segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O CAPITALISMO NA BERLINDA – CRISE ESTRUTURAL OU CONJUNTURAL?

Tenho acompanhado com extrema atenção, e dedicado até um tempo excessivo de minha rotina corrida de doutorando, os acontecimentos que têm sacudido o mundo nos últimos meses e mais intensamente nas duas últimas semanas.
Compartilho a opinião que analisa toda essa confusão como uma extensão da crise de 2008, e principalmente com aqueles que vão mais além, e vêem tudo isso como um reflexo dos atentados sobre os Estados Unidos há quase dez anos. Para uma conclusão rápida nesses prolegômenos, devo dizer que, embora tendo perdido seus principais cabeças, a Al Qaeda conseguiu atingir parte substancial de seus objetivos. Não tenho dúvidas que naquele fatídico dia 11 de setembro de 2001 iniciou-se a degringolada política e econômica da maior potência do mundo, os Estados Unidos e dos seus principais aliados.
Contudo, para além das ações de guerra, seja ela regular, de guerrilhas, ou através de atentados espetaculares, como o aqui citado, existem outros elementos que nos ajudam a entender as transformações que têm afetado todo o mundo.
O ano de 2011 começou dando a impressão que o rescaldo da crise neoliberal, que alterou as relações econômicas em boa parte do mundo causando principalmente drásticos cortes orçamentários nos países, principalmente afetando investimentos produtivos e programas sociais, ficaria restrito àqueles países que sempre dependeram das atenções dos Estados Unidos e Europa.
Todos os olhares voltavam-se para a chamada “primavera árabe”, numa comparação aos levantes ocorridos na Europa no século XIX, que viriam a consolidar o sistema capitalista e o definitivo poder da burguesia como classe dominante.
Como um efeito dominó, já abordado em outro texto que escrevi e foi postado nesse blog em janeiro (http://www.gramaticadomundo.com/2011/01/revoltas-no-egito-tunisia-oma-iemen-o.html), as manifestações se estenderam para além do norte da África, atingindo outros países do Oriente Médio. Não são transformações simples, e essas revoltas ainda estão em seu curso em alguns desses países e outros, onde as manifestações surtiram alguns efeitos expulsando antigos ditadores, não viram resultados concretos em termos de mudanças políticas, como no caso do Egito.
Charge - Chapatte
A maioria das análises reconhece que esses protestos tiveram suas origens nas dificuldades enfrentadas por esses países a partir da crise de 2008, quando as principais potências econômicas reduziram os investimentos, internos e externos, a fim de tentarem conter os déficits crescentes em suas contas orçamentárias.
Mas, como no dizer do velho ditado popular, “pau que dá em Chico, dá em Francisco”, também esses países centrais, responsáveis por fazer girar a economia mundial seguindo-se os preceitos neoliberais implementados desde a era Reagan-Tatcher, se depararam com as mesmas dificuldades que seus satélites, países periféricos que dependiam diretamente da lógica imposta pela financeirização do capital a partir dos anos 1980.
O que vemos é uma espécie de dejà vu, de algo que está se repetindo ao longo das duas últimas décadas, agora com uma redução de tempo entre uma e outra situação crítica que afeta países, continentes e ameaça toda a economia mundial. Mas como vivemos em uma época em que recebemos um cabedal enorme de informações, boa parte da população esquece rapidamente em meio a seus afazeres e a rotinas estressantes, e pensa ser aquilo que retorna à mídia como algo novo. Até porque a própria imprensa faz questão de não responsabilizar essas crises como sistêmicas, mas como conjuntural. E como se fossem restritas a um ou outro país isoladamente.
Claro que as circunstâncias são outras, o estopim que gerou uma reação em cadeia envolvendo uma multidão é diferente, até os lugares mudam. Só não podemos ser enganados quanto às razões estruturais que estão motivando rebeliões em séries, e não somente neste ano. A mídia tem buscado omitir e não divulgar revoltas de jovens e trabalhadores nos países desenvolvidos há muito tempo, principalmente depois da crise de 2008. Ou quando as divulgam tentam apresentá-las como se fossem atos de vandalismo patrocinados por gangs e marginais de variados matizes.
Wisconsin - EUA
Os países que têm sido permanentemente blindados pela mídia com as distorções dos fatos ou com sua omissão são: França, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Invariavelmente, manifestações de milhares de pessoas, com duros embates nas ruas nesses países são mostradas e analisadas com um viés completamente distintos daqueles mostrados nos atos da chamada “primavera árabe”. Já citei aqui em outra postagem (http://www.gramaticadomundo.com/2011/03/terremoto-no-japao-revoltas-arabes-e.html)  as manifestações do Wisconsin, ocorridas no começo deste ano. Dezenas de milhares de jovens e trabalhadores ocuparam as ruas em atos que se estenderam para outras cidades, protestando contra os cortes de recursos para programas sociais e contra mudanças na legislação trabalhista.
Nos países árabes os protagonistas seriam jovens indignados, dispostos a lutarem em defesa da liberdade e da democracia, sendo reprimidos por uma polícia feroz à serviço de ditadores, o que em grande parte é verdade. Enquanto nas revoltas dos países ocidentais, na Europa e Estados Unidos, quase sempre os atores envolvidos nesses atos passam a ser caracterizados como marginais, delinqüentes, e os eventos coordenados por gangs juvenis.
É bom também não esquecermos as furiosas manifestações contra a reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), no ano de 1999, com enfrentamentos policiais violentos num episódio que ficou conhecido como “a batalha de Seatle”. O episódio se transformou em um filme que nos ajuda parcialmente a entender a dimensão daquele acontecimento. O filme carrega este mesmo nome (A Batalha de Seatle) e tem um elenco com atores do primeiro time de Hollywood.
Ora, o que está por trás dessa tentativa de dar uma conotação diferente para atos que em si carregam insatisfações parecidas, embora com algumas nuanças? Logicamente, o objetivo é preservar a crítica ao sistema e ao modelo de democracia que ilude a população para o sentido de liberdade, cuja vã ilusão permite aos cidadãos acreditar viverem em condições de igualdade perante as leis e as regras da economia capitalista. Pois essa democracia asseguraria a cada um, a qualquer momento, segundo sua disposição e determinação, fazer parte de um clube restrito de ricos e se deleitarem no consumismo garboso de produtos ultra-sofisticados.
Manifestações na Grécia
Manter essa fé e essa crença no sistema, tem sido o esforço hercúleo de uma mídia que se desmoraliza à medida em que essa crise toma proporções incontroláveis e quando os mecanismos possíveis de contê-las já se tornam escassos. Afinal, como convencer o mundo que a maior potência econômica, modelo do sistema capitalista encontra-se quase falida, com uma dívida que extrapola suas riquezas (leia-se PIB), enquanto naquele outrora chamado pejorativamente “terceiro-mundo” desponta um gigante que rapidamente se aproxima da condição de substituir os EUA e tornar-se ela a maior economia do Planeta? Difícil quando essa explicação passa pelo detalhamento do modelo político que vigora na China, que não se baseia na democracia ocidental, nem utiliza das matreirices tradicionais de uma política viciada, desmoralizada – porque se sabe ser ela controlada pelas grandes corporações – e disposta a chegar ao limite da insensatez quando a questão é a disputa pelo poder.
Mas qual o problema nessa afirmação? É que a China, ao se tornar potência, o faz na dependência da maneira como o mercado mundial funciona, inclusive escorado na moeda padrão de referência internacional, que lhe garante uma reserva cambial de mais de um trilhão de dólares. Se os mecanismos políticos são diferentes, a dependência do sistema econômico mundial é muito forte. O que não garante a ela a condição de se dizer livre da contaminação da doença que atinge os órgãos vitais do capitalismo. O que seria, portanto, alternativa, esbarra-se na mesma estrutura sistêmica em crise. Somente, portanto, uma mudança radical poderia conter a disparada rumo ao abismo. Poder-se-ia dizer, a começar pela mudança da moeda padrão da economia mundial, mas isso representaria decretar a absoluta decadência dos Estados Unidos.

CASTELLS X HARVEY: IMORALIDADE POLÍTICA OU FALÊNCIA SISTÊMICA?

Manuel Castells
Nas últimas semanas eu me debrucei sobre vários artigos que circularam em importantes blogs e sites na internet e na revista Carta Capital. Quatro deles me chamaram a atenção* (incluo os links ao final do texto para quem quiser acessá-los), mas selecionei dois para poder fechar esse texto, estabelecendo uma comparação entre as duas abordagens, feitas por intelectuais internacionalmente respeitados, acadêmicos de prestígio em universidades da Europa e EUA: Manuel Castells, sociólogo espanhol, já lecionou em importantes universidades, e é autor da trilogia, “A sociedade em Rede”; e David Harvey, Geógrafo britânico, atualmente professor emérito da Universidade da Cidade de Nova Iorque e autor, dentre outros dos livros, “A condição pós-moderna”, e “A produção capitalista do espaço”.
Castells faz uma análise aparentemente radical, contudo não consegue apontar saídas para aquilo que é mais elementar, os problemas econômicos. Eu diria que sua abordagem parte por premissas verdadeiras, mas chega a uma falsa conclusão. O artigo intitulado, “Não é crise. É que não te quero mais”, consegue, sem dúvida, apontar uma série de problemas que estão afligindo a população, jovens e trabalhadores.  Bem como oferece uma crítica ácida ao sistema financeiro e ao estilo de vida baseado no consumismo desenfreado. Sua leitura da “podridão” que corrói o sistema financeiro, e a forma imoral como se dão as relações entre os bancos, as corporações e o poder midiático é, a meu ver, muito bem feita.
Contudo, Castells finaliza seu texto, primeiro equivocando-se em relação à frase do cartaz do qual ele tira o título de seu artigo: Não é que estamos em crise. Es que ya no te quiero”. Entendo (mas posso estar errado) ser essa uma frase certamente elaborada por alguém que diz não querer mais o capitalismo. No entanto, não é essa a conclusão dele, e sim que é preciso fazer com que “os bancos paguem a crise. Controle sobre os políticos. Internet livre. E, sobretudo, reinventar a democracia...”. Mas, como fazer isso, por quem? Se o controle das ações nesse sistema, bem como os agentes que o exerce são exatamente os banqueiros e as grandes corporações?
David Harvey
Já David Harvey, marxista, busca o entendimento da crise nas profundezas de suas engrenagens, e o título do artigo, em si já sugere isso: “O capitalismo bestial ataca as ruas”. E inicia fazendo uma comparação com as manifestações atuais com a forma como se deu o ataque dos comunardos na Paris de 1871. Enfático em suas críticas estruturais ele busca comparações também com manifestações semelhantes ocorrido em outras épocas para demonstrar que as fissuras que ocorrem hoje são conseqüências das transformações neoliberais levado à cabo na época da primeira ministra Britânica Margareth Thatcher (junto com Ronald Reagan, dos EUA, principais responsáveis por essas mudanças). E é duro, ao dizer:
“Mas o problema é que vivemos em sociedade na qual o próprio capitalismo se tornou besta fera rampante. Políticos-feras mentem nos gastos, banqueiros-feras assaltam a bolsa pública até o último vintém, altos executivos, operadores de hedge funds e gênios do lucro privado saqueiam o mundo dos ricos, empresas de telefonia e cartões de crédito cobram misteriosas tarifas nas contas de todos, varejistas aumentam preços, por baixo do chapéu artistas vigaristas e golpistas aplicam seus golpes até entre os mais altos escalões do mundo corporativo e político... O capitalismo bestial deve ser levado a julgamento por crimes contra a humanidade, tanto quanto por crimes contra a natureza.”.
E finaliza, embora a contundência da crítica ao sistema, com indagações e reflexões sobre qual caminho se descortinará, sem apontar nenhuma alternativa. Algo que sugere dificuldades no entendimento de como superar o sistema atual, e o que advirá de sua falência:
“O que ainda falta para que todos vejam e comecem a agir? Como se poderá começar tudo outra vez? Que rumo tomar? As respostas não são fáceis. Mas uma coisa já se sabe: só chegaremos às respostas certas, se fizermos as perguntas certas”.
Manifestações na Espanha
Nesse embate de alter egos, não me imagino dando respostas para questões tão difíceis. Mas, por ter uma formação marxista, que orgulhosamente carrego há trinta anos, e estar me dedicando a estudar o sistema capitalista a partir da leitura do livro de Marx, O Capital (no Grupo de Estudos de O Capital, do IESA/UFG), acredito que o sistema capitalista chegou ao limite de suas contradições.
Não imaginemos com isso termos em perspectivas imediatas sua substituição. Mas já vivemos, seguramente, uma transição a uma outra formação econômica e social, a partir da falência do modelo atual. O tempo que isso durará é imprevisível, mas sabe-se que a pior crise é aquela em que o velho sistema falido já não mais consegue dar respostas às necessidades da sociedade, e a sociedade se depara com a dificuldade de o novo aparecer rapidamente em condições de substituí-lo.
Do ponto de vista histórico temos a transição ao capitalismo, cujo tempo gasto para o definhamento do feudalismo e a consolidação do novo sistema apoiado em uma nova classe, a burguesia, durou mais ou menos três séculos, a depender de qual paradigma se adota para compreender aquela transformação.
Manifestações em Londres
É claro que vivemos outra época, uma situação em que a aceleração do tempo é conseqüência de toda a revolução incessante propagada pela burguesia e o sistema capitalista. Isso significa dizer que seria impossível em um mundo conectado em rede, com tecnologias que garantem a aproximação entre as nações e, principalmente, com o grau de ganância impregnada na lógica que direciona as ações na sociedade moderna, imaginar que esse choque de contradições se estenderá por muito tempo.
A tendência, como se vê na disputa sectária entre as religiões, nos processos de disputas do poder político em cada Nação e na necessidade de manutenção do controle das riquezas, que o resultado provável venha a ser uma dominação conservadora neofascista principalmente naqueles países que enfrentam as mais graves crises econômicas.
A saída, caso se confirme esse que é o pior dos prognósticos, seria mais uma vez a utilização da guerra, mecanismo já utilizado em outras situações de crises. Para, a partir do caos forçado numa disputa pela hegemonia do poder político e econômico mundial, recuperar a economia capitalista, a partir da lógica já abordada pela jornalista Naomi Klein, de que o capitalismo se retroalimenta de suas próprias crises: “A doutrina do choque – a ascensão do capitalismo de desastre” (**).
Como no horizonte não há outra alternativa consolidada, em função dos problemas acontecidos com o socialismo, embora seja essa naturalmente a saída mais difundida pelos críticos ao capitalismo, só nos resta bradar com todas as forças de nossas críticas a necessidade de superação dos males que afetam a sociedade contemporânea e da contenção das desigualdades crescentes entre as nações. Paripasso, o encadeamento das lutas por direitos sociais e contra situações discriminatórias contra o outro, que tende a crescer à medida em que a situações de crise se acentue.
E oxalá possamos escapar do fatalismo de uma nova guerra de proporções mundiais.

REFERÊNCIAS:
(*)
1. Não é crise. É que não te quero mais – Manuel Castells- http://www.outraspalavras.net/2011/08/08/nao-e-crise-e-que-nao-te-quero-mais/
2. O Capitalismo bestial ataca as ruas – David Harvey - http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18241
4. Não é a Grécia. É o capitalismo, estúpido! – Atílio Bóron- http://www.vermelho.org.br/tvvermelho/noticia.php?id_secao=9&id_noticia=157302
(**)
KLEIN, NAOMI. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

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