segunda-feira, 6 de abril de 2015

CRÔNICAS DE UM MUNDO EM TRANSE – A LOUCURA CONTINUA

Em 2012, no seu começo, escrevi uma série de seis artigos denominados “Crônicas de um mundo em transe”. Neles analisei o Brasil em meio à crise econômica; o mundo dominado pelas grandes corporações;  o limite das contradições capitalistas;  a guerra como saída para a crise mundial; e, a guerra silenciosa, com a ação de espiões e a tecnologia dos drones. Os links para esses artigos seguem no final do texto [1].
Relendo-os, no geral não creio ter me equivocado na análise da crise que se espalhava pelo mundo naquele momento. De lá para cá o que vimos foi a radicalização de um comportamento gerado pelas dificuldades, principalmente dos grandes Estados em sair do imbróglio econômico, causado pela necessidade que eles tiveram de salvar grandes corporações da bancarrota, numa situação em que ameaçava todo o sistema financeiro. A crise se espalhou, contaminou depois dos EUA a Europa, o Japão e seguiu em direção à América Latina e a Ásia. Em meio aos desequilíbrios econômicos, a necessidade de manter a hegemonia do império estadunidense, levou a que a estratégia dos “falcões” da era Bush fosse substituída pelo “soft Power” (poder brando), onde a diplomacia e as ações de ingerências políticas e culturais assumem uma relevância maior nas relações internacionais, a fim de manter a influência e a hegemonia.
AS LOUCURAS DO IMPÉRIO
Por trás desse abrandamento explícito das ações militares (não mais invasões de grandes contingentes de soldados), no entanto, o poder estadunidense, juntamente com seus aliados, ou às vezes também contra eles, escondia forte atuação no âmbito das atividades de espionagens, de controle das informações por mecanismos ilegais de escutas e monitoramento de redes de internet, dos assassinatos seletivos sem julgamentos praticados com o uso de drones, e do financiamento de ONGs e de grupos armados para desestabilizar governos que não fossem subservientes aos seus interesses.
O mundo, assim, entrou em uma espiral perigosa, e a disseminação da crise econômica seguiu acompanhada por crises políticas, desestabilização de governos, falências de Estados e ampliação da rede terrorista no Oriente Médio, África e Europa. A guerra ao terrorismo não passou de uma estratégia dos Estados Unidos para gerar instabilidades em alguns países, cujos governos não eram confiáveis e se localizavam em áreas ricas em recursos energéticos, ou por sua localização. A chamada “Primavera Árabe”, expressão equivocada que procurava se inspirar no simbolismo das revoluções burguesas do século XIX, passou a fazer parte do objetivo estadunidense de abalar as estruturas políticas dos países do Oriente Médio, gerar o caos e alimentar a indústria de guerra. Parece inacreditável, é um paradoxo, mas é fato denunciado até mesmo por quem já fez parte do oficialato do exército dos Estados Unidos, o General Wesley Clark.[2]
O que a política externa estadunidense preparou para o Oriente Médio e África, seria também implementada na fronteira da Rússia e na América Latina. O Soft Power do governo Obama, contudo, encobria ações de espionagem e o financiamento de revoluções, revoltas e radicalizações populares, com o intuito de criar dificuldades políticas para países selecionados dentre aqueles que possuem importâncias estratégicas na grande política global. Ou pelo seu poder de força e influência, ou pelo possível crescimento econômico e catalisação de liderança regional.
Essa estratégia dos EUA não é nova, baseia-se na teoria da contenção, pela qual as ações bélicas e as relações internacionais devem se antecipar ao surgimento e crescimento de governos inamistosos e de inimigos que venham a ameaçar a sua integridade territorial. Ela segue os elementos contidos na Doutrina de Segurança Nacional, reforçados em 2001 com o Patriot Act. As neuroses criadas a partir do ataque ao World Trade Center impuseram uma radicalização nessas posições, contudo elas já eram aplicadas desde antes da Guerra Fria, e foram elaboradas por Nicholas Spykman com o objetivo de isolar a União Soviética. Constituía-se em criar uma área em torno do Cáucaso e na região denominada Eurásia que fosse refratária à influência do poder soviético.
Essa política reforçou a crescente indústria da guerra e levou à proliferação de bases militares estadunidenses por todo um arco denominado “Rimland”. Era preciso isolar o “Heartland”, assim denominado por Halford Mackinder, geopolítico britânico, que identificava aquela região como potencialmente geradora de um poder que faria com que, quem a controlasse, dominasse o mundo. Spykman, sem negar a teoria de Mackinder, afirmava que bastava isolar o “heartland”, e para tanto seria necessário aos Estados Unidos impor pela força o controle de fronteiras estratégicas ao seu redor.
As estratégias da Guerra Fria, já sem a presença viva de Spykman, tiveram prosseguimento com suas teorias geopolíticas, desta feita sendo aplicadas por outro estrategista que esteve presente em alguns governos democratas estadunidenses, embora com influência no governo do republicano Richard Nixon, principalmente em relação à estratégia de apoio aos mujahedins afegãos: Zbigniew Brzezinski.
Ao fim da Guerra Fria, e nas sucessivas quedas de governos socialistas, executaram-se ações que visavam trazer para a influência ocidental a lealdade dos novos governantes. O financiamento desses governos, mediante empréstimos que deveriam seguir compromissos firmados com o recém criado Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a União Européia, os mantinham sob controle político. A inserção desses países na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), completava militarmente esse controle. Aqueles que ousassem se recusar, e tentassem seguir por uma linha independente, ou de proximidade com a Rússia, passavam a sofrer sucessivas ações de desestabilizações, mediante revoltas populares incendiadas por grupos financiados por ONGs que atuavam a serviços desses objetivos geopolíticos. Aparentemente essas revoltas eram creditadas às insatisfações populares e vistas como atos democráticos, cujas populações manifestavam-se contra governos impopulares.
O MUNDO COM MAIS GUERRAS, CAÓTICO E MENOS SEGURO
Essa estratégia desmedida não poderia fazer do mundo um lugar mais seguro. A disseminação de revoltas por todos os continentes, a fim de atender os interesses de uma potência hegemônica em decadência, obviamente traria efeitos colaterais perversos, pois seria impossível controlar tantos países em débâcles. Assim como era previsível o fracasso da chamada “guerra ao terror”, na medida em que visava um alvo invisível, espalhado por várias partes do mundo, e disseminado no ódio gerado pelas consequências das políticas agressivas, acentuadas pela crise econômica.
Na medida em que agia segundo a liturgia de uma política externa que apresentava agendas positivas, de negociações com inimigos históricos, como o Irã e Cuba, os Estados Unidos jogavam duro, e baixo, para derrubar dezenas de governos. Em algumas situações, países simplesmente tornaram-se ambientes caóticos, desprovidos de Estados-Nações, e o desgoverno passou a fazer parte de uma realidade onde proliferam grupos armados regionais, que se fortalecem, se unificam ao lado da Al Qaeda ou do Exército Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS). Na obsessão de derrotar governos visados por essas políticas, e seguindo-se as estratégias geopolíticas citadas acima, os EUA, juntamente com seus aliados europeus, armaram grupos sectários, cientes de suas periculosidades e das proximidades com a Al Qaeda. A regra adotada nesses casos foi a velha máxima popular, “o inimigo de meu inimigo é meu amigo”.
"o equivalente moral de nossos fundadores"
(Ronald Reagan, sobre os mujahedins)
Assim, e ao mesmo tempo em que conseguia diminuir o impacto da crise econômica com a velha e oportuna indústria da guerra, vendendo armas para os grupos incitados com o objetivo de derrubar os governos indesejáveis, os EUA deram poder excessivo a quem não devia e não poderia controlar. Repetiram os mesmos erros cometidos quando armaram o Talibã para derrubar os Soviéticos no Afeganistão e a Al Qaeda como suporte para essa ação. Tornaram-se responsáveis pelo surgimento do ISIS e pelo fortalecimento da Al Qaeda na península arábica, onde uma franquia dessa organização tomou o controle do Iêmen, assim como entregou o poder a grupos armados, alguns também ligados à Al Qaeda na Líbia, destruindo o poder estatal daquele país, hoje fatiado e dominado regionalmente por esses grupos.
E prosseguem no mesmo equívoco, armando agora o exército curdo, povo apátrida, que lutam por um território há décadas, e se espalham entre o Irã, Iraque, Síria e Turquia. A sequência dessa situação, será a desestabilização da Turquia, onde milhões de curdos são oprimidos pelo governo daquele país, majoritariamente muçulmano.[3]Embora convivam com uma grande diversidade religiosa, os curdos também são em sua maioria adeptos do Islã. Os embates se dão mais por aspectos étnicos do que religiosos. O resultado dessas ações no Oriente Médio será uma nova redivisão territorial, mas isso deve demorar. Até lá o que irá marcá-la será o caos, e a absoluta ausência de governos e Estados debilitados sob o controle de grupos tribais armados e sectários.
Estados caóticos parecem ser mais úteis aos objetivos estratégicos dos EUA, do que dominados por grupos hostis à sua política internacional. A democracia percebe-se, passa longe de ser o objetivo a ser alcançado, e a tentativa de desestabilizar governos latino-americanos, seguindo-se essa mesma estratégia, parece comprovar isso.
Numa crise que amplia sua dimensão, da falência econômica das maiores potências mundiais, para um quadro de redefinições geopolíticas e de crescentes tensões, é impossível compreender a atual crise política e econômica brasileira sem inseri-la nesse contexto maior. O Brasil, país com maior dimensão territorial da América do Sul, uma potência emergente que possui uma enorme vastidão de riquezas e abriga a maior floresta do mundo, rica em biodiversidade e recursos hídricos e minerais, cuja influência regional cresceu nas duas últimas décadas, jamais passaria imune às investidas dos interesses estratégicos geopolíticos dos EUA.
Mais ainda quando o Brasil passa a entrar no seleto grupo de países com enormes reservas de petróleo e quando toma medidas para manter essa riqueza sob controle do Estado. Não somente o Brasil, mas o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), passa a ser objeto de preocupações do poder imperial estadunidense, pois começam a adotar políticas e estabelecerem relações que ameaçam a sua hegemonia mundial. A crise brasileira será analisada a seguir, dentro desse contexto de crise mundial.



Nessa entrevista de 02 de Março de 2007, o General Wesley Clark, aposentado de 4 estrelas do Exército dos EUA e Comandante Supremo Aliado da OTAN durante a Guerra do Kosovo, relata um encontro com militares do Pentágono e a conversa que se estabeleceu a respeito da guerra no Oriente Médio.

[3] Os Curdos, uma peça esquecida no xadrez do Oriente Médio -



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