quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A ENCRUZILHADA - OS PRÓXIMOS ANOS DO RESTO DE MINHA VIDA


“Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”
Vinicius de Moraes – “Como dizia o Poeta”

Quem de nós não chegou a certo tempo de sua vida e não precisou olhar para trás, a fim de poder refletir sobre o presente e indagar o que pode reservar o futuro? São momentos em que precisamos tomar decisões que são baseadas em múltiplas complexidades vividas no presente, verdadeiros turbilhões de sensações e sentimentos que afetam e alteram nossas vidas. Quase sempre, nessas circunstâncias o impulso de todos é olhar para o futuro, diz-se sempre que “é preciso olhar para frente”. A meu ver um equívoco. O futuro é uma construção, ele existirá de conformidade com as decisões que tomarmos no presente.
Há uma música belíssima, de Paulinho da Viola, em cuja frase ele sintetiza esses elementos que para mim são fundamentais para a construção que pretendo fazer nessa crônica: “meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado, quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado” (Dança da Solidão).
Reencontro de amigos, velhos militantes
da política e do movimento estudantil
nos anos 1980 (VIRAÇÃO)
Ainda buscando uma referência de qualidade neste mesmo compositor, do qual eu sou um grande admirador ele diz, ao final do DVD “Paulinho da Viola – Meu tempo é hoje” (espetacular!): “Wilson Batista é um dos meus compositores preferidos. Ele tem um samba com um verso que diz, ‘meu mundo é hoje não existe amanhã para mim’. Eu costumo dizer, que meu tempo é hoje, eu não vivo no passado, o passado vive em mim”.
Vivi momentos intensos em minha vida. Às vezes por impulso, influenciado por amigos (bons amigos, razão pela qual não me arrependo de suas influências), e ressalto que uma das qualidades que me orgulho é de sempre ter escolhido bons amigos.
Assembléia de estudantes, na
Praça Universitária (1981
Suas influências, portanto, foram positivas. Mas, sempre tive a capacidade de tomar posição, de criticamente analisar cada situação e assumir sem receios decisões que definiram um lado a me situar. Nunca tive receios em assumir tais responsabilidades e de torná-las públicas. Por muitas vezes fui criticado por isso, mas fazia parte de minha personalidade. Nunca me acovardei diante das idéias e posições que tinha que assumir e procurei esgrimir, sempre, aqueles argumentos que para mim eram definidores dos meus posicionamentos. Isso tanto no cotidiano de minhas relações afetivas e pessoais, quanto da minha escolha e militância política. Os que me conhecem podem atestar isso. Mas aqui separarei esses dois momentos, primeiro o político, depois o pessoal e afetivo.
Mas, depois de 30 anos de militância política, sempre num mesmo partido, e diante das circunstâncias criadas pelas complexidades da vida, algumas naturais, outras porque nós mesmos as complicamos, pelas escolhas que fazemos, algumas dúvidas e questionamentos se avolumam e nos deixam em permanente conflito. Isso nos leva a tomar posição. Algo que, como eu disse anteriormente, jamais deixei de fazer.
Encontro de Viração em Maceió (AL)
Isso me permite dizer, com segurança, que meus tempos de militância política se esgotaram. Não sei se pelos percalços deixados pelos acontecimentos que afetaram minha vida, pelos desânimos e/ou decepções causadas por determinadas frustrações sobre os rumos daquilo que sempre acreditei, ou quem sabe por uma somatória de tudo isso.
Mas desde algum tempo tenho sido fortemente influenciado por um dos maiores intelecuais brasileiros, que aprendi a admirar quando passei a ter contato com o mundo dos geógrafos, Milton Santos. Sempre me martelou uma de suas frases para mim mais significativas na definição da intelectualidade, dentre tantas outras: “Ser intelectual é exercer diariamente rebeldia contra conceitos assentados, tornados respeitáveis, mas falsos. É, também, aceitar o papel de criador e propagador do desassossego e o papel de produtor do escândalo, se necessário” (Revista Adusp, outubro de 1997).
Não que eu queira me incluir arbitrariamente como intelectual, mas acredito freqüentar esse ambiente formador dessas definições, e exercer eventualmente determinadas situações que podem me condicionar para tal, independente do grau de qualificação que me seja dado.
É assim, então, seguindo os exemplos de Milton Santos, que pretendo me posicionar. Sem jamais abdicar de meus posicionamentos ideológicos, forjados após anos de militância marxista, que encontra na dialética e no materialismo as respostas para o entendimento do mundo e da complexidade que o forma e o cerca.
Uma das minhas prisões. Em 1981, na
greve geral dos estudantes, puxada
pela UNE
Declaro, portanto, a partir deste momento, encerrada a minha militância político-partidária, sem me arrepender em um momento sequer de minhas escolhas e dos embates nos quais me envolvi, sempre com muita paixão, dedicação e garra. Nesta encruzilhada, o caminho que escolho é o da independência partidária, mas seguirei firme no rumo da minha definição ideológica: marxista e materialista.
Mas nossos destinos não são traçados apenas por decisões políticas. Talvez mais complexas do que essas são as que construímos em nossas relações pessoais, mas também igualmente carregadas de contradições. E as alterações desses rumos são muito mais complicadas e não dependem de simples escolhas, de qual o caminho temos de seguir quando nos deparamos em uma encruzilhada.
Aqui as decisões dependem muito de uma série de fatores, e quaisquer que sejam elas possibilitam desencadear uma infinidade de conseqüências porque enredam nossas vidas em tantas outras. Vividas desde o passado, construídas por paixões, amizades, amores possíveis e impossíveis. Mas envolvem valores culturais, tradições e rotinas que estabelecemos ao longo de décadas em que formamos nossos ambientes familiares, ou dos quais não pudemos nos afastar muito.
Com minha filha Carol e minha
sobrinha Ana Clara na festa
de Viração (2007)
Contudo, não há nada mais passível de alterar nossas vidas, seja em relação à nossa personalidade, ou na formação de nossa família, do que a perda de uma filha. A partir disso há uma desconstrução e reconstrução forçosa de nossas vidas. Perder um filho, como já disse em outras oportunidades, é perder a perspectiva do futuro, pois é nele que construímos nosso amanhã, vivemos para isso a partir de suas existências. Não existimos mais para nós, individualmente, mas para eles. O eu desaparece, quando aparecem os filhos. Somos nós, são partes de nós mesmos. Ao perdê-los, por morte, antes que partamos, perdemos por certo tempo os rumos que sempre imaginamos para nossas vidas.
Mas, conta-se na vida também não somente as partidas. Mas ao seguirmos em frente, apesar das adversidades, das frustrações, dos momentos depressivos pela perda de um filho, nossas vidas vão adiante, em ritmos e sensações diferentes. Mas o universo ao nosso redor não muda tanto quanto sentimos intimamente. Nossos amigos, as pessoas que nos cercam e convivem conosco a rotina de um cotidiano do qual não podemos sempre fugir, seguem nos observando com olhares sutis, companheiros, às vezes, dependendo da sensibilidade de cada um, com carinho e admiração diante do enfrentamento de determinada tragédia.
As pessoas têm olhares diferentes para o mundo. Às vezes não têm sequer dimensão do que acontece ao seu redor. Algumas se entregam ao sobrenatural, às crenças jamais improváveis, mas cuja fé as deixam plenamente cientes de que não há fantasia, há realidade. Confunde-se, então, o irreal com o real, e transpõe-se para um mundo distante daquele que o cerca.
Há, contudo, outras pessoas, cujos sentimentos são plenamente incorporados de amor e carinho, e transferem isso muitas vezes para quem luta, sofregamente, por sobreviver após tragédias que alteram não somente vidas, mas também individualmente, pessoas.
Em evento na UFG, ao lado do colega,
amigo e poeta, Eguimar Felício
Ao invadir nossas vidas, com esses sentimentos, essas pessoas também afetam sobremaneira nossa relação com a vida e com as pessoas que nos cercam. Vivi e vivo isso intensamente.
Busquei no ambiente do meu trabalho, seja com alunos ou colegas, suportar todos esses conflitos gerados pela perda de minha filha. Tornei-me mais tolerante na relação com meus “discípulos”, para usar uma expressão muito comum na época de Karl Marx. Procurei compreender as dificuldades que cada um de meus alunos carrega, porque são seres humanos, e tanto quanto no meu caso, sujeitos a se depararem com momentos de conflitos e sofrimentos. Mas, mesmo nos momentos mais difíceis em que vivi, sem jamais abdicar da seriedade e responsabilidade que me é dado como mestre.
Em alguns casos, no entanto, as relações confundem-se, da amizade para sentimentos mais complexos, embora carregados de nobreza, e muitas vezes nos colocam frente à dilemas que não dizem respeito somente às nossas escolhas, ou à decisões individuais, mas afetam sentimentos fortes, paixões, que mexem com nossas rotinas e maneiras de ser e viver. Põem-nos diante de muros, muralhas, que transpô-las pode significar surpresas às vezes indigestas, ou quem sabe, não, mas indecifráveis.
Os sofrimentos, ou sacrifícios, fazem parte da cultura judaico-cristâ. Assim se conta a história dos mitos que definiram a maneira de ser do mundo ocidental. Por isso o sofrimento atrai as pessoas e estimulam sentimentos de compaixão e solidariedade. Assim, nos tornamos reféns de nossas próprias tragédias, e muitas vezes não sabemos discernir quando nos confrontamos com determinadas situações em que paixões e compaixões confundem-se, ou nós mesmos confundimos porque não sabemos identificá-las.
E, fragilizados, diante das circunstâncias que nos cercam e tornam nosso futuro indecifrável, sucumbimos às sensações motivadas por amores e carinhos determinados por essas identidades. Mas isso muitas vezes nos coloca diante de outra encruzilhada. Já não se trata de uma escolha política, mas de uma decisão movida tanto pela racionalidade como também pelo coração. São razão e emoção, definindo as escolhas que selam nosso destino.
Cabe-nos então, retornar às questões postas no início dessa crônica, e relembrar a frase de Paulinho da Viola, “não vivo do passado, o passado vive em mim”. Isso torna difícil qualquer escolha que queiramos fazer, porque representaria retirar o passado de dentro de nós, e dificultaria a definição sobre qual caminho devemos seguir nessa encruzilhada que, permanentemente, a vida prepara para cada um de nós.
Por fim, uma dúvida que surgiu no decorrer da elaboração desse texto. Acredito ou não no destino? Para mim o destino é o acaso. Portanto, considero natural que o acaso seja considerado quando pensamos na maneira como nossa vida vai sendo delineada.
Paulinho da Viola - DVD "Meu
Tempo é Hoje"
Ora, não vivemos sozinhos, isolados, no mundo. Fazemos parte de uma realidade extremamente complexa, onde vidas se entrecruzam permanentemente. Seria improvável acreditar que em meio às redes que determinam as rotas que seguem nossas vidas, nada pudesse se “enredar” de tal maneira que não fosse suficiente para alterar esses rumos, independente de nossa vontade.
Temos nossas escolhas, inegavelmente. Mas a vida, às vezes, prepara armadilhas das quais temos dificuldades de nos desvencilharmos. Aí, nesse embate entre razão e emoção, podemos sucumbir ao destino, ou ao acaso, que a vida nos reserva, e perdemos a condição de traçá-lo. Somos carregados por ele.
Para finalizar, ainda inspirado em Paulinho da Viola, cito uma frase de uma belíssima música dele, como tantas outras, para resumir essa relação com o destino: “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”.
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(*) Reedito esse artigo que publiquei no final de 2010. O que naquele momento era uma tendência, uma decisão que eu alimentava e que decidira aplicá-la pouco a pouco, reafirmo agora e busco completar um ciclo de minha vida. Como digo em algumas frases, mantendo-me ligado àquelas idéias e concepções que guiaram minha vida nas últimas trés décadas e às quais nunca reneguei. Apenas deixo para o meu filho o legado da militância política e da escolha por caminhos que sempre considerei os mais justos e corretos, razão pela qual jamais me arrependi. Por isso tenho sempre como meu mestre o historiador britânico, recentemente falecido, Eric Hobsbawm. 
Dedico-me agora a finalizar um doutorado, por várias vezes adiado, ou por decisões políticas, ou por obra do acaso, em momentos de fatalidades que alteraram os rumos de minha vida. Algumas vezes agimos motivados pelo destino, por outras são nossas decisões racionais, nesse momento as duas coisas se uniram para que, na encruzilhada da vida, eu decidisse pelo caminho a tomar. Afinal, como dizia o poeta (se não me engano Thiago de Melo): "Quem sabe onde quer chegar, escolhe o caminho certo e o jeito de caminhar".

4 comentários:

  1. Caro professor, acompanho seus textos desde o ano passado, mas este ficou especial.
    Tudo, tudo tem uma história, isso que você está chamando de passado.
    O que fazemos com a nossa história é o que nos torna quem somos.
    Ainda bem que você é professor, agradeço a oportunidade de compartilhar dessas leituras.

    Maria Ester

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    1. Maria Ester, o prazer é todo meu por poder ler comentários como o seu. Obrigado e um abraço.

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  2. Grande amigo Romualdo, apesar de distante também acompanho a sua bela "gramática " do mundo! Feliz 2013 para você sua família ; e que na medida de nossas limitações impostas pela vida consigamos continuar guiando nossas vidas e acreditar ainda em um novo mundo melhor para todos!

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    1. Caro amigo Heder, obrigado por me acompanhar nesses desabafos virtuais. Mas ao mesmo tempo procuro também contribuir com a construção do futuro, agora como blogueiro a confrontar a grande mídia. Apesar de tudo, acredito que um outro mundo (melhor) é possível. Um grande abraço, é um prazer tê-lo como amigo. Muito sucesso em 2013 também para você e família.

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