desmatamento em larga escala e a consequente destruição de nascentes, córregos, riachos e rios. O maior perigo do mundo, inegavelmente, está na possibilidade de uma escassez geral da água, por não haver nenhuma alternativa para a humanidade com o fim de um líquido que é vital
Rio Meia Ponte - Goiânia - O Popular
Não me parece que tudo isso dito aqui seja novidade. E vou terminar da forma como comecei. Sempre que a situação chega num ponto crônico em função do aumento do período de escassez, soa o alarme, a mídia se alvoroça, confunde na explicação, cria um pânico que é natural, já que a falta de água é a pior coisa que existe para a vida. Aí temos alguns momentos de preocupação, e vemos as autoridades se debaterem com uma situação que não poderá ser resolvida no auge de um estresse ou uma escassez real.
O que sempre procuro propor quando discuto essa questão, portanto, é que devemos urgentemente encontrar o eixo correto para identificar as causas que estão nos levando por um caminho que pode tornar-se difícil de recompor o que se está a destruir. Claro que ainda é possível corrigir esses rumos, a ciência ajuda, com certeza. Mas é na gestão, no planejamento estatal e fiscalização severa, que devem se concentrar as principais correções.
Mas, eis que de repente, vem a chuva! É como o soar dos sinos, alertando para um novo tempo. População, meios de comunicação e autoridades se aquietam aliviados. Eis que a preocupação passa a ser a quantidade e a força com que cai a água, e as atenções passam a voltar-se para aquelas populações, as mesmas vítimas principais da falta de água, que vivem em áreas de riscos e correm o perigo de serem arrastadas por enchentes causadas pelas péssimas condições da arquitetura das cidades e dos ambientes urbanos. Boa parte desta água, como visto, não poderá ser aproveitada, porque vai escorrer para mananciais altamente poluídos.
Eis o cúmulo da contradição e isso se repete terrivelmente com data marcada. Como sair disso? Com participação efetiva da sociedade, por meio de organizações sociais, universidades e associações que pressionem governos a adotarem medidas reparatórias, preventivas, diante da crise hídrica, e não somente quando o período de escassez atinge o seu auge. Aí é como ficar vendo o cachorro correr atrás do próprio rabo. E enquanto isso a água se esvai.


NOTAS:
(*) Este texto é uma adaptação de um artigo publicado neste blog em 2017: https://gramaticadomundo.blogspot.com/2017/11/enquanto-chuva-cai-agua-se-esvai.html
[1] RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia Política da Água. São Paulo: Annablume Editora, 2008. Pág. 62.
[2] Idem.
[3] TUNDISI, José Galizia. Água no Século XXI: Enfrentando a escassez. São Carlos: RiMa, IIE, 2003. Pág. 14-15.

Nenhum comentário:

Postar um comentário