sábado, 24 de setembro de 2011

GUERRAS E GUERRILHAS - A ARTE DA GUERRA

Os ataques terroristas aos EUA e a resposta militar daquele país contra o Afeganistão, onde vivia Osama Bin Laden, suspeito de ser o responsável intelectual dos atentados, trouxe uma antiga discussão sobre a Guerra e as desigualdades existentes entre poderio militar e tropas irregulares inferiorizadas dispostas a morrer por uma causa.
Nos últimos anos essa forma de luta se disseminou pelos continentes africanos e asiáticos, principalmente no Oriente Médio. Mas a tecnologia de guerra aérea, com a sofisticação do uso de satélites e de armas teleguiadas, e agora de aviões não tripulados, se constitui num forte elemento a desestabilizar organizações guerrilheiras. Como contra-estratégia também os exércitos regulares passaram a utilizar de perfis diferenciados de soldados, entrando em cena grupos de mercenários e a terceirização da guerra com grandes corporações militares. Veremos depois isso.
Mas do que simples troca de adjetivos é preciso compreender um aspecto ideológico, quando nos últimos tempos substituiu-se indiscriminadamente o termo guerrilheiro, por terroristas. As lutas contra as ocupações imperialistas, incorporadas nos programas dos partidos de esquerda, foram adjetivadas a partir do final do século XX, como atos terroristas, e seus participantes guindados à condição de bandidos. Mas, a par o fato de existir verdadeiramente ações terroristas, abomináveis por gerar vítimas civis inocentes, a guerra de guerrilhas é justa, quando utilizada para combater um exército invasor mais forte, e na defesa de um território independente. Tento resgatar neste texto o significado militar dessa modalidade de luta armada, e suas táticas para atingir os objetivos estratégicos.
A Guerra de Guerrilhas sempre muito utilizada nos países latino-americanos, asiáticos e africanos, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Garantiu a consolidação no poder de partidos revolucionários, como em Cuba, China e Vietnam, e mantêm-se por décadas em alguns países, como na Colômbia com as FARCs ou com os Zapatistas, no México. Serviu também para repelir tropas nazistas, principalmente na região dos Bálcãs, na Europa, durante a segunda guerra mundial. E impediu o domínio soviético sobre o Afeganistão durante a década de 1980 num palco montanhoso, perfeito para táticas e estratégias guerrilheiras, como já fizera Mao e o Exército Popular da China em situação e geografia semelhantes.
No Brasil, na década de 70, as guerrilhas se intensificaram no combate à ditadura militar. No interior, houve a tentativa de instalação de um movimento guerrilheiro no Vale do Ribeira, em São Paulo, frustrado pela ação policial; e a Guerrilha do Araguaia, no Sul do Pará e norte de Goiás (hoje Tocantins). Nas cidades as “guerrilhas urbanas” utilizaram-se de ações que desvirtuaram o sentido da mesma, na medida em que vitimavam diretamente a população, em ações que inspiravam o terror muitas vezes indiscriminado. Embora na maioria das vezes assim parecia devido à contrapropaganda dos militares visando jogar a população contra todos os movimentos guerrilheiros.
A guerrilha não é característica específica do século XX. Estratagemas semelhantes haviam sido empregados desde o final do século XVIII e destacadamente, no século XIX, em alguns países europeus, principalmente Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e França, os mais importantes que passaram por esse tipo de confronto envolvendo governos títeres e massas camponesas. Mas também no Brasil táticas semelhantes foram utilizadas por negros escravizados, inclusive pelo mais famoso de seus líderes, Zumbi dos Palmares. Também nos sertões nordestinos, os seguidores de Antonio Conselheiro, comandados por Pajeú, levaram o terror às tropas oficiais republicanas utilizando-se de táticas de guerrilha adequadas às configurações do agreste baiano.
O conceito de guerra popular já pode ser encontrado desde o século XIX, em estudo minucioso de Carl Von Clauzewitz (DA GUERRA). Também numa série de escritos militares Marx e Engels, fazem uma análise sobre a desigualdade dos confrontos envolvendo exércitos regulares e grupos revoltosos que se opunham aos governos. Tanto quanto Clauzewitz, compreendem a guerra como uma continuidade da política por meios violentos.
Marx, juntamente com Engels, analisando em 1849 a crise na Itália piemontesa em luta pela independência, apontava como tática correta a guerra irregular, única maneira de enfrentar a superioridade numérica dos inimigos. “Um povo que quer conquistar sua independência não deve se limitar às medidas ordinárias da guerra. O levante em massa, a guerra revolucionária e, sobretudo, a guerrilha generalizada, tais são os meios que permitem a um pequeno povo triunfar sobre um grande, a um exército menos forte resistir a um exército mais forte e mais bem organizado”(MARX, ENGELS 1981; 24).
As situações de guerra na Alemanha - tanto em 1525, nas  insurreições camponesas lideradas por Thomas Münzer, quanto na Revolução de 1848 -, mereceram de Engels um estudo sistemático das condições objetivas e das táticas que foram implementadas nesses conflitos, apesar de ressaltar as diferenças entre os dois momentos. Em um artigo escrito para o New York Daily Tribune, em 18 de setembro de 1852, ele fala da necessidade de determinação e ofensiva, a fim de poder derrotar um inimigo organizado. Além da surpresa, muita audácia e a necessidade, sempre, da ousadia e da ofensiva: “A defensiva é a morte de todo levante armado; está perdido antes de ter sequer iniciado”. (Idem; 82)
Clauzewitz, estrategista militar alemão, por alguns tido como o “filósofo da guerra” (CLAUZEWITZ, 1979), analisou a natureza e a arte da guerra, tomando como referência principal as guerras napoleônicas, mas também acontecimentos ocorridos na Alemanha, Inglaterra e em outros países da Europa que constituíram conflitos de grandes consequências. Em toda sua extensa obra, encontram-se referências às táticas de combate posteriormente adotadas por Mao Tsé-Tung, que o citou várias vezes em suas obras, assim como Lênin também o fez.
Para Clauzewitz, na guerra popular a extensão da superfície exposta é fundamental:
“O país deve ser do gênero cortado ou inacessível, quer seja montanhoso, arborizado ou pantanoso, ou em função do modo particular de cultura. Pouco importa que a população seja numerosa ou não, pois a falta de homens é menos verossímil do que a de outros elementos. Que os habitantes sejam ricos ou pobres também não é decisivo, ou pelo menos não deveria sê-lo; mas pode admitir-se que uma população pobre, impelida para trabalhos penosos e privações, se mostre de um modo geral mais vigorosa e mais aguerrida”. (Idem, 578)
A guerra de guerrilhas e as táticas de guerra popular no século XX tornaram-se instrumentos de populações inferiorizadas, tanto do ponto de vista econômico quanto do militar, e independentemente da evolução obtida pela humanidade nos armamentos, uma mudança substancial as tornou mais eficaz e com maiores condições de obter resultados positivos: o apoio da população do local onde se desenvolve a ação armada.
É importante uma “ampliação, não apenas do apoio aos guerrilheiros, mas da própria força guerrilheira, através de partidos e movimentos de âmbito nacional e, às vezes, internacional” (HOBSBAWM, 1982; 168). Daí o significado que a propaganda passa a ter, sendo os atos do inimigo ou superdimensionado para mostrar uma carnificina, ou desprezado para reduzir a importância de seus ataques.
A arte da guerra tem se aperfeiçoado nos últimos tempos, mas, apesar de toda a sofisticação e modernização dos armamentos, algumas técnicas antigas têm se mostrado perfeitamente eficazes contra forças armadas numerosas e poderosas. Tanto quanto tropas regulares e armas modernas, o fundamental, numa guerra popular, é desorientar o inimigo, mesmo que este seja mais poderoso, através de ações de fustigamento, ou de retiradas estratégicas.
Mao Tsé-Tung comparava a tática de guerra de guerrilhas à de um pescador que lança a rede, puxando-a nos momentos certos. E sobre como combater um inimigo mais forte, ele afirmava: “O inimigo avança, nós recuamos, o inimigo imobiliza-se, nós flagelamos, o inimigo esgota-se, nós golpeamos, o inimigo retira-se, nós perseguimos”.
O aspecto essencial que caracteriza uma guerra de guerrilha é o combate entre tropas irregulares, movidas por uma determinação política claramente definida, e o exército regular de um Estado. Mas, as unidades de guerrilhas e a própria guerra de guerrilhas “não permanecerão tal qual são, pelo contrário, evoluirão para um plano superior, transformando-se gradualmente em unidades regulares e em guerra regular”.(TSÉ-TUNG, 1981)
A guerrilha não representa um fim em si mesmo. Ela cumpre o objetivo de desorientar o inimigo, atuando de maneira irregular e dispersa, em grupos pequenos e determinados, com seus guerrilheiros dispostos não a morrer por um ideal “mas a convertê-lo em realidade” (GUEVARA, 1980). Contudo a intensificação do movimento guerrilheiro, e principalmente, o convencimento para a população local se integrar aos destacamentos revolucionários, deve possibilitar que, dentro do quadro estratégico, uma parte das tropas guerrilheiras se transforme em tropa regular. A guerra de guerrilha em si assume um papel tático progredindo para a guerra de movimento. Nesse processo, forças originariamente guerrilheiras se transformam em forças regulares possibilitando a estas a consolidação do poder nos territórios libertados.
A guerrilha é vista como essencial numa condição de desigualdade entre as tropas regulares de um exército e as forças revolucionárias. Mas em determinado momento ela assume também um papel secundário com as tropas regulares passando a uma posição de ataque. Dependendo da intensificação da ofensiva do inimigo ela torna a ter uma importância principal. Principalmente se a ofensiva inimiga dispõe não somente de um forte aparato bélico, como também se ela procede de maneira sistemática e coordenada. Num primeiro momento, à violência do ataque deve pressupor um recolhimento, limitando-se à contrapropaganda e à tentativa de desorientar o inimigo. A retirada estratégica, nesse caso, é acompanhada de ações de fustigamento por grupos guerrilheiros, Até que, desorientado, o inimigo se desorganiza, possibilitando que as ações guerrilheiras e regulares em várias frentes, levem à vitória do movimento.
O prolongamento de uma guerra popular necessariamente deve levar à constituição de um exército regular. A guerrilha em si não é suficiente para conquistar o objetivo final almejado e a dispersão e ações rápidas e surpreendentes tornam-se insuficientes numa situação de cerco das tropas inimigas, que podem levar à destruição do movimento. A guerra de guerrilhas deve possibilitar o acumulo de forças e a desmoralização das tropas inimigas, a tal ponto que a população da área não mais veja os detentores do poder com respeito e não aceitem ser por eles governados.
Mas um exército regular também pode realizar ações de guerrilha, dispersando-se, ou uma guerra de movimento, concentrando-se. Essa tática foi adotada pelo Exército Vermelho na China, quando da guerra contra o Japão (1938). Ao mesmo tempo, no quadro de desmoralização das tropas do governo, são criados núcleos guerrilheiros também para desenvolver ações políticas dentro da área onde se desenvolve o conflito a fim de integrar moradores da região nesses destacamentos.
O Afeganistão, caso específico, convive há anos com a intensificação de guerras de guerrilhas. Desde a ocupação soviética, década de 1980, até as disputas entre os grupos responsáveis pela expulsão dos soviéticos que se revezam no poder pela ação das armas, quase que uma tradição dos povos daquela região, as táticas de lutas guerrilheiras tem sido comum em todos esses anos. Por um lado devido à geografia da região, como já foi dito, e por outro, pela incapacidade bélica, até mesmo como conseqüência da inexistência de um Estado forte, quase impossível de ser consolidado pelas condições históricas e devido às características peculiares daquele povo. Os principais armamentos são sobras deixadas pelos Soviéticos em suas retiradas, ou americanos, visto que o governo Reagan (que os consideravam “guerrilheiros da liberdade” na época da guerra fria), forneceram armas sofisticadas para garantir a derrota da ex-URSS na região. Mas nos últimos anos o comércio ilegal de armas tem sido uma realidade não somente ali, mas em praticamente todas as partes do mundo.
Junte-se àqueles fatores citados por Clauzewitz, principalmente de ser uma área montanhosa e habitada por um povo extremamente pobre, o fanatismo religioso, cujo fundamento básico é a conquista do paraíso no céu, já que na terra o que resta é a miséria e a falta de perspectiva, e teremos ingredientes mais do que suficiente para nos indicar que ao contrário de uma hipócrita “liberdade duradoura”, o que temos, principalmente por ser um território de interesses geopolíticos arraigados, é uma “catástrofe duradoura”.
Fato que, aliás, não tem sido nenhuma novidade na política externa estadunidense, vide Hiroshima, Nagazaki, Vietnam, Chile, bem como nas ações colonialistas européias na África, Ásia e América, que sempre causaram verdadeiras tragédias humanas, como o domínio britânico na China (guerra do ópio, séc. XIX) e na Índia, e dos franceses na Indochina (estes últimos dois casos, no século XX).
Segue-se as farsas se repetindo ao longo da história, quando não tragédias. E contra as agressões imperialistas permanecem as reações de grupos armados, seja nas guerrilhas convencionais, tal qual destacadas neste texto, com ações terroristas como utilizadas pela Al Qaeda, ou como um banditismo desorganizado, com gangs controlando territórios de vários Estados africanos. Onde há opressão, haverá sempre algum tipo de reação.


(*) Esse artigo foi originalmente escrito para o Projeto do Laboratório Tempo, da UFRJ: Enciclopédia de Guerras e Revoluções no século XX, organizado por Francisco Carlos Teixeira da Silva e publicado pela Editora Campus, 2004. Adaptei-o à situação geopolítica atual.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas. Goiânia: Editora UFG, 1997.
CLAUZEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979
ENGELS, Friederich. As guerras camponesas na Alemanha. São Paulo: Martins Fontes, 1975
GUEVARA, Ernesto Che. A Guerra de Guerrilhas. 3ª  ed. São Paulo: Edições Populares, 1982
HOBSBAWM, Eric. Revolucionários. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982
MARX, Karx e ENGELS, Friederich. Escritos Militares. São Paulo: Global, 1981
TSÉ-TUNG, Mao. Escritos Militares. Goiânia: Editora Libertação, 1980.

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