“Não me importo com seu pensamento lento.
O que me importa é você publicar mais rápido do que
pode pensar”
Wolfgang Pauli (Prêmio Nobel de Física)[1]
Talvez eu não seja o primeiro a
tecer comentários bem diretos sobre comportamentos adotados pelos que vivem o
cotidiano do ambiente universitário. Certamente esse olhar que transmitirei
aqui não é exclusivo meu, muitos sabem, vivem e também tentam sobreviver em
circunstâncias de absoluta pressão e a uma lógica de inversão de valores e de
discursos moralistas, escorados em regras rígidas definidas por parâmetros estatísticos e qualidades duvidosas.
Esse ambiente é, em
verdade, um microcosmo da própria sociedade. Onde vicejam os vícios, e os ditos “pecados
capitais”, que permeiam o cotidiano da vida de muitos indivíduos,
principalmente os citadinos. Por ali passeia a inveja, a ambição, a vaidade, o
rancor...
Mas não são características que estão
presentes na maioria dos que compõem o universo universitário. Como na
sociedade, são minorias. No entanto, da mesma forma que nesta, esses
comportamentos são os que definem os ritos, e impõem rigores mediante regras
burocráticas e discursos pautados numa moralidade duvidosa, mas que por sua
veemência, e por estar escorados em princípios de uma modernidade impositiva
que se tornou paradigma desde a virada do século XX, assume ares de verdades e
inibe os que eventualmente divirjam. Esses, mesmo que se manifestem sofrem uma
espécie de bullying inquisitivo.
“Afirmo que há um elo
causal entre a demanda corporativa pelo aumento da produtividade e o
esvaziamento, em todas as publicações, de qualquer significação que não seja
gerar números” (Wolfgang Pauli)[2]
Nesse ambiente, pouco importa o que
se fez. A história é descartada e o papel desempenhado por alguém no processo
de consolidação dessa instituição é desvalorizado, passando a valer meramente o
que se faz agora, ou nos últimos três anos, desde que dentro de exigências rígidas
baseadas em titularidades e em quantidades de atividades, de pesquisas e de
publicações, muitas vezes inexpressivas, de baixa validade, qualidades
duvidosas e pouco, ou quase nenhum, conhecimento da sociedade. Mas seguem os
padrões burocráticos e estatísticos exigidos pelas agencias de fomentos, tornados
universais desde a década de 1990, seguindo-se as mudanças “pós-modernas”
disseminadas pelas potencias centrais, europeias e EUA.
A pós-modernidade desvaneceu-se em
meio à crise econômica da primeira década deste século, que persistem nos dias
atuais, mas seus valores permaneceram, mais ainda dentro da universidade,
porque se tornou paradigmática para uma geração de novos doutores que souberam
muito bem adaptar-se a essas mudanças, e assim tornaram-na incrustada nos
conselhos, comissões, órgãos administrativos universitários e agencias de fomentos.
Passou a ser a regra.
Os editais reproduzem essas
exigências e descartam os que, no passado, possam ter dado contribuições
relevantes para avanços substanciais no presente dessas instituições. As
progressões e promoções nos impõem ritos burocráticas e impedem nossa liberdade
em adotar outros mecanismos de envolvimento de alunos no debate sobre questões
essenciais que marcam nossa realidade contemporânea. Aliás, os alunos são
vistos também dentro desta ótica, e garimpados aqueles de melhor nível
intelectual, sendo descartado os demais. Deixamos, por assim, de nos preocupar
com aqueles alunos que apresentam maiores dificuldades de aprendizado. Os
incluídos são os que porventura tenham requisitos necessários para servirem de
suportes às atividades de seus orientadores.
Nos tornamos ouvidos moucos, e nos
fechamos em copas, tornando irrelevante a participação da universidade nos
destinos da nação. Se engajar na luta sindical ou política, não nos permite “pontuar”
e pode ser empecilho para uma possível ascensão na carreira. Assim, mais do que
viver a realidade que nos cerca e na qual vivemos, faz-se mais importante
produzir algo sobre ela, ao longe, com artigos devidamente citados por tantos
outros que, também ao longe, tentam entender como gira o mundo e se comportam
os que ali vivem.
Vivemos uma espiral de citações e de
vaidades arrogantes e se gasta dinheiro em muitas pesquisas cujo objetivo
principal é alcançar o próprio umbigo. Mas isso garante convites para bancas e
debates onde se podem ostentar conhecimentos limitados, apresentados como
absolutas verdades, proferidos por autoridades irrefutáveis. Repete-se por
eventos, anos a fio, concepções superficiais e especializadas que,
efetivamente, em nada contribuem para transformar a sociedade. Ressoa dentro de
uma redoma, mas incha o ego dos que se julgam donos da verdade.
Para tornar mais paradoxal essa
realidade, modificada recentemente pela nossa nova carreira, muitos adentraram
a universidade no meio dela, posto que numa situação bizarra conseguiram atingir
o topo, em situações de metade do tempo em que tantos outros atingiram pelo
tempo de permanência, muito embora eventualmente por circunstâncias diversas
não terem atingido o grau de doutoramento. Muitos professores, alguns dos quais
em vias de aposentarem, e já tendo vivido décadas contribuindo com a
universidade, tiveram que submeter-se ao discurso arrogante de jovens recém doutorados,
incensados à condição de “produtivos”, mas, naturalmente criados nesse ambiente
pós-moderno, burocratizado e produtivista, onde quantidade sobrepõe-se à
qualidade e a experiência perde para uma rígida especialização, que, pelo
título, transmite ares de plena competência, e impulsiona o comportamento
arrogante.
A Universidade, hoje, é isso. O
esteio de uma produção burocratizada, onde o que se produz dentro dela, em
muitas áreas, embora de maneira desequilibrada entre elas, não ocupa nenhuma
lista de produções vistas, validadas e reconhecidas pela sociedade. O que não
impede que a vaidade e arrogância acompanhem os discursos mais empedernidos.
Tudo isso é parte de um sistema anacrônico, de um arremedo de cópias mal
feitas, de uma política científica escoradas nas universidades públicas, quando
deveriam ser buscadas alternativas que pudessem separar a rigidez produtivista
da necessidade de se manter um sistema acadêmico dinâmico e vivo, sem perder a
relação com a pesquisa e a extensão, mas sem a excessiva burocratização e o
enrijecimento das iniciativas que considerem qualidades e características de
cada profissional.
“Como um físico da UFPE, cheguei à
conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele
não preenche todos os pré-requisitos – número de orientandos de mestrado, de
doutorado…” (Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro)[3]
Assim, por mais que seu histórico
dentro dessa instituição seja repleto de contribuições e sua participação
política tenha sido destacada em vários momentos de crise pela qual passamos ao
longo do tempo, nada vale sem uma produção que atenda as exigências burocráticas
rígidas. E nessa equação a sala de aula passou a ser o último refúgio do
excêntrico produtivista. Ela atrapalha a produção, impede pelo esforço de lidar
com alunos cada vez mais alheios à leitura. Inclusive ao que produzimos ali
dentro. Somente a exigência de horas necessárias a serem cumpridas é o que
ainda mantém alguns nessa “atividade estressante” e “improdutiva”.
Mas o tempo, a passividade e o
discurso arrogante e ostensivo dos que se adaptaram a esse estilo, e não por
serem necessariamente os mais capacitados, fazem com que a normalidade da
universidade seja essa. E isso transforma esse ambiente em um território de
conflitos, disputas e confrontos de vaidades, em que não se considera o valor
contido nos esforços de tantos que por suas lutas e desprendimentos tornaram-se,
e tornam-se, essenciais na consolidação dessas instituições.
*
Esse artigo não é contra a necessidade de se pesquisar e produzir, mas contra a rigidez
como isso é feito e a cultura que se criou a partir daí, gerando uma pressão
interna intensa e disseminando oportunismos e tribunais inquisitoriais. Bem
como desvalorizando outras atividades acadêmicas estabelecendo-se parâmetros duvidosos
qualitativos e quantitativos.
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**Após
ter postado este texto recebi de uma amiga, que a leu em concordância, um interessante
artigo que eu não conhecia, mas que aborda a mesma questão com muito mais
profundidade. A meu ver atinge a essência do que pretendi analisar e criticar.
Sugiro a leitura:
http://jornalggn.com.br/fora-pauta/normose-a-doenca-da-normalidade-no-mundo-academico
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***Acrescento mais este
artigo, escrito pela professora e pesquisadora Ana Fani Alessandri Carlos, da
Universidade de São Paulo:
CONTRA O PRODUTIVISMO:
UM PROTESTO ISOLADO
http://www.cadernoterritorial.com/news/contra-o-produtivismo-um-protesto-solitario-ana-fani-alessandri-carlos/
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* ATUALIZANDO(24/10/17): Um trabalho de pesquisa demonstra que embora tendo aumentado a produção científica brasileira, caiu a relevância dos artigos publicados. Veja isso numa reportagem publicada este mês:
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2017/10/1927163-brasil-aumenta-producao-cientifica-mas-impacto-dos-trabalhos-diminui.shtml
[1] SGUISSARDI, V. Produtivismo
acadêmico. In:OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. DICIONÁRIO:
trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de
Educação, 2010. CDROM (http://www.gestrado.org/pdf/336.pdf)
[2]
IDEM
[3]Nicolelis: “Einstein não seria
pesquisador A1 do CNPq”. http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-diz-que-sofreu-sabotagem-nos-bastidores.html
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