domingo, 12 de abril de 2015

BRASIL: DA CRISE REAL AO PÂNICO MIDIÁTICO

CRÔNICAS DE UM MUNDO EM TRANSE - (Continuação)

No artigo anterior que postei aqui no Blog, procurei analisar a conjuntura internacional nos últimos anos e as transformações que aconteceram em várias partes do mundo. Penso que é impossível compreender a crise brasileira fora do contexto internacional. As mudanças que aconteceram aqui e na América Latina estão diretamente relacionadas às mudanças na geopolítica mundial desde o 11 de setembro de 2001, com o ataque às torres gêmeas do World Trade Center.
Mais uma vez recorro à série de artigos que escrevi em 2012, denominada “Crônicas de um Mundo em Transe”. Os links encontram-se na postagem citada.[1] Assim, posso aqui fazer referências pontuais a elementos chaves da política desenvolvida pelos Estados Unidos, e seguidas por dezenas de países aliados, no auge da comoção pelo atentado que matou mais de três mil pessoas, na ação mais ousada em solo estadunidense desde a Segunda Guerra Mundial, com os ataques de aviões kamikazes japoneses à base de Pearl Harbor.
As retaliações que vieram a seguir com uma estupenda movimentação de tropas e a invasão de dois países, o Afeganistão e o Iraque, completamente destruídos e com seus governos destituídos, trouxe também um forte efeito colateral. O enorme gasto militar para dar sustentação a deslocamentos de soldados e armas, e o desvio das atenções em relações às políticas da América Latina, foram cruciais para gerar um forte abalo econômico e geopolítico nos interesses estadunidenses. Alie-se a isso forte impacto financeiro causado pela destruição de um símbolo econômico do poder imperial daquele país, e a quase falência da indústria de securitização, uma vez que nas torres encontravam-se escritórios de representação financeira de empresas de vários países, bancos e até mesmo matrizes das próprias grandes seguradoras.
O impacto foi grandioso, pouco medido, mas difícil de ser contestado. Os dois fatores somados, as consequências econômicas geradas pelos atentados e as ações de guerras no Afeganistão e no Iraque, abalaram a maior economia do mundo. Por extensão afetaram boa parte dos países, notadamente os de maiores influências nos mercados internacionais.
Os anos subsequentes foram de profunda insegurança, medo e de endurecimento na vigilância dos cidadãos estadunidenses e, principalmente, de outras partes do mundo. O ambiente gerado por essas medidas afastou a população de centros e áreas importantes, o temor de novos atentados trouxe intranquilidade e fez com que houvesse uma significativa redução do consumo. Isso levou a medidas de incentivos por parte do governo Bush, com redução de taxas de juros, a fim de fazer com que a economia voltasse a funcionar dentro dos padrões da normalidade existente antes de 2001.[2]
Por outro lado, já que as atenções voltavam-se para o Oriente Médio e a Ásia Central, a América Latina deixou de ser uma importante preocupação na geopolítica estadunidense naquele momento. Com isso possibilitou que coalizões de esquerda conseguissem derrotar governos neoliberais, alinhados com os EUA, e seguissem o caminho que a Venezuela trilhara ainda no final do século XX, com a eleição de Hugo Chavez. O Século XXI iniciava-se com uma profunda reviravolta no espectro político internacional, e afetaria os anos seguintes, culminando com a crise econômica que atingiu mundialmente o sistema capitalista e que estourou no ano de 2008.
Mas deixou consequências na Ordem Mundial que viria a tornar o mundo mais inseguro e com uma quantidade maior de conflitos espalhados por praticamente todos os continentes. A América, naturalmente não foi exceção, pelo ambiente tenso gerado pelas alterações de poder, levando muitos governos a adotarem políticas desenvolvimentistas, em contraposição ao forte neoliberalismo que vigorara nos anos 1990. E possibilitou a derrota de um projeto de criação de uma área de livre comércio que reforçaria a influência dos Estados Unidos, a ALCA. Não somente isso, como também uma inversão com o fortalecimento do MERCOSUL, o surgimento da ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) e, principalmente, da UNASUL.
Nenhum impacto foi maior, contudo, dentro do contexto da geopolítica mundial, e não somente regional, do que o surgimento do BRICS, bloco econômico, e geopolítico, que passou a aglutinar o Brasil, a Rússia, a Índia, a China, e, posteriormente, a África do Sul.
Enquanto os EUA se enrolavam cada vez mais em um novelo bélico de difícil saída e fartos gastos econômicos, a geopolítica mundial tomava uma nova direção com o surgimento de novos protagonistas, que cresciam e buscavam estabelecer relações cada vez mais sólidas, tanto política quanto econômica.
Nem mesmo a crise econômica foi capaz de frear o ímpeto desse novo bloco. As políticas de proteção social e de distribuição de rendas, em que o Brasil foi o principal país a formular ações fundamentais que as consolidaram, garantiram um forte aquecimento na economia e deram tranquilidade para passar a turbulência daquele ano. Ao contrário do que acontecia no resto do mundo e, em especial nos EUA. Foi essa a razão do então presidente Luis Inácio Lula da Silva ter utilizado a palavra “marolinha”, para se referir à crise, advogando a certeza de que ela não afetaria o Brasil.
O que fez a diferença para que a crise não afetasse o Brasil? Seguramente o otimismo injetado na sociedade com uma fase de confiança jamais vista na sociedade brasileira. Isso aliado ao forte aquecimento de uma economia que vicejava internamente, impulsionada por programas sociais de transferências de rendas com maior destaque para o Bolsa Família. Aí, com certeza, encontra-se a razão do acirramento do ódio da classe dominante e dos setores conservadores. Não somente porque reforçava o poder dos setores de esquerda, liderados pelo Partido dos Trabalhadores, mas também porque esse programa quebrava a velha instrumentalização da pobreza, com as chamadas políticas dos grotões, reminiscência do período pós-colonial e da estruturação da política tradicional que tornava em favores o que deveria ser obrigatoriamente políticas públicas.
Com isso, criava-se a dependência dos mais pobres aos “coronéis” que dominava o poder político regional, bem como a subserviência com que essas populações tratavam os mais ricos. Hábitos enraizados que se mantêm até os dias atuais, com os tratamentos de “doutor” a médicos, advogados, engenheiros, sem que os mesmos tivessem, de fato, essa titularidade. Doutores eram aqueles que se situavam no topo da pirâmide, a quem era devido uma subimissão secular, e que por todo esse tempo representou um forte componente para o preconceito, despertado na última campanha eleitoral e potencializado pelas medidas de inclusão social. O resgate da cidadania das empregadas domésticas inclui-se nesse rol, mas também uma razão a mais da insatisfação da classe média alta e burguesia brasileira.
Pelo interior do Brasil, nas pequenas e médias cidades, essas mudanças eram visíveis. Os investimentos em obras públicas, através dos Programas de Aceleração de Crescimento (PAC), Luz para todos, Minha casa minha vida, e da distribuição de centenas de unidades de ensino tecnológico, aliado a fortes investimentos em educação superior, com ampliação de estruturas, aumento do número de cursos e novas universidades que surgiram em locais distantes dos grandes centros urbanos, foram fatores que deram forte impulso ao desenvolvimento interno brasileiro.
A abertura de inúmeras linhas de créditos nos bancos públicos, BNDES, Banco do Brasil e Caixa, com taxas bem abaixo das cobradas no mercado, constituíram-se em mecanismos eficazes de financiamento para que a população pudesse incrementar a economia via consumos de produtos tecnológicos e de utensílios domésticos. Ao mesmo tempo, esses setores tiveram suas cargas tributárias diminuídas, com a redução do imposto sobre produtos industrializados. O mesmo foi feito em relação à indústria automobilística (neste caso com o IPI chegando a zero), um dos setores de maior geração de empregos em toda a sua cadeia produtiva. Ao lado da indústria da construção civil, esta impulsionada pelos programas habitacionais e pelos fortes investimentos via PAC.
Essas iniciativas deram certo durante os três mandatos, de Lula e Dilma Roussef , muito embora os avanços tivessem sido significativos, o combate a essas medidas, mesmo com aprovação internacional e repercussão positiva na própria ONU para muitos programas sociais brasileiros, principalmente o Bolsa Família, a reação internamente era muito forte por parte dos setores conservadores e da grande mídia tradicional. Agregue-se a tudo isso o aumento do salário mínimo, sempre acima da inflação, portanto com ganhos reais e a recomposição do valor em níveis comparáveis com o governo de João Goulart, embora estando ainda distante do que valia durante o período de Getúlio Vargas, quando foi criado.
No entanto, a crise econômica mundial não retrocedeu. Mas era previsível que ela não recuasse. A gravidade dessa crise só é menor do que a que acarretou a grande depressão, e se estendeu do final da década de 1920 até a década de 1930. Foi preciso a estupidez da guerra para salvar o capitalismo da grande depressão, apesar das políticas intervencionistas keynesianas aplicadas antes dela. Mas o fundamental foi a indústria da guerra e a reconstrução da parte do mundo destruída que recolocou a locomotiva capitalista de volta aos trilhos.
A atual crise não apresenta perspectiva de solução. A meu ver, nem a curto nem médio prazo. E em longo prazo penso que poderemos encontrar uma alternativa para essa estrutura falida, completamente dominada pelo poder das grandes corporações e conglomerados financeiros.
O erro do governo Dilma foi apostar alto em medidas que visaram desonerar folhas de pagamento, isentar de impostos sobre produtos industrializados setores considerados estratégicos para a manutenção do índice de emprego, reter o preço dos combustíveis em situação de alta no mercado internacional (além de suspender a cobrança da CIDE – Contribuições de Intervenções no Domínio Econômico), cobrada sobre a importação de petróleo e seus derivados, e baixar a bíceps os preços da energia elétrica em detrimento do reforço da rede de distribuição e da melhoria das infraestruturas do setor.
Tornou-se um erro porque não deram certo, a não ser por um curto tempo. Mas as intenções foram boas, e teriam outro efeito não fosse a persistência de uma crise econômica avassaladora, que tem feito com que a maioria dos países reduzam seu poder de compra, alterando substancialmente a balança comercial brasileira. Por esse tempo, as consequências da crise, e do menor impacto dela no Brasil, sempre vendemos mais do que compramos. Mas o vento virou. A capacidade de investimentos brasileiros alterou a balança comercial, e enquanto prosseguíamos comprando no mercado internacional, os países diminuíam seus gastos e aquisições, fazendo a balança comercial tornar-se deficitária.
Internamente, os efeitos da crise passou a se refletir na oscilação do dólar, consequência da política dos Estados Unidos, que, na medida em que os dados apontavam uma recuperação do emprego, o mercado apostava na alta de seus juros. Como efeito os especuladores buscavam garantir seus investimentos naquele que é visto como o mercado mais seguro, apesar dos abalos. A retirada de dólar, aliado com a retração nos investimentos estrangeiros, elevaram o valor da moeda, repercutindo nos preços internos. Sendo, contudo, celebrado pelos setores exportadores, principalmente pelos que lidam com commodities.
Ao mesmo tempo, passamos a conviver com a mais grave crise hídrica da história brasileira, porque passa a atingir outras regiões, e não mais somente o Nordeste. O Centro-Oeste, e principalmente, o Sudeste, onde se concentra a maior parte do parque industrial brasileiro, impunha restrições ao uso de água, ao mesmo tempo em que afetou a produção de alimentos básicos, como frutas, legumes e hortaliças. Naturalmente, para não fugir à regra, a grande mídia conservadora tirou a responsabilidade dos governos estaduais (e omitiu algumas verdades sobre suas incompetências, como no caso de São Paulo e Minas Gerais), e produziu reportagens sub-reptícias, jogando nas costas do governo federal todos os males dos pífios gerenciamentos hídricos, de responsabilidades de Estados e Municípios.
O golpe mortal, que levou à lona o governo, no entanto, veio de cima para baixo. O que já deveria ser esperado. As denúncias de esquemas de corrupção para  composição de caixas 2, cujos recursos  teriam sido destinados à financiamento de campanhas. Algo sempre presente na história da política brasileira, e atividade desenvolvida em qualquer grande estatal federal ou estadual, em benefício de todos os grandes partidos. Por um ano, completado no mês de março, todos os dias, em todos os noticiários, de manhã, tarde e noite, na grande imprensa escrita ou televisada, uma verdadeira ação de guerrilha, com fustigamentos implacáveis, numa perfeita sintonia entre investigação policial, ação do judiciário e vazamentos de informações seletivas para os meios de comunicação. No foco, a principal empresa brasileira e uma das maiores do mundo no ramo de exploração de petróleo, responsável pela descoberta e extração de uma das maiores reservas de petróleo descobertas em tempos recentes: a Petrobrás. A mesma que nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso, se tentou a privatização, a começar com a alteração de seu nome, para Petrobrax, retirando a referência ao Brasil.[3] Era o que se pretendia, mas fracassou. Esse objetivo, no entanto, não está esquecido.[4]
Evidente que a manutenção de um esquema que funcionava há muito tempo, desde antes do Governo Lula, fazendo-se, no mínimo, vistas grossas às ações de verdadeiros abutres que por décadas assaltaram os cofres da empresa, em mais de um bilhão de dólares, foi no mínimo um grande deslize, mas foi algo pior dentro de uma visão estratégica. A responsabilidade do governo federal, nesse caso, está em ter permitido a atuação livre de elementos corruptos, muito embora isso, necessariamente, não represente um atestado de cumplicidade. Mas decorrem das imposições de partidos da base aliada, que impõem em escolhas, exatamente aqueles cargos possíveis de serem geradores de propinas. Ora, isso é uma verdade irrefutável e antiga na estrutura do Estado brasileiro. E não somente aqui no Brasil. Essa é uma preocupação muito atual na União Européia, e pesquisas recentes indicam que cerca de 75% dos europeus acreditam que a corrupção é generalizada em seus países, e 56% consideram que isso tem se agravado nos últimos três anos (a pesquisa é de 2014)[5]
O que não poderia ser permitido, além do combate intrínseco à corrupção, com a autonomia dos órgãos policiais federais e Ministério Público, é que a empresa de maior importância estratégica fosse alvo de tamanho ataque e da consequente perda de credibilidade. Desde o surgimento do Pré-Sal, e da alteração do processo de exploração, para o sistema de partilha, era evidente que a Petrobrás seria alvo dos interesses corporativos e de governos estrangeiros, notadamente os EUA. O mínimo que o governo federal deveria ter feito era acompanhar de perto toda a lisura do funcionamento dessa importante estatal, a fim de impedir qualquer ataque que pudesse desmoralizá-la, de dentro e por fora. E, para isso, deveria colocar a ABIN (Agência Brasileira de Informação) a serviço de descobrir qualquer irregularidade e atos lesivos a esse importante patrimônio do povo brasileiro.
Ao contrário, o que se viu foi o envolvimento de pessoas ligadas a partidos da base do governo indicadas para cargos chaves, de relações diretas com as grandes empreiteiras, useiras e veseiras em práticas de corromper agentes públicos com o intuito de lucrarem mais do que os editais lhes oferecem. O governo não poderia ter perdido o controle do que acontecia ali. A Petrobrás sempre foi alvo de cobiça internacional e desejo de se desfazer dela dos grandes entreguistas, subservientes aos interesses estrangeiros. Primeiro o petróleo, depois a Petrobrás. Com o Pré-sal isso se intensificou, e era esperado que isso acontecesse, pois já existiam situações em outros países que nos deveriam servir de exemplos.
A “Operação Lava-Jato”, com todos os seus vícios e direcionamentos políticos, não resta dúvidas, desmontou um enorme esquema de corrupção de altas somas de recursos públicos, enriquecendo muitos desses agentes corruptos e desviando outras quantias para rechear caixas 2 de campanhas políticas.
Com isso, e sob fogo cruzado, numa situação que impunha uma grande defensiva ao governo, a presidenta Dilma inicia seu segundo mandato. Crise econômica mundial, crise fiscal do estado brasileiro, descontrole inflacionário, denúncias de corrupção e estagnação da economia decorrente de todas essas situações. Tudo isso, amplificado pela forma como a grande mídia conservadora explora essas situações, fomentando um enorme pessimismo na população e revertendo toda a auto-estima conseguida nos últimos anos, principalmente nos Governos Lula. O receio de perder o que já conquistara, e esquecendo que seus ganhos foram possíveis mediante as ações implementadas pelos governos Lula e também no Governo Dilma, fez com que uma grande parte da população caísse na armadilha montada desde há muitos anos pelos conservadores, devidamente representados pelo Sistema Globo (TV Globo, jornal O Globo, revista Época), os jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, e a pestilenta revista Veja.
Sim, a crise econômica que estourou em 2008, não passou de uma marolinha aqui no Brasil até 2010, quando o crescimento do PIB chegou a 7,5%, e em média nos governos Lula chegou a 4,06%.[6] Contudo, os últimos meses, e o que se aponta adiante, dão a indicação de que fomos atingidos por um furacão de proporções médias, transformado pela grande mídia em um tsunami.
Os ajustes fiscais podem significar uma correção nos rumos, e uma retomada dos investimentos? Quais os verdadeiros objetivos por trás das ações dos setores conservadores? E como o governo Dilma enfrentará um Congresso dominado por dois personagens que desejam verem-se livres das páginas policiais, já que são também investigados na Operação Lava Jato, e apostam em uma agenda conservadora para ficarem de bem com a grande mídia e os partidos de oposição?
Analisaremos essas questões, a radicalidade do discurso fascista saído do armário, ou melhor, das catacumbas e fossos de torturas, e as margens de manobras que possui o governo para não se tornar alvo da ira dos movimentos sociais e sindicais, no próximo artigo dessa série.
Leiam e debatam. O momento é de discussão, resgate da história e de engajamento na luta para garantir que direitos trabalhistas, duramente conquistadas pelos trabalhadores, não sejam retiradas em benefício das hienas conservadoras que dominam a política. E dos setores empresariais sempre em busca de maiores lucros à custa das desigualdades sociais.




[4]Venda da Petrobrás estará madura em 5 anos, diz ANP -  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi20059909.htm
[5] A luta da União Européia contra a fraude e corrupção -  http://europa.eu/pol/pdf/flipbook/pt/fight_fraud_pt.pdf

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