sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O SENTIDO DA VIDA

Aos poucos, com dificuldades e incidentes no percurso, vou tentando recompor minhas forças desde que minha filha se foi, apesar da tristeza permanente e das dúvidas sobre o que é se sentir feliz. Somente quem perde um filho pode dimensionar isso. Racionalizar a perda de um filho é a coisa mais dolorosa que existe, mas é o que deve ser feito quando compreendemos que a vida é para ser vivida. Então, o que busco não é piedade, mas apenas compartilhar esse sentimento. Até porque todos, algum dia perderá ou já perdeu alguém próximo. Mas, quem sabe, para ajudar as pessoas a serem mais sensíveis, não com os meus sentimentos, mas com as relações cotidianas que envolvem seus entes queridos.
Minha filha partiu, mas vai estar para sempre comigo, viva em minha memória. Algum dia deixarei de pensar nela, e nesse dia terá sido a minha vez de partir. Afinal, a morte está sempre presente em nossas vidas. E se alguém decide que ela prevalecerá é porque perdeu a vontade de viver. Mas não podemos evitá-la.
Há dez anos perdi meu pai, e ainda tenho bem nítida sua imagem, as lembranças que nos fazem mantê-lo presente. Na última semana perdi um irmão, Kleber, e isso me trouxe em flashes momentos de dor pelas perdas anteriores, ampliado agora pela partida de mais alguém da família. Um pai, uma filha e um irmão se foram e me traz um grande pesar e abatimento, e muita reflexão sobre como se comportar em situações de enorme vazio, propensas a nos derrubar em desânimo e depressão. Por isso a cada dia precisamos estar refletindo sobre o sentido da vida. É o que desejo fazer a seguir.
Devo dizer que nesses quase quatro anos após a morte da Carol, ocorrida em 13 de dezembro de 2007, tenho pensado sempre sobre isso. São muitas as tentativas para nos levarmos a um mundo introspectivo, da fé em um Deus, que emana do nosso interior, e que nos fazem apegar a universos paralelos, invisíveis, instrumentalizados pela igreja e disseminados pela religiosidade.
Resisti a isso, sem perder o respeito por aqueles que crêem, tem fé e que pensam diferente de mim. Entre eles aqueles que acreditam que a morte não é o fim, e se entregam à existência de outro mundo após essa vida terrena, mesmo que espiritualmente ou através da reencarnação. Respeito suas crenças e admiro a força que retiram de dentro de si e que catalisam isso denominando Deus ao poder que emana de tudo isso. Percebo isso em minha mãe, agora mais do que nunca, buscando essas forças para superar a perda de seu filho, um ano mais velho do que eu. A fé é o que tem lhe dado esperanças de aceitar os sacrifícios que a vida lhe impõe, desde a morte de meu pai e de sua neta, a nossa pequena Carol.
Kleber e a mãe, Maura
Acredito que isso me torna mais sensível à morte, e mais propenso a uma difícil superação. Pelo valor que tenho à vida e pela absoluta negação de que ela se propagará além da morte. Isso não me leva a buscar culpa em nada nem a me revoltar por tamanha injustiça que seja perder um ente querido, principalmente uma filha. Mas torna mais difícil a aceitação, e as forças que nos esvaem buscamos nos amigos, muitos dos quais vêem carregados desses simbolismos, que terminam por nos confortar. Essa é em si, também uma grande contradição.
Apesar de ter sido educado vendo o mundo de forma idealista, através de influências católicas familiares, e nunca reneguei isso, refiz meu caminho quando entrei na Universidade e passei a ver as coisas sob outro olhar. O materialismo e a dialética serviram para que eu pudesse enxergar o mundo, a sociedade e as nossas relações sociais de maneira diferente, totalmente inverso à concepção idealista de compreender o mundo. Entendendo que ele se move contraditoriamente, se afirmando e se negando permanentemente.
Ao contrário do que se pensa, ver o mundo pelo materialismo não nos torna amargos, nem significa desprezar a vida e a nossa individualidade. Pois compreendemos que, sendo a morte o fim de tudo – para quem morre – devemos valorizar mais a vida. Com a convicção de que devemos viver da melhor maneira possível, procurando dar valor às coisas boas e lutando para transformar este nosso mundo. Pois não há em nós, materialistas, outra crença senão a de que não há outros mundos, sendo esta, portanto, a única vida que temos para viver. E por isso é preciso vivê-la intensamente, buscando sempre uma harmonia no ambiente em que vivemos, valorizando as relações com as pessoas que nos cercam, positivamente e respeitando as diferenças. Aceitando-as como elas são, desde que dentro dos limites da racionalidade.
Foto de Alberto C. Araújo
Mas porque não fazemos isso, em nosso cotidiano? Se mesmo os que vêem a vida de forma idealista, também buscam essa harmonia? Porque prevalece o egoísmo, a intolerância, o individualismo e a vaidade? Certamente porque as relações que nos movem se guiam por valores que nos empurram nessa direção, construindo um mundo de insegurança e desconfiança permanente, em que cada um de forma individualista tenta encontrar seu caminho, indiferente às desigualdades que criam um abismo intransponível entre os que vivem em mundos reais profundamente diferentes.
Vendo a natureza e a sociedade, através da dialética materialista, podemos enxergar nas relações sociais o reflexo das condições de vida material das pessoas. O caráter e o comportamento, sua forma de viver e maneira de pensar refletem o ambiente social em que elas vivem, e se difunde culturalmente por meio de hábitos e costumes. E isso é passado de pais para filhos por várias gerações. É o que denominamos tradição.
As maldades e crueldades que decorrem dos estilos de vida apresentam-se como elementos contraditórios que despontam motivados por ambições, neuroses e loucuras, advindas de uma sociedade doentia, em função da lógica egoísta que move o mundo. São comportamentos causados por estruturas econômicas e sociais de um sistema que impõe aos indivíduos o desafio de competir com os demais como numa guerra, em que o derrotado torna-se excluído e condenado a viver à margem da sociedade e submetido às humilhações por serem desprovidos de patrimônios e capital. Mas não somente os derrotados, também são vistos de forma diferente os que são estranhos aos padrões construídos pela sociedade de consumo.
A obrigação de ser um competidor nessa disputa em que sagrar-se vencedor é a condição para se tentar viver com dignidade, leva muitas vezes a atos e comportamentos agressivos fazendo com que a vida do outro, ou a maneira como os demais vivem, deixe de ter a mínima importância. Violência, agressividade, intolerância e frieza nas relações interpessoais têm sido sintomas marcantes e visíveis de uma espécie que marcou sua sobrevivência pelo altruísmo, ou seja, a capacidade de compartilhar e viver em grupo. Mas isso tem sido menosprezado levando ao oposto comportamental, de se viver só, e às vezes querer viver só, em meio a uma multidão de milhões de pessoas, embora essa não seja ainda uma regra geral.
Entendo que as condições objetivas das sociedades modernas levam a comportamentos abjetos, a situações repulsivas, e a atitudes monstruosas de determinados indivíduos, cujas ações na maioria das vezes atingem naturalmente os mais frágeis nos grupos humanos, as mulheres e as crianças, notadamente essas últimas, mais indefesas e brutalmente submetidas a uma hierarquização social que se baseia no poder, na força e na falência da estrutura familiar moderna.
Alegoria da caverna - Jornal de Filosofia
Tudo indica que nossa capacidade de se estarrecer diante de fatos violentos e crimes monstruosos ainda não chegou ao limite. Na verdade, vamos percebendo aos poucos que também não há limite à perversidade humana e que os sintomas desses desequilíbrios se manifestam nas fissuras que se abrem nas estruturas sociais. É da condição humana, e não da natureza humana. Ou seja, essa patologia tem suas causas na lógica egoísta, individualista e gananciosa que move o mundo.
E creio que não adianta nos iludirmos com teses que visam nos enganar e justificar as aberrações sociais, ao tentar nos fazer acreditar que isso faz parte do ser humano. Sendo assim, como podem essas pessoas acreditar nos postulados bíblicos que afirmam que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus. Só nos restaria o enigma da esfinge, e ficar a imaginar o que terá sido pior, a criatura ou o criador. Valeria a pena viver por isso?
Seria a vida, com toda a sua beleza e exuberância, desprovida de um completo sentido por ter o seu mais complexo ser, em sua essência, um potente vírus que transforma indivíduos em aberrações? Creio que devemos acreditar, para superar essa possível monstruosidade, que o modelo de sociedade que construímos é que tem sido capaz de criar monstros que estão se tornando, eles próprios, responsáveis por destruir o que há de belo na vida. E que também pode destruir o ser humano, único capaz de carregar dentro de si um elemento responsável pelas mais inimagináveis superações: a esperança. Como dito na mitologia grega, com a libertação de todos os males por Pandora, permanecendo no fundo da caixa justamente a “esperança”.
Preciso continuar minha vida, sem minha pequena Carol, e agora com a perda de meu irmão, acreditando que viver vale a pena, principalmente se em nome dela, da vida; e por ela, Carol, eu conseguir manter um sentimento de esperança de que o mundo pode se tornar melhor e que somos capazes de construir uma sociedade em que possamos viver em comum união. Sem isso, sem cultivarmos essa esperança, a vida deixa de ter sentido.

3 comentários:

  1. A esperança nos move e a espiritualidade faz com que ela viva, ainda mais forte, dentro de nós.

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  2. O SER HUMANO NO ESPAÇO.
    Acredito muito nas condiçao humana e nao da natureza humana, que os fazem virar monstros dentro da sociedade, da mesma forma acho possivel esses ditos monstros os nao serem mais.Cabendo a ele e a sociedade trazelo ha natureza de ser humano , humano no espaço social.

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  3. Caro amigo,

    A sua brilhante capacidade de expressar em palavras sentimentos e reflexões sobre o ser humano, a vida, a morte e a sociedade nos emociona e faz crescer a esperança de que É SIM possível construir um mundo melhor, mais justo e mais fraterno. Na terra há homens bons e virtuosos. Você é um exemplo!

    Grande abraço.

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