sábado, 27 de agosto de 2011

A GUERRA NA LÍBIA E A ESTRATÉGIA IMPERIALISTA DE CRIAR DEMÔNIOS

África - IDH.

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Para começo de conversa quero apresentar o mapa do IDH na África. Assim, inicio procurando desmontar as farsescas reportagens do Jornal Nacional, apresentadas de lugares seguros, obviamente, mas de uma Trípoli destruída pelas bombas da OTAN entremeado a uma guerra de rebeldes e mercenários incógnitos e soldados leais ao ditador Kadhafi, muitos deles também mercenários.
Por toda essa semana a mídia tentou apresentar uma imagem da Líbia que justificasse as agressões criminosas da OTAN. O repórter Marcos Uchôa, com um texto pretensamente jornalístico, induzia o telespectador a acreditar em imagens selecionadas e em um relato piegas de uma realidade forjada pelos interesses de justificar as ações da OTAN. Isso pelo método comumente adotado, de demonizar o inimigo e assim convencer a opinião pública. Boa parte dela completamente desinformada daquela realidade. Situação que se torna pior com as edições desses noticiários.
Essa prática de demonizar o inimigo, já foi utiizada em várias oportunidades. Desde Noriega, antigo agente da CIA (transformado em monstro tão logo se opôs à política dos EUA), passando por Sadam Hussein (queridinho de Washington na guerra contra o Irã), pelos Talibãs (guerrilheiros da liberdade para Ronald Reagan, que os viam como instrumentos para expulsar os soviéticos do Afeganistão), por Hugo Chaves (cuja situação só não foi pior porque o golpe arquitetado pelos Estados Unidos foi frustrado) até chegar ao Kadhafi, reconhecido pelos EUA, segundo documentos tornado publico pelo Wikileakes como o principal instrumento para conter a escalada de terrorismo naquela parte do mundo. E olha que a lista dos demônios é longa, não cabe nesse espaço e talvez possa lotar o inferno (se é que existe este lugar senão em alguns pontos aqui mesmo da Terra).
Já abordei em outro artigo um pouco do aspecto geopolítico da Líbia e da característica exótica de seu ex-ditador (http://www.gramaticadomundo.com/2011/03/revolta-nos-paises-arabes-um-olhar.html). E que, embora estando há décadas no poder, e reconhecido publicamente a participação de seu governo em atos terroristas – caso conhecido do atentado ao avião Pan Am em 21 de dezembro de 1988, sobre a cidade de Lockerbie, na Escócia -, conseguiu se recompor com o Ocidente e estabeleceu relações amistosas integrando a guerra contra o terrorismo, atendendo os interesses dos Estados Unidos.
Logo após essa reaproximação kadhafi iniciou um processo de abertura de sua economia possibilitando que grandes corporações, principalmente relacionadas aos negócios do petróleo, pudessem atuar livremente na Líbia. Um dos ministros responsável por essa abertura, que lhe serviu durante muito tempo, compõe também hoje o auto-denominado “Conselho Nacional de Transição” (juntamente com mais dois ex-ministros).
É sabido que ao longo de quatro décadas Kadhafi tem governado a Líbia com mãos de ferro, impedindo participação de setores divergentes na política local, caracterizando, portanto, um governo fortemente centralizador e ditatorial. Esse aspecto político, contudo, não pode esconder uma realidade econômica que é completamente diversa da maioria dos países africanos.
Por mais que tentasse, Uchôa, com seu jornalismo matreiro, de selecionar imagens para inserir um texto condenatório, não conseguiu encontrar em Trípoli situações de miséria que pudesse sensibilizar a opinião pública. Isso porque a Líbia é detentora do maior IDH dentre todos os países da África (ver mapa acima com a Líbia na cor verde). Há características que são peculiares àquelas cidades milenares, de pequenas ruas tomadas por comércios populares, que, quando cheias dão a impressão de um caos. Mas nada diferente da forma como funcionam as feiras e as ruas de comércios intensos em cidades tanto dos países árabes como em alguns da América.
As divergências existentes na Líbia são políticas. O longo tempo de Kadhafi no poder, obviamente desfrutando ao seu prazer e de sua família de uma enorme riqueza advinda de um petróleo de boa qualidade, despertou, como não poderia ser diferente (e o que espanta é o tempo em que isso demorou), a ira de setores ligados a tribos que não viam essa concentração de poder com bons olhos. E, claro, gostariam também de participar das mesmas mordomias de que se serviam o clã dos Kadhafi.
Não tem nada a ver, como no relato medíocre (e ideológico) do repórter da Globo, de que agora o povo líbio se livrava de um “ditador que portanto tempo fez um mal terrível” à população daquele país. É recorrente essa tentativa de ligar condições de misérias a governos que se mantém longo tempo no poder. Essa não é uma relação historicamente honesta. Porque não se busca então mostrar com o mesmo impacto a situação da Arábia Saudita, ou do Baherein? Ou demonstrar com uma honestidade que não se vê na grande mídia, casos de democracia em que as condições de miséria da população são tenebrosas, como no Haiti?
Recentemente vimos um espetáculo grotesco, em um mundo com grave crise econômica e diante de uma África que passa mais uma vez por situações de calamidade e de crise humanitária decorrente do grande número de pessoas que passam fome. Me refiro ao casamento de um descendente da realeza britânica. Há quanto tempo esses reizinhos de meia-tijela (mas com muito patrimônio herdado ás custas do sacrifício do povo e do saque da riqueza de outros países) vêm se sucedendo? Talvez ultimamente eles não andem tendo muitas oportunidades porque a rainha-mãe resiste centenariamente.
O que os tornam diferentes dos sheiks, príncipes e ditadores iguais ao Kadhafi e tantos outros defenestrados agora na chamada “primavera árabe”? Talvez a habilidade política de garantir ser constituído um governo que lhes garantam uma espécie de proteção aos seus reinados. Assim, enquanto os “comuns” se digladiam por um poder transitório, essa “nobreza” medieval se mantém segura a um poder permanente.
As revoltas em Londres, bem como as de Madri (e outras cidades pelo interior desses dois países), também demonstram insatisfações, nesses casos decorrentes de falências econômicas de seus Estados. Mas o que os tornam semelhantes é exatamente ainda o fato de serem monarquias constitucionais. De manterem velhas nobrezas pairando sobre as situações de crises e de desmando políticos e econômicos.
Hipocrisia. Essa é a palavra que melhor pode caracterizar a maneira como as informações sobre a crise na Líbia é transmitida pelas grandes redes de comunicação. Mais ainda é o fato de o desfecho, com a invasão dos “rebeldes” à Trípoli, ter se tornado um forte argumento para que imediatamente sumissem das manchetes quaisquer informações relativas à grave crise econômica que atinge Europa e os Estados Unidos.
Esse comportamento, de sempre demonizar um governante quando ele não atende mais aos interesses das grandes potências, vai, pouco a pouco, desmascarando todo esse viés ideológico e manipulador dos meios de comunicação. Afinal, desde 2003, quando Kadhafi modificou suas relações políticas com o Ocidente que, tudo isso que agora vem sendo mostrado como decorrente da ação de um louco, exótico, ditador, foi aceito, tolerado e usado para atender a estratégia do Império de “guerra ao terror”.
Condoleza Rice, Secretária de Estado, dos EUA, estabeleceu tão fortes relações diplomáticas e políticas com Kadhafi que despertou nele uma paixão agora revelada em um álbum encontrado em meios aos destroços de seu palacete.
Ademais, aquietaram-se também as vozes políticas do ocidente quando o ditador reabriu a Líbia para que as grandes corporações, notadamente aquelas vinculadas à indústria do Petróleo, pudessem voltar a agir com mais liberdade e a explorar um dos maiores potenciais daquele país.
Mas existem outras aberrações que nos deixam, a nós que buscamos compreender com um olhar geopolítico todas essas desavenças, revoltados. Basta rever o noticiário no dia seguinte à entrada dos “rebeldes” em Trípoli. A mídia brasileira, e alguns comentaristas bufões a seu serviço, esmeraram-se em críticas à postura do Brasil, que, corretamente, recusou-se a apoiar a agressão pela OTAN ao território líbio.
Mas, não bastasse esse comportamento trivialmente vinculado aos interesses imperialistas, por ser já uma característica recorrente, eles explicitaram a visão rapace que a meu ver motivou a decisão de bombardear aquele país. Por vários dias seus argumentos repetiam um tom tipicamente oportunista e que bem caracteriza a lógica de um sistema que se compraz em saquear os mais fragilizados, principalmente se esses estiverem em seus estertores.
Então a grande crítica era que, pelo fato de a diplomacia brasileira não ter apoiado a invasão, as empresas brasileiras seriam punidas por isso e não participariam do processo de reconstrução do país. É bem típico, portanto, do chamado “capitalismo de desastre”, que eu já abordei no post em que analiso a crise econômica. E é assustador, porque reforça uma compreensão de que a maneira de sair de uma crise é invadir algum país, de preferência que seja um com muitos recursos como água e petróleo, e com bilhões de dólares em depósitos nos principais bancos das maiores potências européias e Estados Unidos. Como é o caso da Líbia.
Uma divisão macabra, em um momento em que uma verdadeira carnificina acontecia nas principais ruas de Trípoli, de tal forma que não haviam mais leitos nos hospitais em condições de atender à quantidade de pessoas feridas. Assim como o massacre que ocorria, protagonizado pelos dois lados em disputa, com execuções sumárias e indistintamente, a quem quer que fosse suspeito ser adversário.
No meio de tudo isso, dessas diatribes de fantoches travestidos de jornalistas, uma frase escapou, seguramente de forma inadvertida, quando foi dito que o Hotel onde se encontravam os jornalistas estava em intensa confusão, porque tinha recebido parte do Conselho de Ministro dos rebeldes e “um grupo de espiões britânicos” que ali se hospedara.
Ora, essa é a parte secreta da história que não pode ser dita. A enorme quantidade de mercenários a serviço dos dois lados, uma das principais características das guerras atuais e da composição dos exércitos, boa parte terceirizados com poderosas empresas de segurança militar. E, principalmente, uma leva de espiões a serviço da Inglaterra, França, Estados Unidos e Itália, a desfilar disfarçadamente pelo território líbio e proporcionar atos que pudessem ser transmitidos para todo o mundo e posteriormente responsabilizar a ditadura líbia, assim como para acelerar sua derrubada. São os chamados “chacais”, no dizer de John Perkins, em “Confissões de um assassino econômico” (http://www.youtube.com/watch?v=PQNKhlrxnsw).
(Sabemos como isso acontece. A ação de agentes que realizam atos terroristas para depois responsabilizarem outras organizações e justificar os seguidos massacres. Vimos isso acontecer aqui no Brasil no final da ditadura militar, com o caso da explosão de uma bomba em um veículo Puma, quando dois oficiais do serviço de espionagem do exército tentavam cometer um atentado no Rio Centro, durante um show de comemoração ao dia 1º de maio, em 1981).
Contudo isso, revelando nesses comentários e reportagens o que de fato está por trás da guerra na Líbia, fica bem claro que as informações que nos são passadas carecem de credibilidade. São imagens selecionadas e comentários suspeitos, que servem aos objetivos de destruir um país para depois garantir às grandes corporações o direito de lucrar em cima das desgraças cometidas sobre um povo. É a tentativa desesperada de as cabeças da hydra, prosseguir resistindo a uma crise mortal, já que de seu interior não há mais alternativas viáveis que venham a solucionar seus problemas crônicos e estruturais. A guerra, como sempre, surge como alternativa de garantir o assalto às riquezas de outras nações como forma de recompor seus tesouros.
Pode ter sido o fim de Kadhafi? Sim. Assim como foi o de Sadam Husseim. O que não significa que com isso tenha se chegado ao fim à ganância e a fúria imperialista. Nem que isso seja a garantia de que nesses países a pretensa liberdade oferecida pelos novos (e indecifráveis) governantes seja garantia de paz, liberdade e segurança. Basta ver a situação do Iraque e do Afeganistão.
Não foi a multidão que derrotou Kadhafi, como aconteceu em outros países árabes. Mas sim, os bombardeios da OTAN, atendendo a outros interesses, principalmente ao controle do petróleo. Quanto aos “rebeldes”, é impossível caracterizá-los nesse momento. Eles representam uma infinidade de tribos, de regiões distintas, e que têm cada uma delas interesses também de exercer controle no comando do país. E possivelmente com integrantes da Al Qaeda, tornada inimiga de Kadhafi durante a recomposição com o Ocidente.
O reconhecimento interno do futuro governo dependerá das tribos que estiverem nele representadas. E elas somam mais de cem, mostrando que, como na antiga Iugoslávia, que manteve-se unificada em torno da figura de Josip Broz Tito, pode acontecer o mesmo na Líbia, que até então só conseguiu manter-se unificada diante do carisma e do pulso firme e ditatorial do Muammar Kadhafi.
O futuro da Líbia, portanto, ainda não se escreve no presente. Desse país com o maior IDH da África, estrategicamente situado, com uma das maiores obras de engenharia de abastecimento hídrico do mundo, com poços de petróleo de excelente qualidade e enorme reserva em seu subsolo e com bilhões de dólares seqüestrados pelos países europeus e Estados Unidos, o que se pode dizer é que um enorme retrocesso econômico fará despencar esse índice de desenvolvimento.
Certamente essa agressão não será suficiente para conter a grave crise econômica que atinge o sistema capitalista. Mas será responsável por tornar a vida do povo líbio mais complicada economicamente e insegura quanto a sua integridade territorial e nacional.
É importante observar nos próximos meses as movimentações das grandes potências. Por trás das cortinas escondem-se poderosos interesses no continente africano, nos últimos anos com um gradativo aumento da influência chinesa, tanto buscando o controle sobre o petróleo, como adquirindo terras a fim de ampliar a produção agrícola para atender a forte demanda desse gigante asiático em franco desenvolvimento.
Com a crise européia vê-se uma forte mudança no comportamento de países como a França, Itália e Inglaterra, buscando retomar antigas áreas de influências na África, na Ásia e Oriente Médio. As pedras no tabuleiro de xadrez da geopolítica mundial mexem-se como os frenesis de atores ansiosos por deter o tempo. O Século XXI mal começou e já dá sinais de que será de um tempo longo e de profundas mudanças estruturais.

2 comentários:

  1. Parabéns, professor! Uma análise da realidade humana em contexto de conflitos de interesses desconhecidos, muitas vezes...parabéns!
    Wanderley

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  2. Obrigada por compartilhar seu texto no blog. Até então eu não tinha conehcimento dos fatos aqui explicitados... Só tinha uma sensação estranha de que algo não estava certo quando via os noticiários sobre essa guerra. Nunca vi em lugar nenhum falarem sobre o IDH da Líbia. Parabéns!

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