segunda-feira, 22 de março de 2021

A ARQUITETURA DO CAOS

Foto: Site Poder360

Vamos aos fatos, e, naturalmente, é preciso entender toda a situação, como chegamos até aqui e porque estamos à beira do caos, numa das piores crises médicas, sanitárias e socioeconômicas da história de nosso país.

Segundo o presidente da República, "O povo não tem nem pé de galinha para comer mais. Agora, o que eu tenho falado, o caos vem aí. A fome vai tirar o pessoal de casa. Vamos ter problemas que nunca esperávamos ter problemas sociais gravíssimos”.[1] Vejam, essa é a fala do presidente do Brasil, não é de nenhum sindicalista ou militante que está lutando contra as desigualdades sociais. Mas de quem governa e, em tese, possui todos os elementos e as condições de adotar medidas que minimizem os graves problemas sociais gerados por essa pandemia. Só que ele não fará isso, por uma razão óbvia, estrangular a economia e disseminar medo, angústia e ansiedade, faz parte de um projeto de governo.

Evidente que tem razão ao dizer que estamos em meio a um caos. E isso condiz com uma estratégia adotada por seu governo, não somente durante a pandemia, mas mesmo antes de vivermos esse inferno viral. Claro, a Covid19 se incorporou a uma estratégia que já estava em curso: tornar a sociedade brasileira um caos.

Bolsonaro foi eleito no rastro de uma destruição da democracia, conforme a conhecemos por nossas bandas, e, principalmente da política. Embora ele fosse o azarão da história, serviu-se perfeitamente de toda uma onda gerada por perversos mecanismos midiáticos, de canais de televisão, jornais e emissoras de rádio, que apostaram desde 2015 na desconstrução de projetos políticos de cunhos sociais e de visões econômicas baseadas no desenvolvimentismo, para, por meio do ataque à política e projetando a ascensão da alienação derrubar um governo e apostar em políticas fortemente neoliberais, meritocráticas e antinacionais.

Mas o discurso levado a cabo, por meio do incentivo às manifestações, transmitidas ao vivo pelos canais de TV, por onde se disseminaram um comportamento de ódio e projetou o neofascismo, não atingiu o objetivo desejado pelos setores conservadores de partidos derrotados na eleição de 2014. Pois eles também se tornaram alvos da caça às bruxas, e na identificação do que se convencionou chamar de “velha política”. Foi tudo por água abaixo, inclusive caráter, seriedade, honestidade, esperança... Prevaleceu o cinismo, o banditismo miliciano e a hipocrisia religiosa. Se o que se pretendia era demonizar a política, o demônio soube entender e assumiu o controle. Assim, o caminho estava aberto para o caos. As redes sociais potencializaram isso, através das fake news, e a pandemia só veio para acelerar essa situação, já prevista e consolidada nas eleições de 2018.

Ora, já pude analisar neste blog e no meu canal no Youtube, como Bolsonaro chegou à presidência, no vácuo dessas desastrosas intervenções dos setores de centro-direita neoliberal. Despontou como um “mito”, na condição do que na geopolítica conhecemos como um “outsider”, desancando a política, com discurso anticorrupção (como sempre esse discurso antecede as crises políticas brasileiras e os movimentos golpistas) e aglutinando ao seu lado ressentidos, derrotados moralmente, despossuídos economicamente, frustrados e alienados. Embora a absoluta maioria desses aí adjetivados pudessem ser classificados no nível máximo de alienação. Além de uma burguesia estúpida e uma classe média oportunista. E, correndo por fora, de forma sutil e sibilina, porque nessa década esse movimento esteve ao lado de todos os governos, os segmentos evangélicos, neopentecostais principalmente, e os conservadores católicos da corrente carismática. Correram por fora num primeiro momento, porque depois incorporaram o discurso neofascista do presidente e se constituíram em sua principal base de apoio. Logicamente por traz disso a ambição pelo poder e a ganância como prática contumaz de seus principais líderes religiosos a extorquir os fiéis.

Mas Jair Messias Bolsonaro não caiu de paraquedas. Ele se tornou parte de um projeto desses segmentos reacionários religiosos e se incorporou a um movimento que tomava corpo mundialmente havia uma década, que gerou outra aberração política: Donald Trump. Mas que também estava em curso em diversos outros países, como Hungria, Itália, Reino Unido dentre outros, além dos EUA, de onde saiu toda essa inspiração perversiva.

Já citei em outros artigos que escrevi, baseado em alguns livros e documentários (que indico ao final desse texto), que esse projeto teve à frente um personagem que se tornou mais conhecido no ano passado, porque foi preso acusado de desvio de dinheiro numa arrecadação feita nos EUA para ajudar o governo Trump e construir um muro na fronteira com o México. Steve Bannon é o personagem por trás da “estratégia do caos”. Seu escritório foi responsável por dar assessoria aos “políticos” que surgiram das trevas, atraindo para seus lados todos esses indivíduos que carregavam algum tipo de frustração e ódio às condições sociais em que viviam.

No documentário “Privacidade Hackeada”, disponível na Netflix, chama a atenção uma frase dita por Christopher Wylie, Cientista de Dados, ao se referir a Steve Bannon (vice-presidente da Cambridge Analytica, e criador do site de notícias Breitbart), que seria a doutrina utilizada por essas empresas: “Se você quer mudar fundamentalmente a sociedade, primeiro tem de destruí-la. E somente depois de destruí-la é que pode remodelar os pedaços segundo sua visão de uma nova sociedade”.

Bingo! Eis porque Bolsonaro tem razão na frase dita, paradoxalmente sendo ele, como presidente, quem poderia adotar medidas que evitassem esse caos. Mas como eu já disse, isso ele não fará, porque faz parte de uma estratégia. Seu desejo é manter radicalizado um segmento que será muito prejudicado economicamente, para além das perdas de vidas, que se tornarão esquecidas pelo foco que está sendo adotado e pelas condições reais que ficarão milhões de pessoas. As mortes serão naturalizadas. Isso representa o que conhecemos hoje como “necropolítica”. Alienadas e corrompidas em seus desejos e olhares, essas pessoas seguem o discurso fácil, irresponsável e adredemente planejado pelos arquitetos do caos.

Mas o que falta para que aqueles responsáveis por abrir as porteiras dessas perversões, quando levaram a cabo uma outra estratégia, fracassada, de “reerguer o país destruído por Dilma Roussef” revejam seus comportamentos e percebam a gravidade dos acontecimentos que estão em curso e podem levar a que nosso país tenha mais de 500 mil mortos nessa pandemia, além de sua total destruição econômica? Enfim, esta semana divulgou-se um manifesto de banqueiros e economistas[2] que apoiaram essa loucura que empurrou o país para mãos inconsequentes.

Quem sabe um mea-culpa não abra caminho para recomposição de forças políticas que compreendam a gravidade da situação na qual eles nos meteram? É o que desejam aquelas pessoas que têm juízo, clamam pela vida, choram por seus mortos e anseiam por um país soberano, livre dos “mitos” que vagam por aí órfãos de seus manicômios. Que lutemos para recuperar nossa dignidade e saibamos compreender a importância de lutar por uma sociedade justa, menos desigual, e onde se dissemine valores como empatia, altruísmo e solidariedade. 

Ou fazemos isso ou prevalecerá pelo tempo que requer a destruição de um país, a estratégia do caos. O apocalipse por trás da necropolítica.

Está em nossas mãos, não somente os nossos destinos, como a determinação para provar a Bolsonaro que embora ele tenha razão hoje, o caos não prevalecerá e que toda maldade, perversão e vilania serão combatidas pelos que sobreviverão à sua hecatombe planejada. E seremos milhões!


DOCUMENTÁRIOS:

The Weekly S01E09: A Toca do Coelho (The Rabbit Hole) - https://www.youtube.com/watch?v=b3J7r1H4SYo

Privacidade Hackeada - Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA - https://www.netflix.com/br/title/80117542

Get Me Roger Stone - Observe a ascensão, queda e renascimento do operador político Roger Stone, um player influente da Equipe de Trump há décadas - https://www.netflix.com/br/title/80114666

Eles estão entre nós - O documentário explora a aliança política entre religiosos, oligarcas, Cambridge Analytica e suas empresas de fachada que mudaram o equilíbrio da política nos EUA. - https://globoplay.globo.com/eles-estao-entre-nos/t/wwppjgqzSJ/

LIVROS:

DA EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos. São Paulo: Vestígio, 2020

DOWBOR, Ladislau. O Capitalismo se desloca. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2020.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018

LIMA, Delcio Monteiro de. Os demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1987.

ARTIGOS DO BLOG:

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2020/04/como-chegamos-ate-aqui-e-como-sera-o_28.html

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2020/07/a-estrategia-da-destruicao-de-bolsonaro.html

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2020/08/tempos-perigosos-em-que-negam-as.html

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2020/08/o-despertar-das-bestas-3-parte.html

https://gramaticadomundo.blogspot.com/2020/09/o-efeito-borboleta-ou-teoria-do-caos.html

 

CANAL ROMUALDO PESSOA: https://www.youtube.com/watch?v=UaAi8OuUojM


NOTA:

[1] https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/03/19/o-caos-vem-ai-a-fome-vai-tirar-o-pessoal-de-casa-diz-bolsonaro.htm

[2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/banqueiros-e-economistas-pedem-medidas-efetivas-de-combate-a-pandemia-em-carta-aberta.shtml

 

 

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