terça-feira, 6 de setembro de 2011

SOMÁLIA – UMA CATÁSTROFE ANUNCIADA

Somália. Este nome se popularizou aqui no Brasil, na medida em que um jogador negro, alto de corpo esguio se destacava no futebol. São vários “Somálias” em nossos campos. Eles se parecem, e é exatamente por isso que recebem o mesmo apelido. Mas quantos conhecem a verdadeira situação da Somália. Não mais um nome que se populariza no futebol, mas de um território fragmentado que já de há muitos anos não pode ser concebido como uma Nação.
A história da Somália não é diferente da de muitos outros países africanos, submetidos ao controle colonial de potencias européias a partir do século XIX. O início da sua desgraça é o começo da sua libertação. Sempre assim. Os europeus exploraram ao limite suas colônias, extraíram delas o que podiam em termos de riquezas, de recursos minerais ou de suas posições geoestratégicas para atingir seus objetivos de dominação imperialistas.
Ao final de certo tempo, devido à própria escassez desses recursos explorados, ou como decorrência das guerras ocorridas entre essas potências pelo controle do continente africano, principalmente de territórios ricos em petróleo, ouro, diamante e da própria exploração humana escravizada, a descolonização abandonou à própria sorte nações criadas artificialmente para atender a esses interesses.
Toda a repartição africana, seus limites territoriais, fronteiras, novas nações criadas, atenderam exclusivamente os interesses dos colonizadores. As várias etnias, obrigadas a conviverem a ferro e fogo, sob o jugo do colonizador, despertaram da escravidão colonial e passaram a se enfrentar pela disputa do território.
Existem culpados para a situação caótica da Somália, e de tantos outros países criados dentro dessa artificialidade e que a partir da metade do século XX tentam encontrar suas identidades. Inevitavelmente, isso só ocorrerá compreendendo-se a lógica de funcionamento étnico-tribal, e através de uma nova redivisão territorial em muitos desses países.
A Somália é, atualmente, um amontoado de grupos armados disputando um território esfacelado. O Estado, completamente falido, tendo à frente um governo cujo arranjo internacional não o tornou capaz de resolver a situação, não consegue deter a violência crescente.
No meio disso tudo, aberrações de todo o tipo acontece. Estupros, corrupção de menores, pirataria, contrabando de armas, comércio de drogas ilícitas, e tantos outros crimes que explodem numa terra marcada pelos caos.
Mas essa situação não é de agora. A calamidade anunciada pela ONU já está se constituindo há vários anos, sob os olhares indiferentes dela mesma e dos países que sempre exploraram o continente africano. Nos últimos anos a Somália vem sendo disputada por milícias armadas que desconhecem o governo central. Este, completamente desmoralizado não consegue conter o avanço desses grupos, apesar dos acordos firmados com a União das Cortes Islâmicas (UCI), que já controlava parte de Mogadício, a capital, e outros territórios. O presidente atual, ex-membro da UCI (hoje Aliança para a Reliberação da Somália), tenta, mas não consegue pacificar o país.
Por outro lado, a neurose terrorista cria desconfiança na aproximação da UCI com o governo. Os EUA acreditam ser esse grupo aliado da Al Qaeda e há tempos tentam uma intervenção militar. Mas somente a Etiópia e Eritréia, nos últimos anos têm desenvolvido apoios para tentar conter o conflito, até por uma própria necessidade que a geografia lhes impõe, em razão da ligação fronteiriça com a Somália.
Essa situação, até então pouco divulgada internacionalmente, é de um prolongamento da guerra civil, com a disputa entre vários grupos étnicos, organizados em verdadeiros bandos armados. Isso tem impedido até mesmo a chegada de ajuda humanitária. Diante disso, a população desamparada e completamente desprovida de alimentos e outros recursos, abandonam a capital e acumulam-se em campos de refugiados onde se consolida uma situação de verdadeira catástrofe.
Ainda no século anterior, em sua última década, a ONU preparou uma intervenção com o intuito de possibilitar ajuda humanitária. Pelo menos essa foi a justificativa apresentada. Tentou exercer um controle pelo sul da Somália, numa operação bem sucedida inicialmente. Mas a reação do então governante Somáli, Mohamed Farrah Aidid retomou o controle e após atacar tropas do exército paquistanes infligiram uma derrota à ONU e aos Estados Unidos que invadiram Mogadício e tentaram seqüestrá-lo.
Houve uma verdadeira carnificina. Milhares de somalis foram mortos. Dezenove soldados da tropa de elite Delta Force morreram depois de serem encurralados em pleno centro da capital. A partir daí a ONU teve dificuldades para agir naquele ponto da África. O episódio do conflito, mostrando o fracasso da operação estadunidense e a morte de seus 19 soldados é mostrado no filme “Falcão Negro em Perigo”, do diretor Ridley Scott. Claro, com uma forte pitada de sentimento heróico a impulsionar as ações dos falcões.
Depois disso, e entregue à própria sorte (para o bem ou para o mal ela não possui petróleo, pelo menos não ao que se saiba até este momento), o país se esfacelou e tenta com muitas dificuldades se reencontrar.
A absoluta ausência de uma economia consolidada, dificultada por essa situação de conflito, levou a que nos últimos anos grupos de somalis se dedicassem a atacar navios estrangeiros e a seqüestrar seus passageiros e tripulantes. Além de roubarem seus pertences exigiam elevadas quantias para libertá-los.
Ressalte-se que a Somália localiza-se em um ponto estratégico, conhecido como o Chifre da África, na entrada do golfo de Adén. Por ali passam grande quantidade de embarcações, boa parte delas grandes petroleiros que transportam petróleo do Oriente Médio e do Norte da África para o Ocidente.
Pouco se diz, contudo, que também uma das bases da economia daquela região, a pesca, desde há décadas vem sendo gradativamente afetada por um crime ambiental pouco divulgado. Há décadas o Golfo de Aden vem sendo poluído por lixo tóxico, despejados por grandes cargueiros vindos dos países ocidentais. Quando eles próprios não são afundados propositadamente com tais resíduos, numa operação que tem sido realizada pela máfia, em um negócio que envolve bilhões de dólares, e que se destina a despejar naquela área lixos tóxicos e radioativos. Chumbo e metais pesados, como cádmio e mercúrio, já foram detectados naquelas águas, sendo, certamente, um dos principais fatores para a redução do número de peixes, afetando uma das poucas atividades econômicas do povo somali.
A tragédia que se apresenta hoje na Somália, como outras tantas ocorridas no continente africano, tem as impressões digitais dos países ocidentais, através de ações imperialistas nas várias formas de dominações colonialistas desde há muito tempo.
Não há dúvidas da ferocidade e violência das milícias que atuam na Somália e impedem que ajuda humanitária atenda urgentemente a uma população que morre de fome. E elas precisam ser combatidas não a partir do velho método de ocupação e destruição em massa. A estratégia para a solução do problema somali deve passar primeiramente pela União dos Países Africanos, com a presença isenta da ONU, de forma a garantir a verdadeira libertação daquele povo respeitando suas diferenças étnicas na divisão territorial que porventura seja necessária acontecer.
Uma Nação se faz com características que venham a somar a formatação de um povo, que o complete e que seja uma aspiração amplamente majoritária, uma aceitação irrefutável e consentida. Não pode ser imposta desconsiderando-se tipos e hábitos completamente distintos entre povos de etnias diferentes e que não seja de suas vontades uma unificação com outros agrupamentos étnicos que lhes são diferentes.
A África ainda luta por sua verdadeira libertação. As origens de suas desgraças são encontradas nas ações rapaces, gananciosas e invasoras dos países que construíram suas riquezas mediante o saque dos recursos naturais abundantes no continente africano.
Somália, Ruanda, Congo, Uganda, Serra Leoa, Guiné Bissau, Burundi e tantos outros países africanos com baixo Índice de Desenvolvimento Humano, são vítimas de um mundo movido por uma lógica cruel, cujo motor de funcionamento tem como combustível a ganância e o lucro. A riqueza de poucos está na proporção inversa e desigual da pobreza de muitos, e aquela se serve desta. Não há riqueza que não seja obtida a partir da exploração da pobreza. A catástrofe que ameaça a Somália é um resultado disso.

Um comentário:

  1. Caro mestre,
    Ulysses Guimarães disse certa vez no Rodavida "Onde há miséria, onde há pobreza, onde não há comida, não há lei".
    A Somalia, mesmo que tenha reprimido as minorias, acatou a divisão territorial atual, é certo que o governo não sufocaria as massas por muito tempo.
    Há um ponto importante nessa linha, os rebeldes somalios tem apoio para finnciar a guerra, é preciso esclarecer que países lutam pela pacificação da Somalia e quais se valem da situação de caos para lucrar.
    Para o Brasil interessa uma África pacificada e para a Inglaterra?
    Abraços

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