Legenda: Ego-Sistema |
Aproveitando o longo feriado
carnavalesco, e estando definitivamente afastado dessa festa momesca desde que
perdi minha filha, em 2007, resolvi ser mais um seleto espectador de uma enorme
diversidade de filmes para todos os gostos, na Mostra “O Amor, a Morte e a
Paixão”. Pudemos ver por aqui, nos sertões brilhantemente intelectualizados dos
cerrados goianos, antes que paulistas e cariocas, sempre à frente dos
principais lançamentos cinematográficos de qualidade, uma enorme gama de filmes
premiados em diversos festivais do mundo, incluindo Cannes, Berlim e o Oscar.
A mostra, competentemente
organizada pelo curador Lisandro Nogueira, atual presidente da Cinemateca
Brasileira (http://www.cinemateca.gov.br/)
e os Cinemas Lumiére/Bouganville, tem como parceiros a ADUFG-Sind e o SINTEGO.
Por isso temos a satisfação de entre um e outro filme podermos trocar opiniões
sobre diversos assuntos com amigos e colegas. Numa época caracterizada por uma
intensa complexidade e pela profusão de rebeldias, focadas em reivindicações
locais, ou em interesses geopolíticos globais, pauta é o que não falta para os
debates entre amigos e colegas. Além dos temas abordados em filmes carregados
de polêmicas e roteiros que trazem toda essa complexidade e nos brindam com a
possibilidade de debatermos intensamente.
Num desses encontros, fui
interpelado por alguns amigos. Espantavam-se com as postagens e comentários que
frequentemente insiro nas redes sociais. Diziam que eu estava erroneamente
defendendo o governo “petista”, o que consideravam um absurdo.
Tenho comigo, sempre, que uma boa
amizade não se perde para a política. Por isso mantenho convivências
harmoniosas com amigos que circulam entre todos os setores e/ou partidos
políticos. Particularmente, mantenho minha filiação ao Partido Comunista do
Brasil (PCdoB), ao qual tenho ligação desde meus tempos de movimento
estudantil. Aliás, desde quando entrei na Universidade em 1980. Naquele ano
ingressei no Centro Acadêmico de História, participei do meu primeiro Congresso
da UNE, e fui “recrutado” para o movimento comunista. Minha militância sofreu
oscilação ao longo dos anos. Afastei-me de Goiânia, fui dar aulas numa
Faculdade em Araguaína, retornei à Goiânia, fiz mestrado na UFG e no ano em que
o finalizei ingressei na Universidade Federal de Goiás como docente. Primeiro
como professor substituto e no ano seguinte como efetivo. Era o ano de 1995.
1981: Av. Tocantins, 7 de setembro. Greve nacional dos estudantes. |
Embora as reminiscências da vida
tenham freado o meu ímpeto revolucionário, que me impulsionou na minha
juventude, mantive ideologicamente minha proximidade com os valores que
construíram uma visão de mundo, pautada firmemente nas teorias e experiências
do marxismo, da dialética e do materialismo. Essas mesmas agruras me fizeram
mais tolerantes, e pelo apoio e solidariedade recebidos em momentos difíceis de
minha vida, quando da perda de minha filha, compreendi que as barreiras
existentes entre concepções diferentes de mundo, já que são muitas as
ideologias que nos cercam, não podem destruir uma amizade. O que era difícil
antes, poder dialogar com aqueles que enxergavam o mundo por um paradigma
diferente do meu, tornou-se uma prática comum, simplesmente porque mantive como
prioridade nessas relações a defesa da amizade.
Mas, e aqui entro no mérito da
questão, isso nunca significou para mim, abrir mão de determinados princípios,
valores construídos com convicções e referendados pelo que eu sempre
experimentei no cotidiano de uma vida vivida com dificuldades, e com uma
trajetória de superação de problemas sociais, que nas décadas de 1970 e 1980
eram infinitamente maiores do que as que conhecemos nos dias de hoje. In-com-pa-rá-veis.
Não somente pelo anacronismo no qual incorreríamos, mas pela própria realidade sentida
no cotidiano de ontem e de hoje. Para além da certeza que temos da necessidade
de prosseguirmos nas mudanças, objetivando, naturalmente, aquilo pelo qual
sempre defendi enquanto concepção revolucionária de mundo: por fim às
desigualdades sociais e às absurdas e injustas concentrações de riquezas nas
mãos de uma minoria.
Ocorre que a interpelação que gerou
essa iniciativa, de produzir um texto, partiu, e sempre tem partido em outras
ocasiões, de antigos militantes de esquerdas, amigos hoje que no passado ou
militavam nas mesmas fileiras partidárias ou eram adversários, defensores de
ideias mais sectárias e radicais do que as que eu defendia. Pelo menos no
discurso, na aparência. Em minha opinião, naturalmente.
Mais interessante, para analisarmos
buscando a ajuda não somente dos clássicos marxistas que sempre nos orientavam
ideologicamente, mas, quem sabe, incluirmos aí um pouco das concepções
freudianas, é saber que os ataques mais virulentos partem de antigos militantes
de correntes que antigamente compunham o Partido dos Trabalhadores. Agora
duramente criticado.
Quero dizer, no entanto, que
comungo de algumas das críticas feitas por esses colegas, quanto aos rumos
tomados por aqueles que, outrora esquerdistas radicais, transformaram-se quando
da ascensão ao Poder. Creio ser essa quase que uma tendência natural,
infelizmente. Pelo choque do que significa gerenciar o Estado, na concepção
mais geral, em que se incluem todas as estruturas burocráticas administrativas;
ou pela sedução que acompanha o Poder e que desperta os piores sentimentos,
dentre eles a vaidade, a arrogância e o oportunismo. É difícil ser refratário a
eles, mas é possível resistir. Com a firmeza ideológica.
Amigos e amigas desde tempos de militância estudantil. Juntos para além das divergências políticas |
Mas divirjo pelo viés conservador,
e pelo ódio que carrega e deforma boa parte dessas críticas. Muitas delas
parecendo muito mais buscar uma justificativa para uma escolha, de mudança dos
paradigmas que os fazem enxergar outra visão de mundo, do que visando as
ausências de ações que executem aqueles velhos princípios pelos quais lutaram
em décadas passadas.
Principalmente, porque no afã de
encontrar uma justificativa para suas novas escolhas, à direita, cegam-se, ou
fingem não ver as transformações pelas quais passou o nosso país desde os
intensos anos de luta contra a ditadura até os dias atuais. Principalmente, e
isso é inegável, até mesmo por avaliadores internacionais e entidades que
reconhecem programas que transformaram a realidade de milhões de brasileiros, a
partir do começo do século XXI. Algumas mudanças, inegavelmente, se iniciaram
no governo de Itamar Franco, com a estabilidade monetária e a criação do Plano
Real, prosseguiram lentamente durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas
com um viés nitidamente neoliberal, mas foram expandidas e potencializadas
durante os governos Lula/Dilma.
Não restam dúvidas, que muitas das
bandeiras pelas quais lutávamos estão longe de terem sido implementadas.
Auditoria sobre as dívidas brasileiras; reforma agrária; controle sobre o
capital estrangeiro; fim das privatizações; salário mínimo conforme exige a
Constituição; salário dos professores ao nível de outros profissionais de
carreiras do Estado brasileiro; ensino público, gratuito e de qualidade. Etc,
etc, etc...
Mas a política brasileira impõe
dificuldades para transformações radicais, na medida em que se torna necessário
a composição com forças políticas conservadoras, majoritárias no Congresso
Nacional onde a esquerda se reduz a um mínimo de um quinto do quantitativo de
parlamentares ali presentes.
Nada disso, contudo, é capaz de
frear o ímpeto conservador e raivoso daqueles amigos que optaram por seguir um
novo curso em suas vidas. Compreendo o rigor de suas críticas, e o ódio que
transcende a racionalidade do discurso, como uma justificativa para suas novas
escolhas. O que para mim é desnecessário, pois ao longo dos anos, conforme
disse anteriormente, fui sabendo separar a relação de amizade com as escolhas
ideológicas dos amigos.
Pode ser que em determinado momento
da vida política do país tenhamos que fazer outras escolhas. Sabemos como isso
acontece por conhecermos processos históricos e políticos de países onde a luta
sectária atingiu o ápice e levou a embates violentos separando velhos amigos, e
até mesmo famílias. Torço para que o Brasil esteja livre de seguir por esses
caminhos traumáticos. Mas o discurso do ódio, disseminado pela classe média, pelos
setores conservadores e pela grande mídia corporativa, tem se intensificado na
medida em que se aproximam os dias de debates eleitorais. E as estratégias
adotadas por países em crises, como EUA e algumas potências europeias
fragilizadas economicamente, de gerar instabilidades em países estrategicamente
importantes para voltar a contar com governos que lhes sejam confiáveis, e poderem
aplicar as receitas neoliberais, fazem com que a situação fuja do controle de
muitos desses governos mais progressistas. Isso pode também acontecer por aqui.
Mas apontar esses riscos, ou
considerar os avanços obtidos no campo social, soa para esses antigos
companheiros como defesa do “jeito petista de governar”. O que significa dar
vazão a todos os ataques feitos por esses setores midiáticos.
Porquanto eu possa ter crítica à
ausência de iniciativa no atendimento de reivindicações históricas, e até mesmo
seculares, como no caso da Reforma Agrária, à manutenção de uma política
econômica de viés neoliberal, com elevação das taxas de juros a níveis
estratosféricos, ou à covardia em se recusar a atacar com firmeza o monopólio
da informação e não conter os desvarios de uma mídia golpista, que tende a
repetir o papel que desempenhou durante o golpe militar de 1964, não me vejo
como replicador de ataques que poderia levar o país a um retrocesso político.
Principalmente do ponto de vista do atendimento das questões sociais.
EU NÃO VIVO DO PASSADO, O PASSADO
VIVE EM MIM.
Anos atrás escrevi um texto,
publicado aqui mesmo no Blog, em que eu descrevia a minha trajetória política e
encerrava a militância, ou o engajamento partidário tal qual eu fizera até um
momento crucial em minha vida. A partir dali, lutando para superar uma
depressão causada por uma perda inestimável, compreendia que o caminho que eu
deveria trilhar seria aquele que profissionalmente eu tinha escolhido: a
Universidade.
Não quero dizer que haja
incompatibilidade entre militar ativamente na política e ser um professor
universitário. Mas eu não me prendia às questões de compatibilidade, e sim de
escolhas.
Contudo, muito embora sinalizando
com a possibilidade de eventualmente poder contribuir em funções do Estado, em
setores estrategicamente ligados à minha área de atuação, eu abdicava da
militância. Mas, em nenhum momento afirmei que abria mão de minhas concepções
políticas e ideológicas, daquelas que me guiaram por três décadas e pelas quais
eu mantinha, e mantenho profundas afinidades.
Isso, naturalmente, me leva sempre
a analisar a política dialeticamente, e compreendendo os embates que despontam
no Brasil e no mundo, seguindo-se a lógica irrefutável apresentada por Karl
Marx: a luta de classes. Tentada ser encerrada nos anos 1990, auge do avanço
neoliberal pelo mundo, quando muitos intelectuais, antes defensores das
análises marxistas, “bateram em retirada”, e esconderam-se covardemente nas
abordagens de cotidiano e das migalhas da história.
Esse momento que vivemos, de pressão
conservadora e de ações provocativas com o intuito de gerar instabilidades
políticas pelos setores que não conseguem retomar o poder dentro do processo
democrático tradicional, mas ao mesmo tempo de insatisfações crescentes de uma
massa que aprendeu que pode querer, e quer mais do que tem sido lhe garantido,
cria um divisor de águas. A minha verve marxista, revolucionária, embora
diletante e não mais militante, fala mais alto. Parto da análise dialética das contradições,
do choque dos contrários e da luta de classes e me defino como dantes. Assumo
com prazer o lado onde sempre me mantive, ao longo de quatro décadas.
Por isso, ao escrever o artigo
citado[1]
recorri a uma frase de Paulinho da Viola que ele diz no DVD “Meu Tempo é Hoje”:
“Eu não vivo do passado, o passado vive em mim”.
Mantive-me ao longo desses últimos
anos distantes das agitações políticas, mas não me desvinculo de minha
ideologia. Até porque no meu cotidiano convivo com alguém que herdou essa verve
revolucionária, às vezes sem a devida temperança (como era também o meu estilo),
meu filho, que segue meus passos, mas com passadas mais largas do que as que eu
dei. Não me comporto como antes, reconheço, talvez um pouco conservador ou mais
conciliador, mas sabendo distinguir com base naquilo que aprendi ao longo de
meus melhores momentos de embates políticos, o que é o joio e o que é o trigo.
Documentário que apresenta vários fatos acontecidos no mundo |
Isso é suficiente para delimitar
meu campo. Por mais que eu tenha que ser tolerante nas críticas vociferantes e
carregadas de ódios, inexplicáveis, de alguns de meus amigos, elas jamais serão
suficientes para me convencer de mudar o rumo do meu destino. Não que seja
porque ele tenha sido “traçado na maternidade”, mas porque sempre soube, na
vida, e no que aprendi ideologicamente, em qual lado eu deveria me situar na
luta de classes. Mais do que uma questão de escolha, é principalmente de origem
social. Se estivesse na Venezuela, certamente eu seria bolivariano. Para
desespero desses meus amigos.
Mais farei um convite aos mais próximos.
Assistirmos juntos, tomando um bom vinho aos filmes: “O declínio do Império
Americano”[2]
e “As Invasões Bárbaras”[3].
Teremos assuntos para além da revolução, ou dos golpes “suaves” de Estado que
se espalham pelo mundo.
[1]
http://gramaticadomundo.blogspot.com.br/2013/01/a-encruzilhada-os-proximos-anos-do.html
[2] O Declínio do Império Americano
(Le Déclin de l'Empire Américain), de Denys Arcand. Canadá, 1986, Cores, 101
min. Com: Dominique Michel, Dorothée Berryman, Louise Portal. O que pensam
realmente as mulheres dos homens? De que é que falam quando eles não estão
presentes? E os homens, de que falam? Enquanto Rémy, Pierre, Claude e Alain,
professores na faculdade de História, preparam um jantar requintado, as suas
companheiras, Dominique, Louise, Diane e Danielle, treinam-se num ginásio. Os
homens falam sobre as mulheres, as mulheres sobre os homens. Estas duas
conversas põem em evidência as mentiras de uma época e mostram que cada um
deles procura a felicidade individual a qualquer preço. Fantasias, tentação,
desejo, indiscrições, infidelidade, confissões são os ingredientes do argumento.
"O Declínio do Império Americano" (1986), de Denys Arcand, que foi um
dos maiores sucessos do cinema canadiano e foi apresentado na Quinzena dos
Realizadores em Cannes. Disponível no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=DVxnkiMqZak
[3] As Invasões Bárbaras (Les
invasions barbares) – É um filme franco-canadense de 2003 realizado por Denys
Arcand. Direção: Denys Arcand. Prêmios: Oscar de melhor filme estrangeiro. Elenco:
Rémy Girard, Marie-Josée Croze, Stéphane Rousseau. Considerado um dos melhores
filmes de 2003, "As Invasões Bárbaras" é um filme raro. Emocionate
sem ser piegas e ao mesmo tempo moderno. O diretor Denys Arcand promove o
reencontro dos amigos de "O Declínio do Império Americano" dezoito
anos depois. Eles estão juntos novamente para se despedir do divorciado Rémy,
abatido por um câncer raro. A reunião é promovida por seu filho yuppie.
Sensível, envolvente, com um humor afinadíssimo e muito inteligente, "As
Invasões Bárbaras" ganhou dois prêmios no Festival de Cannes: Melhor
Roteiro e Melhor Atriz (Marie-Josée Croze), além de ser Indicado ao Globo de
Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Fonte: filmesdecinema. Disponível no Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=jATYBTQ4Z9c
Grande mestre Romualdo ,belo texto!
ResponderExcluirSerá que podia escrever mais sobre "Essa questão tão comentada da relação Ucrânia,Putin e Mundo(EUA) e as realmente VERDADES e MENTIRADAS e interesses sobre esse fato!?!" ,e se pudesse também, um olhar crítico seu, sobre a tal "Redução da maioridade penal no Brasil,esse protecionismo do menor,relacionando o porque de dar certo em outros países!?" tão discutido e falado!.....Um forte Abraço mestre!
ResponderExcluirOlá Marlon. Obrigado por participar do Blog. Esse tema que você sugere, da atual crise envolvendo Ucrânia-Rússia e países ocidentais/EUA tem sido objeto de estudos e preparação para minhas primeiras aulas da disciplina de Geopolítica Contemporânea. Depois disso estarei preparando um texto comentando mais essa crise. Quanto à discussão sobre o limite de idade para punição, eu prefiro não entrar nessa discussão por enquanto. Ela é sempre feita em meio à comoções de fatos que envolvem crimes que chocam a sociedade. A racionalidade é deixada de lado. É fato que a criminalidade está cada vez mais atingindo jovens de idade inferior a 16 anos, mas esse é um problema sistêmico, e em grande parte também relacionado aos problemas das drogas. Sobre esse tema já fiz vários comentários aqui no Blog. A propósito, sou contra a redução da maioridade penal. A solução não está aí, isso não resolve o problema da violência, principalmente porque as prisões são espécies de faculdades do crime. O PCC está cada vez mais forte, assediando jovens aprendizes de criminosos e se constituindo em um dos maiores problemas sociais do país. Ele está se fortalecendo a partir das cadeias. Abç.
Excluir