domingo, 13 de janeiro de 2013

OS CURDOS - UMA PEÇA ESQUECIDA NO XADREZ DO ORIENTE MÉDIO


Imagine que o povo curdo estivesse reunido em um território delimitado, com fronteiras definidas e um Estado que consolidasse uma nação. Esse país estaria na posição entre 30º e 35º lugar em número de habitantes, entre os quase 200 países existentes no mundo. Mas onde se encontra esse povo? Porque pouco se fala dele?
Quase nunca citado na mídia os curdos formam um povo sem pátria. Espalhado por vários países no Oriente Médio, tem, nos últimos anos, devido à forte repressão e perseguição a que tem sido duramente submetido durante séculos, migrado mais acentuadamente em direção à outros países ocidentais, principalmente os europeus, e destacadamente a Alemanha. São cerca de 35 milhões de curdos, espalhados por países do Oriente Médio: Turquia e Iraque, principalmente, além de Irã, Síria, Armênia e Azerbaijão (esses dois últimos fora do OM), em uma área que corresponde a aproximadamente 500 mil km². Eles formam grupos com características diversificadas, em razão das diferenças existentes entre os países em que vivem, mas estão situados em territórios com enorme importância estratégica no Iraque e na Turquia.
Mas nos interessa resgatar aqui o que a mídia omite por questões que estão relacionadas aos interesses geopolíticos de potências europeias e aos Estados Unidos. Principalmente pelo fato de a região reivindicada por esse povo ter uma importância geopolítica fundamental, pois o que deveria ser o seu território, numa região conhecida como Curdistão, possui além de enormes reservas de petróleo, rotas importantes de oleodutos e gasodutos que seguem em direção ao mar Cáspio. Um dos maiores consórcios que atuam na região tem, por exemplo, a presença da companhia britânica British Petróleum. Trata-se do consórcio Baku-Tibilise-Ceyan (BTC), que controla um oleoduto financiado pelo banco mundial desde 2005 que passa por Azerbaijão, Georgia e Turquia. O governo turco concedeu poderes sobre esse consórcio que anulavam direitos humanos, sociais e ambientais e que mantinham fortes pressões sobre o povo curdo, afetado em seus domínios, mas reprimidos implacavelmente. O oleoduto BTC tem uma importância considerável na geopolítica do petróleo e as potências ocidentais, com os acordos firmados, conseguem influenciar permanentemente na política da região.
No Iraque os curdos ocupam uma área com grande reserva de petróleo, na fronteira com Irã e sempre foram submetidos à opressão permanente, e durante o governo Sadam Hussein sofreram um massacre que levou à morte milhares deles, eliminados provavelmente com a utilização de armas químicas, em 1988 na cidade de Halabja de maioria curda. Mas também em 1995 tropas militares da Turquia, aos milhares, invadiram o curdistão iraquiano para atacar bases do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), grupo que lidera a luta separatista dos curdos na Turquia, e por isso e por seus métodos, é considerado pelos EUA como terrorista.
Com o esfacelamento do Iraque, após a invasão dos EUA quando se aliam à coalizão ocidental para derrotarem Sadam Hussein, acreditava-se que os curdos poderiam conseguir  a ambicionada autonomia, mas isso não se concretizou, muito provavelmente porque a área a ser autonomizada tem em seu subsolo uma enorme reserva de petróleo, provavelmente a maior em território iraquiano. Os EUA não apoiaram porque temia que se acentuassem as lutas étnicas gerando mais instabilidades que poderia complicar o controle sobre essa enorme reserva.
Refugiados iraquianos no
curdistão sírio
Contudo, a despeito dessas questões que tem a ver com o fato de o povo curdo reivindicar uma região riquíssima em petróleo, nesse momento o que fala mais alto (embora não repercuta na mídia), envolve a guerra civil na Síria e a fronteira com a Turquia. Sabemos que dura há séculos a luta curda por um Estado autônomo e independente, e que grupos guerrilheiros se mantêm ativo na Turquia, muito embora duramente reprimidos em massacres que não são mostrados para o mundo.
Nas últimas semanas se ouviu muito falar sobre movimentação de mísseis Patriots dos Estados Unidos, a serem controlados pela OTAN, deslocados para a região fronteiriça entre a Síria e Turquia. O argumento apresentado foi de que seriam para prevenir contra qualquer tentativa de ataque sírio. Mas a verdade é bem outra, embora não se descarte a possibilidade de haver um ataque turco ao país vizinho.
Curdistão sírio - guerrilheiras
Ocorre que grupos guerrilheiros curdos, aliados ao governo de Bashar al Assad, negociaram a autonomia da região em que vivem, na fronteira com a Turquia. A estratégia do governo sírio seria empurrar o conflito para o país vizinho possibilitando que o PKK, atualmente enfraquecido pela repressão violenta do governo turco, possa se sentir animado diante da eminência de avanço da revolta árabe para o território turco.
O pesadelo de Recep Tayyip Erdogan, primeiro ministro turco, seria uma aliança entre curdos iraquianos e sírios, que poderia reacender os ânimos dos curdos turcos, fortalecer o PKK, e, principalmente, estimular os guerrilheiros que atuam na Turquia, enfraquecidos pelos constantes confrontos e repressão do bem armado exército turco.
Mas, não somente esse quadro seria preocupante para o primeiro-ministro turco. A possibilidade de uma derrota do regime sírio poderia também levar a uma instabilidade na região, semelhante ao que acontece atualmente na Líbia, que poderia empurrar os curdos em direção à fronteira turca, onde milhares de refugiados vivem em acampamentos improvisados.
Enfim, o sonho de um Curdistão independente e autônomo pode estar sendo renovado com a radicalidade do conflito sírio e com a postura agressiva do governo Turco, constituindo-se em porta-voz dos interesses dos EUA através da OTAN.
Não é exagero considerar que a Turquia pode ser a próxima pedra do dominó a ser abalada no jogo geopolítico do Oriente Médio, em mais um capítulo do que se convencionou chamar (erroneamente) de “primavera árabe”. O que não se pode esperar, nesse caso, é que a reação das potencias ocidentais se limitem a ação de agentes espiões, de falcões provocadores ou de financiamento a grupos que disfarçadamente agem a seu favor. Seguramente a defesa da Turquia colocaria a OTAN em pé de guerrra, não somente por ser esse país um membro dessa organização, mas por sua posição estratégica.
Com um território dividido por dois continentes a Turquia se liga à Europa e a Ásia pelo estreito de Bósforo. Embora participante da OCDE, a sua integração ao bloco europeu anda a passos de tartaruga, e o grande empecilho a isso é a sua enorme população islâmica, que gera receios em vários governos europeus, já que essa religião tem um forte crescimento no continente, e poderia ser ampliado como consequência da liberdade movimento da população pelas nações europeias.
Uma situação de instabilidade na Turquia poderia levar a um deslocamento acentuado de turcos em direção aos países europeus, acirrando os problemas que esses já se deparam, com níveis crescentes de desempregos a estimular casos de xenofobia.
Cenas do filme:
Tartarugas podem voar
Essas interrogações, quanto ao resultado do conflito que está destruindo a Síria e as consequências disso não só para o futuro daquele país, mas também para a Turquia e outros Estados-nações que tem fronteira com o território sírio, não podem ser respondidas com segurança quanto aos seus resultados.
Contudo, é possível perceber que as manobras militares da OTAN, com o uso de mísseis patriots estadunidenses, tem o claro objetivo de proteger a Turquia das instabilidades crescentes na região. Da absoluta falta de segurança quanto ao destino que poderá ter o aparato bélico sírio, caso o governo seja derrotado (já que se sabe haver até mesmo grupos da Al Qaeda combatendo naquele país), bem como sobre qual será o comportamento dos vários grupos da guerrilha curda, que não descansará enquanto não conseguir atingir seu objetivo, tornar o Curdistão um Estado-nação do povo Curdo.


FONTES:
2. Conflito entre Turquia e Síria incentiva separatistas curdos – Der Spiegel: http://codinomeinformante.blogspot.com.br/2012/10/der-spiegel-conflito-entre-turquia-e.html
Vídeo/filme:
Tartarugas podem voar – filme que retrata a situação do povo curdo em aldeia (acampamento) na fronteira entre o Irã e o Iraque ás vésperas da invasão dos EUA.
Ficha Técnica: Tartarugas Podem Voar (Lakposhtha hâm parvaz mikonand /Turtles Can Fly). 2004. Irã / Iraque. Direção e Roteiro: Bahman Ghobadi. Elenco: Soran Ebrahim (Satellite), Avaz Latif (Agrin), Saddam Hossein Feysal (Pashow), Hiresh Feysal Rahman (Hengov), Abdol Rahman Karim (Riga), Ajil Zibari (Shirkooh). Gênero: Drama, Guerra. Duração: 95 minutos.
Disponível no Youtube:  https://www.youtube.com/watch?v=5n1Af5_TjrI (completo e legendado)

Um comentário:

  1. A constituição de um território Curdo, autônomo, é tarefa difícil, já que a população de tal etnia está distribuída por diversos países, e são minoria em todos... Com o agravante da instabilidade política da região, localização estratégica e de interesse econômico global.
    A premissa de instaurar(ou tentar instaurar) um Estado-nação Curdo incidiria em violentas reações.

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