É instigante falar do “tempo” e do
“espaço”, e é necessário, para compreendermos as transformações e o processo
histórico. Trata-se de categorias que se interligam na produção do saber
constituindo tanto a cultura, quanto o território, e é impossível separá-las,
pois são dependentes uma da outra, conforme bem representado numa frase de
Elisée Reclus (s.d, p. 108-114): “Se a História começa primeiro por ser ‘toda
geografia’, como disse Michelet, a geografia se torna gradualmente ‘história’ pela
relação contínua do homem sobre o homem”. Essas categorias representam o
caminho pelo qual necessariamente temos de percorrer para compreender toda a
nossa existência, seja no passado, seja no presente. Assim, podem-se
compreender a nossa trajetória e a relação com a natureza, para definição do
caminho futuro da humanidade.
O ESPAÇO E A SOMA DOS TEMPOS
Vivemos em um mundo de rápidas
transformações. A abordagem dialética que fazemos da vida nos mostra isso. O
impulso que muda, incessantemente, natureza e sociedade é dado por
contradições, pelo antagonismo, pelo estranho “equilíbrio” ecológico que força
um choque entre contrários para manter e preservar a vida, mas que nas relações
sociais pode levar a uma inevitável destruição, principalmente por sermos, nós,
humanos, os maiores predadores da natureza. E o que é pior: predadores de nossa
própria espécie.
Como compreender, à luz da história
e da geografia, o mundo contemporâneo, cujas características principais são a
velocidade, a rapidez e a profusão de objetos, o intensivo uso da técnica, de
novas espacialidades, de um crescente processo de urbanização e da
mercantilização, não somente dos objetos, mas quase que da totalidade das
relações humanas. O espaço da cidade se fragmenta em uma multiplicidade de territórios,
e novas territorialidades definem a maneira como o campo se enquadra nos
interesses sistêmicos, na relação centro-periferia do mundo capitalista.
Espaço, urbanização e território.
Através dessas categorias e processos buscamos na geografia o entendimento de
como vamos nos adaptando e transformando a paisagem com o uso da técnica e de
novas tecnologias. Tecnologias, que, vale dizer, encontram-se à disposição dos
próprios geógrafos, visando buscar informações geoprocessadas mediante
mecanismos sofisticados, uso de satélites capazes de monitorar todos os cantos
do planeta. Nos últimos anos com o uso crescente de VANT (Veículo Aéreo Não
Tripulado), mais conhecido por sua origem na guerra com o nome de “drones”.
Isso faz lembrar Milton Santos (1996), quando afirma que já não podemos mais
falar de natureza natural, na medida em que o ecúmeno se torna possível de ser
conhecido e de estar sujeito à ação do homem por mais distante que seja o
lugar.
Mas ao definirmos o espaço, pode-se
precisar a época de que estamos falando? É possível destacar espacialidade,
territorialidades – mesmo a paisagem que se apresenta para nós como uma
somatória de tempos passados –, sem considerar uma relação temporal em todo o
processo de mudança que se desenrola em nossa volta? Importante lembrar que a
vida, de uma forma geral – e a nossa, em particular – não é estática. Tudo,
aliás, é movimento, é transformação, e o que possibilita isso é o tempo.
Em cada segundo de nossas vidas,
encontramos registradas ações que promovem as mudanças. E somente a nossa
memória é capaz de fazer isso. É a nossa memória que possibilita compor a
história e também registrar cada momento através do estudo e da pesquisa
científica.
Vivemos, em verdade,
incessantemente a história; por isso pode-se afirmar que não existe o presente,
ou que ele é representado somente em frações de segundos, que só podem ser
registrados estaticamente pela fotografia. Porque no instante seguinte, ele já
é passado.
Isso é brilhantemente ilustrado na
canção “Como uma onda” (Motta, 2000), interpretada por Lulu Santos:
Nada do que foi será, de novo do
jeito que já foi um dia/ tudo passa, tudo sempre passará,/a vida vem em ondas,
como o mar,/ num indo e vindo infinito.
Tudo que se vê não é igual ao que a
gente viu há um segundo/ Tudo muda o tempo todo no mundo/ Não adianta fugir,
nem mentir pra si mesmo agora/ Há tanta vida lá fora, aqui dentro sempre/ como
uma onda no mar/ Como uma onda no mar...
O tempo foi definido
arbitrariamente quando se trata de contarmos nossa história. Atendeu a diversos
fatores, principalmente de origem religiosa, estabelecendo assim uma
diferenciação na temporalidade dos fatos históricos do ocidente fixados a partir
do calendário cristão (ou Juliano) estabelecido na Idade Média, do calendário
judaico, do muçulmano, do chinês etc. Impõe-se o primeiro como referencial em
decorrência do poderio europeu que se espalhou pelo mundo no processo de
colonização, durante o período absolutista, até chegarmos aos dias atuais, em
que estamos conectados com todo o mundo em tempo real, como consequência dos
impressionantes progressos dos meios de comunicação.
Fora o tempo que conta a história
da humanidade, deparamo-nos ainda com o tempo geológico, que permite entender o
processo de formação da Terra, ou do tempo estudado por meio da física, que
apresenta o universo em formação e se explica em anos-luz, para dizer da
distância entre os pontos mais distantes e nas mais variadas galáxias.
É claro que tudo isso significa
nada mais do que tentarmos entender a vida, as nossas origens e todo o processo
de transformação que nos leva a um ponto de interrogação crucial – a morte –,
que, embora se apresente como o fim de tudo, pode significar também um começo,
como num devir hegeliano.
Contudo, o tempo nada mais é do que
o acontecer sucessivo, simultâneo, imediato, da espacialidade, que representa o
movimento e a transmutação do/no espaço. A mudança, o efêmero, possibilita
compreendermos porque a vida é uma constante renovação do ir-e-vir, do começo e
do fim, do novo e do velho.
Novas possibilidades estão sendo
geradas a partir desse entrelaçamento criativo, possibilidades de um
materialismo simultaneamente histórico e geográfico; de uma dialética tríplice
de espaço, tempo e ser social; e de uma reteorização transformadora das relações
entre a história, a geografia e a modernidade. (Soja,
1993, p. 19):
Mas é preciso distinguir o tempo
preciso do acontecer, dos eventos que se realizam num determinado espaço e
vermos num possível atavismo a sucessão de acontecimentos que se interligam e
carregam características e marcas do que ficou. Que se entrelaçam e explicam a
simultaneidade da vida embora nem sempre possível de discernimento.
Avançamos um pouco pela
interpretação feita por Santos (1996, p. 127):
O tempo como sucessão, o chamado
tempo histórico, foi durante muito tempo considerado como uma ase do estudo
geográfico. Pode-se, todavia, perguntar se é assim mesmo, ou se, ao contrário,
o estudo geográfico não é muito mais essa outra forma de ver o tempo como
simultaneidade: pois não há nenhum espaço em que o uso do tempo seja idêntico
para todos os homens, empresas e instituições. Pensamos que a simultaneidade
das diversas temporalidades sobre um pedaço da crosta da Terra é que se
constitui o domínio propriamente dito da Geografia. Poderíamos mesmo dizer, com
certa ênfase, que o tempo como sucessão é abstrato e o tempo como
simultaneidade é o tempo concreto, já que é o tempo da vida de todos. O espaço
é que reúne a todos, com suas múltiplas possibilidades, que são possibilidades
diferentes de uso do espaço (do território) relacionadas com possibilidades
diferentes de uso do tempo.
Saindo um pouco da representação
conceitual e da relação entre essas duas categorias que se interligam, vamos ao
encontro de outra expressão, para definir o discurso dos que pretendiam que o
final do século XX tenha sido um momento em que a humanidade teria transitado
da modernidade para a pós-modernidade.
DESCONSTRUINDO A MODERNIDADE
É preciso primeiro termos claro que
o sentido de modernidade e pós-modernidade tem origem diferente dos
significados que lhes são imputados. Modernismo teria origem nicaraguense,
viria com a criação de uma vertente que buscava livrar-se da influência
cultural espanhola (século XIX). O pós-modernismo seria uma compreensão da
existência de uma corrente conservadora no movimento modernista. Essas
expressões, a partir de então, passaram a ser utilizadas, em vários momentos da
história, para definir as mudanças. Seja para se referir ao industrialismo crescente
do século XIX, ou às guerras mundiais, à revolução Meiji no Japão, à revolução
soviética e por aí afora, identificam cada momento expressivo da História como
início ou fim da modernidade, e este em relação à pós-modernidade.
A justificativa para tecer aqui
tais considerações, brilhantemente feitas no trabalho do historiador britânico
Anderson (1999), está no fato de sermos chamados a nos referir à
“desconstrução” do mundo. Ou, poderíamos dizer, ao “fim do território”,
“desterritorialização”, geograficamente falando. São expressões que,
“carregadas de ideologias”, representaram uma nova maneira de buscar entender o
mundo a partir das intensas transformações que caracterizaram as décadas finais
do século XX: da modernidade à pós-modernidade.
Contudo, para compreendermos mais
amplamente o significado de Modernidade, precisamos ir em direção à
representação de todo um período marcado pelos ideais renascentistas, mas
principalmente iluministas, rousseaunianos ou cartesianos, responsáveis por
fundamentação humanista e materialista, necessária à condução de uma nova época
que se opunha fortemente às trevas medievais, cerceadoras da liberdade e
inibidora do conhecimento, principalmente no tocante às ciências.
Primeiro a revolução Francesa, que
em nome da liberdade simboliza o início da era moderna. Seus ideais, embora
revolucionários, distanciaram-se do povo, para quem o discurso era feito, mas
significaram o início de uma época que virá marcada pela intensa transformação
das forças produtivas. Depois a Revolução Russa, que apontando para o fracasso
da primeira e atingindo duramente a burguesia descortina uma nova época sob o
comando do proletariado e caminhando para uma revolução mundial. Embora se
diferenciando radicalmente na questão de classe, em essência, os objetivos das
duas não são contraditórios.
O fim da modernidade, então, será
definido pelo que vai ser considerado de fracasso desses dois projetos calcados
nos ideais iluministas. As três últimas década do século XX passaram então a ser
marcadas por uma mudança considerável na concepção que se tinha de sociedade e
no papel que desempenhavam as instituições que surgiram daquelas revoluções e
visavam garantir condições de vidas dignas para a maioria da população. Isso
tanto pelo socialismo, com uma concepção de poder e de controle de Estado
marcada pelo planejamento e por investimento em setores que privilegiavam as
necessidades do povo, quanto pelo capitalismo, no período em que vigorou o
welfare state (estado de bem-estar social). Esse último significou a
estabilidade do sistema e reduziu as diferenças sociais na maioria dos países
europeus e Estados Unidos da América.
A nova era que se descortinou veio
marcada por um crescente egoísmo, sob uma lógica que vê na riqueza fácil, mas
mediante uma exploração desenfreada, a condição de se obter sucesso na vida e
se atingir o progresso almejado, não mais dentro de objetivos coletivos ou
sociais, mas claramente individualistas. Não se pensava mais prioritariamente
na construção de valores que pugnassem pela defesa dos interesses humanísticos.
Fortalecia-se a lógica de que a busca pelo sucesso pessoal seria a garantia da
solução para uma época em crise em que a hegemonia do poder, do liberalismo
econômico, era contida pelo discurso socializante.
A década de 1980 representou uma
época de crise da economia de mercado que afetou gravemente os países
socialistas com seus planejamentos estatais, mas com fraco desempenho na
produção de mercadorias que pudessem disputar mercados. Mercadorias obsoletas
circulando por um mercado em crise, portanto fortemente disputado, em que
contam mais a qualidade do produto e o custo que se racionaliza com um forte
investimento em tecnologia, o que equivale a preços mais baixos, principalmente
se a demanda for grande. Por isso, dentre outras causas, o socialismo dito
“real” estremeceu, entrou em crise e caiu quase que paralelamente à queda do
que se tornara símbolo para o Ocidente da chamada “economia de comando” (KURZ,
1992) e dos ideais socialistas: o muro de Berlim.
Com a crise do socialismo abriu-se
caminho para se atingir o welfare state,
pondo fim a uma era marcada pelos ideais iluministas. Assim os setores
conservadores impuseram uma nova política, a neoliberal, atacando fortemente os
valores incorporados pelas revoluções do século XIX e do socialismo, e
sinalizam para um novo tempo que virá marcado, segundo Santos (1984, p. 33),
pela racionalidade, fluidez e competitividade.
Nesses
espaços da RACIONALIDADE, o mercado é tornado tirânico e o Estado tende a ser
impotente. Tudo é disposto para que os fluxos hegemônicos corram livremente,
destruindo e subordinando os demais fluxos hegemônicos corram livremente,
destruindo e subordinando os demais fluxos. Por isso, também o Estado deve ser
enfraquecido para deixar campo livre (e desimpedido) à ação soberana do
mercado.
(...)
A
exigência da FLUIDEZ manda baixar fronteiras, melhorar os transportes e as
comunicações, eliminar os obstáculos à circulação do dinheiro (ainda que a das
mercadorias possa ficar para depois), suprimir as rugosidades hostis ao galope
do capital hegemônico.
A
FLUIDEZ é a condição, mas a ação hegemônica se baseia na COMPETITIVIDADE.
Nos
tempos presentes a COMPETITIVIDADE toma como discurso o lugar que, no início do
século, ocupava o Progresso e, no após-guerra, o Desenvolvimento.
A
competitividade é um outro nome para a guerra, desta vez uma guerra planetária,
conduzida, na prática, pelas multinacionais, as chancelarias, a burocracia
internacional, e com o apoio, às vezes ostensivos, de intelectuais de dentro e
de fora da Universidade.
Caminho aberto para as mudanças,
entramos numa época verdadeiramente global, com um forte impulso em áreas que
levariam a uma mudança substancial nas relações sociais, na reconfiguração
geopolítica do mundo, nos valores éticos, morais e culturais.
PÓS-MODERNIDADE: FIM DE TUDO E
COMEÇO DE NADA
Passamos a presenciar no fim do
século XX uma transformação socioespacial profundamente acelerada, se
compararmos a outros tempos. Uma época em que a aceleração contemporânea dos
fortes, ricos e tecnologicamente bem
desenvolvidos contrasta com o tempo lento dos fracos, pobres e deserdados
sociais. A utopia coletivista foi substituída pela corrida ao sucesso
individual, cronometrada pelos índices de qualidades aferidos pelo mercado. Os
números, as estatísticas, as retas e curvas dos gráficos que apontam os caminhos
da riqueza sintetizam a frieza dos relacionamentos humanos. As relações
mecânicas, que entronizam os incluídos neste “admirável mundo novo”, podem
servir como exemplo para explicar as enormes contradições acerca do que ainda
consideramos viver societariamente, e se ainda é possível chamar civilização,
na acepção dada ao termo por Braudel (1989), as condições indignas de vida
daqueles que não passam de um traço nesses índices e estão excluídos dos
alcances das maravilhas tecnológicas do mundo “pós-moderno”.
A dialética nos ensina que a
contradição é o elemento principal do processo histórico, quer das
transformações que ocorrem quer nas paisagens, quer da própria funcionalidade
do espaço, nas novas espacialidades que se definem no compasso do tempo, como também
nas mudanças sociais, nas relações que vão se estabelecendo entre os indivíduos
e que possibilitam a eles ultrapassarem limites. Negar-se e afirmar-se, para
depois voltar a negar. O mundo é um verdadeiro laboratório onde as experiências
presentes colocam em xeque as verdades do passado e deixam dúvidas cada vez
maiores sobre as (in) certezas dos novos tempos e do que virá. O novo e o velho
se confundem, e enquanto um demora a surgir o outro teima em não desaparecer.
Este é um dilema a ser enfrentado em qualquer transição.
O mundo é um imenso arcabouço de
contradições. Mas muitas delas encontram-se submersas, relegadas a uma
insignificância desproporcional diante da importância que podem ter nas
definições dos rumos que a humanidade pode seguir.
Aparentemente alheios a isso,
maravilhados pelos avanços tecnológicos e inebriados pelo discurso que se impõe
pelo poder da mídia e pelos interesses dominantes, os indivíduos submetem-se à
força de argumentos supérfluos, e veem suas condições sociais pela lógica
calvinista. Acreditando piamente na possibilidade de inserção na sociedade de
consumo, abdicam de seus direitos como cidadãos para cada vez mais os
substituírem pelos diretos de consumidores. Agem conforme imaginava Feuerbach –
por isso duramente criticado por Karl Marx – partindo da alienação religiosa e
da duplicação do mundo em religioso e terreno. O trabalho que se propõem
consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamento terreno, como
apregoam “As teses sobre Feuerbach”, publicadas em 1845. Apegam-se assim à
ideia e à crença da inserção num mundo hostil e profundamente apartado. Pela
ideia acreditam no rompimento das castas, sonham em ser “emergentes” e
desconsideram a estratificação social cada vez mais rígida. Não imaginam sequer
que todo um desmonte estatal à sua volta empurra-os cada vez mais em direção a
um fosso profundo cujas bordas estão cada vez mais distantes.
Nesse mosaico que representa o
mundo “pós-moderno” um novo papel foi reservado às cidades. Em um processo de
desterritorialização, que nada mais é do que a reterritorialização: “Os
territórios sempre comportam dentro de si vetores de desterritorialização e
reterritorialização” (HAESBAERT, 2004, p. 127). São elas, as cidades, também
exemplos notáveis das contradições dessa nova época. Do caos ao planejamento
tanto jurídico (das leis) quanto estrutural; à redenção, enquanto lócus
assimilador das transformações tecnológicas, e ao novo caos, caracterizado pelo
descompasso entre o arcaico e o moderno, presente em suas formas e em suas
paisagens, em seus fluxos e em suas dinâmicas contraditórias; de centro, que
consolida o poder dos indivíduos sobre as técnicas e as formas, à
artificialização da natureza ao seu interesse, principalmente mercadológico, e
de novo ao caos, marcado pelo uso disforme de suas potencialidades, mais a
serviço das máquinas do que dos indivíduos; dos traçados arquitetônicos que
consideram mais os automóveis do que os pedestres, e da transferência para o
urbano da lei das selvas, onde o mais forte sobrevive e resta ao mais fraco
apenas se defender ou se esconder.
Assim, seguimos nessa relação
tempo-espaço um rumo incerto, mas de uma rapidez impressionante. Construímos
máquinas que engole gente, como na visão profética dos tempos modernos de
Charles Chaplin, mas que são elas próprias rapidamente substituídas por outras
que aceleram ainda mais o processo produtivo. A relação homem-natureza
estreita-se perigosamente visto assim pela rapidez com que são esgotados os
recursos naturais, para que possa atender à visão produtivista e consumista da
sociedade de consumo, estritamente dentro da lógica egoísta do lucro e da
ganância que caracteriza o sistema.
Logorama - curta metragem francês |
Mas transformação alguma vivida
pelo sistema capitalista até então conseguiu ser mais eficaz, do ponto de vista
de sua lógica, do que os avanços obtidos, atualmente, com os deslocamentos
entre os lugares e a rapidez com que chegam as informações até o mais recôndito
lugar do planeta. Velocidade, informação e ciência a serviço do capital: esses
são os ingredientes principais dessa nova etapa da humanidade. Mas tudo isso,
embora disperso pelo mundo, é mantido sob um rígido controle das grandes
corporações financeiras, agora não mais multinacionais, mas transnacionais,
concentradoras de lucros exorbitantes e responsáveis pelo aumento do
desemprego, embora ganhem isenções fiscais dos estados sob o pretexto de
empregabilidade. Mas seus cartéis e oligopólios controlam mercados e destroem
os pequenos comércios, como a preparar caminho para uma necrópole de grandes
prédios de paredes destruídas e metais enferrujados. O exemplo disso é Detroit,
uma cidade falida, que viu sua população de mais de 2 milhões se reduzir a
pouco mais de 500 mil habitantes[1]. O
símbolo de uma realidade onde as corporações se impuseram, mas os novos tempos
marcados pela globalização transferiu riquezas acumuladas virtualmente em um
mundo que migrava rapidamente para uma era de tecnologias. Se novas detroits
não surgiram (ainda) se deve a absoluta adequação aos novos tempos, às custas
da aceitação religiosa das desigualdades sociais, da apartação da sociedade
e na crença fatalista do enriquecimento
individual pela fé.
NÃO É UMA CONCLUSÃO
Dessa maneira nos incorporamos a
uma nova realidade e a um novo discurso, para os quais surgiriam elaborações
teóricas que visariam dar um encaixe final a essa época em transformação. As
ideias, os conceitos, os valores e a moral passam a se alterar a fim de atender
aos interesses hegemônicos e estabelecer novos parâmetros culturais que condicionariam
a sociedade às novas formas de funcionamento do sistema.
A Universidade não ficou imune a
isso, conforme atestou Milton Santos, e dela partiram também novas formulações
no campo da ciência, do conhecimento e do controle ideológico. Deparamo-nos,
assim, com tratados e teses que visavam acomodar essa nova realidade, ao mesmo
tempo em que ela própria se enquadraria nos novos padrões mercadológicos
produtivistas de tratar o conhecimento e a ciência. Daí o sentido que se tentar
dar à história, dos que a veem a partir da pós-modernidade, apontando para a
desconstrução do antigo, reinscrevendo e ressituando significações e
acontecimentos bem como a fragmentação dela própria. E o sentido que se tenta
dar à geografia, aos que apontam a desterritorialização também dentro da lógica
de justificar as transformações globalizantes e as imposições do capital.
Nesse tempo de efemeridades, de
rapidez não somente nas relações econômicas, mas também nas superficialidades
das relações humanas, fica mais fácil compreender o significado da expressão
criada por Marx no Manifesto Comunista
e que ficou marcada pela titulação de Marshall Bermann (1993) ao seu livro
sobre o fim da modernidade:
Todas as relações fixas,
enrijecidas, com seu travo de antiguidades e veneráveis preconceitos e
opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes que
cheguem a se ossificar. Tudo que é sólido
desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens finalmente
são levados a enfrentar [...] as verdadeiras condições de suas vidas e suas
relações com seus companheiros humanos.
Com isso não queremos dizer que
tudo que surge com a chamada “pós-modernidade” deva ir para a lata do lixo.
Devemos, no entanto, observar atentamente como nesse novo tempo, de um
totalitarismo econômico disfarçado de liberdade e democracia, impõe verdades
tidas como absolutas, as quais têm transformado o mundo num templo em que reina
o fundamentalismo, a violência e a intolerância.
No entanto, é absolutamente falso
imaginar que a globalização torna o “mundo plano”, conforme expôs Thomas
Friedman em seu livro que leva esse título, pela maneira como os negócios
crescem e se acelera por meio das facilidades de transporte e de comunicação. Pois
o que se viu nessas duas últimas décadas, em que se propagou a globalização
como a vitória definitiva do capitalismo e o fim da história, foi o poder
centralizado pelas poucas grandes corporações e por uma quantidade ínfima de
grandes bilionários, menos de uma centena, que controla metade da riqueza
mundial. No plano geopolítico, a disputa acirrada pela manutenção da hegemonia,
pelos Estados Unidos e seus aliados, impôs ao mundo uma fragmentação e uma
violência desmedida, acentuando guerras, conflitos regionais, migração em
massa, crises políticas e o menosprezo à democracia. O mundo continua sendo um
ambiente dominado por pequenos grupos que fazem de tudo para não perderem o
controle da riqueza, mesmo que isso signifique uma ampliação absurda das
desigualdades sociais. Não há planura, no mundo, o que há são ondulações
perigosas, que tiram do prumo a sociedade sempre, pela onda cíclica que afeta
permanentemente o sistema.
REFERÊNCIAS:
ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1999.
BERMANN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A
aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. São Paulo:
Martins Fontes, 1989.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização. Rio de
Janeiro: Bertran Brasil, 2004.
KURZ, Robert. O colapso da modernização. São Paulo:
Paz e Terra, 1992.
MOTTA, Nelson. Como uma onda: In:
SANTOS, Lulu. Último romântico. São
Paulo: Warner Music Brasil, 2000. CD ASSIM 022925515728.
RECLUS, Élisee. L’homme et La terre. Tomo I. Trad.:
Maria Cecília França. Paris: Universelle, [s.d.]. p. 108-114.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço e
tempo. São Paulo: Hucitec, 1984.
______________. A natureza do espaço. São Paulo:
Hucitec, 1996.
SOJA, Edward. Geografia pós-modernas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1993.
(*) A versão original deste
artigo foi publicada no livro TEMAS GEOGRÁFICOS, editado pelo Programa de
Educação Tutorial da Geografia (PET-GEO) no ano de 2008. Fiz alterações e
adequações para que ele pudesse contemplar ainda hoje a realidade econômica e
social que vivemos, no Brasil e no mundo.
Instigante e atual suas inquietações sobre a pós-modernidade! Prazeroso poder compartilhar de suas ponderaçoes. Abraço, com estima
ResponderExcluir