Em 2012, no seu começo, escrevi uma
série de seis artigos denominados “Crônicas de um mundo em transe”. Neles analisei o Brasil em meio à crise econômica; o mundo dominado pelas grandes corporações; o limite das
contradições capitalistas; a guerra como saída para a crise
mundial; e, a guerra silenciosa, com a ação de espiões e a tecnologia dos drones. Os links
para esses artigos seguem no final do texto [1].
Relendo-os, no geral não creio ter
me equivocado na análise da crise que se espalhava pelo mundo naquele momento.
De lá para cá o que vimos foi a radicalização de um comportamento gerado pelas
dificuldades, principalmente dos grandes Estados em sair do imbróglio
econômico, causado pela necessidade que eles tiveram de salvar
grandes corporações da bancarrota, numa situação em que ameaçava todo o
sistema financeiro. A crise se espalhou, contaminou depois dos EUA a Europa, o
Japão e seguiu em direção à América Latina e a Ásia. Em meio aos desequilíbrios
econômicos, a necessidade de manter a hegemonia do império estadunidense, levou
a que a estratégia dos “falcões” da era Bush fosse substituída pelo “soft Power”
(poder brando), onde a diplomacia e as ações de ingerências políticas e
culturais assumem uma relevância maior nas relações internacionais, a fim de
manter a influência e a hegemonia.
AS
LOUCURAS DO IMPÉRIO
Por trás desse abrandamento
explícito das ações militares (não mais invasões de grandes contingentes de
soldados), no entanto, o poder estadunidense, juntamente com seus aliados, ou
às vezes também contra eles, escondia forte atuação no âmbito das atividades de
espionagens, de controle das informações por mecanismos ilegais de escutas e
monitoramento de redes de internet, dos assassinatos seletivos sem julgamentos
praticados com o uso de drones, e do financiamento de ONGs e de grupos armados para
desestabilizar governos que não fossem subservientes aos seus interesses.
O mundo, assim, entrou em uma
espiral perigosa, e a disseminação da crise econômica seguiu acompanhada por
crises políticas, desestabilização de governos, falências de Estados e
ampliação da rede terrorista no Oriente Médio, África e Europa. A guerra ao
terrorismo não passou de uma estratégia dos Estados Unidos para gerar
instabilidades em alguns países, cujos governos não eram confiáveis e se
localizavam em áreas ricas em recursos energéticos, ou por sua localização. A
chamada “Primavera Árabe”, expressão equivocada que procurava se inspirar no
simbolismo das revoluções burguesas do século XIX, passou a fazer parte do
objetivo estadunidense de abalar as estruturas políticas dos países do Oriente
Médio, gerar o caos e alimentar a indústria de guerra. Parece inacreditável, é
um paradoxo, mas é fato denunciado até mesmo por quem já fez parte do
oficialato do exército dos Estados Unidos, o General Wesley Clark.[2]
O que a política externa
estadunidense preparou para o Oriente Médio e África, seria também implementada
na fronteira da Rússia e na América Latina. O Soft Power do governo Obama, contudo, encobria ações de espionagem
e o financiamento de revoluções, revoltas e radicalizações populares, com o
intuito de criar dificuldades políticas para países selecionados dentre aqueles
que possuem importâncias estratégicas na grande política global. Ou pelo seu
poder de força e influência, ou pelo possível crescimento econômico e catalisação
de liderança regional.
Essa estratégia dos EUA não é nova,
baseia-se na teoria da contenção, pela qual as ações bélicas e as relações
internacionais devem se antecipar ao surgimento e crescimento de governos
inamistosos e de inimigos que venham a ameaçar a sua integridade territorial.
Ela segue os elementos contidos na Doutrina de Segurança Nacional, reforçados
em 2001 com o Patriot Act. As neuroses criadas a partir do ataque ao World
Trade Center impuseram uma radicalização nessas posições, contudo elas já eram
aplicadas desde antes da Guerra Fria, e foram elaboradas por Nicholas Spykman
com o objetivo de isolar a União Soviética. Constituía-se em criar uma área em
torno do Cáucaso e na região denominada Eurásia que fosse refratária à
influência do poder soviético.
Essa política reforçou a crescente
indústria da guerra e levou à proliferação de bases militares estadunidenses
por todo um arco denominado “Rimland”. Era preciso isolar o “Heartland”, assim
denominado por Halford Mackinder, geopolítico britânico, que identificava
aquela região como potencialmente geradora de um poder que faria com que, quem
a controlasse, dominasse o mundo. Spykman, sem negar a teoria de Mackinder,
afirmava que bastava isolar o “heartland”, e para tanto seria necessário aos
Estados Unidos impor pela força o controle de fronteiras estratégicas ao seu
redor.
As estratégias da Guerra Fria, já
sem a presença viva de Spykman, tiveram prosseguimento com suas teorias
geopolíticas, desta feita sendo aplicadas por outro estrategista que esteve
presente em alguns governos democratas estadunidenses, embora com influência no
governo do republicano Richard Nixon, principalmente em relação à estratégia de
apoio aos mujahedins afegãos: Zbigniew
Brzezinski.
Ao fim da Guerra Fria, e nas
sucessivas quedas de governos socialistas, executaram-se ações que visavam
trazer para a influência ocidental a lealdade dos novos governantes. O
financiamento desses governos, mediante empréstimos que deveriam seguir compromissos
firmados com o recém criado Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a União
Européia, os mantinham sob controle político. A inserção desses países na
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), completava militarmente esse
controle. Aqueles que ousassem se recusar, e tentassem seguir por uma linha
independente, ou de proximidade com a Rússia, passavam a sofrer sucessivas
ações de desestabilizações, mediante revoltas populares incendiadas por grupos
financiados por ONGs que atuavam a serviços desses objetivos geopolíticos.
Aparentemente essas revoltas eram creditadas às insatisfações populares e
vistas como atos democráticos, cujas populações manifestavam-se contra governos
impopulares.
O
MUNDO COM MAIS GUERRAS, CAÓTICO E MENOS SEGURO
Essa estratégia desmedida não
poderia fazer do mundo um lugar mais seguro. A disseminação de revoltas por
todos os continentes, a fim de atender os interesses de uma potência hegemônica
em decadência, obviamente traria efeitos colaterais perversos, pois seria
impossível controlar tantos países em débâcles.
Assim como era previsível o fracasso da chamada “guerra ao terror”, na medida
em que visava um alvo invisível, espalhado por várias partes do mundo, e
disseminado no ódio gerado pelas consequências das políticas agressivas,
acentuadas pela crise econômica.
Na medida em que agia segundo a
liturgia de uma política externa que apresentava agendas positivas, de
negociações com inimigos históricos, como o Irã e Cuba, os Estados Unidos
jogavam duro, e baixo, para derrubar dezenas de governos. Em algumas situações,
países simplesmente tornaram-se ambientes caóticos, desprovidos de
Estados-Nações, e o desgoverno passou a fazer parte de uma realidade onde proliferam
grupos armados regionais, que se fortalecem, se unificam ao lado da Al Qaeda ou
do Exército Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS). Na obsessão de derrotar
governos visados por essas políticas, e seguindo-se as estratégias geopolíticas
citadas acima, os EUA, juntamente com seus aliados europeus, armaram grupos
sectários, cientes de suas periculosidades e das proximidades com a Al Qaeda. A
regra adotada nesses casos foi a velha máxima popular, “o inimigo de meu
inimigo é meu amigo”.
"o equivalente moral de nossos fundadores" (Ronald Reagan, sobre os mujahedins) |
Assim, e ao mesmo tempo em que conseguia
diminuir o impacto da crise econômica com a velha e oportuna indústria da
guerra, vendendo armas para os grupos incitados com o objetivo de derrubar os
governos indesejáveis, os EUA deram poder excessivo a quem não devia e não
poderia controlar. Repetiram os mesmos erros cometidos quando armaram o Talibã
para derrubar os Soviéticos no Afeganistão e a Al Qaeda como suporte para essa
ação. Tornaram-se responsáveis pelo surgimento do ISIS e pelo fortalecimento da
Al Qaeda na península arábica, onde uma franquia dessa organização tomou o
controle do Iêmen, assim como entregou o poder a grupos armados, alguns também
ligados à Al Qaeda na Líbia, destruindo o poder estatal daquele país, hoje
fatiado e dominado regionalmente por esses grupos.
E prosseguem no mesmo equívoco,
armando agora o exército curdo, povo apátrida, que lutam por um território há
décadas, e se espalham entre o Irã, Iraque, Síria e Turquia. A sequência dessa
situação, será a desestabilização da Turquia, onde milhões de curdos são
oprimidos pelo governo daquele país, majoritariamente muçulmano.[3]Embora
convivam com uma grande diversidade religiosa, os curdos também são em sua
maioria adeptos do Islã. Os embates se dão mais por aspectos étnicos do que
religiosos. O resultado dessas ações no Oriente Médio será uma nova redivisão
territorial, mas isso deve demorar. Até lá o que irá marcá-la será o caos, e a
absoluta ausência de governos e Estados debilitados sob o controle de grupos tribais
armados e sectários.
Estados caóticos parecem ser mais
úteis aos objetivos estratégicos dos EUA, do que dominados por grupos hostis à
sua política internacional. A democracia percebe-se, passa longe de ser o objetivo
a ser alcançado, e a tentativa de desestabilizar governos latino-americanos,
seguindo-se essa mesma estratégia, parece comprovar isso.
Numa crise que amplia sua dimensão,
da falência econômica das maiores potências mundiais, para um quadro de
redefinições geopolíticas e de crescentes tensões, é impossível compreender a
atual crise política e econômica brasileira sem inseri-la nesse contexto maior.
O Brasil, país com maior dimensão territorial da América do Sul, uma potência
emergente que possui uma enorme vastidão de riquezas e abriga a maior floresta
do mundo, rica em biodiversidade e recursos hídricos e minerais, cuja
influência regional cresceu nas duas últimas décadas, jamais passaria imune às
investidas dos interesses estratégicos geopolíticos dos EUA.
Mais ainda quando o Brasil passa a
entrar no seleto grupo de países com enormes reservas de petróleo e quando toma
medidas para manter essa riqueza sob controle do Estado. Não somente o Brasil,
mas o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), passa a ser
objeto de preocupações do poder imperial estadunidense, pois começam a adotar
políticas e estabelecerem relações que ameaçam a sua hegemonia mundial. A crise
brasileira será analisada a seguir, dentro desse contexto de crise mundial.
[1] Crônicas de um mundo em transe – Links:
www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2012/01/cronica-de-um-mundo-em-transe-final.html
www.gramaticadomundo.blogspot.com.br/2012/01/cronica-de-um-mundo-em-transe-final.html
Nessa entrevista de 02 de Março de 2007, o General
Wesley Clark, aposentado de 4 estrelas do Exército dos EUA e Comandante Supremo
Aliado da OTAN durante a Guerra do Kosovo, relata um encontro com militares do
Pentágono e a conversa que se estabeleceu a respeito da guerra no Oriente
Médio.
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