...Guardando as recordações,
das terras onde passei,
andando pelos sertões
e dos amigos que lá deixei.
das terras onde passei,
andando pelos sertões
e dos amigos que lá deixei.
(Luiz Gonzaga)
Mapa do Google, com indicações dos lugares por onde passei. |
Se tem uma coisa que me angustia é ficar muito tempo sem botar o carro
na estrada e seguir para um destino provisório onde eu possa aliviar minhas
tensões, ansiedades e os sintomas de coração partido que me angustia sempre, e,
principalmente, conhecer novos lugares presencialmente, não somente por
imagens.
Farei aqui um relato, em parte para aliviar essas saudades, mas também
para incentivar os que lerem a procurar conhecer nosso país, e esse mundo.
Apesar dos pesares, existem muitos lugares bonitos para se reconhecer, além de
realidades tristes que nós não podemos ignorar, ou fazer isso somente através
de livros.
Juntar o conhecimento das leituras com a experiência de poder sentir
isso na prática é o que nos dá a possibilidade de ampliarmos nossos olhares
sobre os lugares e o ecúmeno. O que faço aqui é também um pouco de relato
geográfico, de observação das paisagens, mesclado com pedaços de histórias de
minha vida e dos lugares por onde passei. Viajar, é essencial para nossa
formação, e, principalmente, para romper preconceitos.[1] Os grandes geógrafos,
historiadores, antropólogos e biólogos, que produziram obras clássicas, tinham
em suas viagens as fontes essenciais do conhecimento que procuraram analisar e
transmitir. Como exemplo eu citaria Humboldt, Elisée Reclus, Darci Ribeiro,
Euclides da Cunha, Caio Prado Júnior, Auguste de Saint-Hilaire e, ninguém menos
que Charles Darwin. Mas deve ser assim com todos pesquisadores e pesquisadoras,
jamais se pode chegar ao resultado conclusivo de alguma pesquisa, se não houver
na experimentação um forte componente das afirmações das hipóteses que se
levanta teoricamente. Por isso se tornou um mantra dizer: na prática a teoria é
diferente.
Sisal, posto para secar. Não foi tirada no local, mas não é montagem. Esse é um painel que se encontra em um museu no Pelourinho |
Não tenho nenhuma pretensão de fazer estudos sistematizados, mas somente
relatos. E as referências desses personagens é apenas para justificar o quanto
viajar é essencial para o nosso conhecimento.
O NORTE É O NORDESTE!
Tenho saudades de retornar ao meu Nordeste querido, de praias belíssimas
e de um povo simples e admirável. O calor e a simpatia do povo nordestino é
algo que impressiona e nos atrai.
Salvador - Baía de Todos os Santos Vista do alto, ao lado do Elevador Lacerda |
Saudades de “Salvador, meu amor, Bahia...” Falar o quê? De minha cidade,
Alagoinhas? das praias e monumentos? dos lugares tradicionais que contam a
história da primeira capital do Brasil? do Pelourinho e de suas igrejas que
deslumbram até mesmo esse ateu? Que já seguiu a pé por mais de cinco quilômetros,
desde o Mercado Modelo até a Igreja de Nosso Senhor do Bomfim... Só a Bahia
mesmo pra fazer isso.
De Salvador, de tantos lugares atrativos, o desejo é de seguir adiante
pela estrada do coco, pela linha verde, passar na Praia do Forte e ir até Sergipe.
E não é que uma vez, indo de carro por esse percurso, um caminhão carregado de
carcaça de cocos estava em minha frente, e numa oscilação brusca na pista, eis
que um dos cocos se solta, bate no asfalto, dá um salto e acerta o capô de meu
carro. 😟 Só me restou falar como numa propaganda: "foi um coco". Nada
sério, mas soube na prática porque a estrada tinha aquele nome.
Divisas BA - SE |
Mas nem sempre sigo por essa rota. Se tem uma coisa que gosto de fazer
quando viajo para a Bahia é cortar o agreste indo em direção ao sertão profundo
por entre a caatinga, e me reencontrar com ambientes que vivi em minha infância
e adolescência antes de mudar para Goiás. Seguindo por Serrinha, Tucano, Caldas
do Jorro, onde brota uma fonte de água quente em plena praça central da cidade,
e me dirigindo por Euclides da Cunha até Jeremoabo. Ali, naquela pequena cidade
vivi um pequeno pedaço de minha vida. Dali a oitenta quilômetros está Paulo
Afonso, onde existe uma das principais hidrelétricas do Estado e o Rio São
Francisco, chegando próximo ao seu estuário. Noutra direção, seguindo o que
antes era um rio perene, mas hoje intermitente, o Vaza Barris, vamos dar de
frente com a nova Canudos, já que a velha foi inundada pelas águas da represa
do açude de Cocorobó.
Recife - Vista do alto de Olinda |
Mas voltando à rota da Linha Verde, indo para Aracaju e voltar a rever a
praia de Atalaia, cruzar esse pequeno e aprazível Estado cortado por rios e ir
em direção a Maceió, Alagoas, de belas paisagens, de Ponta Verde e Maragogi,
seguindo em direção à Porto de Galinhas em Pernambuco. Que maravilha!
Deslumbrante. Dali a Recife, bem perto, a “Veneza brasileira”, espetacular,
apesar de seus rios mal tratados. Passear pela orla que nos faz sentir bem: Boa
Viagem. Tem muita história, juntinho com Olinda de casarões centenários e
ladeiras que não nos cansam.
Zona urbana - João Pessoa (PB) |
Mais um destino próximo e delicioso, João Pessoa, capital paraibana, não
somente por carregar meu sobrenome (qualquer dia reivindico parte de minha
herança), mas uma das cidades litorâneas nordestinas mais tranquilas e de uma
orla admirável. E a praia do Coqueirinho? Que beleza! E quem desejar ainda pode
se despir (literalmente) de preconceitos e aproveitar de Tambaba, praia de
nudistas. Só cheguei até a entrada de acesso. Mas não por preconceito, estava a
caminho de Coqueirinho.
Praia de Redonda - CE |
De João Pessoa o destino parcial é o Rio Grande do
Norte, passei ao largo de Natal (que já estive, conheço e pude conhecer o
“morro do careca”, uma duna na praia de Ponta Negra, numa orla
movimentadíssima, mas também de belas paisagens), o objetivo era chegar até a
tranquila praia de Redonda, um paraíso de pescadores de lagostas logo depois da
fronteira, do lado cearense, no município de Icapuí.
Parque Eólico - Aracati - BR-304 |
Poucos quilômetros depois,
que delícia! Canoa Quebrada, mais uma das maravilhas do estado do Ceará, no
município de Aracati. Região de ventos fortes que abriga um dos maiores complexos
de energia eólica do Nordeste. Dali não fui adiante, mas meu desejo é de
retornar a Fortaleza e seguir até Jericoacoara. Em breve, tão logo a Covid19
permita.
AGORA SIM, A DIREÇÃO É O NORTE.
Minha nostalgia me leva ao Norte. Pela BR-153, numa rota que há 30 anos
faço anualmente, desde que me casei com uma tocantinense, de Wanderlândia,
cidadezinha a 45 quilômetros de Araguaína, onde acaba a BR-153 que segue em
direção à Xambioá. Cruzando o majestoso Rio Araguaia estamos do lado do Pará,
numa região que esquadrinhei bastante e dali tirei histórias para minha
dissertação de Mestrado e tese de Doutorado, em volta da Serra das Andorinhas,
onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia. Cortando o que antes era mata fechada e
seguindo até a Transamazônica, em um curto trecho asfaltado, pouco mais de 100
quilômetros dos cinco mil prometidos pelos militares na década de 1970, e
chegando a Marabá. cidade portentosa, que cresceu desorganizadamente na esteira
da mineração e do poder da empresa Vale, mas também de uma periferia que foi
ocupada por tanta gente expulsa de suas terras. Ou da terra que almejavam ser
suas, e foram expulsos delas pelos grileiros. Também de muitos ex-garimpeiros
de Serra Pelada, que para ali se dirigiram, ao final da exploração manual do
garimpo de ouro da montanha que foi invertida.
Araguaína - Via Lago Vista no entardecer |
Mas vamos retornar a BR-153 e falar de Araguaína, onde convivi por um
curto tempo, o suficiente para fazer amigos e amigas... e me casar. Volto
sempre lá, pelos laços familiares que minha esposa tem por ali. De lá já
seguimos até São Luís do Maranhão e sua ilha misteriosa, numa ponta do Nordeste
na proximidade com o Norte. O Maranhão é puro deslumbramento com seus oásis de
areias e paisagens magníficas e a beleza de um centro na capital, São Luís, que
pulsa história em suas magníficas construções ornadas com azulejos portugueses.
Rumando para o lado do Piauí fomos até um paraíso nordestino: o Delta do
Parnaíba. Espetáculo. Não dá para ir e ficar pouco tempo. Espero retornar logo.
De Araguaína também já seguimos até Belém do Pará, num estradão dominado
pelos caminhões. Mas dá gosto chegar à Belém, parece que saímos de um país e
entramos em outro. O Norte não é tão diferente do Nordeste, mas muito diferente
do Sul. Quanto ao Centro-Oeste e Sudeste, foram formados com gente do Norte e
do Nordeste, apesar de alimentarem um preconceito estúpido. Felizmente
reproduzido apenas por uma minoria de tolos que esquecem suas origens.
Estação das Docas - Belém Baía do Guajará |
Belém chama a atenção pelas construções da época de “ouro”, quando a
borracha atraía a riqueza para o Norte. Mas fantástico é ir ao Mercado
Ver-o-peso, e se deliciar com sua confusão, por onde se vende de (quase) tudo,
e por onde chegam e saem mercadorias. Ali tem muita história, do açaí... da
castanha... da borracha... e peixe, muito peixe. No antigo porto uma
transformação sensacional, um centro gastronômico que nos dá uma bela visão da
Baía do Guajará: Estação das Docas. Não sei dizer o quê, mas Belém tem um ar
diferente, atrativo, deslumbra a gente em meio a toda uma realidade cheia de
contradições, do ponto de vista social. Mas não posso mudar o roteiro sem antes
falar do Museu Emílio Goeldi. Fantástico. Ali parece ser tudo, museu, zoológico,
herbário natural, centro de pesquisa, escola... Mas é tudo isso, e bem mais.
Não dá para ir a Belém sem visitar esse espaço.
Como não dá também para deixar de conhecer a Basílica Santuário de Nossa
Senhora de Nazaré. Até um ateu como eu fica deslumbrado pela beleza, e por todo
sentimento místico que só quem conhece ou já ouviu falar do Círio de Nazaré vai
entender (registro que minha formação familiar é católica). Na verdade, é algo
parecido com a sensação que sentimos quando visitamos esses templos em Salvador
(centenas deles), ou na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, e até mesmo aqui
pertinho de nós, ao lado de Goiânia, na Basílica do Divino Pai Eterno. Reflexo
da formação católica de nosso povo, e da importância que tiveram os jesuítas na
construção do território e da cultura do povo brasileiro.
Araguanã (TO) - Rio Araguaia |
Mas retornando de Belém, como também quando voltamos de São Luís, algo
mais que me deslumbra sempre é a paisagem, conforme relatei no meu trabalho de
doutorado que virou o livro “Araguaia: depois da guerrilha, outra guerra”. Na
confluência desses três Estados (Tocantins, Pará e Maranhão), o Bico do
Papagaio, de muitas histórias de conflitos na luta pela terra, se encontram
três biomas: o Cerrado, a Caatinga e a Amazônia. Claro que vemos uma mistura
arbórea quando passamos por essas fronteiras estaduais, e nos permite enxergar
o quanto a dimensão territorial de nosso país se estrutura sobre uma
diversidade geográfica impressionante. Nos delicia observarmos essas paisagens
e as diferenças que vão se alterando à medida em que cruzamos quilômetros de
rodovias.
Atravessando o Araguaia Entre Xambioá(TO) e São Geraldo(PA) |
Do Tocantins sempre trazemos as imagens e boas lembranças de dois dos
maiores rios brasileiros, que definem seus limites territoriais, e nos dão o
prazer de sentir que há praia por ali, e de água doce: o Araguaia e o Tocantins.
Por isso escolhemos sempre o mês de julho para viajarmos para lá. Aconselho,
façam isso quando acabar a Pandemia. Mas ainda não fui ao Jalapão, um desejo
que espero poder realizar.
VAMOS NO RUMO SUL
É bom, no entanto, alternar a direção que queremos seguir. Sudeste e
Sul, guardam também paisagens belíssimas. O que diferencia é que o Norte e
Nordeste nos garantem mais aconchego, e uma maior proximidade com pessoas que
sequer conhecemos. Para entendermos isso temos que compreender a história
dessas formações, como se deu o processo de ocupação territorial e as origens
daqueles que por ali colonizaram. São características diferentes, o que para
nós não significa tentar identificar como pior ou melhor. Mas, é isso,
diferentes. Cada um à sua maneira nos deixando sempre deslumbrados com essa
diversidade brasileira, e é viajando e conhecendo que vamos compreendendo o
quanto deveríamos nos sentir completos na somatória dessas diferenças, enquanto
nação, como bem dizia Darcy Ribeiro, em sua belíssima obra, “O Povo
Brasileiro”.
Vale dos Vinhedos - RS |
Não somente nesse detalhe da Mata Atlântica. O processo de ocupação do
território brasileiro foi mais generoso com essa parte do Brasil. Naturalmente
por questões geopolíticas, que se explicam pelo controle do Poder, centralizado
quase sempre nas mãos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Até que
apareceu Getúlio Vargas, vindo lá do Sul e rompeu com a política do Café com
Leite. Mas não alterou a desigualdade do desenvolvimento brasileiro, bem ao
contrário. Embora tenha tentado com a “Marcha para o Oeste”.
Ria Iguaçu - Foz do Iguaçu (PR) |
Mercado Central - Florianópolis Ana Carolina - 2005 |
O Sul e o Sudeste também têm muita história, e muitas paisagens bonitas.
Não nego, contudo, que Santa Catarina é o estado que mais me atrai. Pequeno,
repleto de manezinhos que carregam este nome como decorrência da colonização
portuguesa, açoriana, de litoral deslumbrante e de Floripa que nos prende pelo
afeto, pela saudades, pela lembrança de termos ido ali por diversas vezes e
termos isso registrado em fotos com nossa pequena, querida e inesquecível
Carol. Minha filhinha falecida aos dez anos de idade. São dois lugares que nos
remetem à sua presença, e nos carregam de saudades e tristezas em meio a
alegrias de estar por ali: Salvador e Florianópolis. Ali, em Canasvieiras, Cachoeira
do Bom Jesus e Jurerê aproveitamos momentos marcantes com ela.
Nova Petrópolis - RS |
Depois sem sua presença seguimos em direção à Gramado, onde eu havia
prometido levá-la, mas o destino não permitiu. Um caminho deslumbrante, com
flores magníficas que margeiam as estradas, as hortênsias, e uma paisagem
impressionante em direção à região serrana, de produção de vinhos, mas também
de histórias como as de Nova Petrópolis, cujo nome remete à cidade também
serrana no Rio de Janeiro, em uma homenagem a D. Pedro. Região colonizada por
europeus, desde o Paraná até o Rio Grande do Sul, com cidades praticamente
construídas por esses colonizadores, as marcas estão bem presentes nas
indumentárias e nos estilos das construções.
Os vinhedos despontam por todos os lados. Bento Gonçalves, Carlos
Barbosa, Nova Petrópolis... e o deslumbramento de Gramado e Canelas, de muitos
chocolates e idolatria aos personagens natalinos, a rigor, bem ao estilo
europeu.
Retornando ao Paraná, nosso corte transversal segue em direção a outra
ponta de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, nos aproximando da fronteira com o
Uruguai. Sim, ousamos atravessá-la, rumando até Montevidéu, Maldonado-Punta Del
Este e depois até Colônia de Sacramento, uma aconchegante localidade colonial
na margem uruguaia do imponente Rio da Prata. Uma enormidade de rio que
atravessamos em quase uma hora até aportarmos em Buenos Aires, e sairmos quase
perto de tudo que nos importava conhecer naquela bela cidade. Uruguai e
Argentina me atraem, espero poder ir mais uma vez para conhecer outros lugares,
repletos de belezas paisagísticas e história.
Garganta do Diabo |
Garganta do Diabo - Foz do Iguaçu |
Atravessamos o estado de Missiones, onde conhecemos rapidamente sua
capital, Posadas, e seguimos até Puerto Iguazu, e antes de atravessarmos para o
lado brasileiro, Foz do Iguaçu, não podíamos deixar de conhecer o lado
argentino das Cataratas do Iguaçu e se deslumbrar com a Garganta do Diabo.
Melhor não tentar entender o nome. São visões magníficas.
Chegamos à Tríplice Fronteira pelo lado argentino, atravessando para o
Brasil e depois saindo rapidamente para conhecer o Paraguai, e o enorme mercado
chamado Ciudad del Leste, depois de cruzar o Rio Paraná e também conhecer o
encontro deste com o Rio Iguaçu e o Marco das Três Fronteiras. Em Foz do Iguaçu
belezas naturais é o que não falta, mas também uma gigantesca obra de
intervenção humana que divide a energia entre Brasil e Paraguai: o lago e a
hidrelétrica de Itaipu. Impossível também não se deslumbrar com esse gigantismo
e com museus que contam a história natural daquela região de enorme caudal
hídrico, que tem oscilado muito como decorrência dos desmatamentos que
transformaram o Estado do Paraná em um dos mais ricos na produção do
agronegócio.
Irrigação a jato d'água - desperdício |
Quando cortamos o caminho de volta e atravessamos o Paraná nos deparamos
com áreas dominadas pelo agronegócio a perder de vista. Muita riqueza, inegavelmente,
já que a produção para a exportação cresce ano a ano. Mas isso à custa da ocupação
crescente do que resta da Mata Atlântica e de uma rica biodiversidade que vai
se perdendo e afetando o equilíbrio natural. É o que se vê também atravessando
São Paulo. Uma paisagem que impressiona pela capacidade produtiva de extensões
em milhares de hectares de terra cultivada.
Pé de pequi Florido - Sta Rita do TO |
E assim segue por todo percurso de volta para Goiás, passando por Minas
Gerais, do rico Triângulo Mineiro de imensas pastagens e gados zebus a desfilar
em pastos onde antes existiam uma rica biodiversidade do Bioma Cerrado. Se a
Mata Atlântica demorou três séculos para ter 80% de sua área devastada, o
Cerrado foi destruído em cinco décadas, restando menos da metade para ser ainda
eliminado numa aceleração acentuada por aparatos tecnológicos impressionante.
VOLTANDO AO CERRADO, OU AO QUE RESTA DELE
Nessas rodagens por tantos lugares, como me habituei a fazer pelo menos
duas vezes ao ano, pude testemunhar as transformações nas paisagens desde 1995,
quando fiz minha primeira viagem em um Ford Escort Hobby, em direção à Bahia,
mais especificamente para o sertão baiano, Jeremoabo e depois retornando à
Salvador; até a última, neste ano de 2020, antes da Covid19 nos enclausurar, em
que cortei o sudeste em direção ao Sul, para a região dos vinhedos da Serra
Gaúcha.
Mata Atlántica - Gramado (RS) |
As contradições são enormes, entre as mudanças nesses ambientes, com
acelerações produtivas impressionantes, e por outro lado o desaparecimento da
paisagem natural. O Cerrado mais acentuadamente nessas duas décadas, já que a
Mata Atlântica já passara por uma intensa destruição há tempos e o que se vê é
alteração na cultura, substituição no que se produz. Mas em algumas partes,
principalmente do Paraná e Santa Catarina, houve um elevação acentuada na substituição
de matas por áreas plantadas. Há uma diferença nesses estados em relação aos
demais, a quantidade bem maior de cooperativas, que reflete uma concepção
metodológica advinda da própria forma de ocupação, embora o grau de devastação
seja o mesmo, e isso é inevitável no modelo de agronegócio existente no país.
São pequenas ainda as iniciativas de agrofloresta, cujo objetivo é produzir em
meio ao ambiente natural existente.
BR - 020 |
Mas quando digo de contradição, para além dessa comparação do que era
bioma e o que se tornou em termos de espaços produtivos, é o crescimento das
cidades. No percurso para o Sul o crescimento é das médias cidades, tornando-se
portentosas na esteira do desenvolvimento de um interior agrário. A
modernização não se deu somente no campo, em grandes fazendas onde as
tecnologias se impõem, mas também no estilo das cidades, com uma intensa
urbanização e transformação em suas paisagens de concreto e asfalto,
interioranas, mas modernizadas.
Na direção ao Nordeste ainda um crescimento urbano mais caótico, das
pequenas cidades com uma pobreza acentuada, e por alguns cantos, da chamada
fronteira agrícola a transformação de cidades antigas, como Barreiras, no Oeste
baiano disputando hegemonia com uma novata, a rapidamente evoluída cidade de
Luis Eduardo Magalhães, antiga currutela chamada de Mimoso do Oeste. Essa foi
uma localidade que vi se transformar assustadoramente. E uso essa adjetivação
porque não vejo outra mais adequada.
BR - O20 |
Da fronteira goiana, dos limites de Posse, até Barreiras o que se vê de um
lado e outro da Rodovia BR-020, é uma imensidão de terras plantadas por
algodão, milho ou soja. A perder de vista. O que nos dá a impressão que a lei
exigindo a manutenção de pelo menos 20% da paisagem natural não é respeitada. O
horizonte é infinito nessa paisagem terrivelmente trágica, sem vida, com aviões
pulverizadores de agrotóxicos a cruzar a rodovia por sobre as nossas cabeças e
por quilômetros sentimos o cheiro macabro do que garante a produtividade das
commodities, mas nos envenena pouco a pouco. Quando vemos o verde se elevando,
logo notamos que se trata de plantações de eucalipto, ou de pinho, em matas
artificiais sem pássaros.
BR-153 (to) |
No entanto não deixa de ser impressionante o quanto isso atrai
investimentos e populações que se deslocam a procura de emprego, e essas
cidades vão crescendo, trazendo também as desigualdades das grandes cidades,
porque em alguns casos os empregos são temporários e as periferias vão surgindo
e ampliando o cinturão de miséria. Mas ver uma cidade crescer em meio ao que
antes era um ambiente tido como improdutivo é impressionante. Posso dizer que
acompanhei, senão ano a ano, mas pelo menos a cada três anos, a maneira como se
deu a transformação na paisagem do cerrado na transição para a caatinga.
Vereda |
Essa é uma região rica em recursos hídricos, mas após essa intensa
transformação que afeta sobremaneira a biodiversidade do Cerrado, tem havido
conflitos decorrentes da destruição de mananciais, principalmente das
nascentes, por causa de desmatamentos e uso da água para irrigação. A ponto de
gerar uma enorme reação da população, no que foi chamado de “levante dos
ribeirinhos”, na cidade de Correntina, já em outra direção, oposta à de
Barreiras, na defesa do Rio Corrente.
Depois de Correntina, e Santa Maria da Vitória, se encontra Bom Jesus da
Lapa, de uma beleza ímpar à beira do Rio São Francisco, com grutas e cavernas
que nos desafiam a explorá-las. Em uma delas construiu-se uma igreja, e por ali
se cultua e reverencia a crença no Bom Jesus, uma das características do povo
do interior brasileiro. Quero destacar um fato, anos atrás, imagino que cerca
de 20 anos, quando ia de Goiás para Salvador, por aquele percurso, e logo após
sair da BR-020, acredito que uns 50 quilômetros adiante, na direção de Bom
Jesus da Lapa, fui forçado a parar o veículo no acostamento devido a uma enorme
tempestade de areia. Algo assustador que eu nunca havia visto. Era o começo da
exploração daquelas terras, e o desmatamento acentuado aliado a preparação do
solo para cultivo gerava esses fenômenos. Naquela região o agronegócio
despontou de tal forma que dali surgiu o município que depois passou a se
tornar o primeiro no PIB agropecuário brasileiro: São Desidério.
Cerrado - TO |
E, assim, depois desse longo relato, retorno à realidade de um
enclausuramento que não permite saber quando poderei retornar às estradas. Mas
já sei a direção. Será mais uma vez rumo ao Nordeste. Depois dessa agonia, nada
melhor do que estar em um ambiente que nos dá alento, em meio a um povo
festeiro e amigável. Mas, sobretudo, por estar ali as minhas raízes. Desta
feita pretendo sair de Goiás para o Sul da Bahia, Porto Seguro, Troncoso e
redondezas, e de lá passando por Salvador e pela Linha Verde, novamente, ir
aportar em João Pessoa, o que para mim poderia ser até um destino definitivo.
Quem sabe.
Mas, por enquanto vou ficando aqui pelo Goiás, esperando Pirenópolis
reabrir isenta de Covid19, e depois, certamente, retornar a Vila Boa de Goiás.
São lugares que nos deslumbram por suas formações históricas, mas também por
suas cachoeiras e por dá uma sensação de liberdade a diferenciar nos estilos
arquitetônicos da cansativa imagem, repetitiva, do cotidiano da metrópole onde
habitamos. Passar, sempre, pelos mesmos lugares é estressante.
Não penso em parar de viajar, e digo sempre aos meus alunos e alunas da
Geografia: Viagem! Não basta somente querer conhecer lugares que nos embelezam,
mas é preciso também conhecer a biodiversidade e as formações sociais, as
condições em que as pessoas vivem nesses lugares, para não nos alienarmos de
realidades que precisam ser conhecidas, principalmente por quem se forma em
Geografia e História, para que tenhamos a real dimensão de suas existências.
Assim, unimos o útil ao agradável e nos despimos de preconceitos.
_____________________________
[1] Quando falo viajar, me refiro a
pegar a estrada, seguir por caminhos rodoviários, que nos dê a possibilidade de
observar as paisagens. E não somente viajar de avião, descer em um aeroporto,
pegar um taxi e se deslocar para um hotel e dali para os pontos escolhidos e
que se destacam pelas belezas. É isso também. Mas por aeronaves deixamos de ter
o contato com as pessoas, a não ser nos apertos horríveis desses aviões. Ver o
cotidiano de cidades pequenas, vilarejos pobres, os entornos das grandes
metrópoles, as vegetações, e o transitar de caminhões que transportam produtos,
mercadorias, que iremos encontrar nos shoppings e mercados.
FOTOS QUE NÃO COUBERAM NO TEXTO, MAS MARCAM UMA PAIXÃO - VIAJAR!
ESSA É APENAS UMA PEQUENA PARTE DE UM ENORME MOSAICO DE HISTÓRIAS E GEOGRAFIAS
Marco das três fronteiras - Foz do Iguaçu |
Lago de Itaipu - Rio Paraná |
Casa Valduga - Bento Gonçalves (RS) |
Cataratas do Iguaçu |
Itaipu |
Garganta do diabo - Puerto Iguazu |
Marco das três fronteiras - Foz do Iaugaçu |
Marco das Três Fronteiras - Foz do Iguaçu |
Montevidéu - Uruguai |
Casa Rosada - Buenos Aires |
Carol - Canasvieiras - Florianópolis |
Montevidéu - Rio da Prata |
Congresso Nacional - Buenos Aires |
Vitórias Régias - Museu Emílio Goeldi - Belém (PA) |
Casa Rosada - Sede do governo argentino - Buenos Aires |
BR-153 entre São Geraldo e a Transamazônica (Foto Tereza Sobrera) |
Serra das Andorinhas - PA (Foto Tereza Sobrera) |
Farol da Barra - Salvador |
Maldonado (Puenta Del Leste) - Uruguai |
Museu Emílio Goeldi - Belém |
Portal em São Luís do Maranhão |
Rio Itacaiúnas - Marabá (PA) |
Barra da Lagoa - Florianópolis (SC) |
Lagoa da Conceição - Florianópolis (SC) |
Canoa Quebrada - CE |
Mangue - catador de caranguejo - Delta do Parnaíba (PI/MA) |
Divisa Rio Grande do Norte - Ceará |
Nordeste |
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