segunda-feira, 19 de setembro de 2011

CRISE NO ORIENTE MÉDIO: A CRIAÇÃO DO ESTADO PALESTINO

Nesta semana uma velha polêmica retornará à discussão na Assembléia Anual das Nações Unidas. O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas oficializará o pedido para que a Palestina seja reconhecida como um Estado autônomo e independente.
Desde 1848, quando os judeus retornaram àquela região às margens do mediterrâneo, e estrategicamente situada entre as nascentes do Rio Jordão e o Mar Morto, que esse se tornou um dos territórios mais disputados da geopolítica mundial
Mas será impossível entender os motivos de tamanha disputa sem retomar a história e procurar compreender que esse conflito tornou-se possível por dois motivos de caráter internacional e de profundas alterações geopolíticas na segunda metade do século XX.
Também este é um dos vários problemas surgidos com o final da segunda guerra mundial e a descolonização que se seguiu, como decorrência das dificuldades de as potências européias continuarem ocupando territórios distantes. Falidas economicamente, pelos altos endividamentos da guerra, e pela necessidade de reconstrução de seus países, completamente destruídos, essas potências são obrigadas a abandonarem o domínio efetivo que exerciam sobre países africanos e asiáticos.
A região da Palestina era um desses casos. Controlada pelo imperialismo britânico desde que o mesmo substituiu o Império otomano (começo do século XX), e com uma posição estratégica invejável, o território palestino sempre se constituiu em um objeto de interesse das potências ocidentais. Com o fim da guerra e a retirada das tropas britânicas, restava tanto a Inglaterra, como aos Estados Unidos, potência em ascensão e uma das grandes vitoriosas no pós-guerra, encontrarem uma nova forma de exercerem o controle daquelas terras.
O interesse agora era motivado pela necessidade de conter o avanço da influência soviética desde então, e posteriormente, sempre garantindo o apoio aos povos árabes e palestinos. Como historicamente sempre foi alimentada pelos judeus a esperança de um dia ver ocupada a “terra santa”, como uma espécie de vaticínio secular, essa se tornou a melhor estratégia para aqueles países de manterem seu controle e evitarem a ampliação da presença soviética num ponto estratégico para exercerem o domínio sobre todo o Oriente Médio, região riquíssima em Petróleo.
Gradativamente, mas sempre pontuado por embates e confrontos violentos, os judeus dispersos pelo mundo, e após o final da guerra, deslocaram-se aos milhares para a palestina. Seguiam convencidos de que uma profecia se realizaria, mas por trás de desejos de retorno à Terra Prometida, havia toda uma construção ideológica, fundamentada pelo sionismo, uma espécie de nacionalismo judaico, fortalecido pelo discurso de reação ao anti-semitismo desde o final do século XIX. Isso foi potencializado pelos massacres nazistas, aos assassinatos em massa e ao terror dos campos de concentrações da segunda-guerra mundial, onde judeus, comunistas, negros e deficientes físicos foram sumariamente eliminados durante o horror nazista.
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Sentindo-se abandonados, e após essas situações que lhes afligiam, esses judeus aceitaram a ideologia sionista e aderiram ao nacionalismo judeu, como algo predestinado, e rumaram em massa para a região da palestina. Sob a liderança de David Bem-Gurion, principal responsável pelo processo de deslocamento de milhares de judeus com o beneplácito da Inglaterra, e também pelo fortalecimento gradativo de uma reação guerrilheira com a criação de uma força paramilitar que viria a se tornar o embrião da temível Mossad, a atual polícia secreta israelense.
Mas a Palestina não era uma região deserta. A população que ali habitava demorou a perceber o risco eminente de perderem parte de seu território. Quando se organizaram para reagir encontraram um inimigo fortemente determinado e bem articulado internacionalmente, contando com o apoio britânico e estadunidense. A independência de Israel foi declarada em 1948 e Ben-Gurion se tornou o seu primeiro-ministro.
O Estado de Israel já nascia forte, pelos apoios obtidos, ocupando uma região pobre sem muitas riquezas a ser disputadas, mas estratégicamente considerada importante diante da nova disputa que moveria a geopolítica mundial: a guerra fria.
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A reação árabe não demorou, e seguiu-se a uma ofensiva dos países árabes contra a anexação do território palestino por Israel. A primeira delas foi a rejeição ao plano de partilha proposto em 1947 pela ONU. Jordânia, Iraque, Egito, Síria e Líbano invadiram a Palestina. A Faixa de Gaza foi ocupada pelo Egito e a Cisjordânia pela Jordânia, ficando assim até 1967 quando Israel reagiu e retomou esses territórios ampliando seu domínio até a Península do Sinai (já devolvida ao Egito) e as Colinas de Golã, território Sírio, ainda ocupado por Israel.
Essa que foi chamada de Guerra dos Seis Dias, já demonstrava todo o poderio militar israelense, que a deflagrou numa estratégia de guerra preventiva, a fim de se antecipar ao cerco que se iniciava com o fortalecimento do pan-arabismo exercido pelo então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. A ampliação do controle israelense se deu também em relação à Jerusalém, com a ocupação de Jerusalém Oriental, então sob controle da Jordânia e a partir daí passando a exercer a jurisdição total sobre o município e considerando-o indivisível. Local sagrado tanto para judeus como para árabes e cristãos, esse é um dos pontos cruciais a dificultar qualquer resolução de paz e divisão territorial visando um futuro Estado Palestino.
Os Estados Unidos desde então entrariam fortemente no apoio ao estado israelense, e rapidamente todos os investimentos seriam feitos com o objetivo de garantir uma forte estrutura que o consolidasse rapidamente. Mas outros interesses estratégicos seriam cobiçados e se consolidariam a partir da reação árabe à ocupação israelense. Primeiro pelo conquista da Península do Sinai, importante para o controle do acesso ao Canal de Suez e das Colinas de Golã, por onde Israel passa a se proteger contra qualquer dificuldade de controlar os recursos hídricos.
Outras guerras viriam a ocorrer por todos esses anos, opondo de um lado um forte aparato militar israelense, sempre escudado pelos Estados Unidos, de onde vem apoio político e financeiro, e de outro lado as várias organizações guerrilheiras que surgiram com o intuito de lutar por uma Palestina Livre e pela criação de um Estado palestino soberano. Mas, paradoxalmente, completamente divididas entre si.
A característica desses embates é que a população palestina tornou-se refém de interesses geopolíticos maiores, muito além do que a secular disputa religiosa. Como o território ocupado por Israel era habitado por palestinos, a conseqüência imediata foi o deslocamento de praticamente dois terços da população palestina para os países vizinhos. Isso sempre foi se agravando e potencializado pelas intensas guerras e pela reação desproporcional de Israel. Como a guerra de guerrilhas usa de táticas irregulares, ataques surpresas e ações terroristas, a resposta israelense sempre se deu de maneira indiscriminada, atacando cegamente áreas ocupadas por palestinos e quase sempre resultando em assassinatos coletivos de pessoas inocentes. Ao mesmo tempo, toda uma infraestrutura já deficiente foi piorando ao longo dos anos de conflitos, transformando os territórios palestinos em verdadeiros campos de refugiados, prisioneiros em seus próprios territórios, como é o caso, principalmente da Faixa de Gaza.
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Enquanto o Estado de Israel se fortalecia, contando com o forte apoio financeiro dos Estados Unidos, cuja economia é majoritariamente controlada por judeus, a palestina se enfraquecia, isolada pelas imposições israelenses, de um forte controle de suas fronteiras e do proposital sufoco de uma economia frágil absurdamente submetida ao controle de bloqueios de Israel à revelia e contra todas as resoluções já impostas pela ONU e nunca respeitadas.
A radicalização da luta por grupos sectários, tanto palestinos (como as brigadas dos mártires de Al-aqsa) quanto por judeus ortodoxos, que inclusive assassinaram um de seus líderes propensos a um acordo (Yitzahk Rabin, assassinado por um judeu ortodoxo da extrema-direita israelense, em 1995), sempre eram motivos para que as negociações emperrassem.
Contudo, estranhamente há um silêncio sepulcral sobre uma das por mais principais razões pela não aceitação de Israel à consolidação de um Estado Palestino. A ferrenha disputa pelo controle dos recursos hídricos. Ao contrário do que muito se divulga, a religião não é a principal razão das dificuldades para um acordo.
Como se sabe, estamos falando de uma região outrora fértil, mas que ao longo de milênios perdeu parte de sua capacidade produtiva como decorrência de usos abusivos do seu ambiente, e principalmente de seus recursos hídricos. Isso torna a região extremamente dependente do controle de poucos mananciais que abastecem aqueles territórios, sendo o principal deles, o Rio Jordão, um dos reais motivos a impedirem uma saída pacífica para esse problema. Outra razão, também vinculada à disputa pela água, está em seu subsolo. São os aqüíferos, situados principalmente na Cisjordânia, e um mapeamento deles indicará que os colonos judeus foram estrategicamente levados a ocupar o terreno sob o qual eles se encontram.
Ali estão situados os aqüíferos da Montanha (quase por inteiro sob a Cisjordânia), o aqüífero de Basin e o Costeiro, que se estende até Gaza e passa por uma pequena parte do território israelense. No caso da Bacia do Rio Jordão, inclui-se ainda o mar da Galiléia (um enorme lago de água doce), o rio Yamurk e o Baixo Jordão. O Acordo de Paz de Oslo, em 1993, determinava que os palestinos tivessem mais facilidades do acesso à água, o que não ocorreu, com Israel passando a ter absoluto controle sobre o consumo de água também dos palestinos, que usam menos de um terço do que usam os israelenses.
Para se ter uma idéia disso, os israelenses podem usar livremente água na agricultura, em que irriga 50% de sua produção, mas os palestinos precisam de autorização nem sempre concedida. A anexação das Colinas de Golã, a fim de exercer controle sobre os afluentes do Rio Jordão, a construção do Aqueduto Nacional e o muro de proteção construído a pretexto de conter a entrada de suicidas, são na verdade ações que visam ter o real controle da água naquela região.
A observação da geografia do oriente médio, com o foco voltado para as fronteiras em disputas na palestina, sobreposta a um mapa hídrico da região, dará a comprovação das dificuldades que cercam a criação do Estado Palestino, como decorrência da dependência que acarretaria à Israel aos recursos hídricos que passariam facilmente a ser controlado pelo novo Estado.
Mas a História desse conflito indica muito mais problemas do que esse espaço possibilita abordar, e nos faz ver um dilema que poderá acarretar em graves conseqüências a partir das decisões que serão tomadas.
Não há dúvidas, no entanto, da necessária justeza para a imediata criação do Estado Palestino. Pode-se afirmar sem receio que essa já deveria ser uma decisão tomada há décadas. É inaceitável a postura da ONU, e principalmente dos Estados Unidos, que tomam decisões céleres quando se trata de atacar países cujos governos não lhes são confiáveis, e, no entanto, deixa tornar-se letras mortas as resoluções que obrigam ao Estado de Israel se retirar dos territórios que ocupam na Cisjordânia, bem como por fim ao bloqueio criminoso sobre a Faixa de Gaza.
São mais de cinco décadas de uma luta justa. Nesse tempo, contam-se aos milhares a quantidade de vítimas de um comportamento irracional, que tem motivado crimes dos dois lados, e um número infinitamente superior de palestinos não combatentes. Mulheres, crianças, velhos e trabalhadores perderam suas vidas no cotidiano de uma existência sofrida, oprimida, reféns em seu próprio território e vivendo com dificuldades crescentes, amenizadas nos últimos anos pelo aumento de doações de governos de países que já não vêem a hora de votar a favor de um Estado Palestino.
Isso pode se consolidar esta semana. As conseqüências desse ato, no entanto, serão imprevisíveis.  A recusa à criação do Estado Palestino poderá levar as revoltas da chamada “primavera árabe” para os territórios palestinos ocupados e para as fronteiras dos países vizinhos de Israel. Alguns, como a Síria e o Egito, ainda vivem as tensões das lutas populares e teriam dificuldades em conter outro tipo de rebelião, que poderá se direcionar contra Israel. Algo que já está acontecendo, como na invasão da Embaixada Israelense há cerca de duas semanas, no Cairo, capital do Egito.
Também a aceitação do Estado poderá ter conseqüências beligerantes. Israel já demonstrou não ter o menor receio de rejeitar uma decisão da ONU. Isso já vem sendo feito há décadas, com a complacência e cumplicidade dos Estados Unidos, e, mediante as pressões dos grupos radicais da ultra-direita judaica, poderá ampliar a repressão e, na reação aos grupos guerrilheiros palestinos, promover mais uma carnificina na região.
Como se vê, além da crise econômica, outras disputas geopolíticas podem potencializar conflitos bem maiores do que os que assistimos no início deste ano e que se limitaram à revoltas internas. Já desmoralizada pelas medidas adotadas sob pressão de potências ocidentais, a ONU ficará em situação complicada seja qual for a decisão tomada. Contudo, do ponto de vista histórico, da justeza de uma causa que não é somente do povo palestino, pois interessa também a outros povos que ainda lutam por um Estado-Nação, essa é uma decisão que precisa se enfrentada de uma vez por toda, a fim de que não prevaleça como há tempos o poder ilimitado de um Estado sobre as decisões das demais nações.
Palestina livre, e a criação de um Estado Palestino soberano, é a decisão justa a ser tomada.



NOTAS: 
(1) No mapa, em amarelo, o território palestino pré-1967, que a ONU pode transformar num Estado independente. A oeste, menor, a Faixa de Gaza. A leste, a Cisjordânia. . (http://www.outraspalavras.net/2011/09/17/a-um-passo-do-estado-palestino/).
 
(2) Ben-Gurion ao proclamar independência do Estado Judeu em 1848

(3) Os Acordos de Oslo criaram um território fragmentado. Em vermelho (cidades) e azul (vilas), estão as únicas regiões sob autonomia da Autoridade Palestina. Como se vê, são pontilhadas por assentamentos israelenses de colonização (triângulos em azul claro). Toda a área amarela ("C") está sob controle de Israel. (http://www.outraspalavras.net/2011/09/17/a-um-passo-do-estado-palestino/).

3 comentários:

  1. Muito bom o seu texto, professor! Fica uma dúvida, a criação do Estado Palestino trará mais problemas do que os existentes? Os conflitos serão maiores do que já acontece. Dificilmente haverá um acordo entre Israel e os palestinos.

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  2. A Palestina já é uma realidade sociocultural e política. O povo palestino tem modos e estilos de vida bastante distintos, contrastando-se por afastamento do povo judeu. O povo palestino reconhece a existência de uma autoridade superior e legítima sobre eles, ela tem consentimento, portanto, dos próprios palestinos. Basta observar a força canalizadora de representante/Governante da própria Palestina - mesmo com todos os entraves e ameaças sofridas pelos palestinos - e isto não se pode negar. Ainda que os EUA se recusem a legitimar o processo de reconhecimento da Palestina, neste novo cenário, mesmo assim a consolidação do novo Estado será irreversível.

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  3. Caro mestre,
    O que de mais relevante tem sua avaliação é o que chamo de "História de base material", isso dá ao seu argumento uma solidez incontestável.
    Abraços
    Ademir

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